Acessibilidade / Reportar erro

Neurólise de plexo celíaco por via anterior guiada por tomografia computadorizada: relato de caso

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor oncológica exige outras opções terapêuticas além do tratamento farmacológico para melhor controle e, portanto, deve-se sempre que possível utilizar técnicas e modalidades intervencionistas para controle da dor, pois assim pode-se oferecer aos pacientes melhor qualidade de vida e melhora da resposta terapêutica ao tratamento instituído. O objetivo deste estudo foi apresentar uma técnica intervencionista de simples execução, adequadamente tolerada pelo paciente, com ótimo resultado antálgico e isenta de maiores intercorrências. RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 50 anos com quadro neoplásico decorrente de tumor de canal anal e dor refratária ao tratamento farmacológico multimodal com analgésicos. Submetida à neurólise de plexo celíaco por via anterior, guiado com tomografia computadorizada mediante punção única e injeção de álcool a 97%, obtendo controle efetivo do quadro álgico abdominal e retorno às tarefas da vida cotidiana. CONCLUSÃO: A neurólise do plexo celíaco por via anterior com punção única sob tomografia foi efetiva para o controle do quadro doloroso abdominal em paciente com tumor anal e metástase hepática irressecável.

Dor oncológica; Neurólise plexo celíaco; Tumor anal


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Cancer pain requires other therapeutic options in addition to pharmacological treatment for better control. So, whenever possible, one should use interventionist pain control techniques and modalities to offer better quality of life and improve therapeutic response to treatment. This study aimed at presenting a simple interventionist technique, adequately tolerated by patients, with excellent pain relief and free of major intercurrences. CASE REPORT: Female patient, 50 years old with neoplasia resulting from anal canal tumor and pain refractory to multimodal analgesic treatment. CT-guided anterior celiac plexus neurolysis by single puncture and 97% alcohol injection has provided effective abdominal pain control and return to daily activities. CONCLUSION: CT-guided celiac plexus neurolysis with single puncture was effective to control abdominal pain in a patient with anal tumor and unresectable liver metastasis.

Anal tumor; Cancer pain; Celiac plexus neurolysis


RELATO DE CASO

Neurólise de plexo celíaco por via anterior guiada por tomografia computadorizada: relato de caso* * Recebido do Hospital de Câncer de Barretos, Fundação PIO XII. Barretos, SP.

Cláudia Carvalho RizzoI; Luís Marcelo VenturaII; Luís Antônio de CastroII

IAnestesiologista do Hospital do Câncer de Barretos. Fundação Pio XII. Barretos, SP, Brasil

IIRadiologista do Hospital do Câncer de Barretos, Fundação PIO XII. Barretos, SP, Brasil

Endereço para correspondência * Recebido do Hospital de Câncer de Barretos, Fundação PIO XII. Barretos, SP.

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor oncológica exige outras opções terapêuticas além do tratamento farmacológico para melhor controle e, portanto, deve-se sempre que possível utilizar técnicas e modalidades intervencionistas para controle da dor, pois assim pode-se oferecer aos pacientes melhor qualidade de vida e melhora da resposta terapêutica ao tratamento instituído. O objetivo deste estudo foi apresentar uma técnica intervencionista de simples execução, adequadamente tolerada pelo paciente, com ótimo resultado antálgico e isenta de maiores intercorrências.

RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 50 anos com quadro neoplásico decorrente de tumor

de canal anal e dor refratária ao tratamento farmacológico multimodal com analgésicos. Submetida à neurólise de plexo celíaco por via anterior, guiado com tomografia computadorizada mediante punção única e injeção de álcool a 97%, obtendo controle efetivo do quadro álgico abdominal e retorno às tarefas da vida cotidiana.

CONCLUSÃO: A neurólise do plexo celíaco por via anterior com punção única sob tomografia foi efetiva para o controle do quadro doloroso abdominal em paciente com tumor anal e metástase hepática irressecável.

Descritores: Dor oncológica, Neurólise plexo celíaco, Tumor anal.

INTRODUÇÃO

O câncer de canal anal apresenta-se como um tipo infrequente de neoplasia. No que se refere ao tratamento, a cirurgia de ressecção abdominoperineal do reto era o tratamento de escolha1; no entanto, atualmente, a opção de primeira linha é a radioterapia, associada ou não à quimioterapia2-7, pois a disseminação do carcinoma espinocelular (CEC) de canal anal é diferente da descrita no adenocarcinoma de reto. Neste, a disseminação é principalmente hematogênica ou por contiguidade, com formação de metástase pulmonar e hepática. Ao contrário, no CEC a disseminação linfática para gânglios inguinais e mesmo os mesentéricos, são mais frequentes. Esta via de disseminação torna a radioterapia local e da região inguinal necessárias ao tratamento, independente da ressecção do tumor.

Devido a este fato, ao tipo de cirurgia mutiladora necessária para ressecção destes tumores com consequente colostomia definitiva e aos bons resultados observados em outras neoplasias espinocelulares, como nos tumores de laringe, a quimioterapia e a radioterapia tornaram-se o tratamento de eleição destes pacientes.

Com esta terapêutica, observa-se índice de sobrevida de 70% após cinco anos. A doença confinada ao plano muscular está associada ao menor risco de recidiva local e menor mortalidade8.

O objetivo deste estudo foi apresentar uma técnica intervencionista de simples execução, adequadamente tolerada pelo paciente, com ótimo resultado antálgico e isenta de maiores intercorrências.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 50 anos com diagnóstico de tumor de canal anal (cloacogênico basiloide) em 2004 a opção terapêutica foi a realização de rádio e quimioterapia. Apresentou-se no seguimento clínico com bom controle local até 2007, após ultrassonografia, constatou-se metástase hepática em lobo direito.

Foi submetida à hepatectomia direita em fevereiro de 2008 (ressecção dos segmentos VI, VII e VIII), porém, como achado intraoperatório havia aderência do tumor ao diafragma. O exame anatomopatológico apontou margens livres e então a paciente foi submetida à quimioterapia complementar com seis ciclos até dezembro de 2008. Evoluiu bem e sem dor, com controle clínico até novembro de 2009 quando iniciou quadro álgico no ombro direito que foi tratado com analgésicos (anti-inflamatórios).

Em outubro de 2010 constatou-se recidiva hepática com infiltração de parede diafragmática e da musculatura intercostal. Reiniciada quimioterapia neoadjuvante com proposta futura de ressecção cirúrgica da massa tumoral; entretanto, o quadro álgico tanto no ombro direito, quanto abdominal foi se intensificando e não mais responsivo à medicação opioide por via oral em altas doses, que foi instituído para controle da dor com intensidade pela escala analógica visual = 10, bem como passou a apresentar efeitos colaterais dessa medicação.

Foi internada em janeiro de 2011 para administração de analgésicos por via venosa, mas a resposta foi insatisfatória, com manutenção da dor em hipocôndrio direito com irradiação para região intercostal direita, tóraco-lombar e interescapular vertebral homolateral.

Iniciou-se nesta fase o tratamento intervencionista da dor com bloqueio anestésico de plexo celíaco por via posterior guiado por tomografia computadorizada, mas a paciente, ainda que fortemente sedada e sob analgesia adequada, não conseguia permanecer em decúbito ventral devido à intensidade do quadro doloroso, e durante o procedimento houve mudança da técnica para a via anterior a fim de evitar a conversão para anestesia geral e comprometer ainda mais o estado da paciente.

Realizou-se neurólise percutânea anterior do plexo celía­co guiado com tomografia, a qual exige índices de normalidade de coagulação. O procedimento foi realizado com a paciente em decúbito dorsal com punção única mediana com agulha 22G alcançando o alvo sem qualquer complicação, sendo necessário puncionar o estômago, fígado e intestino para alcançar a área pré-aórtica entre a origem do tronco celíaco e a artéria mesentérica superior (Figuras 1 e 2).



O procedimento foi realizado com técnica asséptica com anestesia local no ponto de punção abdominal sob sedação com benzodiazepínico, opioide e oxigenoterapia por cateter nasal. A neurólise somente foi realizada após bloqueio teste com anestésico local com intervalo de sete dias.

Foram administrados 20 mL de solução neurolítica de álcool a 97% após o posicionamento da agulha certificado pela injeção de 2 mL de contraste, e injeção de 3 mL de lidocaína a 1% sem vasoconstritor antes e após a injeção de álcool.

Há que se ressaltar a possibilidade de complicações inflamatórias devido à punção do peritônio, as quais são raramente vistas, sendo que na técnica descrita neste estudo o êxito foi pleno, o acesso anterior rápido e seguro para a injeção de álcool em concentração elevada (97%), bem como não cursou com complicações como hipotensão e neurológicas que podem ser encontradas no acesso posterior.

O bloqueio do plexo celíaco é um método aprovado para o alívio da dor abdominal alta em oncologia e classicamente é realizado via posterior sob fluoroscopia (radioscopia). Bloqueios guiados com tomografia também têm sido descritos19. No presente caso utilizamos em nossa instituição o auxílio da tomografia computadorizada para realização de neurólise de plexo celíaco via anterior mediana mediante única punção (visando a área pré-aórtica entre a origem do tronco celíaco e a artéria mesentérica superior (Figuras 3 e 4).



A duração do procedimento foi de 90 minutos e não houve qualquer complicação durante todo o procedimento, nem após a sua realização.

Após alguns dias da realização do bloqueio diagnóstico de plexo celíaco e observada a ausência de efeitos colaterais como hipotensão postural e alterações de trânsito intestinal, bem como EAV = zero, foi então realizada neurólise de plexo celíaco via anterior guiada por tomografia computadorizada, a qual contribuiu inicialmente, por 24 horas, para EAV = 0 e, posteriormente, EAV se manteve em 3, havendo grande alívio da dor incapacitante e refratária ao tratamento conservador apresentada previamente pela paciente.

No seguimento quanto à medicação, instituiu-se apenas uso de amitriptilina (25 mg) à noite com retorno às atividades diárias e rotineiras. Entretanto e, ainda no seguimento essa paciente apresentou dilatação de vias biliares com obstrução e icterícia que necessitou de prótese biliar, comprometendo seu estado geral temporariamente, mas sem retorno do quadro doloroso previamente apresentado.

DISCUSSÃO

A dor oncológica é de grande prevalência e habitualmente multifatorial e no seguimento dessa população tem-se observado que o controle da dor ainda permanece inadequado a despeito da escada analgésica preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Quando não se consegue obter o controle da dor, pode-se incluir o quarto degrau da escada analgésica da OMS, que inclui técnicas de intervenção. Terapias de intervenção são medidas indispensáveis para alívio da dor em pacientes oncológicos que sofrem de dor refratária ao tratamento clínico farmacológico e incluem algumas modalidades, nas quais se incluem a técnica neurolítica.

Há várias técnicas e áreas anatômicas para a realização do bloqueio neurolítico do sistema nervoso simpático no tratamento da dor oncológica. Os mais comuns incluem plexo celíaco, plexo hipogástrico e gânglio ímpar. Atualmente o tratamento intervencionista da dor deve ser considerado e inserido sempre que necessário nos programas terapêuticos de alívio álgico em oncologia9.

A neurólise do plexo celíaco pode ser realizada por diferentes técnicas, como via anterior, via posterior, assim como podem ser guiadas por fluoroscopia, por tomografia e também por ecoendoscopia10 mais recentemente. Entretanto, o uso da tomografia tem substituído outras técnicas, pois permite a visualização direta da difusão do agente neurolítico no espaço anatômico retroperitoneal com correto posicionamento da agulha, evitando lesão a algumas estruturas anatômicas como pâncreas, aorta, artéria celíaca e a artéria mesentérica superior11.

Há que se ressaltar a possibilidade de complicações inflamatórias devido à punção do peritônio, as quais são raramente vistas, sendo que na técnica descrita nesse relato de caso o êxito foi pleno, o acesso anterior rápido e seguro para a injeção de álcool em concentração elevada (97%), bem como não cursou com complicações como hipotensão e neurológicas que podem ser encontradas no acesso posterior12.

O bloqueio do plexo celíaco é um método aprovado para o alívio da dor abdominal alta em oncologia e, classicamente, é realizado via posterior sob fluoroscopia (radioscopia). Bloqueios guiados com tomografia também têm sido descritos desde há alguns anos13. No presente caso foi utilizada a tomografia computadorizada (TC) para realização de neurólise de plexo celíaco via anterior mediana mediante única punção (visando a área pré-aórtica entre a origem do tronco celíaco e a artéria mesentérica superior (Figuras 3 e 4).

CONCLUSÃO

A neurólise via anterior do plexo celíaco guiado com TC é uma técnica segura e efetiva para alívio da dor abdominal em câncer, assim como é bem aceita e tolerada por essa população e também de fácil execução.

Endereço para correspondência:

Dra. Cláudia Carvalho Rizzo

Rua Conde Afonso Celso, 2004

14020-210 Ribeirão Preto, SP

Fone: (16) 3621-8542

E-mail: clau7rizzo@gmail.com

Apresentado em 24 de junho de 2011.

Aceito para publicação em 02 de dezembro de 2011.

  • 1. Fuchshuber PR, Rodriguez-Bigas M, Weber T, et al. Anal canal and perianal epidermoid cancers. J Am Coll Surg 1997;185(5):494-505.
  • 2. Boman BM, Moertel CG, O'Connell MJ, et al. Carcinoma of the anal canal. A clinical and pathologic study of 188 cases. Cancer 1984;54(1):114-25.
  • 3. Cantril ST, Green JP, Schall GL, et al. Primary radiation therapy in the treatment of anal carcinoma. Int J Radiat Oncol Biol Phys 1983;9(9):1271-8.
  • 4. Cummings BJ. The role of radiation therapy with 5-fluorouracil in anal canal cancer. Semin Radiat Oncol 1997;7(4):306-12.
  • 5. Enker WE, Heilwell M, Janov AJ, et al. Improved survival in epidermoid carcinoma of the anus in association with preoperative multidisciplinary therapy. Arch Surg 1986;121(12):1386-90.
  • 6. Fung CY, Willett CG, Efird JT. Chemoradiotherapy for anal carcinoma: what is the optimal radiation dose? Radiat Oncol Investig 1994;2(2):152-6.
  • 7. Leichman L, Nigro N, Vaitkevicius VK, et al. Cancer of the anal canal. Model for preoperative adjuvant combined modality therapy. Am J Med 1985;78(2):211-5.
  • 8. Hill J, Meadows H, Meadows C, et al. UKCCCR anal cancer trial salvage surgery study. Colorectal Dis 2000;2(1):5-11.
  • 9. Brogan S, Junkins S. Interventional therapies for the management of cancer pain. J Support Oncol 2010;8(2):52-9.
  • 10. Cho CM, Dewitt J, Al-Haddad M. Echo-endoscopy: new therapeutic frontiers. Minerva Gastroenterology Dietol 2011;57(2):139-58.
  • 11. Kambadakone A, Thabet A, Gervais DA, et al. CT guided celiac plexus neurolysis: a review of anatomy, indications. Techique and tips for successful treatment. Radiographics 2011;31(6):1599-621.
  • 12. Erdek MA, Halpert DE, González Fernández M, et al. Assessment of celiac plexus block and neurolysis outcomes and technique in the management of refractory visceral pain. Pain Med 2010;11(1)92-100.
  • 13. Pusceddu C, Mameli S, Pili A, et al. Percutaneous neurolysis of the celiac plexus under CT guidance in the invasive treatment of visceral pain caused by cancer. Tumori 2003;89(4 Suppl):286-91.
  • *
    Recebido do Hospital de Câncer de Barretos, Fundação PIO XII. Barretos, SP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Fev 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Aceito
      02 Dez 2011
    • Recebido
      24 Jun 2011
    Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 cj 2, 04014-012 São Paulo SP Brasil, Tel.: (55 11) 5904 3959, Fax: (55 11) 5904 2881 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: dor@dor.org.br