Há uma justificativa para o uso de heparina nos pacientes graves com COVID-19?

A International Society on Thrombosis and Haemostasis (ISTH) propôs uma nova categoria para detectar a fase inicial da coagulação intravascular disseminada (CIVD) associada à sepse, chamada coagulopatia induzida por sepse. Os critérios incluíram contagem de plaquetas, tempo de protrombina e escore Sequential Organ Failure Assessment (SOFA).(¹) Os pacientes com sepse e CIVD podem desenvolver complicações tromboembólicas ou deposição microvascular de coágulos, que contribuem para falência múltipla de órgãos.(²) A ativação de endotélio vascular, plaquetas e leucócitos resulta em geração desregulada de trombina, tanto sistêmica quanto local, nos pulmões de pacientes com pneumonia grave, levando à deposição de fibrina, com dano tecidual subsequente e microangiopatia.(³) Considera-se que a grave inflamação pulmonar da doença por coronavírus 2019 (COVID-19) seja associada à regulação de citocinas pró-inflamatórias. Ainda com base no modelo de trombose mediada pelo sistema imune, que destaca a relação entre este e a geração de trombina, o bloqueio de trombina pela heparina poderia reduzir a resposta inflamatória causada pela COVID-19.(⁴) Em publicação recente, Tang et al., avaliaram a mortalidade em 28 dias de pacientes graves com COVID-19, que usaram ou não heparina, com diferentes riscos de desenvolver coagulopatia induzida por sepse. Ao todo, 449 pacientes foram classificados como COVID-19 grave, e 99 receberam heparina – sendo 94 com heparina de baixo peso molecular (HBPM) e cinco com heparina não fracionada (HNF). Os autores observaram, em pacientes com escore ≥4 para coagulopatia induzida por sepse ou dímero D >3µg/mL, que os usuários de heparina tiveram taxas menores de mortalidade em 28 dias do que os não usuários. Concluíram que a terapia anticoagulante pode estar associada a melhor prognóstico em pacientes com COVID-19 grave, que atendiam os critérios para coagulopatia induzida por sepse, ou estavam com dímero D muito elevado.(⁵)

Apesar da relação entre fator tecidual e liberação de citocinas inflamatórias estar bem estabelecida na fase pró-coagulante da sepse, não se conhece a incidência de atividade pró-coagulante e trombose venosa profunda em pacientes criticamente enfermos com pneumonia grave pelo novo coronavírus.

Portanto, são necessários mais estudos clínicos para esclarecer a associação entre os distúrbios pró-coagulantes em pacientes com COVID-19 grave e o papel potencial da heparina nos pacientes criticamente enfermos.

REFERENCES

• ¹
  Iba T, Arakawa M, Di Nisio M, Gando S, Anan H, Sato K, et al. Newly Proposed Sepsis-Induced Coagulopathy Precedes International Society on Thrombosis and Haemostasis Overt-Disseminated Intravascular Coagulation and Predicts High Mortality. J Intensive Care Med. 2018 Jan 1:885066618773679. doi: 10.1177/0885066618773679. [Epub ahead of print].
  » https://doi.org/10.1177/0885066618773679
• ²
  Levi M, van der Poll T. Coagulation and sepsis. Thromb Res. 2017;149:38-44. Review.
• ³
  Lillicrap D. Disseminated intravascular coagulation in patients with 2019-nCoV pneumonia. J Thromb Haemost. 2020;18(4):786-7.
• ⁴
  Thachil J. The versatile heparin in COVID-19. J Thromb Haemost. 2020; 18(5):1020-2.
• ⁵
  Tang N, Bai H, Chen X, Gong J, Li D, Sun Z. Anticoagulant treatment is associated with decreased mortality in severe coronavirus disease 2019 patients with coagulopathy. J Thromb Haemost. 2020;18(5):1094-9.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  29 Maio 2020
• Data do Fascículo
  2020