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Neuralgia pós-herpética em área anatômica pouco usual: relato de caso

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O herpes zoster (HZ) é uma doença causada pela reativação do vírus varicela-zoster nos nervos cranianos e nos gânglios das raízes espinhais dorsais, geralmente deflagradas décadas depois da infecção primária de varicela. Sua complicação mais comum é a neuralgia pós-herpética (NPH), que é caracterizada por dor neuropática crônica e que se inicia entre um e seis meses após a cura das erupções cutâneas do HZ. O objetivo deste estudo foi relatar um caso de quadro de neuralgia pós-herpética em área anatômica pouco comum. RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 55 anos, com diagnóstico de HZ, que evoluiu para neuralgia pós-herpética. A paciente queixa-se de dor intensa e persistente em queimação localizada inicialmente em toda a extensão do membro inferior esquerdo (MIE). Ao exame físico apresentava alodínia e hiperalgesia no MIE até a raiz da coxa. CONCLUSÃO: O HZ apresenta-se mais frequentemente envolvendo os dermátomos facial e torácico. No entanto, deve-se sempre lembrar as áreas anatômicas pouco frequentes, para que seja realizado precocemente o diagnóstico e o tratamento, evitando assim as complicações.

Herpes zoster; Neuralgia pós-herpética


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Herpes zoster (HZ) is caused by the reactivation of the varicella-zoster virus in cranial nerves and spinal root ganglia, in general triggered decades after the primary varicella infection. Its most common complication is post-herpetic neuralgia (PHN), characterized by chronic neuropathic pain and starting one to six months after the healing of HZ skin rashes. This study aimed at reporting a case of post-herpetic neuralgia in unusual anatomic area. CASE REPORT: Female patient, 55 years old, with diagnosis of HZ evolving to post-herpetic neuralgia. Patient complains of severe and persistent burning pain initially located throughout her left lower limb (LLL). At physical evaluation she presented LLL allodynia and hyperalgesia up to the root of the thigh. CONCLUSION: HZ usually involves face and chest dermatomes. However, one has to consider unusual anatomic areas to provide early diagnosis and treatment, thus preventing complications.

Herpes zoster; Post-herpetic neuralgia


RELATO DE CASO

Neuralgia pós-herpética em área anatômica pouco usual. Relato de caso* * Recebido do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, CE.

Ana Virgínia Tomaz PortellaI; Josenília Maria Alves GomesII; Hilma Girão MarquesIII; Larissa Rios AguiarIII

IMédica Anestesiologista e Residente do Serviço de Dor do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, CE, Brasil

IIMédica Anestesiologista e Responsável pelo Serviço de Dor do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, CE, Brasil

IIIAcadêmica de Medicina da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Fortaleza, CE, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Ana Virgínia Tomaz Portella Rua Dr. Zamenhof, 400 – Cocó 60196-280 Fortaleza, CE. Fone: (85) 3262-3904 E-mail: virginiaportella@ig.com.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O herpes zoster (HZ) é uma doença causada pela reativação do vírus varicela-zoster nos nervos cranianos e nos gânglios das raízes espinhais dorsais, geralmente deflagradas décadas depois da infecção primária de varicela. Sua complicação mais comum é a neuralgia pós-herpética (NPH), que é caracterizada por dor neuropática crônica e que se inicia entre um e seis meses após a cura das erupções cutâneas do HZ. O objetivo deste estudo foi relatar um caso de quadro de neuralgia pós-herpética em área anatômica pouco comum.

RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 55 anos, com diagnóstico de HZ, que evoluiu para neuralgia pós-herpética. A paciente queixa-se de dor intensa e persistente em queimação localizada inicialmente em toda a extensão do membro inferior esquerdo (MIE). Ao exame físico apresentava alodínia e hiperalgesia no MIE até a raiz da coxa.

CONCLUSÃO: O HZ apresenta-se mais frequentemente envolvendo os dermátomos facial e torácico. No entanto, deve-se sempre lembrar as áreas anatômicas pouco frequentes, para que seja realizado precocemente o diagnóstico e o tratamento, evitando assim as complicações.

Descritores: Herpes zoster, Neuralgia pós-herpética.

INTRODUÇÃO

O herpes zoster (HZ) é uma doença causada pela reativação do vírus varicela-zoster nos nervos cranianos e nos gânglios das raízes espinhais dorsais, geralmente deflagrada décadas depois da infecção primária de varicela1,2. O sistema imunológico mantém o vírus sob controle, mas quando as defesas encontram-se debilitadas ocorre a deflagração da doença. A reativação ocorre principalmente em indivíduos imunocomprometidos por outras doenças, como câncer, síndrome da imunodeficiência adquirida, imumossupressão pós-transplante, quimioterapia e também em pacientes idosos imunocompetentes3-8.

Os sinais e sintomas do HZ iniciam-se com um pródromo de queimação leve a moderada na pele, frequentemente acompanhada de febre, calafrios, cefaleia e mal estar1. Esta situação é observada de um a quatro dias antes do desenvolvimento das lesões cutâneas. O quadro clínico evolui para um eritema cutâneo maculopapular que se transforma em vesículas arredondadas até um estágio final de crosta9. As alterações cutâneas seguem um padrão clássico de distribuição periférica no trajeto dos nervos envolvidos, com distribuição unilateral, circunscrita a um dermátomo4,10. Normalmente, apenas um dermátomo é acometido; entretanto, pode ocorrer o envolvimento de dois ou mais. Há predominância no tórax e na face7. Normalmente, o exantema regride no período de duas a quatro semanas. O vírus varicela zoster pode atingir os nervos cranianos, levando a complicações. O envolvimento do nervo trigêmeo pode causar alterações na face, na boca, nos olhos ou na língua. O ramo oftálmico é o mais acometido, podendo levar à cegueira. Já o envolvimento dos ramos maxilar e mandibular pode causar lesões nas unidades dentárias e nos ossos. A síndrome de Ramsay-Hunt é uma manifestação rara e envolve o gânglio geniculado do nervo facial, causando otalgia e paralisia facial. Também pode ocorrer comprometimento do nervo vestibulococlear11.

A complicação mais comum associada ao HZ é a neuralgia pós-herpética (NPH)12. O diagnóstico de HZ e da NPH é realizado clinicamente. O tratamento do HZ se dá com fármacos antivirais que aceleram a cura das erupções cutâneas, reduzem a intensidade da dor2 e a ocorrência da neuralgia pós-herpética (NPH)8,13-16.

A NPH é caracterizada por dor neuropática crônica que se inicia entre um a seis meses após a cura das erupções cutâneas e que pode durar anos. A NPH é a causa mais comum de dor crônica em indivíduos idosos17. A incidência de NPH varia entre 10% e 20% em adultos imunocompetentes11,18.

A distribuição anatômica da NPH segue o padrão dos dermátomos acometidos no HZ, sendo mais comumente envolvidos os dermátomos de T3-L311. O HZ afeta em 50% a 60% dos casos a região torácica e a face, já os dermátomos sacrais estão envolvidos em apenas 5%19.

A dor caracteriza-se por queimação, formigamento ou ardor, possui intensidade variável, algumas vezes descrita como insuportável. Podem estar associada à hiperalgesia, hiperestesia ou alodínia20. A dor lancinante, em fisgada ou em pontada tem sido relatada com maior frequência no HZ agudo e a dor em queimação é mais comum nos pacientes com NPH11.

A dor da NPH possui caráter crônico, porém com períodos livres ou com sintomas mais brandos, alternando com episódios de exacerbações. O tratamento deve ser feito com medicações para o alívio e controle da dor. As medicações de primeira linha para o tratamento da NPH são: os anticonvulsivantes e os antidepressivos tricíclicos. Os opioides também podem ser utilizados como analgésicos2.

O objetivo deste estudo foi descrever um quadro clínico de NPH que se desenvolveu no membro inferior esquerdo (MIE), em área anatômica pouco usual.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 55 anos, procurou unidade básica de saúde apresentando lesões bolhosas de pequeno diâmetro na planta do pé esquerdo, sendo prescrito um antibiótico e um anti-inflamatório não esteroide (AINE). Realizou consulta com dermatologista, que diagnosticou herpes zoster na fase de cicatrização das lesões (Figura 1). A paciente apresentava dor intensa e queimação em toda a extensão do MIE, sendo encaminhada ao serviço de dor do Hospital Universitário Walter Cantídio. Estava em uso de amitriptilina (75 mg/dia), porém sem melhora. A paciente referia dor persistente, de forte intensidade = 10, pela escala analógica visual (EAV); em queimação e choque, que piorava à noite. Ao exame físico apresentava alodínia e hiperalgesia no MIE até a raiz da coxa. Evidenciavam-se poucas lesões cutâneas do tipo crosta, restritas à planta do pé esquerdo. Foi iniciado a carbamazepina (400 mg/dia) e codeína (30 mg) a cada 6h. A paciente retornou, não referindo melhora. Então, a carbamazepina foi substituída por gabapentina (900 mg/dia) e foi realizada uma série de bloqueios periféricos do nervo ciático. Houve melhora clínica do quadro com redução da intensidade da dor (EAV = 7) e restrição da área afetada para o dorso e planta do pé esquerdo. Optou-se por manter a realização de bloqueio periférico, iniciando-se uma nova série, desta vez com pentabloqueio. A dor ficou restrita aos dedos do pé esquerdo, porém com presença de alodínia e choque nesta região, principalmente à noite. A gabapentina foi substituída pela pregabalina (150 mg/dia), porém a dor permaneceu com a mesma intensidade e características. Os sintomas cederam inteiramente com bloqueio analgésico pela técnica do pentabloqueio com bupivacaína a 0,25% (10 mL) e clonidina (75 µg), mas retornaram dentro de 48-72 horas.


Após seis meses de tratamento, foi introduzida a duloxetina (60 mg/dia) e a paciente obteve melhora significativa (EAV = 2). Realizado a suspensão da pregabalina, sendo mantida em observação com retornos semanais ao ambulatório.

A dor apresenta-se com alternância de períodos de melhora e de exacerbação nos dedos do pé esquerdo. A exacerbação das dores é acompanhada por dificuldades no aspecto psicossocial. Atualmente, a paciente continua em uso da duloxetina (60 mg/dia) e iniciou acompanhamento psicológico regular.

DISCUSSÃO

O HZ é uma doença autolimitada, porém complicações e sequelas permanentes podem ocorrer. No período prodrômico da doença, o diagnóstico do HZ é difícil, pois pode demorar até três semanas para o aparecimento das lesões cutâneas. Portanto, isto gera um atraso para iniciar o tratamento. O HZ acomete principalmente a região torácica e a face7, já os membros inferiores são uma localização mais rara para o aparecimento da doença. No presente caso relatado, a manifestação anatômica do HZ em área pouco usual foi impactante para o retardo do diagnóstico, o que impossibilitou o tratamento com a utilização de antivirais na fase aguda.

O tratamento do HZ se dá com drogas antivirais que aceleram a cura das erupções cutâneas, reduzem a intensidade da dor e a ocorrência da NPH, que é a complicação mais comum associada ao HZ2,4,7. A relevância da utilização dos antivirais precocemente é controversa, porém estudos indicam que a incidência de NPH aumenta em proporção e gravidade, quando o tratamento da fase aguda do HZ é inadequado17. No entanto, alguns pacientes desenvolverão NPH, mesmo após ter recebido adequadamente os antivirais3.

As dificuldades no tratamento e o impacto negativo da NPH são consideráveis na vida pessoal e social dos pacientes, pois afeta o sono, a capacidade para trabalhar e realizar atividade física, afetando sua qualidade de vida. Portanto, deve-se ter atenção para os sinais e sintomas em localização pouco acometida no HZ, pois o diagnóstico e o tratamento precoce são importantes, na tentativa de otimizar a abordagem da dor na fase aguda e prevenir sua cronicidade.

Apresentado em 13 de janeiro de 2012.

Aceito para publicação em 31 de maio de 2012.

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  • Endereço para correspondência:

    Ana Virgínia Tomaz Portella
    Rua Dr. Zamenhof, 400 – Cocó
    60196-280 Fortaleza, CE.
    Fone: (85) 3262-3904
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    Recebido do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, CE.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      13 Jan 2012
    • Aceito
      31 Maio 2012
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