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Hipoestesia, dor e incapacidade no membro superior após radioterapia adjuvante no tratamento para câncer de mama

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Tratamento cirúrgico e radioterapia (RT) podem provocar dor no membro superior (MS), distúrbio funcional e prejuízo nas atividades de vida diária. O objetivo deste estudo foi avaliar e comparar a sensibilidade superficial (SS) no dermátomo correspondente ao nervo sensitivo intercostobraquial (NICB), a dor e a incapacidade do MS homolateral à cirurgia antes e após RT adjuvante. MÉTODO: Vinte mulheres submetidas à cirurgia incluindo linfadenectomia axilar (LA) foram avaliadas antes e imediatamente após a RT adjuvante (25-30 sessões). Para avaliar a SS, dor e incapacidade foram utilizadas: a estesiometria, o Questionário de Dor McGill (MPQ) e o Índice de Dor e Incapacidade no ombro (SPADI). Duas medidas foram obtidas através do MPQ: número de palavras escolhidas (NWC) e índice de dor (PRI). Para comparação intragrupo, adotou-se teste de Wilcoxon Signed Rank Test para amostras pareadas, p < 0,05. RESULTADOS: Após a RT houve redução significativa da SS pelo aumento da pressão exercida pelo estesiômetro de 1,9 ± 0,2 para 2,8 ± 0,2 (p = 0,004) indicando hipoestesia. No MS contralateral não houve diferença. Escores do NWC e do PRI aumentaram significativamente (p = 0,005 e p = 0,006) após a RT. Observou-se aumento significativo do escore total do SPADI após a RT (p = 0,0001), com aumento da incapacidade de 24,6 ± 5,7 para 39,2 ± 5,7 (p = 0,001) e a dor de 26,3 ± 6,4 para 48,4 ± 7,1 (p = 0,001). CONCLUSÃO: Foi identificada hipoestesia no trajeto do NICB, dor e incapacidade no MS após a RT adjuvante.

Dor; Fisioterapia; Hipoestesia; Mastectomia; Neoplasias da mama; Radioterapia


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Surgery and radiotherapy (RT) may induce upper limb (UP) pain, functional disorder and daily life activities impairment. This study aimed at evaluating and comparing superficial sensitivity (SS) on the dermatome corresponding to the intercostobrachial sensory nerve (ICBN), pain and disability of UL ipsilateral to surgery before and after adjuvant RT. METHOD: Twenty females submitted to surgery including axillary lymphadenectomy (AL) were evaluated before and immediately after adjuvant RT (25-30 sessions). The following tools were used to evaluate SS, pain and disability: esthesiometry, McGill Pain Questionnaire (MPQ), Pain Rating Index and shoulder disability (SPADI). Two measures were obtained from MPQ: number of words chosen (NWC) and pain rating index (PRI). Wilcoxon Signed Rank Test for paired samples was used for intragroup comparison, considering significant p < 0.05. RESULTS: There has been significant SS decrease after RT by increased esthesiometer pressure from 1.9 ± 0.2 to 2.8 ± 0.2 (p = 0.004) indicating hypoesthesia. There has been no difference in contralateral UL. NWC and PRI scores have significantly increased (p = 0.005 and p = 0.006) after RT. There has been significant total SPADI score increase after RT (p = 0.0001), with increased disability from 24.6 ± 5.7 to 39.2 ± 5.7 (p = 0.001) and pain from 26.3 ± 6.4 to 48.4 ± 7.1 (p = 0.001). CONCLUSION: Hypoesthesia was identified in the ICBN pathway, in addition to UL pain and disability after adjuvant RT.

Breast cancer; Hypoesthesia; Mastectomy; Pain; Physical therapy; Radiation therapy


ARTIGO ORIGINAL

Hipoestesia, dor e incapacidade no membro superior após radioterapia adjuvante no tratamento para câncer de mama* * Recebido do Serviço de Fisioterapia da OncoHematos da Fundação Beneficência Hospital Cirurgia (FBHC) em parceria com o Hospital de Urgência de Sergipe (HUSE) e da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Aracaju, SE.

Thaysa Samanta BezerraI; Mariana Tirolli RettII; Andreza Carvalho Rabelo MendonçaIII; Dayane Evellyn dos SantosI; Vanessa Miranda PradoIV; Josimari Melo DeSantanaV

IFisioterapeuta pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Aracaju, SE, Brasil

IIProfessora Adjunta do Curso de Fisioterapia da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Aracaju, SE, Brasil

IIIMestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Aracaju, SE, Brasil

IVFisioterapeuta da Clínica Onco Hematos. Aracaju, SE, Brasil

VProfessora Adjunta do Curso de Fisioterapia, docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Fisiológicas e do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Aracaju, SE, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Profa. Dra. Mariana Tirolli Rett Rua Claudio Batista s/n – Bairro Santo Antonio 49060-100 Aracaju, SE. Fones: (79) 8104-3005 - (79) 2105-1804 E-mail: mariana@ufs.br, maritrett@yahoo.com.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Tratamento cirúrgico e radioterapia (RT) podem provocar dor no membro superior (MS), distúrbio funcional e prejuízo nas atividades de vida diária. O objetivo deste estudo foi avaliar e comparar a sensibilidade superficial (SS) no dermátomo correspondente ao nervo sensitivo intercostobraquial (NICB), a dor e a incapacidade do MS homolateral à cirurgia antes e após RT adjuvante.

MÉTODO: Vinte mulheres submetidas à cirurgia incluindo linfadenectomia axilar (LA) foram avaliadas antes e imediatamente após a RT adjuvante (25-30 sessões). Para avaliar a SS, dor e incapacidade foram utilizadas: a estesiometria, o Questionário de Dor McGill (MPQ) e o Índice de Dor e Incapacidade no ombro (SPADI). Duas medidas foram obtidas através do MPQ: número de palavras escolhidas (NWC) e índice de dor (PRI). Para comparação intragrupo, adotou-se teste de Wilcoxon Signed Rank Test para amostras pareadas, p < 0,05.

RESULTADOS: Após a RT houve redução significativa da SS pelo aumento da pressão exercida pelo estesiômetro de 1,9 ± 0,2 para 2,8 ± 0,2 (p = 0,004) indicando hipoestesia. No MS contralateral não houve diferença. Escores do NWC e do PRI aumentaram significativamente (p = 0,005 e p = 0,006) após a RT. Observou-se aumento significativo do escore total do SPADI após a RT (p = 0,0001), com aumento da incapacidade de 24,6 ± 5,7 para 39,2 ± 5,7 (p = 0,001) e a dor de 26,3 ± 6,4 para 48,4 ± 7,1 (p = 0,001).

CONCLUSÃO: Foi identificada hipoestesia no trajeto do NICB, dor e incapacidade no MS após a RT adjuvante.

Descritores: Dor, Fisioterapia, Hipoestesia, Mastectomia, Neoplasias da mama, Radioterapia.

INTRODUÇÃO

O câncer de mama (CM) é a neoplasia de maior incidência na população feminina, sendo, no Brasil, a principal causa de morte por doenças malignas entre as mulheres. Para o ano de 2012, estima-se que ocorrerão 52.680 novos casos de CM1. Apesar da evolução no diagnóstico e da possibilidade do emprego da técnica do linfonodo sentinela, os procedimentos cirúrgicos, radicais ou conservadores, ainda prevalecem. A linfadenectomia axilar (LA), na maioria das vezes, é empregada para o estadiamento da doença e orientação quanto à escolha de terapia adjuvante. Além da cirurgia, tratamentos complementares, como a quimioterapia (QT), a radioterapia (RT) e/ou a hormonioterapia podem ser empregados.

Embora a cirurgia para o CM traga muitos benefícios, podem surgir complicações como infecções locais, necrose cutânea, complicações cicatriciais, disfunções da amplitude de movimento, linfedema, alterações funcionais, lesões nervosas, dor e distúrbios de sensibilidade do membro superior (MS) homolateral à mama operada. Acredita-se que a LA seja uma das principais justificativas para o surgimento das complicações e morbidades pós-operatórias, justamente pela retirada dos linfonodos, pela localização e extensão da abordagem cirúrgica1-5.

A RT pode ser empregada como terapia adjuvante ou neoadjuvante à cirurgia. É um método capaz de destruir células tumorais locais através de feixes de radiações ionizantes produzidas por aparelhos ou emitidas por radioisótopos naturais. Uma dose pré-calculada de radiação, expressa em centigray (cGy) ou gray (Gy), é aplicada em um determinado tempo e em determinado volume de tecido4,5. A radiação também incide nas regiões de tecido normal, causando efeitos colaterais como dor, fadiga, alterações sensitivas e cutâneas, como a radiodermite. Cerca de 90% das pacientes pode experimentar alguma reação cutânea dose-dependente4,5.

As alterações cutâneas provenientes da RT podem interferir na sensibilidade superficial (SS) da região irradiada, mas acredita-se que a principal causa de alteração sensitiva seja decorrente da lesão total ou parcial do nervo sensitivo intercostobraquial (NICB) durante o ato cirúrgico6. O NICB é derivado dos ramos cutâneos laterais dos segundo e terceiro nervos intercostais e sua lesão, é responsável por queixa frequente de desconforto ou sensação desagradável, ou seja, pode ocasionar disestesia na borda póstero-medial da região superior do braço, axila e/ou parede torácica do lado afetado. Na literatura e na prática clínica, muitas mulheres podem queixar-se de hipoestesia, anestesia, queimação, algia puntiforme e até hiperestesia6,7.

A associação de fatores desencadeados pelo tratamento cirúrgico e RT podem interferir negativamente no cotidiano dessas mulheres, provocando dor no MS, distúrbio funcional e prejuízo nas atividades de vida diária8,9, além da possibilidade destes sintomas piorarem após a RT7. A queixa clínica de alteração da sensibilidade é bastante comum, mas muitos profissionais não a valorizam, pois é um sintoma persistente e proveniente da lesão de nervo sensitivo. Reconhecer os diversos aspectos da sensibilidade, além da presença de algum tipo de incapacidade é, de fato, importante para futuras ações de caráter curativo e preventivo que possibilitem a redução do impacto físico, emocional e social causado pelo CM e seus tratamentos adjuvantes.

Os objetivos do presente estudo foram avaliar e comparar a sensibilidade superficial no dermátomo correspondente ao NICB, bem como a dor e a incapacidade do membro superior homolateral à cirurgia de mulheres submetidas à linfadenectomia axilar antes e após a RT.

MÉTODO

Foi conduzido um estudo observacional do tipo longitudinal, no período de agosto a outubro de 2011, no Setor de Radioterapia e Fisioterapia do Hospital de Urgência de Sergipe (HUSE) e na Fundação de Beneficência Hospital Cirurgia (FBHC) no município de Aracaju, SE, sendo que todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Foram incluídas mulheres submetidas à procedimento cirúrgico associado à LA para tratamento do CM e que iniciariam a RT adjuvante. Foram excluídas aquelas submetidas à cirurgia bilateral, reconstrução mamária ou colocação de prótese mamária, RT neoadjuvante, presença de linfedema no MS, processos infecciosos ativos, obesidade mórbida, doenças neuropáticas e/ou alterações de sensibilidade pré-existentes à cirurgia, presença de feridas abertas no trajeto do NICB, alterações ortopédicas, que tivessem realizado fisioterapia para o MS no período da pesquisa e que apresentassem dificuldade de entendimento ou confusão mental para a realização dos testes físicos e aplicação de questionários.

Na abordagem inicial, foram coletadas informações pessoais e oncológicas contendo as seguintes informações: idade, estado civil, profissão, índice de massa corpórea (IMC), doenças associadas, história cirúrgica (tipo e tempo de cirurgia, lateralidade, tratamento adjuvante e doenças associadas), entre outras.

A RT foi realizada durante cinco ou seis semanas (dependendo da dose) com aplicações diárias, irradiando as regiões da mama ou plastrão e da axila e fossa clavicular, porém em doses menores. Antes de iniciar a RT e na última sessão, foi conduzida a avaliação da sensibilidade superficial (SS) no trajeto do NICB nos membros superiores (MMSS)10, caracterização da dor no MS pelo Questionário de dor McGill (MPQ)11 e avaliação da incapacidade do MS pelo questionário Índice de Dor e Incapacidade no Ombro (SPADI)12. As avaliações finais foram realizadas na última ou penúltima sessão por questões práticas do serviço e pela disponibilidade de transporte das pacientes.

A SS foi avaliada por meio do estesiômetro, composto por pares de seis monofilamentos de Semmer Weinsten (Sorri®) com crescentes forças de tensão, previamente calibrados em uma balança analítica de precisão (CKA®). Os valores da força de pressão, em gramas(g), após calibração foram atribuídos a cada filamento, conforme segue: verde (0,05 g), azul (0,2 g), violeta (2,6 g), vermelho escuro (3,6 g), laranja (9,4 g) e vermelho magenta (107,9 g). Foi considerado, como valor de normalidade da SS, o terceiro filamento violeta (2,6 g), através da calibração e com base no membro controle. Acima deste valor, considerou-se diminuição da sensibilidade e, abaixo deste valor, considerou-se preservação da sensibilidade. Para a padronização do teste estesiométrico foi realizada a seguinte demarcação: a distância entre o processo coracoide e o epicôndilo medial foi dividida em três espaços iguais, considerando três pontos: o proximal (P1), o distal (P2) e o médio (P3), que corresponde ao ponto médio entre P1 e P2. A partir de P1, foi demarcado um ponto a 3 cm abaixo em direção posterior do braço; a partir de P3, demarcou-se um ponto a 2,5 cm e; a partir de P2, foi demarcado um outro ponto a 2 cm. Nestes pontos exatos, foi realizada a estesiometria (Figura 1).


Para avaliar a SS, a paciente permaneceu com os olhos fechados e posicionados em decúbito dorsal, com o ombro em abdução de 90 graus, rotação externa e com o antebraço em flexão de 90 graus. Foi aplicado o monofilamento perpendicularmente ao tecido cutâneo, pressionando suavemente até a curvatura inicial do filamento e removido em seguida. A mensuração ocorreu em duplicata e de forma crescente quanto à pressão exercida, considerando, como limiar sensitivo cutâneo, o filamento em que a paciente respondeu estar sentindo o toque. A medida foi repetida duas vezes e, a partir do somatório e média, o valor final foi registrado. A avaliação ocorreu em ambos os MMSS, sendo o homolateral à cirurgia, considerado como o afetado e o contralateral adotado como membro controle. Quanto menor a sensibilidade, maior a pressão exercida e, assim, maior o valor, em gramas, da medida estesiométrica.

Apesar do dermátomo do NICB abranger também a região da axila, esta região não foi avaliada, pois as queixas de desconforto são, geralmente, referentes ao MS e também pela presença da cicatriz da mastectomia, que pode prolongar-se até a axila, prejudicando a resposta sensitiva.

A versão brasileira do Questionário de dor McGill (Br-MPQ) foi empregada na forma de entrevista para caracterização da dor. O Br-MPQ possui dois índices: número de palavras escolhidas (NWC) e o índice de dor (PRI), sendo constituído por 68 descritores distribuídos em 4 categorias (sensorial, afetiva, avaliativa e mista) e por 20 subcategorias. Cada subcategoria contém de 2 a 5 palavras. As mulheres foram orientadas a escolher entre zero e 20 palavras para cada subcategoria que mais se assemelhassem à dor percebida. Cada palavra escolhida possui um valor atribuído e este somatório gera o PRI total. Adicionalmente, para cada categoria do PRI, pode ser calculado um escore. O NWC refere-se ao número de descritores selecionados no instrumento que corresponde às palavras escolhidas para explicar a dor, apresentando valor mínimo de zero e máximo de 20. Para ambos, PRI e NWC, quanto mais elevado o escore, maior a dor.

O questionário sobre Índice de Dor e Incapacidade no Ombro (SPADI) também foi aplicado na forma de entrevista e a versão brasileira consiste em 13 itens distribuídos na escala de incapacidade (oito itens) e escala de dor (cinco itens), sendo cada item pontuado em uma escala de avaliação numérica de zero a 10 pontos. A pontuação final varia de zero a 100 e, quanto maior a pontuação, pior disfunção do ombro12.

Para análise dos dados, foi utilizado o programa BioEstat 5.0 e os resultados foram descritos em frequências absolutas, porcentagens, médias e erros padrões das médias. Para comparar a sensibilidade superficial e os escores dos questionários sobre dor e incapacidade no ombro antes e após a RT, foi adotado o Wilcoxon Signed Rank Test para amostras pareadas, com nível de significância de 95% (p < 0,05).

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa com Seres Humanos do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe (CAAE 0087.0.107.000-2011).

RESULTADOS

Foram selecionadas 25 mulheres, sendo que cinco foram descontinuadas do estudo pela interrupção da RT por orientação médica. Das 20 mulheres incluídas, a média de idade foi de 52,7 ± 11,2 anos, o IMC médio foi de 26,2 kg/m2 ± 2,7, 13 mulheres eram casadas, quatro solteiras e três viúvas. Com relação à ocupação, seis eram do lar, duas eram lavradoras, cinco aposentadas e as outras sete tinham atividades distintas (autônomas). O tipo cirúrgico mais prevalente foi a mastectomia (60%) e o número de sessões de RT variou de 25 a 30 e as doses fracionadas foram, em média, 186,7 ± 23,2 cGy, variando entre 100 e 215 cGy. A média da dose total de RT correspondeu a 4947 cGy ± 734,8, variando de 2500 a 6020 cGy (Tabela 1).

Antes da RT, a sensibilidade superficial no trajeto do NICB correspondeu a 1,9 ± 0,2 g no membro homolateral, e 1,0 ± 0,2 g no contralateral, ambos dentro do critério adotado como normalidade (o terceiro filamento- 2,6 g). Após a RT, houve diminuição significativa dos valores de sensibilidade superficial em todos os pontos avaliados no membro homolateral, demonstrado pelo aumento de pressão exercida com o estesiômetro, de 1,9 ± 0,2 g para 2,8 ± 0,2 g (p = 0,004), indicando hipoestesia. No MS contralateral à cirurgia (controle), não houve diferença significativa na SS quando comparadas as medidas antes e após a RT (Tabela 2).

A avaliação da dor pelo Br-MPQ demonstrou, em aspecto geral, que o PRI total e o NWC aumentaram significativamente (p = 0,006 e p = 0,005; respectivamente) após a RT (Tabela 3). Também foi encontrado aumento significativo das categorias do PRI sensorial e o PRI (p = 0,014 e p = 0,043). Na categoria sensorial, destacaram-se os descritores: dor "que vai e vem", "se espalha em círculos", "pica como uma agulhada", "dilacera a carne", "como um beliscão", "repuxa", "esquenta", "coça", "em formigamento", "adormecida" e "dolorida". Na categoria afetiva, distribuída em cinco subcategorias, as mais mencionadas foram: dor "que cansa", "assustadora", "castigante" e "que dá nervoso". Na categoria avaliativa, com apenas uma subcategoria, os descritores mais escolhidos foram: "leve" e "incômoda". Na categoria mista, composta por quatro subcategorias foram descritas principalmente: "que prende", "cresce e diminui" e "deixa tenso". Após a RT, além dos descritores mencionados, foram enfatizadas as seguintes sensações: "latejante", "que irradia", "é como uma fisgada", "em pressão" (sensorial), "chata" (afetiva) e "espeta como uma lança" (mista).

Em relação ao SPADI (Gráfico 1) observou-se aumento significativo do escore total após a RT (p = 0,001), sendo que o escore de incapacidade aumentou significativamente de 24,6 ± 25,7 para 39,2 ± 25,4 (p = 0,001) e da dor de 26,3 ± 28,5 para 48,4 ± 31,7 (p = 0,001).


DISCUSSÃO

A intervenção cirúrgica ainda é a principal forma de tratamento para o CM, especialmente em estadiamentos mais avançados. Na presente amostra, 60% foi submetida a técnicas radicais, como a mastectomia incluindo a LA. A retirada dos linfonodos ainda é o procedimento que causa mais complicações no pós-operatório, sobretudo relacionados a distúrbios sensitivos, dor e redução da mobilidade do MS4,6. No presente estudo, observou-se que, antes do início da RT, as mulheres já apresentavam diminuição da sensibilidade superficial no MS afetado em comparação ao membro contralateral, o que já foi evidenciado na literatura utilizando a estesiometria3,10. No entanto, isso é esperado, uma vez que o próprio procedimento cirúrgico pode determinar tal alteração6,7.

Foi observada hipoestesia no trajeto do NICB do MS homolateral à região irradiada, quando comparada aos valores no mesmo membro antes da RT e no MS contralateral. Como a RT adjuvante deve ser empregada nos cinco dias úteis da semana, por cinco a seis semanas, é comum a presença de reações cutâneas na área irradiada associada a neuropatias decorrentes da fibrose e isquemia do tecido nervoso local10. Isto pode explicar a diminuição da SS imediatamente após o período de RT. Vale ressaltar que, embora 15 mulheres tenham sido também submetidas à QT, a literatura é clara que o uso da QT não interfere na sensibilidade do trajeto do NICB, pois é uma terapia sistêmica e não está relacionada a lesões sensitivas localizadas13.

O relato de dor no MS pode iniciar imediatamente após procedimento cirúrgico e perdurar por longos períodos3. A RT pode influenciar no aparecimento e a persistência de dor, gerando quadros crônicos4,5,9. Assim, como observado no presente estudo, a dor no MS foi um sintoma presente logo após a cirurgia, com aumento significativo da intensidade de dor imediatamente após a RT quando mensurada por meio do MPQ.

O fato do NICB ser um nervo predominantemente sensitivo, justifica o fato de as mulheres terem escolhido palavras que representem as sensações como: "latejante", "que irradia", "é como uma fisgada", "em pressão" (categoria sensorial), "chata" (categoria afetiva) e "espeta como uma lança" (categoria mista). Em um aspecto geral, a dor é um fenômeno que pode estar presente devido ao ato cirúrgico, a presença da cicatriz, as reações cutâneas na pele e ao medo de movimentar adequadamente o MS. Nesse estudo, a amplitude de movimento não foi considerada como variável, pois todas as mulheres tinham que apresentar amplitude mínima de abdução de ombro em 90 graus, rotação externa e antebraço em flexão de 90 graus para a realização da RT.

Concomitantemente ao aumento da intensidade de dor, observou-se, neste estudo, aumento da incapacidade funcional, demonstrando piora da funcionalidade do membro superior após a RT. De acordo com o SPADI, as atividades que representaram o maior grau de dificuldade e gravidade de dor foram "colocar algo em uma prateleira alta com o braço afetado" e "quando tentou tocar a parte de trás do pescoço com o braço afetado", respectivamente. O mesmo foi relatado por outros estudos que referem incapacidade acentuada, sobretudo durante movimentos de flexão e abdução do ombro afetado após tratamento do CM, especialmente em conjunto com a RT5,13. De modo geral, isso demonstra que a RT desencadeia fisicamente, lenta reparação cicatricial e acentuada fibrose tecidual, comprometendo substancialmente a função do MS4,5,7,9.

Durante a avaliação inicial, nove mulheres não apresentaram dor, entretanto após a RT, apenas duas não relataram características dolorosas, o que foi confirmado pelos valores finais de PRI, NWC e escala de dor no SPADI. Quanto à escala de incapacidade no SPADI, cinco pacientes apresentaram escores com valor zero inicialmente, sendo que apenas uma permaneceu com esse resultado ao final da RT. Tais achados confirmam possibilidade de complicações físico-funcionais potencializadas pela RT7,13.

Estudo canadense9 explorou a ocorrência de morbidade do braço entre seis e 12 meses, ao avaliar 347 pacientes, após tratamento cirúrgico e RT adjuvante em 94% das mulheres. Cerca de 12% experimentaram linfedema, 39% relataram dor e 50% tinham restrições na amplitude de movimento. Apesar do prejuízo na qualidade de vida (QV) e da restrição das atividades de vida diária, a maioria destas mulheres não compartilhou com os profissionais de saúde a morbidade do braço. Isso indica a necessidade da inclusão de estratégias no acompanhamento de pacientes em tratamento do CM, com medidas objetivas para avaliar e tratar os sintomas de morbidade do MS, principalmente aqueles que causam impacto negativo na funcionalidade e na execução das atividades da vida diária.

Nesse contexto, estudo15 acompanhou 55 mulheres em dois grupos, um controle e outro com cinesioterapia durante a RT para verificar o efeito da fisioterapia na QV. Apesar de não haver diferença significativa em alguns aspectos avaliados o grupo submetido a exercícios supervisionados para o MS foi beneficiado ao final da RT e após seis meses. A importância da fisioterapia no acompanhamento de mulheres em tratamento com RT também foi demonstrada13, sendo os exercícios válidos para melhorar a amplitude de movimento8,14, a QV15, diminuir a fadiga e dor14 durante e após a realização da RT.

Foi possível verificar que a hipoestesia, a dor e a incapacidade estão presentes em mulheres submetidas à LA e que tais aspectos podem ser agravados após a RT. Como as participantes foram avaliadas imediatamente após a RT, não foi possível nenhuma inferência em longo prazo. Acompanhamentos que incluam seguimento das pacientes, um protocolo de fisioterapia e com maior tamanho amostral poderão contribuir para assistência a estas mulheres, para os serviços de saúde em oncologia e para os profissionais envolvidos com a recuperação funcional.

CONCLUSÃO

Observou-se hipoestesia no trajeto do NICB, piora da dor e da incapacidade do membro superior homolateral a cirurgia do CM imediatamente após a realização da RT adjuvante.

AGRADECIMENTOS

Às pacientes que participaram deste estudo, à FBHC, ao Ministério da Educação - MEC, ao Programa Especial de Inclusão em Iniciação Científica – PIIC / POSGRAP/PROEST/UFS e ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Extensão - PIBIX.

Apresentado em 03 de julho de 2012.

Aceito para publicação em 28 de setembro de 2012.

Conflito de interesses: Nenhum – Fontes de fomento: Programa Especial de Inclusão em Iniciação Científica – PIIC, POSGRAP/PROEST/UFS. Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Extensão- PIBIX.

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  • Endereço para correspondência:

    Profa. Dra. Mariana Tirolli Rett
    Rua Claudio Batista s/n – Bairro Santo Antonio
    49060-100 Aracaju, SE.
    Fones: (79) 8104-3005 - (79) 2105-1804
    E-mail:
  • *
    Recebido do Serviço de Fisioterapia da OncoHematos da Fundação Beneficência Hospital Cirurgia (FBHC) em parceria com o Hospital de Urgência de Sergipe (HUSE) e da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Aracaju, SE.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      03 Jul 2012
    • Aceito
      28 Set 2012
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