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Poder diagnóstico discriminativo da versão adaptada do Nutritional Risk Screening 2002 administrada em idosos brasileiros

RESUMO

Objetivo:

Avaliar o poder de discriminação diagnóstica da ferramenta Nutritional Risk Screening 2002.

Métodos:

Estudo transversal com cem participantes com idade ≥60 anos. Foram aplicados o Nutritional Risk Screening 2002 original, o Nutritional Risk Screening 2002 adaptado e o Mini Nutritional Assessment. A adaptação do Nutritional Risk Screening 2002 consistiu em diminuir o critério de idade, incluindo pontuação adicional para 60 anos de idade ou mais.

Resultados:

Maior risco nutricional ocorreu nos ≥70 anos quando aplicado o Nutritional Risk Screening 2002 original (p=0,009), enquanto o Nutritional Risk Screening 2002 adaptado apresentou risco nutricional semelhante em ambos os grupos (60-69 anos e ≥70 anos; p=0,117). A frequência de risco nutricional foi maior no Mini Nutritional Assessment (52,7%), seguido do Nutritional Risk Screening 2002 adaptado (35,5%) e do Nutritional Risk Screening 2002 original (29,1%).

Conclusão:

A adaptação do Nutritional Risk Screening 2002 mostrou-se descritivamente mais eficaz do que a original, porém mais estudos devem ser realizados para confirmar os achados.

Descritores:
Idoso; Estado nutricional; Desnutrição; Avaliação nutricional; Terapia nutricional

ABSTRACT

Objective:

To investigate the discriminative power of Nutritional Risk Screening 2002.

Methods:

A cross sectional study involving one hundred participants aged ≥60 years. The original and adapted versions of Nutritional Risk Screening 2002 and the Mini Nutritional Assessment were used. Nutritional Risk Screening 2002 adaptation consisted of a lower age cutoff (60 years or older) for addition of one extra point to the final score.

Results:

Screening using Nutritional Risk Screening 2002 revealed higher nutritional risk among patients aged ≥70 years (p=0.009), whereas screening using the adapted version of Nutritional Risk Screening 2002 revealed similar nutritional risk in both age groups (60-69 years and ≥70 years; p=0.117). Frequency of nutritional risk was highest when the Mini Nutritional Assessment was administered (52.7%), followed by the adapted and original versions of Nutritional Risk Screening 2002 (35.5% and 29.1%, respectively).

Conclusion:

The adapted version of Nutritional Risk Screening 2002 was more effective than the original version. However, further studies are needed to confirm these findings.

Keywords:
Aged; Nutritional status; Malnutrition; Nutritional assessment; Nutrition therapy

INTRODUÇÃO

O risco nutricional é descrito como risco aumentado de morbidade e mortalidade devido ao estado nutricional inadequado,(11. Detsky AS, Smalley PS, Chang J. The rational clinical examination. Is this patient malnourished? JAMA. 1994;271(1):54-8.) geralmente relacionado à gravidade da doença.(22. Volkert D, Beck AM, Cederholm T, Cruz-Jentoft A, Goisser S, Hooper L, et al. ESPEN guideline on clinical nutrition and hydration in geriatrics. Clin Nutr. 2019;38(1):10-47.) A triagem nutricional é usada para detecção do risco nutricional e consiste em uma simples pesquisa para identificar indivíduos que necessitam de intervenção nutricional para reduzir o risco de complicações, infecção e mortalidade,(33. Reyes JG, Zúñiga AS, Cruz MG. [Prevalence of hyponutrition in the elderly at admission to the hospital]. Nutr Hosp. 2007;22(6):702-9. Spanish.) diminuir a duração da hospitalização,(44. Montoya Montoya S, García NE. Efecto de la intervención nutricional temprana en el resultado clínico de pacientes en riesgo nutricional. Nutr Hosp. 2014;29(2):427-36.) melhorar a qualidade de vida e reduzir os custos dos cuidados de saúde.(33. Reyes JG, Zúñiga AS, Cruz MG. [Prevalence of hyponutrition in the elderly at admission to the hospital]. Nutr Hosp. 2007;22(6):702-9. Spanish.) A intervenção nutricional fazen-se necessária em indivíduos com risco nutricional,(22. Volkert D, Beck AM, Cederholm T, Cruz-Jentoft A, Goisser S, Hooper L, et al. ESPEN guideline on clinical nutrition and hydration in geriatrics. Clin Nutr. 2019;38(1):10-47.) para evitar desnutrição, que leva a taxas mais elevadas de morbidade e mortalidade, com pior prognóstico na recuperação de enfermidades subjacentes.(33. Reyes JG, Zúñiga AS, Cruz MG. [Prevalence of hyponutrition in the elderly at admission to the hospital]. Nutr Hosp. 2007;22(6):702-9. Spanish.,55. Bezerra JD, Dantas MA, Vale SH, Dantas MM, Leite LD. Aplicação de um instrumentos de triagem nutricional e hospital geral: um estudo comparativo. Ciênc & Saúde. 2012;5(1):9-15.)

O questionário Nutritional Risk Screening 2002 (NRS 2002) é uma ferramenta de avaliação de aplicação rápida e fácil,(55. Bezerra JD, Dantas MA, Vale SH, Dantas MM, Leite LD. Aplicação de um instrumentos de triagem nutricional e hospital geral: um estudo comparativo. Ciênc & Saúde. 2012;5(1):9-15.77. Kondrup J, Allison SP, Elia M, Vellas B, Plauth M; Educational and Clinical Practice Committee, European Society of Parenteral and Enteral Nutrition (ESPEN). ESPEN guidelines for nutrition screening 2002. Clin Nutr. 2003; 22(4):415-21.) que permite a detecção de alterações do estado nutricional e a determinação da necessidade de intervenção para manutenção ou recuperação do estado nutricional adequado em adultos e idosos.(88. Cederholm T, Barazzoni R, Austin P, Ballmer P, Biolo G, Bischoff SC, et al. ESPEN guidelines on definitions and terminology of clinical nutrition. Clin Nutr. 2017;36(1):49-64.) Entretanto, o NRS 2002 foi baseado em estudos com idosos de 70 anos ou mais, que recebem 1 ponto a mais no escore final como fator de adicional de risco.(66. Raslan M, Gonzalez MC, Dias MC, Paes-Barbosa FC, Cecconello I, Waitzberg DL. Aplicabilidade dos métodos de triagem nutricional no paciente hospitalizado. Rev Nutr. 2008;21(5):553-61.) Essa ferramenta de avaliação foi desenvolvida em países europeus, onde adultos de 65 anos ou mais são denominados idosos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), porém, a terceira idade tem início em idade inferior nos países em desenvolvimento, sendo considerados idosos aqueles com 60 anos ou mais de idade.(88. Cederholm T, Barazzoni R, Austin P, Ballmer P, Biolo G, Bischoff SC, et al. ESPEN guidelines on definitions and terminology of clinical nutrition. Clin Nutr. 2017;36(1):49-64.)

Dado o impacto negativo da desnutrição em idosos, é importante conduzir estudos que adaptem esse método de triagem à população de idosos do Brasil, a fim de permitir a identificação precoce dos indivíduos que necessitam de intervenção nutricional para a manutenção ou recuperação do estado nutricional adequado.

OBJETIVO

Avaliar o poder de discriminação diagnóstica de uma versão adaptada do Nutritional Risk Screening 2002, na qual o critério de idade para a soma de 1 ponto foi reduzido para 60 anos ou mais.

MÉTODOS

Estudo transversal conduzido para testar o poder de discriminação diagnóstica de uma versão adaptada do NRS 2002. Pacientes de ambos os sexos com 60 anos ou mais e internados em enfermarias ou no setor cirúrgico de um hospital universitário localizado na cidade de Recife (PE), participaram do estudo. A coleta de dados foi realizada entre abril e dezembro de 2016, e todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Informado. Foram excluídos os pacientes inaptos para a avaliação antropométrica, os amputados, os que apresentavam edema ou ascite, os transplantados, os incapazes de fornecer informações e os que se encontravam em terapia nutricional enteral.

O risco nutricional foi avaliado nas primeiras 48 horas após a internação, por meio da administração de três questionários estruturados a cada paciente: NRS 2002 original, versão adaptada do NRS 2002 e Mini Nutritional Assessment (MNA) – este último o padrão-ouro.

A versão adaptada do NRS 2002 é uma modificação do modelo original proposto por Kondrup et al.,(77. Kondrup J, Allison SP, Elia M, Vellas B, Plauth M; Educational and Clinical Practice Committee, European Society of Parenteral and Enteral Nutrition (ESPEN). ESPEN guidelines for nutrition screening 2002. Clin Nutr. 2003; 22(4):415-21.) A diferença foi a redução do critério de idade para 60 anos para a adição de 1 ponto no escore final. A classificação de risco nutricional foi mantida, sendo o escore ≥3 considerado indicativo de risco.

O NRS 2002 original é composto de duas partes. A primeira parte aborda índice de massa corporal (IMC), perda de peso, alterações de ingestão alimentar e gravidade da doença de base. A segunda parte reserva-se aos pacientes que satisfazem um dos critérios da primeira parte e consiste em uma investigação mais profunda e na estratificação das variáveis avaliadas. No final do questionário, 1 ponto é somado para indivíduos com 70 anos de idade ou mais, sendo o risco nutricional definido como escore igual ou superior a 3 pontos.(99. British Association for Parenteral and Enteral Nutrition (BAPEN). The ‘Must’ Explanatory booklet. A guide to the ‘Malnutrition Universal Screening Tool’ (‘MUST’) for Adults [Internet]. Worcestershire (UK): BAPEN; 2003 [cited 2019 Aug 5]. Available from: <https://www.bapen.org.uk/pdfs/must/must_explan.pdf >
https://www.bapen.org.uk/pdfs/must/must_...
)

O MNA é tido como ferramenta padrão-ouro para avaliação nutricional em idosos e foi criado para investigar modificações de composição corporal, alterações recentes de peso, mudanças do padrão alimentar, grau de autonomia e autopercepção do estado de saúde nessa população.(33. Reyes JG, Zúñiga AS, Cruz MG. [Prevalence of hyponutrition in the elderly at admission to the hospital]. Nutr Hosp. 2007;22(6):702-9. Spanish.) Esse questionário é capaz de predizer a morbidade, a mortalidade e os desfechos clínicos e contém 18 itens divididos em duas partes. A primeira possui seis itens de triagem, que geram um escore de até 14 pontos. Escore de 12 ou mais pontos indicam ausência de risco nutricional, sem necessidade de se completar o resto do questionário. Escores de 11 pontos ou menos indicam risco nutricional ou desnutrição, devendo o resto do questionário ser completado nesses casos. O MNA inclui dados antropométricos, avaliação global, dieta e autoavaliação subjetiva. O escore MNA total permite a classificação do risco nutricional da seguinte forma: <17 pontos para desnutrido, 17 a 23,5 pontos para risco de desnutrição e ≥ 24 pontos para bem nutrido.(1010. Guigoz Y, Vellas B, Garry PJ. Assessing the nutritional status of the elderly: the Mini Nutritional Assessment as part of the geriatric evaluation. Nutr Rev. 1996;54(1 Pt 2):S59-65. Review.)

Variáveis demográficas e clínicas foram extraídas dos prontuários dos pacientes. As variáveis demográficas foram sexo (masculino ou feminino) e idade (60 a 69 anos ou ≥70 anos). As variáveis clínicas incluídas foram doença de base no momento da hospitalização (neoplasia, doença vascular, distúrbios geniturinários, neurológicos ou gastrintestinais, problemas como febre, anorexia, doença hepática, problemas respiratórios ou de nariz, ouvido e garganta, e hipóteses diagnósticas) e número de comorbidades (hipertensão arterial, diabetes mellitus e doença pulmonar obstrutiva crônica) associadas à doença de base (nenhuma, uma ou duas ou mais comorbidades).

As variáveis antropométricas consideradas foram IMC e circunferência do braço e da panturrilha. O IMC foi calculado como o peso (kg) dividido pela altura ao quadrado (m2). O peso (kg) foi aferido empregando-se uma balança analítica (Filizola, São Paulo, SP, Brasil) com capacidade máxima para 150kg e precisão de 100g. A altura foi determinada empregando-se um estadiômetro de alumínio acoplado à balança no plano horizontal de Frankfurt(1111. Habicht JP, Butz WP. Measurement of health and nutrition effects of large-scale nutrition intervention projects. In: Klein RE, Read MS, Riecken HW, Brown Jr JA, Pradilha A, Daza CH. Evaluation of the impact of nutrition and health programs. New York: Plenum Press; 1979. p. 133-89.) ou por meio da equação de Chumlea(1212. Chumlea WC, Roche AF, Steinbaugh ML. Estimating stature from knee height for persons 60 to 90 years of age. J Am Geriatr Soc. 1985;33(2):16-120.) com base na altura do joelho. Os pontos de corte de IMC definidos por Lipschitz(1313. Lipschitz DA. Screening for nutritional status in the elderly. Prim Care. 1994;21(1):55-67. Review.) foram empregados na classificação do estado nutricional.

A circunferência do braço foi mensurada empregando-se uma fita métrica não elástica (comprimento máximo de 1,50m) posicionada no braço não dominante. Os participantes foram instruídos a fletir o braço em um ângulo de 90°, para facilitar a localização do ponto médio entre o acrômio e o olecrano, e, em seguida, a estender o braço ao longo do corpo, com a palma voltada para a coxa. O braço foi mensurado no ponto descrito, tendo-se o cuidado de evitar a compressão da pele e a folga da fita métrica.

A circunferência da panturrilha foi mensurada no membro inferior esquerdo, empregando-se uma fita métrica não elástica (cumprimento máximo de 1,50m) posicionada no ponto de maior diâmetro, com o paciente em posição supina ou sentada e com o joelho fletido em um ângulo de 90°.

Os programas (SPSS), versão 23.0 para Windows®, e Excel® 2010 foram utilizados na análise estatística, e todos os testes foram aplicados com intervalo de confiança de 95% (IC95%). Os dados foram expressos como frequências absolutas e percentuais. As associações entre as variáveis categóricas foram testadas, empregando-se o teste χ2 de Pearson ou o teste exato de Fisher (quando o teste χ2 não fosse aplicável). A sensibilidade, a especificidade, a acurácia e os valores preditivos positivo e negativo foram determinados para as versões original e adaptada do NRS 2002 e comparados à MNA. O grau de concordância entre as ferramentas de avaliação foi determinado empregando-se a estatística Kappa. A margem de erro dos testes estatísticos foi de 5% (p<0,05) e IC95% foram calculados.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), parecer 1.488.532, CAAE: 52561116.0.0000.5208.

RESULTADOS

A amostra foi composta por 110 pacientes, 63,6% dos quais do sexo masculino. Pouco mais da metade (53,6%) tinha entre os 60 e 69 anos de idade, e 46,4% tinham 70 anos de idade ou mais (p=0,052). Os motivos de internação encontram-se listados na tabela 1, sendo os mais representados a neoplasia (28,2%) e a doença vascular (20,9%).

Tabela 1
Descrição da amostra (sexo e variáveis clínicas) de acordo com a faixa etária de idosos internados em um hospital universitário

O risco nutricional estimado com base na versão adaptada do NRS 2002 ou no MNA não diferiu entre as faixas etárias. Em contrapartida, quando a versão original do NRS 2002 foi empregada, o risco nutricional foi mais frequente entre pacientes de 70 anos de idade ou mais (p=0,009) (Tabela 2).

Tabela 2
Risco nutricional estimado por meio de três métodos distintos, de acordo com a faixa etária de idosos internados em um hospital universitário

Não houve associações significantes entre o risco nutricional estimado por meio das versões adaptada e original do NRS 2002 e doença ou comorbidades (Tabela 3). Entretanto, foram observadas associações significantes entre risco nutricional e tipo de doença (p=0,019) e risco nutricional e comorbidades (p=0,022) quando o risco foi estimado com base no MNA (dados não apresentados na tabela).

Tabela 3
Associações entre risco nutricional estimado com base nas versões adaptada e original do Nutritional Risk Screening 2002 e motivos de internação/ comorbidades em idosos internados em um hospital universitário

A tabela 4 mostra a frequência do risco nutricional estimada com base no MNA e nas versões original e adaptada do NRS 2002 em pacientes de 60 anos ou mais. A frequência mais alta foi encontrada quando a ferramenta de avaliação foi o MNA, seguida da versão adaptada do NRS 2002.

Tabela 4
Frequência de risco nutricional entre pacientes de idade igual ou superior a 60 anos (n=110), de acordo com a ferramenta de triagem nutricional

A tabela 5 mostra os resultados da análise de concordância entre os métodos, tomando-se o MNA como padrão-ouro. A versão adaptada do NRS 2002 mostrou-se mais sensível do que a original (60,3% e 50%, respectivamente), embora ainda classificada como insuficiente. A sensibilidade e a especificidade total das versões original e adaptada do NRS 2002 foram de 144,2 e 152,6, respectivamente.

Tabela 5
Acurácia diagnóstica e intervalos de confiança de 95% das versões adaptada e original do Nutritional Risk Screening 2002 comparados ao Mini Nutritional Assessment (padrão-ouro)

DISCUSSÃO

Os resultados obtidos por meio da versão adaptada do NRS 2002 usada neste estudo refletem os achados derivados da versão original do questionário relatados na literatura, mostrando maior especificidade do que sensibilidade e indicando boa capacidade de identificação de pacientes sem risco nutricional. Em estudo envolvendo idosos de Genebra e Berlim, Kyle et al.,(1414. Kyle UG, Kossovsky MP, Karsegard VL, Pichard C. Comparison of tools for nutritional assessment and screening at hospital admission: a population study. Clin Nutr. 2006;25(3):409-17.) encontraram índice de risco nutricional de 28% empregando o NRS 2002, com sensibilidade, especificidade, valores preditivos positivo e negativo de 62%, 93%, 85% e 79%, respectivamente – valores esses superiores aos obtidos com a ferramenta Malnutrition Universal Screening Tool e relatados na NR Initiative.

Entretanto, conforme a sensibilidade aumenta, o número de falsos-positivos também aumenta, e, da mesma forma, o aumento da especificidade leva à elevação no número de falsos-negativos.(1515. Stanga Z. Basics in clinical nutrition: nutrition in the eldrly. Clin Nutr ESPEN. 2009;4(6):e289-99.) Apesar do grau equivalente de concordância entre o MNA e as duas versões do NRS 2002 (concordância moderada de acordo com o coeficiente Kappa), a versão adaptada mostrou-se descritivamente mais eficiente, devido à maior sensibilidade. Outro impacto positivo da adaptação do NRS 2002 foi a maior sensibilidade e especificidade total em relação à versão original – mais um fator que corrobora o maior poder de discriminação diagnóstica da versão adaptada em relação à original.

Quanto aos principais motivos de internação hospitalar, os achados deste estudo reforçam dados de pesquisa conduzida por Bezerra et al.,(55. Bezerra JD, Dantas MA, Vale SH, Dantas MM, Leite LD. Aplicação de um instrumentos de triagem nutricional e hospital geral: um estudo comparativo. Ciênc & Saúde. 2012;5(1):9-15.) em uma policlínica localizada na cidade de Natal (RN), na qual a maioria dos pacientes (26,9%) sofria de câncer, problemas geniturinários (11,5%), distúrbios respiratórios (11,5%) e distúrbios gastrintestinais (7,7%). Em contrapartida, assim como em países desenvolvidos, os principais diagnósticos encontrados em um serviço privado de saúde localizado na cidade de Porto Alegre (RS) foram distúrbios musculoesqueléticos (22,2%), doenças respiratórias (11,1%) e doenças cardiovasculares (11,1%).(1616. Crestani N, Bieger P, El Kik RM, Dias RL, Alscher S, Lienert RS. Perfil nutricional de pacientes adultos e idosos admitidos em um hospital universitário. Ciênc & Saúde. 2011;4(2):45-9.) Koren-Hakim et al.,(1717. Koren-Hakim T, Weiss A, Hershkovitz A, Otzrateni I, Anbar R, Gross Nevo RF, et al. Comparing the adequacy of the MNA-SF, NRS-2002 and MUST nutritional tools in assessing malnutrition in hip fracture operated elderly patients. Clin Nutr. 2016;35(5):1053-8.) relataram hipertensão (69,3%), doença cardiovascular (52,1%) e distúrbios musculoesqueléticos (42,3%) como os principais motivos de hospitalização. Diferenças nas características das amostras podem ser explicadas pela disparidade de classe econômica entre as populações estudadas, dada a associação entre maior poder aquisitivo e melhor estado nutricional.

Este estudo não apontou associações significantes entre doença e risco nutricional estimado com base nas duas versões do NRS 2002. Isso pode ser devido ao fato de a maioria dos pacientes se encontrar em estágios iniciais da doença e ter sido internada para diagnóstico da doença de base. Cabe destacar que, diferentemente de outras ferramentas de triagem nutricional, o MNA não leva em conta a doença de base, a qual influencia na determinação de associações entre motivo de hospitalização e risco nutricional.

A frequência de risco nutricional estimado por meio das versões original e adaptada do NRS 2002 não diferiu entre pacientes com neoplasia. Achados semelhantes foram relatados por Lisboa da Silva et al.,(1818. Lisboa da Silva D, Alves Santos P, Coelho Cabral P, Pessoa de Araujo Burgos MG. Nutritional screening in clinical patients at a University Hospital in Northeastern Brazil. Nutr Hosp. 2012;27(6):2015-9.) em amostra de pacientes exclusivamente clínicos atendidos no mesmo hospital universitário e avaliados por meio da versão original do NRS 2002 (índice de 38,4% de risco nutricional em pacientes com câncer).

Estudos envolvendo triagem nutricional baseiam-se em métodos de detecção de risco nutricional e medidas distintos, além de pacientes com diagnósticos diversos. A frequência de risco nutricional foi mais baixa neste estudo do que em ambulatório cirúrgico (69,3%)(1919. de Mendonça Soares BL, Pessoa de Araújo Burgos MG. Nutritional risk among surgery patients and associations with hospital stay and postoperative complications. Nutr Hosp. 2014;30(3):636-42.) e na clínica médica (51,3%) de um hospital universitário localizado na cidade de Recife.(1818. Lisboa da Silva D, Alves Santos P, Coelho Cabral P, Pessoa de Araujo Burgos MG. Nutritional screening in clinical patients at a University Hospital in Northeastern Brazil. Nutr Hosp. 2012;27(6):2015-9.) Essa disparidade pode ser explicada por diferenças relacionadas a especialidades clínicas e doenças entre as amostras.

No que se refere à detecção do risco nutricional, índices semelhantes foram encontrados nas diferentes faixas etárias (60 a 69 anos e acima de 70 anos) quando estimados por meio da versão adaptada do NRS 2002 e do MNA. Entretanto, índices significativamente mais altos de risco nutricional foram encontrados em indivíduos de 70 anos ou mais, avaliados por meio da versão original do NRS 2002, sugerindo que esse último questionário não é adequado para a triagem de indivíduos de 60 a 69 anos

Estudos investigando a concordância entre o NRS 2002 e o MNA são escassos. Em um estudo conduzido por Neelemaat et al.,(2020. Neelemaat F, Meijers J, Kruizenga H, van Ballegooijen H, van Bokhorst-de van der Schueren M. Comparison on five malnutrition screening tools in one hospital impatient sample. J Clin Nurs. 2011;20(15-16):2144-52.) com idosos de 60 anos ou mais na cidade de Amsterdã, na Holanda, o NRS 2002 mostrou sensibilidade (92%), especificidade (83%), valor preditivo positivo (70%) e valor preditivo negativo (96%) descritivamente mais elevados do que os obtidos neste estudo. Entretanto, os autores empregaram medidas antropométricas como padrão-ouro, sendo que essa não é a melhor ferramenta de triagem nutricional para idosos. Além disso, o poder de discriminação diagnóstica do método usado neste estudo foi determinado com base na estatística Kappa, o que permite maior acurácia na comparação com o padrão-ouro.

Este estudo tem limitações dignas de nota. O tamanho amostral foi pequeno para ser representativo. Além disso, sendo o desenho experimental transversal, o desfecho é considerado em um momento específico, o que impede a determinação de relações potenciais entre causa e efeito.

CONCLUSÃO

Os resultados aqui apresentados sugerem que a versão adaptada do Nutritional Risk Screening 2002 para idosos de 60 anos ou mais tem maior poder de discriminação diagnóstica do que a versão original, permitindo a detecção mais eficiente do risco nutricional em idosos hospitalizados. Entretanto, novos estudos fazem-se necessários para confirmar tais achados.

AGRADECIMENTOS

À Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco, pelo financiamento do Programa de Residência em Nutrição, e à Universidade Federal de Pernambuco, pela coordenação do Programa de Residência em Nutrição.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    05 Ago 2019
  • Aceito
    06 Mar 2020
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