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Importância do rastreamento de disfagia e da avaliação nutricional em pacientes hospitalizados

RESUMO

Objetivo:

Verificar a prevalência do risco de disfagia e seus fatores associados em pacientes hospitalizados, bem como avaliar o estado nutricional por diferentes métodos e correlacioná-los à pontuação do Eating Assessment Tool (EAT-10).

Métodos:

Estudo de delineamento transversal, realizado com 909 pacientes internados em um hospital filantrópico. Para o rastreamento de disfagia, foi aplicado o Eating Assessment Tool (EAT-10) em sua versão adaptada para o Brasil. O diagnóstico nutricional foi realizado por meio da avaliação global subjetiva e pela aferição de medidas antropométicas. A diferença entre os grupos foi verificada pelo teste de Mann-Whitney e as associações, pelo χ2 de Pearson e correlação de Spearman.

Resultados:

A prevalência do risco de disfagia foi de 10,5%, sendo a faixa etária idosa um fator associado a esta condição. Pacientes em risco apresentaram valores inferiores de perímetro do braço e panturrilha, variáveis que se correlacionaram de forma inversa à pontuação do Eating Assessment Tool (EAT-10). A desnutrição foi identificada em 13,2% dos avaliados, segundo a avaliação global subjetiva, e em 15,2%, quando utilizado o índice de massa corporal.

Conclusão:

O rastreamento da disfagia e da desnutrição devem ser incorporados à rotina hospitalar, com o objetivo de evitar ou minimizar os prejuízos provocados por estas condições, especialmente nos idosos.

Descritores:
Transtornos de deglutição; Avaliação nutricional; Desnutrição; Hospitais

ABSTRACT

Objective:

To determine frequency of dysphagia risk and associated factors in hospitalized patients as well as to evaluate nutritional status by using different methods and correlate the status with scores of the Eating Assessment Tool (EAT-10).

Methods:

This was a cross-sectional study including 909 inpatients of a philanthropic hospital. For the diagnosis of dysphagia we used an adapted and validated Brazilian version of the Eating Assessment Tool (EAT-10). The nutritional status was evaluated through the subjective global assessment, and anthropometric measurements included weight, calf and arm circumference, and knee height. The Mann-Whitney test, associations using the Pearson’s χ2 and Spearman’s correlation were used to verify differences between the groups.

Results:

The prevalence of dysphagia risk was 10.5%, and aging was the associated factor with this condition. Patients at risk presented lower values of arm and calf circumference, variables that correlated inversely with the Eating Assessment Tool (EAT-10) score. Malnutrition was observed in 13.2% of patients based on the subjective global assessment and in 15.2% based on the Body Mass Index.

Conclusion:

Screening for dysphagia and malnutrition should be introduced in hospitals routine to avoid or minimize damages caused by dysphagia or malnutrition, especially among older people.

Keywords:
Deglutition disorders; Nutrition assessment; Malnutrition; Hospitals

INTRODUÇÃO

A disfagia pode ser definida como a dificuldade em deglutir o alimento no trajeto da cavidade oral até o estômago, condição esta que pode se associar a sintomas como regurgitação, aspiração traqueobrônquica, dor retroesternal independente de esforço físico (relacionada ou não à alimentação), pirose, rouquidão, soluço e odinofagia.(11. Cuenca RM, Malafaia DT, Souza GD, Souza LR, Motta VP, Lima MR, et al. [Dysphagic syndrome]. ABCD Arq Bras Cir Dig. 2007;20(2):116-8. Review. Portuguese.) Apesar de ocorrer em qualquer idade, faixa etária idosa e doenças neurodegenerativas e/ou de cabeça/pescoço são fatores relacionados à sua maior prevalência.(22. Turley R, Cohen S. Impact of voice and swallowing problems in the elderly. Otolaryngol Head Neck Surg. 2009;140(1):33-6.)

Acredita-se que seja um problema subdiagnosticado, com frequências que variam segundo os métodos de diagnóstico. Na população em geral, as prevalências variam de 2 a 16%, valores que podem ser superiores a 40% em pacientes internados.(33. Baijens LW, Clavé P, Cras P, Ekberg O, Forster A, Kolb GF, et al. European Society for Swallowing Disorders - European Union Geriatric Medicine Society white paper: oropharyngeal dysphagia as a geriatric syndrome. ClinInterv Aging. 2016;11:1403-28. eCollection 2016. Review.) Especificamente no ambiente hospitalar, a disfagia relaciona-se a maior tempo de hospitalização, custos mais elevados e maior risco de mortalidade.(44. Altman KW. Dysphagia evaluation and care in the hospital setting: the need for protocolization. Otolaryngol Head Neck Surg. 2011;145(6):895-8.)

A disfagia está associada ainda a queda na qualidade de vida, pneumonia aspirativa, desidratação, desnutrição e isolamento social.(55. Boccardi V, Ruggiero C, Patriti A, Marano L. Diagnostic assessment and management of dysphagia in patients with Alzheimer’s disease. J Alzheimers Dis. 2016;50(4):947-55. Review.) Diretrizes clínicas recomendam a identificação precoce do risco de disfagia e, neste sentido, o uso de instrumentos para seu rastreamento representa alternativa prática, de baixo custo e que permite identificar precocemente os casos em que uma avaliação mais detalhada é necessária.(66. Gonçalves MI, Remaili CB, Behlau M. Cross-cultural adaptation of the Brazilian version of the Eating Assessment Tool-EAT-10. Codas. 2013;25(6):601-4.)

O Eating Assessment Tool (EAT-10) é uma ferramenta de triagem desenvolvida nos Estados Unidos em 2008 a partir de informações de 4 82 pacientes. Foi considerado um método válido e robusto de autoavaliação para o risco de disfagia, indicando indivíduos que necessitam de intervenção multidisciplinar precoce.(77. Belafsky PC, Mouadeb DA, Rees CJ, Pryor JC, Postma GN, Allen J, et al. Validity and reliability of the Eating Assessment Tool (EAT-10). Ann Otol Rhinol Laryngol. 2008;117(12):919-24.) O instrumento possui dez questões de formulação simples e fornece informações sobre funcionalidade, impacto emocional e sintomas físicos que um problema de deglutição pode acarretar na vida de um indivíduo.(88. Burgos R, Sarto B, Segurola H, Romagosa A, Puiggrós C, Vázquez C, et al. [Translation and validation of the Spanish version of the EAT-10 (Eating Assessment Tool-10) for the screening of dysphagia]. Nutr Hosp. 2012:27(6): 2048-54. Spanish.)Gonçalves et al.,(66. Gonçalves MI, Remaili CB, Behlau M. Cross-cultural adaptation of the Brazilian version of the Eating Assessment Tool-EAT-10. Codas. 2013;25(6):601-4.) realizaram a equivalência cultural do EAT-10 para o português, sem a necessidade de modificação ou retirada de questão do protocolo original.

Idosos apresentam alterações funcionais inerentes ao próprio envelhecimento e, mais frequentemente, doenças que aumentam o risco de transtornos de deglutição.(22. Turley R, Cohen S. Impact of voice and swallowing problems in the elderly. Otolaryngol Head Neck Surg. 2009;140(1):33-6.) Observa-se também relação significativa entre o sexo feminino e a presença de disfagia, embora não exista consenso na literatura sobre este tema.(99. Olchik MR, Ayres A, Signorini AV, Flores LS. Impacto das alterações das estruturas do sistema estomatognático na deglutição de idosos acamados. Rev Bras Ciênc Envelhec Hum. 2016;13(2):135-42.) A desnutrição também pode ter sua frequência aumentada em disfágicos, uma vez que modificações na consistência dos alimentos e a própria dificuldade de ingestão podem causar inadequações dietéticas. Pontuações mais elevadas no EAT-10, indicativas de risco de disfagia, estiveram associadas a alterações no estado nutricional em idosos.(1010. Matsuo H, Yoshimura Y, Ishizaki N, Ueno T. Dysphagia is associated with functional decline during acute - care hospitalization of older patients. Geriatr Gerontol Int. 2017;17(10):1610-6.) Estima-se que de 25 a 54% dos pacientes hospitalizados apresentem algum grau de desnutrição, e aqueles com disfagia apresentam maior risco de deficit nutricionais ou já se encontram desnutridos.(1111. Bassi D, Furkim AM, Silva CA, Coelho MS, Rolim MR, Alencar ML, et al. Identification of risk groups for oropharyngeal dysphagia in hospitalized patients in a university hospital. Codas. 2014:26(1):17-27.)

O estado nutricional também é importante aspecto a ser avaliado no ambiente hospitalar. São conhecidos os impactos significativos que a desnutrição exerce, como aumento do risco de infecções, complicações, tempo de hospitalização, custos hospitalares e mortalidade, além de redução da função imunológica. O diagnóstico nutricional pode ser determinado por métodos subjetivos, como a avaliação global subjetiva (AGS), ou ainda pela avaliação de medidas antropométricas objetivas, principalmente o índice de massa corporal (IMC). Já a aferição de perímetros corporais, como o perímetro da panturrilha (PP) e do braço (PB), fornece informações adicionais sobre a preservação de tecidos, principalmente da massa muscular.(1212. Acuña K, Cruz T. [Nutritional assessment of adults and elderly and the nutritional status of the Brazilian population]. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2004;48(3):345-61. Review. Portuguese. Erratum in: Arq Bras Endocrinol Metabol. 2004;48(4):578.)

OBJETIVO

Verificar a prevalência do risco de disfagia e seus fatores associados em pacientes hospitalizados, bem como avaliar o estado nutricional por diferentes métodos e correlacioná-los à pontuação do Eating Assessment Tool (EAT-10).

MÉTODOS

Estudo de delineamento transversal, realizado em um hospital filantrópico, a partir da análise do banco de dados da Equipe Multidisciplinar de Terapia Nutricional da instituição.

Foram analisados os dados dos adultos e idosos internados no período de janeiro a dezembro de 2014, submetidos ao rastreamento de disfagia e à avaliação do estado nutricional. Foram excluídos pacientes em unidade de terapia intensiva, gestantes e puérperas.

Para o rastreamento de disfagia foi aplicado o EAT-10 adaptado culturalmente para o Brasil por Gonçalves et al.(66. Gonçalves MI, Remaili CB, Behlau M. Cross-cultural adaptation of the Brazilian version of the Eating Assessment Tool-EAT-10. Codas. 2013;25(6):601-4.) Pacientes com pontuação total igual ou maior a 3 pontos foram classificados como “em risco” de disfagia.

O diagnóstico nutricional foi realizado por meio da aplicação da AGS, proposta por Detsky et al., no Canadá. A AGS avalia alterações no peso corporal, modificações no consumo alimentar, sintomas gastrintestinais, capacidade funcional, demanda metabólica relacionada à doença de base, além de exame físico que contempla perda muscular, adiposa e edema. A partir destes parâmetros, foi realizada a classificação dos avaliados como bem nutridos (AGS-A), com suspeita de desnutrição ou desnutrição moderada (AGS-B) e desnutrição grave (AGS-C).(1313. Detsky AS, McLaughlin JR, Baker JP, Johnston N, Whittaker S, Mendelson RA, et al. What is subjective global assessment of nutritional status? JPEN J Parenter Enteral Nutr. 1987;11(1):8-13.)

A avaliação antropométrica incluiu a aferição de peso, PP, PB e altura do joelho (AJ).(1414. Jelliffe DB, Organización Mundial de La Salud. Evaluación del estado de nutrición de la comunidade (con especial referencia a las encuestas em las regiones in desarrollo. Genebra: Organización Mundial de La Salud; 1968.) O peso foi mensurado em balança eletrônica portátil (Wiso W801®); os perímetros foram aferidos com fita inelástica (Cercorf®); e a AJ foi medida com o auxílio de um estadiômetro portátil (Sanny®). A estatura foi estimada para todos os avaliados, de acordo com fórmulas preditivas propostas por Chumlea et al.(1515. Chumlea WC, Guo SS, Steinbaugh ML. Prediction of stature from knee height for black and white adults and children with application to mobility-impaired or handicapped persons. J Am Diet Assoc. 1994;94(12):1385-8, 1391; quiz 1389-901.)

A partir das medidas de peso e estatura, foi calculado o IMC, o qual foi classificado segundo a proposta da Organização Mundial da Saúde, para adultos,(1616. World Health Organization (WHO). Obesity: preventing and managing the global epidemic. Report of a WHO Consultation. Geneva: WHO; 2000. [WHO Technical Report Series, 894].) e a de Lipschitz,(1717. Lipschitz DA. Screening for nutritional status in the elderly. Prim Care. 1994; 21(1):55-67. Review.) para idosos (idade igual ou superior a 60 anos). Para a avaliação do PP, foi adotado o ponto de corte <31cm como indicativo de desnutrição.(1818. World Health Organization (WHO). Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Geneva: WHO; 1995. [WHO Technical Report Series, 894].) A adequação do PB foi determinada pela equação: adequação PB (%) = [PB obtido (cm) ÷ PB percentil 50] x 100, sendo classificada segundo Blackburn et al.,(1919. Blackburn GL, Thornton PA. Nutritional assessment of the hospitalized patient. Med Clin North Am. 1979;63(5):11103-15.) Foram utilizadas as tabelas de percentis propostas nos Estados Unidos por Frisancho,(2020. Frisancho AR. Anthropometric standards for the assessment of growth and nutritional status. Ann Arbor: University of Michigan Press; 1990.) para indivíduos com até 74,9 anos, e por Kuczmarski et al.,(2121. Kuczmarski MF, Kuczmarski RJ, Najjar M. Descriptive anthropometric reference data for older Americans. J Am Diet Assoc. 2000;100(1):59-66.) para aqueles com idade superior.

A normalidade da distribuição das variáveis quantitativas foi determinada pelo teste de Kolmogorov-Sminorv, e a comparação entre as proporções do risco de disfagia com sexo, faixa etária e estado nutricional segundo o IMC foi realizada pelo teste do χ2 de Pearson. As diferenças nos parâmetros antropométricos entre os grupos foram avaliadas pelo teste de Mann-Whitney. A correlação entre a pontuação do EAT-10 e as variáveis quantitativas foi verificada segundo Spearman, uma vez que a pontuação na EAT-10 não apresentou distribuição normal (p<0,001). Adotou-se p<0,05 como indicativo de significância estatística em todas as análises. O banco de dados foi construído no Microsoft Excel®, e as análises estatísticas foram realizadas no software Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 21.

Este estudo seguiu as determinações da resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que define Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Viçosa, sob o parecer 1.0000.31/2015, CAAE: 41396915.9.0000.5153.

RESULTADOS

Foram avaliados os dados de 909 indivíduos, com média de idade de 54 anos (desvio padrão - DP 20,2 anos). Houve predomínio do sexo feminino e de adultos. Em relação ao rastreamento para a disfagia, 10,9% dos avaliados foram classificados como “em risco” (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização da amostra

As principais causas de internação foram doenças do trato gastrintestinal (15,1%), cardiovasculares (13%), do aparelho respiratório (7,3%), fraturas (9,8%) e neurológicas (5,7%). Como morbidades associadas, 27,8% apresentavam hipertensão arterial e 16,2%, diabetes.

Segundo a AGS, 13,2% dos indivíduos apresentavam algum grau de desnutrição (estágios B ou C), 15,2% baixo peso/magreza segundo o IMC, 19,9% PP abaixo do valor recomendado e 40,2% inadequação do PB.

A comparação da idade e dos parâmetros antropométricos, segundo a classificação de risco, revelou maior idade e menores valores de PP e PB nos indivíduos que apresentavam risco de disfagia (Tabela 2).

Tabela 2
Comparação das variáveis objetivas, segundo presença de risco de disfagia

A faixa etária idosa esteve associada à maior frequência de risco de disfagia (Tabela 3). Do total de indivíduos classificados como “em risco”, 61% possuíam 60 anos ou mais.

Tabela 3
Fatores associados à maior frequência de risco de disfagia

Foi identificada correlação significativa direta, porém fraca, entre a pontuação do EAT-10 e a idade. Já o PP e o PB apresentaram correlações inversas, embora também muito fracas, indicando que uma maior pontuação, sugestiva de maior risco de disfagia, esteve associada a menores medidas antropométricas (Tabela 4).

Tabela 4
Correlação entre a pontuação do Eating Assessment Tool (EAT-10) e variáveis objetivas

DISCUSSÃO

Até onde se tem conhecimento, este é o estudo com maior tamanho amostral no Brasil que avaliou a frequência de risco de disfagia, por meio do instrumento de triagem EAT-10, em adultos e idosos hospitalizados.

A prevalência de risco de disfagia encontrada na amostra total e nos idosos foi inferior a de trabalhos que avaliaram grupos específicos. Em estudo recente,(1010. Matsuo H, Yoshimura Y, Ishizaki N, Ueno T. Dysphagia is associated with functional decline during acute - care hospitalization of older patients. Geriatr Gerontol Int. 2017;17(10):1610-6.) foram avaliados 103 idosos hospitalizados sem história prévia de disfagia ou de problemas de deglutição. O EAT-10 identificou 26,2% dos avaliados em risco, estando esta condição significativamente associada à pior capacidade funcional. Sugere-se, assim, que esta é uma ferramenta útil de triagem para a disfagia, e destaca-se sua elevada prevalência identificada, pois aproximadamente um quarto dos idosos apresentava sinais sugestivos de distúrbios de deglutição.

Gálan Sánchez-Heredero et al.,(2222. Galán Sánchez-Heredero MJ, Santander Vaquero C, Cortázar Sáez M, de la Morena López F, Susi García R, Martínez Rincón Mdel C. [Relationship between dysphagia and malnutritition in patients over 65 years of age]. Enferm Clin. 2014;24(3):183-90. Spanish.) avaliaram a associação entre o risco de disfagia segundo o EAT-10, o estado nutricional e a capacidade funcional em 167 idosos hospitalizados na Espanha. Foi demonstrada a associação entre as alterações de deglutição com a piora da capacidade funcional, maior frequência de comorbidades, maior idade, menor IMC, e presença de risco nutricional e de desnutrição. As prevalências de risco de disfagia e de desnutrição foram de 30,8% e 15,4%, respectivamente, e, em pacientes com risco, a prevalência de problemas nutricionais aumentou em até 75%.(2222. Galán Sánchez-Heredero MJ, Santander Vaquero C, Cortázar Sáez M, de la Morena López F, Susi García R, Martínez Rincón Mdel C. [Relationship between dysphagia and malnutritition in patients over 65 years of age]. Enferm Clin. 2014;24(3):183-90. Spanish.) Embora em nosso estudo a associação do EAT-10 com o diagnóstico pelo IMC não tenha sido estatisticamente significante, os menores valores de PP e PB no grupo de risco também sugerem possível impacto nutricional. Matsuo et al.,(1010. Matsuo H, Yoshimura Y, Ishizaki N, Ueno T. Dysphagia is associated with functional decline during acute - care hospitalization of older patients. Geriatr Gerontol Int. 2017;17(10):1610-6.) verificaram menores IMC e PP, além de reduzida força de preensão manual e baixo consumo calórico nos disfágicos. O PP é considerado a medida mais sensível de massa muscular em idosos e indica mudanças na massa magra que ocorrem com o envelhecimento e com a diminuição da atividade física.(2323. Coelho MA, Amorim RB. Avaliação nutricional em geriatria. In: Duarte AC. Avaliação nutricional: aspectos clínicos e laboratoriais. São Paulo: Atheneu; 2007. p.155-76.) Já o PB apresenta alta correlação com o percentual de gordura corporal e também constitui bom indicador para avaliar desnutrição em idosos.(2323. Coelho MA, Amorim RB. Avaliação nutricional em geriatria. In: Duarte AC. Avaliação nutricional: aspectos clínicos e laboratoriais. São Paulo: Atheneu; 2007. p.155-76.,2424. Garcia AN, Romani SA, Lira PI. [Anthropometric indicators in the nutritional assessment of the elderly: a comparative study]. Rev Nutr. 2007;20(4):371-8. Portuguese.)

A única variável que se associou de forma significativa ao risco de disfagia foi a idade. Idosos estão mais suscetíveis à disfagia, por apresentarem mais frequentemente doenças que se associam à esta condição, como doença de Parkinson, acidente vascular encefálico, doença de Alzheimer, esclerose lateral amiotrófica, carcinoma de cabeça e pescoço e demência, além das alterações funcionais relacionadas ao próprio envelhecimento, como perda de força e tônus muscular, redução de velocidade, precisão e coordenação dos movimentos, diminuição dos reflexos propulsores, diminuição do peristaltismo esofágico e perda da dentição.(2525. Eslick GD, Talley NJ. Dysphagia: epidemiology, risk factors and impact on quality of life--a population-based study. Aliment Pharmacol Ther. 2008; 27(10):971-9.)

Em estudo realizado por Freire et al.,(2626. Freire LN, Rieder CR, Schuh AF, Dornelles S, Olchik MR. [Impact on the quality of life of patients with Parkinson’s Disease with risk of dysphagia]. Rev Neurocienc. 2015;23(4):516-21. Portuguese.) em um hospital de Porto Alegre (RS), especificamente com portadores de doença de Parkinson, foi identificada a associação entre o risco de disfagia avaliado pelo EAT-10 e a alteração na qualidade de vida, principalmente no domínio da comunicação oral. Em um trabalho com 360 indivíduos disfágicos, verificou-se a pontuação do EAT-10 como preditora para a ocorrência de broncoaspiração.(2727. Cheney DM, Siddiqui MT, Litts JK, Kuhn MA, Belafsky PC. The ability of the 10-Item Eating Assessment Tool (EAT-10) to predict aspiration risk in persons with dysphagia. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2015;124(5):351-4.)

A escassez de publicações com o EAT-10 no Brasil limita comparações em nível nacional. Apesar dos poucos estudos, a prevalência identificada demonstra a importância do rastreamento de disfagia em hospitais. Destaca-se a necessidade de validação deste instrumento em uma amostra brasileira, no intuito de confirmar a aplicabilidade e a confiabilidade, já comprovadas em outros países.

Em relação à avaliação nutricional, as frequências de desnutrição apresentaram grande variabilidade, de acordo com o método de diagnóstico, variando de 13,2%, quando utilizada a AGS, e 40,2%, segundo o PB. Independentemente do método, os resultados evidenciam a relevância de deficit nutricionais no ambiente hospitalar.

A frequência de desnutrição, segundo a AGS, foi inferior ao encontrado no IBRANUTRI,(2828. Waitzberg DL, Caiaffa WT, Correia MI. Hospital malnutrition: the Brazilian national survey (IBRANUTRI): a study of 4000 patients. Nutrition. 2001;17(7-8): 573-80.) estudo multicêntrico realizado no Brasil com 4.000 pacientes hospitalizados, que identificou quase metade (48,1%) dos indivíduos com algum grau de desnutrição. Já a prevalência segundo o IMC foi semelhante à do estudo de Marcadenti et al.,(2929. Marcadenti A, Vencatto C, Boucinha ME, Leuch MP, Rabello R, Londero LG, et al. [Malnutrition, length of hospital stay and mortality in a General Hospital in Southern Brazil]. Rev Cienc Saude. 2011;4(1):7-13.) que avaliaram 445 indivíduos em um hospital geral e identificaram prevalência de desnutrição de 15,5%.

Foi demonstrada, em um estudo com 874 indivíduos no Japão, a associação independente entre a desnutrição e a disfagia, condições que aumentam o risco de morbidade, a fragilidade e a mortalidade. Sugere-se que alterações na deglutição podem ser importantes preditoras de desnutrição, principalmente em idosos.(3030. Takeuchi K, Aida J, Ito K, Furuta M, Yamashita Y, Osaka K. Nutritional status and dysphagia risk among community-dwelling frail older adults. J Nutr Health Aging. 2014;18(4):352-7.)

Como limitações do deste trabalho, ressaltamos que o delineamento transversal não permite inferências causais em relação à disfagia. Ainda, as medidas antropométricas foram aferidas por avaliadores diferentes. Apesar de treinamentos prévios para a padronização das medidas, deve-se considerar a possibilidade de variabilidade interpessoal. Como pontos positivos, o estudo apresenta a prevalência do risco de disfagia e da desnutrição em uma grande amostra de indivíduos hospitalizados. Pretende-se alertar profissionais de saúde para a importância do rastreamento precoce destas condições, que influenciam significativamente na qualidade de vida, na morbimortalidade, na recuperação e no prognóstico dos pacientes.

CONCLUSÃO

A avaliação do risco de disfagia pelo EAT-10 é uma alternativa simples, rápida e de baixo custo para identificar pacientes com problemas de deglutição. A prevalência encontrada alerta para a importância de ações de rastreamento em nível hospitalar, principalmente nos idosos. Além de distúrbios de deglutição, alterações no estado nutricional também devem ser investigadas de forma rotineira, com a adoção das medidas de intervenção, monitoramento e controle adequadas.

AGRADECIMENTOS

Ao Programa Institucional de Bolsas de Extensão Universitária da Universidade Federal de Viçosa – PIBEX UFV (Edital 002/2014).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    03 Jul 2017
  • Aceito
    30 Set 2017
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