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Duloxetina no tratamento da dor lombar inflamatória crônica em pacientes portadores de espondilite anquilosante: relato de casos

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A espondilite anquilosante (EA) é uma doença inflamatória crônica de etiologia autoimune, cujo principal sintoma é a lombalgia crônica de caráter inflamatório, cujo tratamento e complicações representam um encargo considerável para a sociedade. Novas opções terapêuticas têm sido buscadas para o tratamento da dor lombar inflamatória refratária nos pacientes com EA. O objetivo foi apresentar dois pacientes portadores de EA com dor lombar refratária ao uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINES), que apresentaram importante melhora clínica com a duloxetina. RELATO DOS CASOS: Dois pacientes do sexo masculino com EA e dor lombar crônica inflamatória refratária ao uso de AINES, que usaram duloxetina (60 mg/dia) e apresentaram melhora clínica importante do quadro doloroso. CONCLUSÃO: A duloxetina se mostrou eficaz para a redução da intensidade da dor lombar crônica inflamatória em pacientes portadores de EA.

Analgésicos; Causalgia; Dor lombar; Espondilite anquilosante


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Ankylosing spondylitis (AS) is a chronic inflammatory autoimmune disease. Its major symptom is chronic inflammatory low back pain, which treatment and complications represent a considerable burden to society. New therapeutic options have been studied to treat refractory inflammatory low back pain in AS patients. The objective was to present two AS patients with low back pain refractory to non-steroid anti-inflammatory drugs (NSAIDs), who presented important clinical improvement with duloxetine. CASE REPORTS: Two male patients with AS and chronic inflammatory low back pain refractory to NSAIDs, who used duloxetine (60 mg/day) and presented major clinical improvement. CONCLUSION: Duloxetine was effective to decrease chronic inflammatory low back pain intensity in AS patients.

Analgesics; Ankylosing spondylitis; Causalgia; Low back pain


RELATO DE CASO

Duloxetina no tratamento da dor lombar inflamatória crônica em pacientes portadores de espondilite anquilosante: relato de casos* * Recebido do Ambulatório de Espondiloartrites do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba, PR.

Valderilio Feijó AzevedoI; Varlei SerratoII; Marco Aurélio Azevedo GrandeIII

IProfessor de Reumatologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR); Membro da Comissão de Espondiloartrites da Sociedade Brasileira de Reumatologia. Curitiba, PR, Brasil

IIMédico do Ambulatório de Dor do Hospital de Clinicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba, PR, Brasil

IIIGraduando da Faculdade Evangélica de Medicina do Paraná. Curitiba, PR, Brasil

Endereço para correspondência * Recebido do Ambulatório de Espondiloartrites do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba, PR.

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A espondilite anquilosante (EA) é uma doença inflamatória crônica de etiologia autoimune, cujo principal sintoma é a lombalgia crônica de caráter inflamatório, cujo tratamento e complicações representam um encargo considerável para a sociedade. Novas opções terapêuticas têm sido buscadas para o tratamento da dor lombar inflamatória refratária nos pacientes com EA. O objetivo foi apresentar dois pacientes portadores de EA com dor lombar refratária ao uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINES), que apresentaram importante melhora clínica com a duloxetina.

RELATO DOS CASOS: Dois pacientes do sexo masculino com EA e dor lombar crônica inflamatória refratária ao uso de AINES, que usaram duloxetina (60 mg/dia) e apresentaram melhora clínica importante do quadro doloroso.

CONCLUSÃO: A duloxetina se mostrou eficaz para a redução da intensidade da dor lombar crônica inflamatória em pacientes portadores de EA.

Descritores: Analgésicos, Causalgia, Dor lombar, Espondilite anquilosante.

INTRODUÇÃO

A espondilite anquilosante (EA) é uma doença inflamatória crônica de etiologia autoimune que acomete preferencialmente a coluna vertebral, podendo evoluir com rigidez e limitação funcional progressiva do esqueleto axial1,2. É mais frequente em adultos jovens, com idade de início geralmente entre 20 e 40 anos, e tem prevalência maior no sexo masculino (3:1), caucasianos e em indivíduos HLA-B27 positivos2,3. Faz parte do complexo das espondiloartrites, no qual o HLA-B27 está fortemente correlacionado, com sua positividade variando entre 80% e 98% dos casos4.

O principal sintoma clínico é a lombalgia crônica de ritmo inflamatório associado à rigidez matinal1,5 e o seu tratamento também é fundamentado no alívio dos sintomas. Embora os anti-inflamatórios não esteroides (AINES) sejam comprovadamente eficazes no controle da dor e rigidez da doença, a possibilidade de aparecimento de nefropatia crônica induzida pelo uso de AINES podem contribuir para o aumento da morbimortalidade neste grupo de pacientes, o que tem levado a busca de outras opções terapêuticas no controle da dor e da atividade de doença.

A prevalência de dor crônica está bastante aumentada em pacientes com EA e a prevalência de quadros compatíveis com fibromialgia mostrou-se aumentada em relação à população geral6, indicando que o tratamento da dor crônica deve ser introduzido mesmo antes da introdução de agentes anti-TNF. Novas opções terapêuticas têm sido buscadas para o tratamento da dor lombar inflamatória refratária em pacientes espondilíticos7. A duloxetina tem sido bastante estudada no tratamento da dor crônica não maligna, especialmente da fibromialgia, da dor relacionada à neuropatia diabética e das dores musculoesqueléticas crônicas. Diversos estudos avaliaram a duloxetina em pacientes com dor lombar crônica assim como em osteoartrite, e os resultados mostraram eficácia na dose de 60-120 mg/dia8-10. Os benefícios também têm sido documentados em estudo de mais longa duração11 porém não há estudos para comprovar a eficácia da duloxetina no tratamento da lombalgia inflamatória em espondiloartrites e, particularmente, em pacientes com EA.

O objetivo deste estudo foi apresentar dois pacientes com EA cuja dor lombar inflamatória crônica refratária aos AINES e que apresentaram importante melhora clínica após o uso de duloxetina associada ou não a outros analgésicos comuns.

RELATO DOS CASOS

Caso 1: Paciente do sexo masculino, 41 anos, portador de EA HLA-B27 positivo, com 15 anos de evolução. Apresentava quadro de dor lombar inflamatória com intensa rigidez matinal e progressiva diminuição da mobilidade de coluna lombar. O exame radiológico mostrou sacroileite bilateral (grau 3 à esquerda e 4 à direita), porém a coluna não demonstrava anquilose. Até 2008, fez uso de diversos AINES, sulfasalazina (3 g) por 2 anos e meio e paracetamol, até 3.000 mg/dia, sem apresentar melhora do quadro álgico. Em junho de 2008 apresentou BASDAI 5,6, BASFI 5,3, PCR 7,8 mg/dL, índice de Schöber 0 e índice tragus-parede de 13 cm à direita e 12 cm à esquerda, sem alterações da expansibilidade torácica. Em julho de 2008, uma ressonância nuclear magnética (RNM) demonstrou sinais de edema ósseo de ângulos vertebrais em L3 e L2 e alterações degenerativas discais em L4-L5 e L5-S1, sem evidências de protusões discais. Após avaliação epidemiológica negativa para Tb, PPD não reator e radiografia de tórax normal, iniciou-se o do agente anti-TNF adalimumabe (40 mg/dL) por via subcutânea, apresentando intensa melhora do quadro álgico após 4 infusões. Até abril de 2011 continuou com remissão clínica, raramente necessitando de AINES. Em maio de 2011 apresentou piora da dor lombar inflamatória com frequente despertar noturno, sendo reintroduzido ibuprofeno (1.800 mg/dia) e paracetamol (3 g/dia) contínuo. Após duas semanas, por não apresentar melhora clínica, foi associada codeína (90 mg/dia), ocorrendo diminuição do número de despertares noturnos com intensa rigidez matinal e dor parcialmente aliviada durante hidroginástica e com piora após a parada da atividade física. Exames laboratoriais não demonstraram piora da atividade inflamatória, com PCR 0,6 mg/dL e BASDAI 6,3. A RNM datada de junho de 2011, nas sequências de T1 e T2 com supressão de gordura, não demonstraram edema ósseo, somente alterações degenerativas. Apesar de discutida a mudança do agente anti-TNF como possibilidade terapêutica, foi introduzida duloxetina na dose inicial de 30 mg/dia e após uma semana a dose foi aumentada para 60 mg/dia. Após 6 semanas, o paciente retornou apresentando melhora importante da dor lombar, BASDAI de 3,2 e PCR normal. Em agosto de 2011, o analgésico opioide fraco foi suspenso e o ibuprofeno reduzido para a dose de 1.200 mg/dia. Paciente em uso de analgésico comum, AINE e duloxetina na dose de 60 mg/dia.

Caso 2: Paciente do sexo masculino, 33 anos, portador de EA desde os 22 anos de idade, HLA-B27 negativo. Procurou o serviço com graves sequelas axiais e postura do esquiador. Piora progressiva da dor lombar crônica de características inflamatórias e anquilose de coluna, com relato de intolerância gástrica aos AINES, sem queixas oculares e dermatológicas. Uso irregular de sulfasalazina em doses de 1 a 3 g/dia, sem melhora clínica. Em virtude de apresentar métricas bastante alteradas (índice tragus-parede de 15 cm e índice de Schöber 0), BASDAI 7,3 e PCR 1,29 mg/dL por método ultrassensível, foi introduzido agente anti-TNF. O paciente não apresentava histórico de contato para tuberculose e radiografia de tórax era normal, contudo o PPD era forte reator com 25 mm de área de induração. Iniciada quimioprofilaxia com isoniazida até que o anti-TNF pudesse ser introduzido, e paracetamol (3 g/dia) associado ao tramadol (150 mg/dia). Houve intolerância ao tramadol e a duloxetina foi iniciada na dose de 60 mg/dia, dividida em duas doses associada ao paracetamol. Após 3 semanas, o paciente apresentou significativa melhora do quadro álgico. BASDAI 4,2, com escala analógica visual de dor na coluna 3, 2.

DISCUSSÃO

Nos dois pacientes apresentados a doença é de longa evolução e o principal sintoma para ambos foi dor lombar inflamatória, porém somente o paciente 2 apresentou fusão de coluna com aspecto típico em bambu e o paciente 1 pode ser considerado como portador de espondilite sem anquilose radiográfica.

Complicações neurológicas são descritas em 2,1% dos pacientes com o diagnóstico de EA12 e como nenhum dos dois pacientes apresentou alteração neurológica, a dor lombar crônica foi considerada como não neuropática.

No sentido de avaliar a melhora clínica e de atividade de doença, provas de atividade inflamatória como PCR e VHS são comumente empregadas e nas últimas décadas outros instrumentos têm sido padronizados para avaliar novos fármacos empregados no tratamento. Para avaliar a eficácia da duloxetina foi aplicado o questionário BASDAI (Bath Ankylosing Spondylitis Disease Activity Index), atualmente considerado um dos mais importantes instrumentos para a utilização em ensaios clínicos13,14, que contem seis questões que abordam domínios relacionados à fadiga, dor na coluna, dor e sintomas articulares, dor devido ao acometimento das enteses e duas questões relacionadas à qualidade e quantidade de rigidez matinal. O escore é medido pela EAV de zero a 10 (zero = bom; 10 = ruim). Valores de BASDAI acima de 4 indicam atividade de doença presente. Os medicamentos anti-TNFα são clinicamente eficazes na dor lombar inflamatória e melhoram parâmetros como BASDAI e BASFI15,16, porém tem alto custo e efeitos adversos importantes como infecções graves (principalmente tuberculose disseminada), distúrbios desmielinizantes, piora da insuficiência cardíaca congestiva, aparecimento de autoanticorpos para lúpus eritematoso sistêmico e reações de hipersensibilidade. Devido a esses problemas os fármacos antidepressivos como a duloxetina podem ser úteis como terapia adjuvante no tratamento da dor lombar inflamatória. Em função de seu baixo custo, comparado ao custo de moléculas biológicas, a duloxetina pode ser utilizada mesmo antes do emprego dos agentes anti- TNF. Os dois pacientes tinham indicação clínica para uso de agente anti-TNF, no entanto, somente o paciente 1 chegou a fazer uso do medicamento biológico antes do uso de duloxetina.

O paciente 1 apresentou refratariedade à dor na vigência do tratamento biológico e o paciente 2 utilizou a duloxetina antes do uso de agente anti-TNF. Ambos permanecem com bom controle clínico do processo álgico lombar, até o presente momento.

Os presentes relatos evidenciam que a duloxetina é uma indicação para a dor lombar crônica inflamatória em pacientes espondilíticos com ou sem indicação de agentes anti-TNF, porém estes resultados devem ser interpretados com cuidado. Estudos placebo controlado necessitam ser conduzidos para evidenciar a eficácia da duloxetina e de outros antidepressivos na dor lombar inflamatória de pacientes portadores de EA.

CONCLUSÃO

A duloxetina se mostrou eficaz para a redução da intensidade da dor lombar crônica inflamatória em pacientes portadores de espondilite anquilosante.

Endereço para correspondência:

Dr. Valderilio Feijó Azevedo

Av. Bispo Dom José, 2495 - Seminário

80440-080 Curitiba, PR

Fone: (41) 3049-6504

E-mail: valderilio@hotmail.com

Apresentado em 16 de setembro de 2011.

Aceito para publicação em 01 de dezembro de 2011.

Os autores Valderilio Feijó Azevedo e Marco Aurélio Azevedo Grande declaram não haver conflito de interesses. O Dr. Varlei Serratto declara ser speaker do laboratório Lilly.

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  • *
    Recebido do Ambulatório de Espondiloartrites do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba, PR.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Fev 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Aceito
      01 Dez 2011
    • Recebido
      16 Set 2011
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