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Attitudes Toward Lesbian and Gay Men Scale: validação em médicos brasileiros

RESUMO

Objetivo:

Realizar a adaptação transcultural da versão original norte-americana do inventário Attitudes Toward Lesbian and Gay Men Scale (ATLG) sobre atitudes diante de lésbicas e homens gays para uso no Brasil, e avaliar as propriedades psicométricas em uma amostra de médicos heterossexuais brasileiros.

Métodos:

Foram realizadas as seguintes etapas de adaptação transcultural: tradução por dois avaliadores independentes, síntese das traduções, avaliação pela população-alvo para equivalência semântica, estudo piloto com 42 médicos, e processo final de elaboração do instrumento, envolvendo 224 médicos heterossexuais que exerciam medicina no Distrito Federal. Um convite contendo um link para o estudo foi enviado aos médicos por e-mail, por meio de redes sociais e de associações médicas. Os critérios de inclusão foram: ser médico atuante, exercer a atividade no Distrito Federal e se autodeclarar heterossexual (conforme estipulado na ATLG). Para evitar a inibição ou impedir a resposta, os critérios de exclusão não foram divulgados aos potenciais participantes. Questionários que preencheram critérios de exclusão foram removidos da amostra durante a análise de dados.

Resultados:

Análises fatoriais exploratórias e confirmatórias sugeriram um único fator como sendo o mais representativo para os dados, reunindo os 20 itens com fidedignidade elevada (coeficiente de confiabilidade composta = 0,948).

Conclusão:

A ATLG é um instrumento adequado para avaliar as atitudes dos médicos em relação aos homossexuais, com evidência de validade e confiabilidade na amostra analisada.

Descritores:
Homossexualidade; Preconceito; Análise fatorial; Psicometria; Médicos; Tradução; Brasil

ABSTRACT

Objective:

To perform the cross-cultural adaptation of the original North American version of the Attitudes Toward Lesbians and Gay Men Scale (ATLG) for use in Brazil, and to evaluate the psychometric properties of the adapted instrument in a sample of Brazilian heterosexual physicians.

Methods:

Stages of cross-cultural adaptation were as follows: translation by two independent evaluators, translation synthesis, evaluation by the target population for semantic equivalence, pilot study with 42 physicians, and final instrument preparation involving 224 heterosexual physicians practicing medicine in the Federal District. Invitations containing a link to the study were sent to physicians via e-mail, social media and medical associations. Inclusion criteria were as follows: being a physician authorized to practice medicine in Brazil, practicing medicine in the Brazilian Federal District, and self-declared heterosexual, as stipulated in the original version of the ATLG scale. Exclusion criteria were not disclosed to potential participants to avoid inhibition and unwillingness to participate; respondents meeting exclusion criteria were removed from the sample during data analysis.

Results:

Exploratory and confirmatory factor analyses suggested a one-factor solution to be the most representative of the data, including all 20 items with high reliability (composite reliability coefficients =0.948).

Conclusion:

The ATLG scale is a suitable instrument to assess physicians’ attitudes toward homosexuals, with good validity and reliability evidence based on the sample studied.

Keywords:
Homosexuality; Prejudice; Factor analysis, statistical; Psychometrics; Physicians; Translating; Brazil

INTRODUÇÃO

Nos Estados Unidos, em torno de 2,4% dos entrevistados declararam ser lésbica, gay ou bissexual.(11. Blosnich JR, Farmer GW, Lee JG, Silenzio VM, Bowen DJ. Health inequalities among sexual minority adults: evidence from ten U.S. states, 2010. Am J Prev Med. 2014;46(4):337-49. Erratum in: Am J Prev Med. 2014;47(1):103.) O censo brasileiro não aborda a orientação sexual, e somente dados referentes a casais homossexuais que vivem juntos encontram-se disponíveis. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de casais homossexuais era 60 mil em 2010.(22. Agência Brasil. Empresa Brasil em Comunicação. IBGE identifica 60 mil casais gays no país [Internet]. Brasília (DF): Agência Brasil; 2012 [citado 2016 Jan 10]. Disponível em: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2012-10-17/ibge-identifica-60-mil-casais-gays-no-pais
http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/...
)

A homossexualidade já não é considerada uma doença pela American Psychiatric Association (APA) desde 1973; ainda assim, a discriminação contra homens gays e lésbicas é considerada um barreira em potencial na relação médico-paciente.(33. Almeida G. Argumentos em torno da possibilidade de infecção por DST e Aids entre mulheres que se autodefinem como lésbicas. Physis Rev Saude Coletiva. 2009;19(2):301-31.,44. Grabovac I, Abramović M, Komlenović G, Milosević M, Mustajbegović J. Attitudes towards and knowledge about homosexuality among medical students in Zagreb. Coll Antropol. 2014;38(1):39-45.) Além disso, comparada à heterossexualidade, a homossexualidade guarda relação com diferenças de morbidade e fatores de risco para diversas doenças, incluindo maiores índices de tabagismo,(55. Conron KJ, Mimiaga MJ, Landers SJ. A population-based study of sexual orientation identity and gender differences in adult health. Am J Public Health. 2010;100(10):1953-60.

6. Dilley JA, Simmons KW, Boysun MJ, Pizacani BA, Stark MJ. Demonstrating the importance and feasibility of including sexual orientation in public health surveys: health disparities in the Pacific Northwest. Am J Public Health. 2010;100(3):460-7.
-77. Fredriksen-Goldsen KI, Kim HJ, Barkan SE, Muraco A, Hoy-Ellis CP. Health disparities among lesbian, gay, and bisexual older adults: results from a population-based study. Am J Public Health. 2013;103(10):1802-9.) consumo excessivo de álcool e maior tendência à obesidade,(55. Conron KJ, Mimiaga MJ, Landers SJ. A population-based study of sexual orientation identity and gender differences in adult health. Am J Public Health. 2010;100(10):1953-60.

6. Dilley JA, Simmons KW, Boysun MJ, Pizacani BA, Stark MJ. Demonstrating the importance and feasibility of including sexual orientation in public health surveys: health disparities in the Pacific Northwest. Am J Public Health. 2010;100(3):460-7.

7. Fredriksen-Goldsen KI, Kim HJ, Barkan SE, Muraco A, Hoy-Ellis CP. Health disparities among lesbian, gay, and bisexual older adults: results from a population-based study. Am J Public Health. 2013;103(10):1802-9.
-88. Cochran SD, Mays VM, Bowen D, Gage S, Bybee D, Roberts SJ, et al. Cancer-related risk indicators and preventive screening behaviors among lesbians and bisexual women. Am J Public Health. 2001;91(4):591-7.) maior frequência de uso de drogas,(55. Conron KJ, Mimiaga MJ, Landers SJ. A population-based study of sexual orientation identity and gender differences in adult health. Am J Public Health. 2010;100(10):1953-60.) maior prevalência de doenças cardiovasculares(77. Fredriksen-Goldsen KI, Kim HJ, Barkan SE, Muraco A, Hoy-Ellis CP. Health disparities among lesbian, gay, and bisexual older adults: results from a population-based study. Am J Public Health. 2013;103(10):1802-9.) e maior chance de desenvolvimento de câncer de mama.(88. Cochran SD, Mays VM, Bowen D, Gage S, Bybee D, Roberts SJ, et al. Cancer-related risk indicators and preventive screening behaviors among lesbians and bisexual women. Am J Public Health. 2001;91(4):591-7.,99. Boehmer U, Bowen DJ, Bauer GR. Overweight and obesity in sexual-minority women: evidence from population-based data. Am J Public Health. 2007; 97(6):1134-40.)

Segundo o posicionamento do comitê da American Geriatrics Society (AGS), datado de 2015, a discriminação enfrentada por Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros (LGBT) ao buscar cuidados de saúde se evidencia na recusa de certos serviços médicos, na presunção generalizada de heterossexualidade, na recusa em aceitar cuidadores selecionados durante a internação hospitalar e em declarações abertamente depreciativas, que podem levar o paciente a protelar ou evitar a busca por cuidados de saúde por medo de discriminação.(1010. American Geriatrics Society Ethics Committee. American Geriatrics Society care of lesbian, gay, bisexual, and transgender older adults position statement: American Geriatrics Society Ethics Committee. J Am Geriatr Soc. 2015; 63(3):423-6.,1111. Correa-Ribeiro R, Abdo CH, Camargos EF. Lesbian, gay and bisexual older adults in the aging context. Geriatr Gerontol Aging. 2016;10(3):158-63.)

No Brasil, não há estudos que avaliam a atitude e o preconceito de médicos em relação a pacientes homossexuais, ou a influência desse construto na qualidade do serviço médico prestado. Essa lacuna se deve, em parte, à falta de instrumentos adequados e, principalmente, de validade comprovada, para a avaliação da atitude dos profissionais médicos em relação a homossexuais. Além disso, tais instrumentos devem se voltar exclusivamente à avaliação de atitudes em relação a homossexuais, sem incluir outras minorias sexuais e de gênero, como indivíduos transexuais, a fim de permitir a distinção entre atitudes diante de lésbicas e homens gays. Essa especificidade se justifica pelo fato de que alguns médicos lidam com um grupo específico na prática clínica, como é o caso dos ginecologistas que atendem lésbicas, por exemplo, além de evidências que mostram diferenças substanciais de atitudes de uma mesma pessoa em relação a lésbicas ou homens gays.(1212. Herek GM. Heterosexuals’ attitudes toward lesbian and gay men: correlates and gender differences. J Sex Res. 1988;25(4):451-77.)

OBJETIVO

Realizar a adaptação transcultural da versão original americana da Attitudes Toward Lesbians and Gay Men Scale para aplicação no Brasil, além da avaliação das propriedades psicométricas do instrumento adaptado, com base em uma amostra de médicos brasileiros heterossexuais.

MÉTODOS

Participantes

O método de recrutamento seguiu a técnica de bola de neve, baseando-se na divulgação da pesquisa e do convite a médicos por e-mails, redes sociais e sociedades médicas. A amostra inicial foi submetida aos seguintes critérios de inclusão: médicos em exercício; que exerciam a atividade no Distrito Federal; e autodeclaravam-se heterossexuais, conforme estipulado no questionário original. O tamanho da amostra foi calculado com base na proporção sugerida de dez participantes por variável observável. Assim, dados os 20 itens englobados na escala, fez-se necessária uma amostra mínima de 200 casos válidos. Após o término do estudo, a necessidade de avaliação de 100 participantes por fator encontrado também foi satisfeita.(1313. Damásio BF. Uso da análise fatorial exploratória em psicologia. Aval Psicol. 2012;11(2):213-28.) A amostra final consistiu de 224 médicos heterossexuais em exercício da medicina no Distrito Federal, incluindo 149 mulheres (66,5%).

Instrumento

A Attitudes Toward Lesbians and Gay Men Scale (ATLG) é um instrumento destinado exclusivamente à avaliação das atitudes de heterossexuais em relação a lésbicas e homens gays.(1212. Herek GM. Heterosexuals’ attitudes toward lesbian and gay men: correlates and gender differences. J Sex Res. 1988;25(4):451-77.) Uma das principais vantagens desse instrumento é a possibilidade de desmembramento em duas subescalas, o que permite a avaliação separada de atitudes em relação a lésbicas e a homens gays. Essa diferenciação foi fundamental, uma vez que a amostra incluiu ginecologistas, ou seja, profissionais de saúde que lidam exclusivamente com mulheres. Outro fator que motivou a escolha desse instrumento foi o resultado de uma revisão sistemática de medidas destinadas à avaliação da homofobia e construtos relacionados, que considerou a ATLG um dos melhores instrumentos, em termos de validade e confiabilidade.(1414. Costa AB, Bandeira DR, Nardi HC. Systematic reviews of instruments measuring homophobia and related constructs. J Appl Soc Psychol. 2013; 43(6):1324-32.)

A escala original consiste de 20 itens, sendo os primeiros 10 referentes a lésbicas e os 10 restantes a homens gays, podendo ser usada na forma de escala única ou de duas subescalas distintas: Atitudes frente a Lésbicas e Atitudes frente a Homens Gays. Cada item é avaliado por meio de uma escala Likert de 9 pontos, sendo os extremos “discordo totalmente” e “concordo totalmente”. O escore total vai de 20 a 180, sendo os mais altos indicativos de atitudes mais negativas. As subescalas se baseiam em escores de 10 a 90. A ATLG foi validada em diversos países, incluindo China,(1515. Yu Y, Xiao S, Xiang Y. Application and testing the reliability and validity of a modified version of Herek's attitudes toward lesbians and gay men scale in China. J Homosex. 2011;58(2):263-74.) Holanda(1616. van de Meerendonk B, Eisinga R, Felling A. Application of Herek's attitudes toward lesbians and gay men scale in The Netherlands. Psychol Rep. 2003; 93(1):265-75.) e Argentina.(1717. Etchezahar E, Ungaretti J, Gascó VP, Brusino S. Psychometric properties of tha attitudes toward gay men scale in argentinian context: the influence of sex, authoritarianism, and social dominance orientation. Int J Psychol Res (Medellin). 2016;9(1):21-9.)

Procedimentos

Estágios de adaptação transcultural

Este estudo seguiu todos os procedimentos para garantir o conteúdo do instrumento original: tradução do idioma de origem para o idioma-alvo por dois avaliadores; síntese das versões traduzidas; análise da versão final por juízes experts; avaliação semântica pela população-alvo; e, por fim, estudo piloto.(1818. Borsa JC, Damásio BF, Bandeira DR. Adaptação e validação de instrumentos psicológicos entre culturas: algumas considerações. Paidéia. 2012;22(53): 423-32.)

Dois indivíduos falantes nativos do português (idioma de destino) e fluentes em inglês (idioma de origem) produziram duas traduções independentes da escala: um pesquisador com experiência em adaptação transcultural de instrumentos e um indivíduo sem relação com a área acadêmica. Uma síntese dessas traduções foi realizada por um grupo de professores com amplo conhecimento em adaptação transcultural de instrumentos. Após essa etapa, a síntese das traduções foi discutida entre os autores e um dos profissionais da área de psicometria.

A versão resultante dessa etapa foi avaliada por 13 médicos (público-alvo), que responderam o questionário e foram convidados a avaliar os itens quanto à clareza. Em seguida, foram avaliadas as sugestões feitas pelo público-alvo, levando à alteração dos itens 4, 8 e 17 da escala adaptada. O item 4 foi considerado o menos claro, sendo a frase original traduzia como “Leis estaduais que regulam o comportamento lésbico consensual e privado deveriam ser flexibilizadas”. A equivalência semântica entre as versões original e traduzida foi mantida; porém, diferente dos Estados Unidos, não existem leis estaduais de regulamentação do comportamento homossexual no Brasil. Assim, a palavra “estadual” foi eliminada, restando a frase “Leis que regulam o comportamento lésbico consensual e privado deveriam ser flexibilizadas”. Ainda assim, restaram dúvidas a respeito da adequabilidade do item ao contexto brasileiro. No item 8, sugeriu-se a eliminação da palavra “básica”, resultando em “A homossexualidade feminina é uma ameaça para muitas de nossas instituições sociais”. Finalmente, sugeriu-se a eliminação da palavra “tão” do item 17, resultando em “Eu não ficaria chateado se eu soubesse que meu filho é homossexual”.

Etapas do processo quantitativo

Após a implementação das modificações descritas, a versão final do instrumento foi disponibilizada em uma plataforma de pesquisa on-line para o estudo piloto envolvendo 42 médicos heterossexuais. Além da versão final adaptada da ATLG, um questionário para avaliação do conhecimento dos participantes a respeito da homossexualidade (os resultados desse questionário devem ser apresentados em artigo separado) e coleta de dados demográficos também foram disponibilizados na plataforma on-line. Foram coletados os seguintes dados demográficos: idade (anos), sexo (masculino/feminino), religião (católica, evangélica, espírita, nenhuma ou outra), estado civil (solteiro, casado/união consensual, separado/divorciado ou viúvo), prática profissional (médico em exercício, médico residente, aposentado ou médico que não exerce a profissão) e orientação sexual (heterossexual, homossexual, bissexual, nenhuma das anteriores, não sei ou outra).

Os dados foram coletados entre março e setembro de 2016. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Brasília, sob o parecer número 1.339.076, CAAE: 49275115.0.0000.5558. A necessidade de consentimento informado foi dispensada por receio de que o processo de obtenção do consentimento pudesse inibir a participação, ou permitir a identificação dos participantes. O emprego de um conjunto limitado de dados sociodemográficos ajudou a proteger o anonimato dos participantes, até mesmo para os autores.

Análise estatística

Foram aplicadas estatísticas descritivas e análises fatoriais exploratórias (AFE) com o objetivo de identificar a estrutura fatorial do instrumento. O número de fatores a serem retidos no instrumento foi determinado pelo método de Hull,(1919. Lorenzo-Seva U, Timmerman ME, Kiers HA. The Hull method for selecting the number of common factors. Multivariate Behav Res. 2011;46(2):340-64.) empregando-se o software Factor, versão10.(2020. Lorenzo-Seva U, Ferrando PJ. FACTOR: a computer program to fit the exploratory factor analysis model. Behav Res Methods. 2006;38(1):88-91.) A confiabilidade do instrumento foi examinada empregando-se coeficientes de confiabilidade composta, sendo os valores acima de 0,70 indicativos de relação satisfatória entre os itens da escala. Itens com carga fatorial <0,30 foram definidos como critérios de exclusão.(2121. Tabachnick BG, Fidell LS. Using multivariate statistics. 6th ed. Boston: Pearson Education; 2013.)

A análise fatorial confirmatória foi realizada empregando-se o software Mplus. Utilizou-se o método de weighted least-squares mean and variance-adjusted (WLSMV) em uma matriz policórica, respeitando-se a natureza ordinal dos dados. Foram avaliados os seguintes índices de ajuste: raiz quadrada média do erro de aproximação (RMSEA - root mean square error of approximation), índice de ajuste comparativo (CFI - comparative fit index) e índice de Tucker-Lewis (TLI - Tucker-Lewis index). Esperavam-se valores de RMSEA <0,08; com intervalo de confiança (90%) não ultrapassando 1,00, e valores de CFI e TLI >0,90 (preferencialmente >0,95).

RESULTADOS

A amostra final incluiu 224 médicos heterossexuais que exerciam medicina no Distrito Federal, com idade variando de 24 a 72 anos (média de 42,2 anos; desvio padrão − DP de 9,5), sendo 149 mulheres (66,5%). Do total de médicos na amostra, 208 (92,9%) eram médicos em exercício e 16 (7,1%) residentes. Com relação à religião, 102 (45,5%) eram católicos, 41 (18,3%) espíritas, 27 (12,1%) evangélicos, 44 (19,6%) não religiosos e 10 (4,4%) apresentavam outras religiões. Sobre o estado civil, 174 (77,7%) eram casados ou estavam em união consensual, 31 (13,8%) solteiros, 18 (8,0%) separados ou divorciados e 1 (0,4%) era viúvo.

A amostra foi considerada passível de análise fatorial exploratória (coeficiente Kaiser-Meyer-Olkin – KMO − de 0,956). A análise do percentual de variância explicada, o gráfico de sedimentação (scree plot) e os autovalores (eigenvalues) sugeriram a extração de até três fatores na ATLG. O método Hull sugeriu a solução unifatorial como a mais representativa dos dados, incluindo todos os 20 itens com alta confiabilidade (coeficiente de confiabilidade composta − c=0.948). Os itens contidos nas escalas de homossexualidade feminina e masculina não foram diferentes, mostrando que as percepções da homossexualidade feminina e masculina não diferiram de forma significante. A tabela 1 mostra a carga fatorial dos itens.

Tabela 1
Estrutura e cargas fatoriais da versão adaptada da Attitudes Toward Lesbians and Gay Men Scale

Análises fatoriais confirmatórias revelaram índices de ajustes aceitáveis para o modelo exploratório (Tabela 2). Além desse modelo, índices de ajuste também foram investigados para um modelo que considerou as dimensões masculina e feminina separadamente. Embora tais índices de ajuste também tenham se mostrado aceitáveis, a correlação de 0,937 entre os fatores indicou que ambas as dimensões foram, de fato, parte de um único constructo, e a solução unifatorial deveria ser mantida.

Tabela 2
Análise fatorial confirmatória de modelos concorrentes da versão adaptada da Attitudes Toward Lesbian and Gay Men Scale

Finalmente, foram conduzidas análises específicas para as dimensões homossexualidade masculina e feminina, a fim de se avaliar se tais dimensões seriam efetivas como um único instrumento destinado a avaliar atitudes voltadas a apenas um dos gêneros, ou seja, utilizando-se as subescalas de forma independente. Os resultados revelaram índices de ajuste aceitáveis em ambas as subescalas, sendo que a dimensão feminina mostrou melhor adequação quando comparada à masculina.

DISCUSSÃO

Considerando a falta de um questionário específico para avaliação separada da atitude de médicos heterossexuais em relação a lésbicas e homens gays no Brasil, este estudo adaptou a ATLG e coletou evidências de validade e confiabilidade. Embora não seja considerada uma doença desde 1973, a homossexualidade é um fator de vulnerabilidade que requer o devido reconhecimento, além da abordagem eficaz de suas especificidades, por parte dos profissionais de saúde. A prevalência mais elevada de doenças e fatores de risco em minorias sexuais pode ser parcialmente explicada pelo fato de que tais pacientes deixam de buscar cuidados de saúde por medo de comportamentos desrespeitosos e tratamento discriminatório.(2222. Barbosa RM, Facchini R. Acesso a cuidados relativos à saúde sexual entre mulheres que fazem sexo com mulheres em São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública. 2009;25(2 Suppl 2):291-300.,2323. Mello L, Perilo M, Braz C, Pedrosa C. Políticas de saúde para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais no Brasil: em busca de universalidade, integralidade e equidade. Sexualidad, Salud Sociedad. 2011;9:7-28.)

Apesar do aumento do número de estudos brasileiros abordando o preconceito, a homofobia e as atitudes em relação a homossexuais, no campo das ciências sociais, nos últimos 10 anos, limitam-se, em grande parte, a estudantes universitários,(2424. Cerqueira-Santos E, Winter FS, Salles LA, Longo JL. Contato interpessoal e crenças sobre homossexualidade: desenvolvimento de uma escala. Inter Psicol. 2007;11(2):221-9.,2525. Marinho CA, Marques EF, Almeida DR, Menezes AR, Guerra VM. Adaptação da escala de homofobia implícita e explicita ao contexto brasileiro. Paidéia. 2004;14(29):371-9.) o que afeta a representatividade dos resultados. Além disso, os instrumentos empregados em alguns desses estudos não tinham passado pelo processo de adaptação e validação transcultural para uso no Brasil.

Segundo Costa et al.,(2626. Costa AB, Bandeira DR, Nardi HC. Avaliação do preconceito contra diversidade sexual e de gênero: construção de um instrumento. Estud Psicol. 2015;32(2):163-72.) a distinção entre manifestações de preconceito contra a orientação sexual e a expressão de gênero parece ser muito sutil no Brasil. Daí o desenvolvimento de um instrumento que considera essa especificidade cultural, ou seja, que não diferencia a orientação não heterossexual da expressão de gênero que não se enquadra nas normas convencionais de masculinidade e feminilidade.(2626. Costa AB, Bandeira DR, Nardi HC. Avaliação do preconceito contra diversidade sexual e de gênero: construção de um instrumento. Estud Psicol. 2015;32(2):163-72.) Assim, apesar da clara distinção entre orientação homossexual, que pertence à ordem do desejo, e expressões de gênero percebidas como discordantes da norma (identidade transgênero/transexual), a mesma pode não ser óbvia para aqueles que manifestam preconceito.

Contrastando com essa crença, que deriva de amostras gerais da população e principalmente de estudantes universitários, a relação que se estabelece entre o médico e o paciente homossexual, no âmbito dos cuidados de saúde, não costuma basear-se em características fenotípicas ou em comportamentos masculinizados/efeminados, e sim na orientação sexual relatada durante a anamnese. Pacientes homossexuais que se enquadram nas características associadas aos seus respectivos papéis de gênero (homens masculinos e mulheres femininas) e podem se beneficiar de uma certa invisibilidade na sociedade, sendo poupados de atitudes discriminatórias, são vítimas frequentes de discriminação no consultório médico. Uma vez revelada a orientação sexual do paciente, o preconceito e a falta de conhecimento do médico se revelam em frases como “Como pode uma mulher bonita como você, que pode ter qualquer homem que quiser, escolher ser lésbica?”. Por esse motivo, dado que a relação médico-paciente configura relação de poder, construtos como atitudes e preconceitos relacionados à orientação sexual devem ser avaliados à luz das peculiaridades dessa relação. A adaptação transcultural da ATLG para uso no Brasil pode contribuir para um maior reconhecimento das especificidades da relação médico-paciente em questão.

A ATLG é um dos instrumentos disponíveis para avaliação das atitudes em relação à homossexualidade com boas evidências de validade na literatura atual. Além disso, trata-se do instrumento mais usado em pesquisas envolvendo médicos e profissionais de saúde no idioma inglês. O primeiro estudo de Herek, que avaliou as propriedades psicométricas desse instrumento em 1988, encontrou evidências de validade em três amostras distintas de estudantes, com valores alfa de 0,90, 0,95 e 0,92.(1212. Herek GM. Heterosexuals’ attitudes toward lesbian and gay men: correlates and gender differences. J Sex Res. 1988;25(4):451-77.) Valores semelhantes (alfa de 0,94) foram encontrados neste estudo.

Um estudo que adaptou e aplicou a ATLG na população holandesa também revelou um único fator englobando todos os itens do questionário no processo de análise fatorial. Alguns itens da versão norte-americana foram modificados para adaptação cultural para a população holandesa que, segundo os autores, é mais tolerante com relação à homossexualidade do que a americana. Assim, alguns itens foram modificados pelos autores por englobarem termos considerados “fortes” ou “extremos” no contexto holandês, tais como “doentes” e “repugnante”; isso mostra que, embora as propriedades semânticas do instrumento permitam a adaptação a diferentes culturas primárias, algumas modificações se fazem necessárias para a adequação ao contexto cultural. Assim como neste estudo, o item referente a “leis estaduais” também teve que ser modificado.(2727. van de Meerendonk B, Eisinga R, Felling A. Application of Herek's attitudes toward lesbians and gay men scale in The Netherlands. Psychol Rep. 2003;93(1):265-75.)

Este estudo teve limitações semelhantes às de outras pesquisas que investigaram o preconceito, incluindo taxa relativamente baixa de resposta ao convite para participação e a possibilidade de interferência de fenômenos de desejabilidade social, como fornecer respostas socialmente aceitáveis, mas não necessariamente verdadeiras. Dado o método de amostragem por bola de neve empregado neste estudo, não foi possível estimar a taxa de respostas. Finalmente, a validade convergente e preditiva deve ser investigada em pesquisas futuras. Esperamos que este estudo contribua para preencher uma lacuna importante na literatura brasileira no que se refere à disponibilidade de instrumentos de mensuração de atitudes diante de homossexuais e permita a avaliação de médicos de outras localidades, outros profissionais de saúde e de outras áreas, como a de educação, promovendo melhorias na atenção dedicada a minorias sexuais.

CONCLUSÃO

Este estudo demonstrou que o instrumento Attitudes Toward Lesbians and Gay Men Scale é adequado para a avaliação das atitudes dos profissionais médicos em relação a homossexuais, com evidências de validade para a amostra analisada.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    13 Abr 2018
  • Aceito
    22 Out 2018
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