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Dados visuais: uma nova ferramenta para melhorar a interpretação dos resultados de ensaios clínicos

RESUMO

Ensaios clínicos randomizados são conhecidos por serem a melhor ferramenta para determinar os efeitos de uma intervenção. No entanto, a maioria dos profissionais de saúde não é capaz de compreender os resultados de forma adequada. Neste artigo, são apresentados conceitos, aplicações, exemplos e vantagens do uso de dados visuais como uma ferramenta complementar na seção dos resultados de artigos originais. A simplificação da visualização da apresentação dos dados deve melhorar o entendimento geral de pesquisas clínicas.

Descritores:
Ensaios clínicos controlados aleatórios como assunto; Bioestatística; Apresentação de dados; Ensaios clínicos controlados não aleatórios como assunto

ABSTRACT

Randomized controlled trials are known to be the best tool to determine the effects of an intervention; however, most healthcare professionals are not able to adequately understand the results. In this report, concepts, applications, examples, and advantages of using visual data as a complementary tool in the results section of original articles are presented. Visual simplification of data presentation will improve general understanding of clinical research.

Keywords:
Randomized controlled trials as topic; Biostatistics; Data display; Non-randomized controlled trials as topic

INTRODUÇÃO

Os ensaios controlados randomizados (ECR) são considerados a ferramenta de desenho experimental mais poderosa para determinar os efeitos de intervenções terapêuticas nos desfechos de pacientes. Quando bem realizados, são considerados o desenho padrão-ouro para dar suporte à tomada de decisões na prática clínica.

Para interpretar corretamente os resultados dos ECR, os leitores de um ensaio publicado precisam de informações completas, claras e transparentes sobre sua metodologia e seus achados.(11. Schulz KF, Altman DG, Moher D, Group C. CONSORT 2010 Statement: updated guidelines for reporting parallel group randomised trials. Trials. 2010;11:32.) Apesar de iniciativas importantes, como a Consolidated Standards of Reporting Trials (CONSORT), terem proporcionado melhorias consideráveis à publicação dos ECR, a interpretação correta dos resultados de estudos continua sendo um desafio para os pesquisadores e profissionais de saúde.

Ter uma compreensão apropriada dos métodos estatísticos é um grande problema na tradução dos resultados dos ECR para a comunidade científica. Embora algumas iniciativas já tenham sido feitas para melhorar a apresentação de resultados dos ECR, a literatura indica que a maioria dos profissionais de saúde não consegue compreender corretamente os resultados de pesquisas clínicas. Por exemplo, em um estudo multicêntrico, Johnston et al.(22. Johnston B, Alonso-Coello P, Friedrich J, Mustafa R, Tikkinen K, Neumann I, et al. Do clinicians understand the size of treatment effects? A randomized survey across 8 countries. CMAJ. 2016;188(1):25-32.) observaram que menos de 30% dos médicos entenderam corretamente os métodos estatísticos empregados com frequência em ECR, como a diferença média e a diferença mínima importante. Esses resultados tornam-se mais alarmantes quando se consideram a variedade e a complexidade dos procedimentos estatísticos usados nos ECR.(33. Naggara O, Raymond J, Guilbert F, Roy D, Weill A, Altman DG. Analysis by categorizing or dichotomizing continuous variables is inadvisable: an example from the natural history of unruptured aneurysms. Am J Neuroradiol. 2011;32(3):437-40.)

Um estudo anterior identificou que a maioria dos profissionais de saúde considera as variáveis dicotômicas mais valiosas que dados contínuos, para fins de tomada de decisões clínicas.(22. Johnston B, Alonso-Coello P, Friedrich J, Mustafa R, Tikkinen K, Neumann I, et al. Do clinicians understand the size of treatment effects? A randomized survey across 8 countries. CMAJ. 2016;188(1):25-32.) A simplificação da apresentação pode ser uma forma de melhorar a compreensão dos resultados dos ECR, ajudando a preencher a lacuna entre a pesquisa e a prática.

DADOS VISUAIS: DEFINIÇÃO E EXEMPLOS

Os dados visuais têm sido amplamente usados em negócios para facilitar a identificação de problemas nas cadeias de processos. A ideia é fornecer esquemas visuais, de acordo com critérios especificados, tornando mais clara a identificação de casos de sucesso e insucesso. A figura 1 apresenta um exemplo de dados visuais avulsos.

Figura 1
Identificação de melhora (verde), piora (vermelho), não alteração (amarelo) ou dados ausentes (cinza) de uma intervenção com variáveis primárias (símbolo maior) e secundárias (símbolos menores)

Na figura, o círculo grande representa o desfecho principal (pressão arterial), enquanto os outros três círculos pequenos representam os desfechos secundários (frequência cardíaca, rigidez arterial e função endotelial). Dentro de cada círculo, uma imagem visual com um símbolo de cada desfecho foi incluída, para facilitar a interpretação da figura. Os resultados da intervenção em cada variável são indicado pelas cores dentro de cada círculo (melhora, verde; manutenção, amarelo; piora, vermelho; dados ausentes, cinza). Assim, no caso exemplificado, o participante teve melhora da pressão arterial, manteve a rigidez arterial e teve piora da frequência cardíaca. Não foram coletados dados de função endotelial.

A figura 2 apresenta os dados de um estudo que incluiu 80 participantes, 40 no Grupo Experimental e 40 no Grupo Controle. Apesar da inclusão de vários participantes no mesmo gráfico, a interpretação dos resultados é clara. Na figura, é possível observar que a maioria dos participantes do Grupo Experimental teve melhora no desfecho primário, enquanto apenas poucos participantes do Grupo Controle apresentaram melhora nessa variável. Além disso, houve heterogeneidade na resposta para desfechos secundários entre os participantes do Grupo Experimental. Para fins de comparação, os mesmos dados da figura 2 são apresentados na tabela 1, usando o padrão de apresentação frequentemente usado em ECR.

Figura 2
Dados de um estudo completo, incluindo 80 sujeitos, 40 no Grupo Experimental e 40 no Grupo Controle
Tabela 1
Dados da figura 2 apresentados como média (desvio padrão)

VANTAGENS DOS DADOS VISUAIS

A apresentação de dados individuais aumentou nos últimos anos, para melhorar o reporte de resultados de ECR. Na maioria dos casos, os dados são apresentados em gráficos de linhas ou barras (Figura 3), sendo cada linha ou barra um participante do estudo. Na maioria dos casos, apenas os dados individuais dos desfechos primários são apresentados. Quando os desfechos secundários são apresentados, estes são incluídos nas diferentes figuras. Uma vantagem clara dos dados visuais propostos, em comparação aos gráficos, é a visão integrada dos efeitos das intervenções nos desfechos primários e secundários para cada participante do estudo. Isso permite a interpretação mais abrangente, o que ajuda os clínicos a compreender melhor os efeitos das intervenções nos desfechos primários e secundários simultaneamente.

Figura 3
Dados individuais apresentados em linhas ou barras

O uso de dados visuais implica que as variáveis contínuas sejam transformadas de variáveis numéricas a categóricas (melhora, manutenção ou piora). Do ponto de vista clínico, isso esclarece a relevância clínica dos resultados. O uso de variáveis categóricas também é melhor para os médicos. Um estudo anterior, com 531 médicos de 8 países, relatou que os médicos entendiam melhor as apresentações dicotômicas de desfechos contínuos, e as achavam mais úteis.(22. Johnston B, Alonso-Coello P, Friedrich J, Mustafa R, Tikkinen K, Neumann I, et al. Do clinicians understand the size of treatment effects? A randomized survey across 8 countries. CMAJ. 2016;188(1):25-32.) Desse modo, o uso e a extração de dados para profissionais de saúde podem ser melhorados com dados visuais. Um caso típico em que isso é útil é apresentado na tabela 2 e na figura 4. Conforme a tabela 2, foram observadas alterações estatisticamente significativas nos desfechos primários. No entanto, a análise dos dados visuais sugere que não foi verificada alteração clinicamente significativa.

Figura 4
Representação das respostas de uma intervenção no Grupo Experimental e Grupo Controle. Verde indica melhora e amarelo manutenção
Tabela 2
Dados da figura 4 apresentados como média (desvio padrão)

Além disso, embora as intervenções tenham o objetivo de melhorar o desfecho principal, é possível que também possam causar efeitos indesejados (reações adversas) em alguns indivíduos. Ainda assim, a comparação das médias, representada em números, não permite a identificação de efeitos indesejáveis após a intervenção. Por exemplo, a figura 5 (painel A) mostra que, após intervenção, houve melhora estatisticamente significativa na função renal − valores pré: 97,1 (2,1) versus valores pós: 98,9 (3,7), com p=0,040.

Figura 5
Valores pré- e pós-intervenção para função renal (painel A) e dados visuais das respostas individuais. Verde indica melhora, amarelo manutenção, e vermelho piora (painel B)

No entanto, 25% (n=5) dos participantes não apresentaram melhora e 15% (n=3) tiveram reações adversas, conforme mostrado na figura 5 (painel B).

O uso de dados visuais pode favorecer a divulgação de resultados de ECR por meio da comunicação não científica, como televisão, blogs e redes sociais − mídias frequentemente usadas para informar o público não acadêmico interessado em pesquisa científica.(44. Ramalho M, Arboleda T, Hermelin D, Reznik G, Massarani L. A cobertura de ciência em telejornais do Brasil e da Colômbia: um estudo comparativo das construções midiáticas. Hist Cienc Saude Manguinhos. 2017;24(1):223-42.) Este é um assunto importante, considerando-se o interesse crescente das revistas científicas na divulgação de artigos ao público geral, por meio de mídias sociais (por exemplo: Facebook, Twitter e Instagram).(55. Souza UJ, Camilo G, Carmo RC, Silva EV. O uso das redes sociais pelos periódicos brasileiros de biblioteconomia e ciência da informação. Rev ACB. 2015;20(3):584-91.)

Nesse sentido, a proposta atual é uma primeira sugestão de como usar dados visuais como ferramenta para melhorar a interpretação dos resultados de estudos clínicos. Pesquisadores e médicos são convidados a usar essa ferramenta em diferentes áreas, para identificar sua viabilidade em diferentes contextos, permitindo que o uso desses dados visuais seja melhorado e refinado.

DEFINIÇÃO DOS PONTOS DE CORTE

A maioria dos médicos preferem resultados dicotômicos para compreender os resultados dos ECR.(22. Johnston B, Alonso-Coello P, Friedrich J, Mustafa R, Tikkinen K, Neumann I, et al. Do clinicians understand the size of treatment effects? A randomized survey across 8 countries. CMAJ. 2016;188(1):25-32.) Sabe-se que, para alguns desfechos, esse tipo de resultado pode deixar dúvidas quanto à interpretação dos achados.(33. Naggara O, Raymond J, Guilbert F, Roy D, Weill A, Altman DG. Analysis by categorizing or dichotomizing continuous variables is inadvisable: an example from the natural history of unruptured aneurysms. Am J Neuroradiol. 2011;32(3):437-40.) O ponto de corte é definido como um ponto principal nos dados visuais. Vários métodos já foram propostos para definir o efeito clinicamente relevante individual das intervenções e, dependendo do método empregado, a interpretação dos dados visuais varia drasticamente.

Seguem os principais métodos que já foram usados para classificar os efeitos das intervenções:

  • Delta zero: para alguns desfechos que costumam mudar com o tratamento, se o delta (valores pré e pós) for diferente de zero, isso indica que houve resposta.(66. Tibana RA, de Sousa NM, da Cunha Nascimento D, Pereira GB, Thomas SG, Balsamo S, et al. Correlation between acute and chronic 24-hour blood pressure response to resistance training in adult women. Int J Sports Med. 2015;36(1):82-9.) Esse método pode facilmente ser contestado, porque não considera variações como a confiabilidade, a variabilidade aleatória e as variações individuais.

  • Alterações com base no risco: para algumas variáveis de saúde, estudos longitudinais estabeleceram pontos de corte associados a eventos de saúde. Nesse sentido, alguns estudos usaram esses valores clinicamente relevantes para classificar os desfechos no contexto de ECR. Por exemplo, é possível classificar os participantes como respondedores caso a pressão arterial tenha diminuído para 3mmHg, que é o valor associado a eventos cardiovasculares fatais ou não fatais. Esse critério poderia ser usado para outras variáveis, como rigidez arterial (1m/s),(77. Vlachopoulos C, Aznaouridis K, Stefanadis C. Prediction of cardiovascular events and all-cause mortality with arterial stiffness: a systematic review and meta-analysis. J Am Coll Cardiol. 2010;55(13):1318-27. Review.) frequência cardíaca de repouso (75bpm),(88. Fox K, Bousser MG, Amarenco P, Chamorro A, Fisher M, Ford I, et al. Heart rate is a prognostic risk factor for myocardial infarction: a post hoc analysis in the PERFORM (Prevention of cerebrovascular and cardiovascular Events of ischemic origin with terutroban in patients with a history of ischemic stroke or transient ischemic attack) study population. Int J Cardiol. 2013;168(4):3500-5.) dilatação fluxo-mediada (1%)(99. Shechter M, Shechter A, Koren-Morag N, Feinberg MS, Hiersch L. Usefulness of brachial artery flow-mediated dilation to predict long-term cardiovascular events in subjects without heart disease. Am J Cardiol. 2014;113(1):162-7.) e biomarcadores,(1010. Guaricci AI, Pontone G, Fusini L, De Luca M, Cafarelli FP, Guglielmo M, et al. Additional value of inflammatory biomarkers and carotid artery disease in prediction of significant coronary artery disease as assessed by coronary computed tomography angiography. Eur Heart J Cardiovasc Imaging. 2017; 18(9):1049-56.) entre outros.

  • Tercis e quartis: os desfechos não têm pontos de corte estabelecidos, e alguns estudos usaram valores arbitrários baseados na mediana, em tercis, quartis ou percentis, o que poderia ser contestado.(1111. Farah BQ, Ritti-Dias RM, Cucato GG, Montgomery PS, Gardner AW. Factors Associated with Sedentary Behavior in Patients with Intermittent Claudication. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2016;52(6):809-14.,1212. Machado M, Willardson J. Short recovery augments magnitude of muscle damage in high responders. Med Sci Sports Exerc. 2010;42(7):1370-4.)

  • Diferença mínima detectável: define a diferença entre as médias de um tratamento e o controle que deve existir para se concluir que existe um efeito significativo, indo além de qualquer erro de medição com um determinado nível de confiança, geralmente com o nível de confiança de 95%. Para isso, é preciso conhecer o erro da medição da variável sob análise.(1313. Negrete R, Hanney W, Kolber M, Davies G, Ansley M, McBride A, et al. Reliability, minimal detectable change, and normative values for tests of upper extremity function and power. J Strength Cond Res. 2010;24(12): 3318-25.)

REFERENCES

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    Schulz KF, Altman DG, Moher D, Group C. CONSORT 2010 Statement: updated guidelines for reporting parallel group randomised trials. Trials. 2010;11:32.
  • 2
    Johnston B, Alonso-Coello P, Friedrich J, Mustafa R, Tikkinen K, Neumann I, et al. Do clinicians understand the size of treatment effects? A randomized survey across 8 countries. CMAJ. 2016;188(1):25-32.
  • 3
    Naggara O, Raymond J, Guilbert F, Roy D, Weill A, Altman DG. Analysis by categorizing or dichotomizing continuous variables is inadvisable: an example from the natural history of unruptured aneurysms. Am J Neuroradiol. 2011;32(3):437-40.
  • 4
    Ramalho M, Arboleda T, Hermelin D, Reznik G, Massarani L. A cobertura de ciência em telejornais do Brasil e da Colômbia: um estudo comparativo das construções midiáticas. Hist Cienc Saude Manguinhos. 2017;24(1):223-42.
  • 5
    Souza UJ, Camilo G, Carmo RC, Silva EV. O uso das redes sociais pelos periódicos brasileiros de biblioteconomia e ciência da informação. Rev ACB. 2015;20(3):584-91.
  • 6
    Tibana RA, de Sousa NM, da Cunha Nascimento D, Pereira GB, Thomas SG, Balsamo S, et al. Correlation between acute and chronic 24-hour blood pressure response to resistance training in adult women. Int J Sports Med. 2015;36(1):82-9.
  • 7
    Vlachopoulos C, Aznaouridis K, Stefanadis C. Prediction of cardiovascular events and all-cause mortality with arterial stiffness: a systematic review and meta-analysis. J Am Coll Cardiol. 2010;55(13):1318-27. Review.
  • 8
    Fox K, Bousser MG, Amarenco P, Chamorro A, Fisher M, Ford I, et al. Heart rate is a prognostic risk factor for myocardial infarction: a post hoc analysis in the PERFORM (Prevention of cerebrovascular and cardiovascular Events of ischemic origin with terutroban in patients with a history of ischemic stroke or transient ischemic attack) study population. Int J Cardiol. 2013;168(4):3500-5.
  • 9
    Shechter M, Shechter A, Koren-Morag N, Feinberg MS, Hiersch L. Usefulness of brachial artery flow-mediated dilation to predict long-term cardiovascular events in subjects without heart disease. Am J Cardiol. 2014;113(1):162-7.
  • 10
    Guaricci AI, Pontone G, Fusini L, De Luca M, Cafarelli FP, Guglielmo M, et al. Additional value of inflammatory biomarkers and carotid artery disease in prediction of significant coronary artery disease as assessed by coronary computed tomography angiography. Eur Heart J Cardiovasc Imaging. 2017; 18(9):1049-56.
  • 11
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  • 12
    Machado M, Willardson J. Short recovery augments magnitude of muscle damage in high responders. Med Sci Sports Exerc. 2010;42(7):1370-4.
  • 13
    Negrete R, Hanney W, Kolber M, Davies G, Ansley M, McBride A, et al. Reliability, minimal detectable change, and normative values for tests of upper extremity function and power. J Strength Cond Res. 2010;24(12): 3318-25.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    06 Ago 2018
  • Aceito
    12 Jun 2019
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