Acessibilidade / Reportar erro

Impacto da cirurgia bariátrica em pacientes com incontinência urinária de esforço

RESUMO

Objetivo:

Examinar as variáveis epidemiológicas, antropométricas e clínicas associadas à incontinência urinária de esforço em mulheres obesas antes e após a cirurgia bariátrica e identificar fatores preditivos da resolução desse tipo de incontinência.

Métodos:

Estudo observacional prospectivo com mulheres de um programa de cirurgia bariátrica, realizado entre 2015 e 2016. As pacientes responderam ao International Consultation on Incontinence Questionnaire-Urinary Incontinence Short Form, à Clinical Global Impression-Improvement e à Escala Visual Analógica, sendo submetidas ao exame físico e ao teste de incontinência antes e 6 meses após cirurgia bariátrica.

Resultados:

Completaram o estudo 43 mulheres. Houve redução de 72,7% na incontinência urinária de esforço (p=0,021). Fatores preditivos para o diagnóstico pré-operatório da incontinência urinária incluíram idade (p=0,024) e circunferência abdominal (p=0,048). Todos os sintomas urinários demonstraram melhora após perda de peso, notadamente noctúria (p=0,001) e incontinência urinária de esforço (p=0,026). A menopausa foi o fator mais crítico para predizer a persistência da incontinência urinária de esforço 6 meses após a cirurgia bariátrica (p=0,046). Os resultados relatados do International Consultation on Incontinence Questionnaire-Urinary Incontinence Short Form, da Patient Global Impression of Improvement e da Escala Visual Analógica tiveram melhora significativa (p=0,012, p=0,025, p=0,002, respectivamente).

Conclusão:

Mulheres idosas e com maior circunferência abdominal têm maior risco de desenvolver incontinência urinária de esforço antes da cirurgia. Mulheres na menopausa são fortemente propensas a persistir com a incontinência urinária de esforço, mesmo após a perda de peso. A perda de peso após a cirurgia bariátrica melhora os sintomas de incontinência urinária de esforço e seus impactos na qualidade de vida na maioria das mulheres.

Descritores:
Incontinência urinária; Cirurgia bariátrica; Menopausa

ABSTRACT

Objective:

To examine epidemiologic, anthropometric and clinical variables associated with stress urinary incontinence in obese women, before and after bariatric surgery, and to identify predictive factors of stress urinary incontinence resolution.

Methods:

Prospective observational study with women enrolled in a bariatric surgery program between 2015 and 2016. Patients were assessed prior to and 6 months after bariatric surgery using the International Consultation on Incontinence Questionnaire-Urinary Incontinence Short Form, the Patient Global Impression of Improvement and the Visual Analogue Scale. Patient assessment also included physical examination and bladder stress tests.

Results:

A total of 43 women completed the study. There was a 72.7% reduction in stress urinary incontinence (p=0.021). Predictive factors for preoperative diagnosis of stress urinary incontinence included age (p=0.024) and abdominal waist circumference (p=0.048). Urinary symptoms improved after weight loss, especially nocturia (p=0.001) and stress urinary incontinence (p=0.026). Menopause was the most significant predictive factor for persistence of stress urinary incontinence within six months of bariatric surgery (p=0.046). Self-reported outcomes and scores obtained in the International Consultation on Incontinence Questionnaire-Urinary Incontinence Short Form, the Patient Global Impression of Improvement and the Visual Analogue Scale were associated with significant improvement (p=0.012, p=0.025, and p=0.002 respectively).

Conclusion:

Older women with larger waist circumference have a higher risk of developing stress urinary incontinence prior to bariatric surgery. Menopausal women are highly prone to persistent stress urinary incontinence, even after weight loss. Weight loss achieved through bariatric surgery improved stress urinary incontinence symptoms and mitigated related impacts on quality of life in the vast majority of women.

Keywords:
Urinary incontinence; Bariatric surgery; Menopause

INTRODUÇÃO

A incontinência urinária de esforço (IUE) é uma doença prevalente. Em uma enquete nacional, foi estimado que ela afeta 30 milhões de adultos nos Estados Unidos, com prevalência de 54% em mulheres e de 15% em homens.(11. Markland AD, Richter HE, Fwu CW, Eggers P, Kusek JW. Prevalence and trends of urinary incontinence in adults in the United States, 2001 to 2008. J Urol. 2011;186(2):589-93.) Trata-se de um problema global de saúde, com impactos sociais e econômicos consideráveis, que afeta a qualidade de vida e reduz a produtividade, levando ao isolamento e à depressão.(22. Huang AJ, Brown JS, Kanaya AM, Creasman JM, Ragins AI, Van Den Eeden SK, et al. Quality-of-Life impact and treatment of urinary incontinence in ethnically diverse older women. Arch Intern Med. 2006;166(18):2000-6.)

A obesidade é um fator de risco conhecido para IUE. Em estudos epidemiológicos, incrementos de cinco unidades no índice de massa corporal (IMC) foram associados a aumento de 30% da incontinência urinária grave,(33. Khullar V, Sexton CC, Thompson CL, Milsom I, Bitoun CE, Coyne KS. The relationship between BMI and urinary incontinence subgroups: results from EpiLUTS. Neurourol Urodyn. 2014;33(4):392-9.55. Townsend MK, Curhan GC, Resnick NM, Grodstein F. BMI, waist circumference, and incident urinary incontinence in older women. Obesity (Silver Spring). 2008;16(4):881-6.) principalmente IUE.(66. Subak LL, Richter HE, Hunskaar S. Obesity and urinary incontinence: epidemiology and clinical research update. J Urol. 2009;182(6 Suppl):S2-7. Review.88. Whitcomb EL, Subak LL. Effect of weight loss on urinary incontinence in women. Open Access J Urol. 2011;3:123-32. Review.)

Como a obesidade é um fator de risco modificável, a perda de peso dentro de limites saudáveis pode reduzir a IUE. A perda de peso é uma intervenção terapêutica para pacientes com IUE.(33. Khullar V, Sexton CC, Thompson CL, Milsom I, Bitoun CE, Coyne KS. The relationship between BMI and urinary incontinence subgroups: results from EpiLUTS. Neurourol Urodyn. 2014;33(4):392-9.) Dietas de baixo teor calóricopodem resultar em perda de peso (geralmente em torno de 7% a 10%) e na melhora dos sintomas de IUE em mulheres obesas.(99. Subak LL, Whitcomb E, Shen H, Saxton J, Vittinghoff E, Brown JS. Weight loss: a novel and effective treatment for urinary incontinence. J Urol. 2005;174(1):190-5.) Analogamente, a IUE melhora em reposta à perda de peso após a cirurgia bariátrica.(44. Danforth KN, Townsend MK, Lifford K, Curhan GC, Resnick NM, Grodstein F. Risk factors for urinary incontinence among middle-aged women. Am J Obstet Gynecol. 2006;194(2):339-45.,1010. Laungani RG, Seleno N, Carlin AM. Effect of laparoscopic gastric bypass surgery on urinary incontinence in morbidly obese women. Surg Obes Relat Dis. 2009;5(3):334-8.,1111. Kuruba R, Almahmeed T, Martinez F, Torrella TA, Haines K, Nelson LG, et al. Bariatric surgery improves urinary incontinence in morbidly obese individuals. Surg Obes Relat Dis. 2007;3(6):586-90; discussion 590-1.) Pacientes obesos tendem a apresentar redução de 53% a 56% do IMC dentro de 6 meses após a cirurgia bariátrica e podem perder até 74% de seu peso inicial dentro de 2 anos.(1212. Mehaffey JH, LaPar DJ, Clement KC, Turrentine FE, Miller MS, Hallowell PT, et al. 10-year outcomes after roux-en-y gastric bypass. Ann Surg. 2016;264(1):121-6.)

OBJETIVO

Examinar as variáveis epidemiológicas, antropométricas e clínicas associadas à incontinência urinária de esforço em mulheres obesas antes e após a cirurgia bariátrica e identificar fatores preditivos da resolução desse tipo de incontinência.

MÉTODOS

Este estudo observacional prospectivo foi realizado na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, em São Paulo (SP), em colaboração com a Faculdade de Medicina do ABC, Santo André (SP), pelos programas de graduação e pós-graduação. A amostra incluiu 46 mulheres inscritas no Programa de Cirurgia Bariátrica oferecido por uma instituição filantrópica localizada em São Paulo, entre 2015 e 2016.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição, com parecer 2.076.379; aprovação CAAE: 56382216.5.0000.5479. As pacientes que não concordaram em participar ou não completaram o protocolo (n=2) foram excluídas, assim como uma que foi a óbito após a cirurgia.

As pacientes restantes atenderam aos seguintes critérios institucionais de elegibilidade: IMC acima de 40kg/m2 ou de 35 a 40kg/m2 e comorbidades relacionadas à obesidade, idade entre 17 e 65 anos, motivação para passar pela cirurgia, possibilidade de seguimento vitalício, capacidade cognitiva suficiente para entender o procedimento, ausência de vício em drogas ou álcool e avaliação pré-operatória multidisciplinar (psicologia, psiquiatria, nutrição, fisioterapia e endocrinologia).

As pacientes foram incluídas no estudo antes da internação hospitalar e optaram voluntariamente por participar ou não. As que concordam em participar após o fornecimento das devidas informações foram convidadas a responder a questionários, tendo sido examinadas. Três mulheres que não preencheram corretamente os questionários foram excluídas do estudo.

A amostra incluiu mulheres aguardando cirurgia bariátrica que concordaram em participar. As pacientes foram examinadas na unidade pré-operatória no dia anterior à cirurgia bariátrica e 6 meses após a cirurgia. Todas elas foram submetidas ao procedimento bariátrico de bypass gástrico em Y de Roux.

Os exames incluíram anamnese, exame físico com teste de estresse da bexiga e administração dos questionários International Consultation on Incontinence Questionnaire-Urinary Incontinence Short Form (ICIQ-UI SF),(1313. Tamanini JT, Dambros M, D’Ancona CA, Palma PC, Rodrigues Netto N Jr. Validation of the “International Consultation on Incontinence Questionnaire -- Short Form” (ICIQ-SF) for Portuguese. Rev Saude Publica. 2004;38(3):438-44.) Patient Global Impression of Improvement (PGI-I)(1414. Yalcin I, Bump RC. Validation of two global impression questionnaires for incontinence. Am J Obstet Gynecol. 2003;189(1):98-101.) e Escala Visual Analógica (EVA) para satisfação.(1515. Lukacz ES, Lawrence JM, Burchette RJ, Luber KM, Nager CW, Buckwalter JG. The use of visual analog scale in urogynecologic research: a psychometric evaluation. Am J Obstet Gynecol. 2004;191(1):165-70.) Todas as pacientes foram avaliadas pelo mesmo urologista. As variáveis selecionadas foram idade, etnia, peso, altura, IMC, circunferência abdominal (cm) e histórico ginecológico e obstétrico (incluindo menopausa, paridade, abortos e peso do recém-nascido). Comorbidades e hábitos como asma, diabetes, hipertensão e tabagismo também foram investigados.

Os sintomas urinários foram investigados ativamente e incluíram manifestações relacionadas ao armazenamento, como IUE, urgência, incontinência de urgência, incontinência mista e noctúria, além de sintomas urinários, como jato intermitente, fluxo fraco, manobras para diminuir o prolapso genital durante a micção e dispareunia.

O ICIQ-UI SF validado para o português foi utilizado para avaliar os sintomas de IUE e o respectivo impacto sobre a qualidade de vida das pacientes. Após a avaliação inicial, a perda de urina durante o exame físico caracterizou resultado positivo no teste de estresse. Todas as mulheres foram examinadas na posição supinada e ortostática. As manobras de Valsalva e de tosse foram realizadas. A ausência de perda de urina com pelo menos 200mL de jato após o exame foi interpretada como resultado negativo no teste.

O diagnóstico de IUE foi limitado a pacientes com queixas de incontinência e perda de urina durante o exame físico.(1616. Ghoniem G, Stanford E, Kenton K, Achtari C, Goldberg R, Mascarenhas T, et al. Evaluation and outcome measures in the treatment of female urinary stress incontinence: International Urogynecological Association (IUGA) guidelines for research and clinical practice. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct. 2008;19(1):5-33.) Os prolapsos pélvicos foram classificados de acordo com o sistema Pelvic Organ Prolapse Quantification (POP-Q).(1717. Bump RC, Mattiasson A, Bø K, Brubaker LP, DeLancey JO, Klarskov P, et al. The standardization of terminology of female pelvic organ prolapse and pelvic floor dysfunction. Am J Obstet Gynecol. 1996;175(1):10-7.)

A segunda avaliação, realizada 6 meses após a cirurgia, seguiu a mesma sequência. A resolução dos sintomas foi avaliada empregando-se o PGI-I e a EVA para satisfação. A satisfação das pacientes quanto à melhora dos sintomas urinários foi graduada de zero a dez. O sucesso subjetivo foi definido como percepção de melhora por parte das pacientes (extremamente melhor ou muito melhor, escores PGI-I um e dois, respectivamente) e escores de oito ou superiores na EVA. O sucesso objetivo foi definido como ausência de perda de urina durantes os testes de estresse conduzidos com um mínimo de 200mL de urina na bexiga.

Após a análise preliminar dos resultados, três grupos foram criados, de acordo com a IUE: Grupo A, mulheres sem IUE pré-operatória; Grupo B, de mulheres com IUE pré-operatória e com resolução pós-operatória e Grupo C, de mulheres com IUE pré-operatória e sem resolução.

A análise estatística foi realizada por meio de software SPSS, versão 13.0 (SPSS para Mac OS X, SPSS, Inc., Chicago, Illinois). Os grupos foram comparados empregando-se o teste do χ2 de Pearson e a Análise de Variância (Anova). O nível de significância estabelecido foi de p<0,05. Após o ajuste das variáveis, a seleção foi realizada com base no critério de informação de Akaike (AIC).

RESULTADOS

A amostra inicial incluiu 46 pacientes. Destas, três foram excluídas, restando uma amostra de 43 mulheres com média de idade de 41,4±9,8 anos. O IMC médio diminuiu em 25,1%, passando de 45,71±5,80kg/m2, antes da cirurgia, para 34,32±3,48kg/m2, no pós-operatório. Ao todo, 22 (51,2%) pacientes foram diagnosticadas com IUE antes da cirurgia. A ocorrência de IUE caiu 72,7% dentro de 6 meses (p=0,021). Entretanto, a incontinência persistiu em seis mulheres. O fluxograma Consolidated Standards of Reporting Trials (CONSORT) das pacientes encontra-se ilustrado na figura 1.

Figura 1
Fluxograma Consolidated Standards of Reporting Trials das pacientes ao longo do período experimental, de 2015 a 2016

O Grupo A incluiu 21 mulheres (48%). Os Grupos B e C incluíram 16 e seis mulheres (72,7% e 27,3% das mulheres com incontinência pré-operatória, respectivamente). Os parâmetros demográficos da amostra, de acordo com as características de IUE pré-operatória, encontram-se descritos na tabela 1.

Tabela 1
Associações entre parâmetros demográficos e incontinência urinária de esforço antes da cirurgia bariátrica

As variáveis peso inicial, etnia, altura, IMC, maior peso do recém-nascido, paridade, número de partos vaginais ou por cesariana e abortos, menopausa, hipertensão, diabetes, tabagismo, asma e prolapso genital não diferiram entre os grupos de acordo com as manifestações de IUE. A participantes do grupo IUE eram mais velhas (p=0,024) e tinham circunferência abdominal maior (p=0,048).

Antes da cirurgia, cada ano adicional de idade aumentou o risco de IUE em 11,8% (1,11); intervalo de confiança de 95% – IC95%: 1,04-1,20; p=0,009), enquanto cada centímetro adicional de circunferência abdominal aumentou o risco de IUE em 5,7% (1,05; IC95%: 1,01-1,11; p=0,05).

A tabela 2 apresenta uma comparação dos sintomas antes e depois da cirurgia bariátrica.

Tabela 2
Sintomas antes e depois da cirurgia bariátrica

Os sintomas urinários melhoraram após a perda de peso, principalmente a noctúria (p=0,001) e a IUE (p=0,026).

A tabela 3 mostra os resultados das regressões univariada e multivariadas empregadas para investigar fatores associados à persistência da IUE após a cirurgia. A modelagem multivariada foi realizada de acordo com os critérios AIC para seleção de variáveis.

Tabela 3
Modelos de análise univariada e multivariada empregados para persistência da incontinência urinária de esforço após a cirurgia

A persistência da IUE mostrou-se significativamente associada a idade, parto vaginal e menopausa (p=0,041, p=0,031 e p=0,029, respectivamente; análise univariada). A análise multivariada com a inclusão de partos vaginais e menopausa no modelo revelou associações significantes entre menopausa e persistência da IUE, sendo a persistência 12,7 vezes mais provável em mulheres que estavam na menopausa do que nas demais (RC: 12,72; IC95%: 1,81-167,32; p=0,046).

A tabela 4 mostra a análise comparativa dos escores obtidos na EVA, no PGI-I e no ICIQ-UI SF pelas participantes diagnosticadas com IUE pré-operatória, que atingiram a resolução (Grupo B) e as que não atingiram a resolução (Grupo C).

Tabela 4
Comparações entre os Grupos B (incontinência urinária de esforço pré-operatória com resolução pós-operatória) e C (incontinência urinária de esforço sem resolução pós-operatória)

A análise dos desfechos autorrelatados revelou melhora nos escores obtidos na EVA (p=0,002), no PGI-I (p=0,025) e no ICIQ-UI SF (p=0,012) nos Grupos B e C. A frequência de sucesso subjetivo segundo a EVA (escores oito a dez) foi mais alta no Grupo B (100,0%) do que no Grupo C (33,3%). De modo semelhante, escores PGI-I um e dois (extremamente melhor e muito melhor) foram mais frequentes no Grupo B (87,5%) do que no C (33,3%). Finalmente, a média dos escores ICIQ-UI SF pós-operatórios foi significativamente mais baixa no Grupo B do que no C (1,65 e 9,33, respectivamente).

DISCUSSÃO

A associação entre a obesidade e a incontinência urinária é bem conhecida.(11. Markland AD, Richter HE, Fwu CW, Eggers P, Kusek JW. Prevalence and trends of urinary incontinence in adults in the United States, 2001 to 2008. J Urol. 2011;186(2):589-93.,44. Danforth KN, Townsend MK, Lifford K, Curhan GC, Resnick NM, Grodstein F. Risk factors for urinary incontinence among middle-aged women. Am J Obstet Gynecol. 2006;194(2):339-45.,1010. Laungani RG, Seleno N, Carlin AM. Effect of laparoscopic gastric bypass surgery on urinary incontinence in morbidly obese women. Surg Obes Relat Dis. 2009;5(3):334-8.,1111. Kuruba R, Almahmeed T, Martinez F, Torrella TA, Haines K, Nelson LG, et al. Bariatric surgery improves urinary incontinence in morbidly obese individuals. Surg Obes Relat Dis. 2007;3(6):586-90; discussion 590-1.,1818. Han MO, Lee NY, Park HS. Abdominal obesity is associated with stress urinary incontinence in Korean women. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct. 2006;17(1):35-9.) Conforme esperado, 22 de 43 mulheres (51,1%) neste estudo foram diagnosticadas com IUE. A perda de peso constitui abordagem terapêutica bem-estabelecida para a IUE e é recomendada como estratégia viável e interessante para essas mulheres.(33. Khullar V, Sexton CC, Thompson CL, Milsom I, Bitoun CE, Coyne KS. The relationship between BMI and urinary incontinence subgroups: results from EpiLUTS. Neurourol Urodyn. 2014;33(4):392-9.) Estudos prévios mostraram que perdas modestas de peso (de 5% a 10%) se traduzem em benefícios importantes para mulheres obesas com incontinência urinária.(99. Subak LL, Whitcomb E, Shen H, Saxton J, Vittinghoff E, Brown JS. Weight loss: a novel and effective treatment for urinary incontinence. J Urol. 2005;174(1):190-5.) Nesta coorte, as mulheres apresentaram perda de peso de 25,1% nos primeiros 6 meses após a cirurgia bariátrica. A perda de peso tende a ser mais acentuada nesse período. Entretanto, os pacientes operados podem perder até 74% do peso inicial ao longo de 2 anos.(1212. Mehaffey JH, LaPar DJ, Clement KC, Turrentine FE, Miller MS, Hallowell PT, et al. 10-year outcomes after roux-en-y gastric bypass. Ann Surg. 2016;264(1):121-6.)Este estudo aportou achados interessantes. Em primeiro lugar, as participantes do grupo IUE eram mais velhas (p=0,024) e tinham circunferência abdominal maior (p=0,048). Para cada ano adicional de idade, o risco de IUE aumentou 11,8% (p=0,009). Cada centímetro de ganho de circunferência abdominal se traduziu em aumento de 5,7% (p=0,05) do risco de IUE antes da cirurgia. A prevalência e a gravidade da incontinência urinária aumentam com a idade. Estudos populacionais revelam uma prevalência de incontinência de 30% a 40% entre mulheres de meia-idade e prevalência mais alta (de até 57%) em mulheres mais velhas.(22. Huang AJ, Brown JS, Kanaya AM, Creasman JM, Ragins AI, Van Den Eeden SK, et al. Quality-of-Life impact and treatment of urinary incontinence in ethnically diverse older women. Arch Intern Med. 2006;166(18):2000-6.,44. Danforth KN, Townsend MK, Lifford K, Curhan GC, Resnick NM, Grodstein F. Risk factors for urinary incontinence among middle-aged women. Am J Obstet Gynecol. 2006;194(2):339-45.) Entretanto, estudos controlados para outras comorbidades sugeriram que a idade não é um fator de risco independente para incontinência. Níveis elevados de adiposidade central e aumento resultante da pressão intra-abdominal podem ser fatores de risco importantes par a IUE. Por exemplo, a análise combinada do IMC e da circunferência abdominal de 2.702 mulheres com idade entre 42 e 45 anos revelou aumento do risco de prevalência de IUE com cada centímetro de ganho de circunferência abdominal (RC=1,04; IC95%: 1,02-1,06), mas não incrementos unitários do IMC (RC=0,99; IC95%: 0,95-1,04).(55. Townsend MK, Curhan GC, Resnick NM, Grodstein F. BMI, waist circumference, and incident urinary incontinence in older women. Obesity (Silver Spring). 2008;16(4):881-6.)

Em segundo lugar, a IUE diminuiu de forma significante nos primeiros 6 meses após a cirurgia bariátrica. Nesta coorte, 51,1% das mulheres tinham diagnóstico pré-operatório de IUE. Entretanto, apenas 14% deixaram de atingir a resolução da incontinência 6 meses após a cirurgia (p=0,021), com índice de resolução de 72,7%. Os sintomas urinários também melhoraram, principalmente a IUE (de 51% para 25%; p=0,026) e a noctúria (de 34% para 4%; p=0,001). Os achados deste estudo refletem os relatados por outros autores (índice de resolução da IUE de 80% a 92% após perda significativa de peso).(88. Whitcomb EL, Subak LL. Effect of weight loss on urinary incontinence in women. Open Access J Urol. 2011;3:123-32. Review.,1010. Laungani RG, Seleno N, Carlin AM. Effect of laparoscopic gastric bypass surgery on urinary incontinence in morbidly obese women. Surg Obes Relat Dis. 2009;5(3):334-8.,1111. Kuruba R, Almahmeed T, Martinez F, Torrella TA, Haines K, Nelson LG, et al. Bariatric surgery improves urinary incontinence in morbidly obese individuals. Surg Obes Relat Dis. 2007;3(6):586-90; discussion 590-1.)

Em terceiro lugar, a qualidade de vida das pacientes melhorou. Os escores do ICIQ-UI SF diminuíram em 85,3% entre as mulheres que atingiram a resolução (7,68 pontos mais baixos do que entre mulheres que não atingiram a resolução, em média). A perda de peso tem impacto importante sobre a qualidade de vida, e correlações com achados urodinâmicos foram relatadas.(1010. Laungani RG, Seleno N, Carlin AM. Effect of laparoscopic gastric bypass surgery on urinary incontinence in morbidly obese women. Surg Obes Relat Dis. 2009;5(3):334-8.,1919. Seckiner I, Yesilli C, Mungan NA, Aykanat A, Akduman B. Correlations between the ICIQ-SF score and urodynamic findings. Neurourol Urodyn. 2007;26(4):492-4.) Os escores obtidos no PGI-I e na EVA para satisfação revelaram melhora dos sintomas relatados (p=0,025 e p=0,002), sugerindo melhora do bem-estar geral, não apenas devido à perda de peso, mas também devido a ganhos indiretos, como a resolução da IUE.(1414. Yalcin I, Bump RC. Validation of two global impression questionnaires for incontinence. Am J Obstet Gynecol. 2003;189(1):98-101.,1515. Lukacz ES, Lawrence JM, Burchette RJ, Luber KM, Nager CW, Buckwalter JG. The use of visual analog scale in urogynecologic research: a psychometric evaluation. Am J Obstet Gynecol. 2004;191(1):165-70.) O oposto também se verifica: os escores de qualidade de vida/satisfação foram 2,5 pontos mais baixos (p=0,004) entre as mulheres que não atingiram a resolução da IUE.(1515. Lukacz ES, Lawrence JM, Burchette RJ, Luber KM, Nager CW, Buckwalter JG. The use of visual analog scale in urogynecologic research: a psychometric evaluation. Am J Obstet Gynecol. 2004;191(1):165-70.) Portanto, espera-se que a ocorrência da IUE após a perda de peso se traduza em melhora ainda maior da qualidade de vida.

Em quarto lugar, preditores importantes do desfecho da IUE após a perda de peso foram identificados neste estudo. A persistência da IUE mostrou-se significantemente associada à idade, ao parto vaginal e à menopausa (p=0,041, p=0,031 e p=0,029, respectivamente; análise univariada), porém a menopausa foi o principal preditor da persistência da IUE 6 meses após a cirurgia bariátrica (análise multivariada). A persistência da IUE após a cirurgia foi 2,7 vezes mais provável nas mulheres que estavam na menopausa do que nas que não estavam (p=0,046). A menopausa mostrou-se associada a maior risco de IUE. Entretanto, a idade e a menopausa são estreitamente relacionadas, e a idade é um fator bem conhecido para IUE: o risco de IUE é 1,8 vez mais alto em mulheres acima dos 50 anos do que em mulheres de 40 anos.(44. Danforth KN, Townsend MK, Lifford K, Curhan GC, Resnick NM, Grodstein F. Risk factors for urinary incontinence among middle-aged women. Am J Obstet Gynecol. 2006;194(2):339-45.) A persistência da IUE associada à idade e à menopausa após a perda de peso resulta dos baixos níveis séricos de testosterona e da sarcopenia. A perda de peso rápida e excessiva pode causar sarcopenia. A relação entre níveis séricos baixos de testosterona e risco mais elevado de incontinência em mulheres se deve à contribuição da musculatura pélvica para a sustentação da uretra e aos efeitos anabólicos dos androgênios sobre a musculatura esquelética.(2020. Masue T, Wada K, Nagata C, Deguchi T, Hayashi M, Takeda N, et al. Lifestyle and health factors associated with stress urinary incontinence in Japanese women. Maturitas. 2010;66(3):305-9.,2121. Kim MM, Kreydin EI. The Association of Serum Testosterone Levels and urinary incontinence in women. J Urol. 2018;199(2):522-7.) A reposição de testosterona pode melhorar o prognóstico das pacientes que sofrem de IUE. Entretanto, a associação entre a IUE e os baixos níveis séricos de testosterona ainda não foi bem estabelecida. A idade também pode afetar a integridade do assoalho pélvico, causando hipermobilidade uretral e deficiência esfincteriana intrínseca, devido à perda de tônus muscular e ao adelgaçamento da mucosa da uretra.

Isso pode levar ao fechamento incompleto da uretra e à perda de urina durante episódios de aumento da pressão abdominal (espirros, tosse etc.).(1616. Ghoniem G, Stanford E, Kenton K, Achtari C, Goldberg R, Mascarenhas T, et al. Evaluation and outcome measures in the treatment of female urinary stress incontinence: International Urogynecological Association (IUGA) guidelines for research and clinical practice. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct. 2008;19(1):5-33.,1717. Bump RC, Mattiasson A, Bø K, Brubaker LP, DeLancey JO, Klarskov P, et al. The standardization of terminology of female pelvic organ prolapse and pelvic floor dysfunction. Am J Obstet Gynecol. 1996;175(1):10-7.,2121. Kim MM, Kreydin EI. The Association of Serum Testosterone Levels and urinary incontinence in women. J Urol. 2018;199(2):522-7.)

Finalmente, não foram encontradas correlações entre a magnitude da perda de peso e a IUE pós-operatória neste estudo (p=0,33). A IUE parece ser multifatorial em mulheres obesas. Achados semelhantes foram relatados em estudos prévios com seguimento mais longo.(1010. Laungani RG, Seleno N, Carlin AM. Effect of laparoscopic gastric bypass surgery on urinary incontinence in morbidly obese women. Surg Obes Relat Dis. 2009;5(3):334-8.,1111. Kuruba R, Almahmeed T, Martinez F, Torrella TA, Haines K, Nelson LG, et al. Bariatric surgery improves urinary incontinence in morbidly obese individuals. Surg Obes Relat Dis. 2007;3(6):586-90; discussion 590-1.)

Este estudo tem algumas limitações. A amostra foi relativamente pequena e o seguimento, curto. Entretanto, os achados encontrados podem ser úteis para dosar as expectativas antes da cirurgia bariátrica e identificar candidatas com maior chance de necessitar de procedimentos adicionais para controlar a IUE.

CONCLUSÃO

Em conclusão, mulheres mais velhas e com circunferência abdominal maior têm mais risco de desenvolver incontinência urinária de esforço antes da cirurgia bariátrica. Esse tipo de incontinência tende a persistir em mulheres na menopausa, apesar da perda de peso. A perda de peso induzida pela cirurgia bariátrica melhora os sintomas de incontinência urinária de esforço e diminui o impacto sobre a qualidade de vida na maioria das mulheres.

REFERENCES

  • 1
    Markland AD, Richter HE, Fwu CW, Eggers P, Kusek JW. Prevalence and trends of urinary incontinence in adults in the United States, 2001 to 2008. J Urol. 2011;186(2):589-93.
  • 2
    Huang AJ, Brown JS, Kanaya AM, Creasman JM, Ragins AI, Van Den Eeden SK, et al. Quality-of-Life impact and treatment of urinary incontinence in ethnically diverse older women. Arch Intern Med. 2006;166(18):2000-6.
  • 3
    Khullar V, Sexton CC, Thompson CL, Milsom I, Bitoun CE, Coyne KS. The relationship between BMI and urinary incontinence subgroups: results from EpiLUTS. Neurourol Urodyn. 2014;33(4):392-9.
  • 4
    Danforth KN, Townsend MK, Lifford K, Curhan GC, Resnick NM, Grodstein F. Risk factors for urinary incontinence among middle-aged women. Am J Obstet Gynecol. 2006;194(2):339-45.
  • 5
    Townsend MK, Curhan GC, Resnick NM, Grodstein F. BMI, waist circumference, and incident urinary incontinence in older women. Obesity (Silver Spring). 2008;16(4):881-6.
  • 6
    Subak LL, Richter HE, Hunskaar S. Obesity and urinary incontinence: epidemiology and clinical research update. J Urol. 2009;182(6 Suppl):S2-7. Review.
  • 7
    Chmel R, Novácková M, Vlk R, Horcicka L. [Epidemiological aspects of the female urinary incontinence]. Cas Lek Cesk. 2005;144(2):95-7. Czech. Review.
  • 8
    Whitcomb EL, Subak LL. Effect of weight loss on urinary incontinence in women. Open Access J Urol. 2011;3:123-32. Review.
  • 9
    Subak LL, Whitcomb E, Shen H, Saxton J, Vittinghoff E, Brown JS. Weight loss: a novel and effective treatment for urinary incontinence. J Urol. 2005;174(1):190-5.
  • 10
    Laungani RG, Seleno N, Carlin AM. Effect of laparoscopic gastric bypass surgery on urinary incontinence in morbidly obese women. Surg Obes Relat Dis. 2009;5(3):334-8.
  • 11
    Kuruba R, Almahmeed T, Martinez F, Torrella TA, Haines K, Nelson LG, et al. Bariatric surgery improves urinary incontinence in morbidly obese individuals. Surg Obes Relat Dis. 2007;3(6):586-90; discussion 590-1.
  • 12
    Mehaffey JH, LaPar DJ, Clement KC, Turrentine FE, Miller MS, Hallowell PT, et al. 10-year outcomes after roux-en-y gastric bypass. Ann Surg. 2016;264(1):121-6.
  • 13
    Tamanini JT, Dambros M, D’Ancona CA, Palma PC, Rodrigues Netto N Jr. Validation of the “International Consultation on Incontinence Questionnaire -- Short Form” (ICIQ-SF) for Portuguese. Rev Saude Publica. 2004;38(3):438-44.
  • 14
    Yalcin I, Bump RC. Validation of two global impression questionnaires for incontinence. Am J Obstet Gynecol. 2003;189(1):98-101.
  • 15
    Lukacz ES, Lawrence JM, Burchette RJ, Luber KM, Nager CW, Buckwalter JG. The use of visual analog scale in urogynecologic research: a psychometric evaluation. Am J Obstet Gynecol. 2004;191(1):165-70.
  • 16
    Ghoniem G, Stanford E, Kenton K, Achtari C, Goldberg R, Mascarenhas T, et al. Evaluation and outcome measures in the treatment of female urinary stress incontinence: International Urogynecological Association (IUGA) guidelines for research and clinical practice. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct. 2008;19(1):5-33.
  • 17
    Bump RC, Mattiasson A, Bø K, Brubaker LP, DeLancey JO, Klarskov P, et al. The standardization of terminology of female pelvic organ prolapse and pelvic floor dysfunction. Am J Obstet Gynecol. 1996;175(1):10-7.
  • 18
    Han MO, Lee NY, Park HS. Abdominal obesity is associated with stress urinary incontinence in Korean women. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct. 2006;17(1):35-9.
  • 19
    Seckiner I, Yesilli C, Mungan NA, Aykanat A, Akduman B. Correlations between the ICIQ-SF score and urodynamic findings. Neurourol Urodyn. 2007;26(4):492-4.
  • 20
    Masue T, Wada K, Nagata C, Deguchi T, Hayashi M, Takeda N, et al. Lifestyle and health factors associated with stress urinary incontinence in Japanese women. Maturitas. 2010;66(3):305-9.
  • 21
    Kim MM, Kreydin EI. The Association of Serum Testosterone Levels and urinary incontinence in women. J Urol. 2018;199(2):522-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    24 Mar 2020
  • Aceito
    11 Nov 2020
Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein Avenida Albert Einstein, 627/701 , 05651-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 2151 0904 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@einstein.br