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Dor crônica refratária de tornozelo controlada com radiofrequência pulsada: relato de caso

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A radiofrequência (RF) é uma corrente alternada com frequência de oscilação de 500.000 Hz, que tem sido usada com sucesso no tratamento de algumas morbidades que cursam com dor crônica. O objetivo deste relato de caso foi mostrar o uso bem sucedido da RF pulsátil do nervo sural para o tratamento de dor crônica no tornozelo. RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 60 anos, que há 5 anos apresentava dor em tornozelo direito, refratária ao tratamento com opioides, anti-inflamatório não esteroides (AINES), dipirona, antidepressivos e anticonvulsivantes, fisioterapia, infiltrações localizadas, acupuntura e palmilha. A paciente foi submetida a aplicação de RF pulsátil de nervo sural direito. O local da inserção da agulha foi na linha entre o tendão de Aquiles e maléolo lateral, região inicial de tendão de Aquiles e final dos músculos sóleo e gastrocnêmio. A estimulação sensitiva para identificação do nervo sural foi com 0,5 volts e 50 Hz. A corrente pulsátil foi aplicada durante 140 segundos com 45 volts com temperatura de até 42º C. Foram realizadas duas aplicações, ocorrendo melhora de cerca de 80% da dor, permitindo que a paciente pudesse deambular ou permanecer em pé, sem maiores dificuldades. CONCLUSÃO: A RF pulsátil do nervo sural pode ser uma opção para o controle das dores crônicas em tornozelo.

Dor crônica; Tornozelo; Tratamento por radiofrequência pulsada


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Radiofrequency (RF) is an alternate current with oscillation frequency of 500,000 Hz, which has been successfully used to treat some morbidities evolving with chronic pain. This case report aimed at showing the successful use of sural nerve pulsed RF to treat chronic ankle pain. CASE REPORT: Female patient, 60 years old, with right ankle pain for five years, refractory to treatment with opioids, non-steroid anti-inflammatory drugs (NSAIDs), dipirone, antidepressants and anticonvulsants, physical therapy, localized infiltrations, acupuncture and insole. Patient was submitted to right sural nerve pulsed RF. Needle was inserted in the line between the Achilles tendon and lateral malleolus, initial Achilles tendon region and final soleus and gastrocnemius muscles region. Sensory stimulation to identify the sural nerve was with 0.5 volts and 50 Hz. Pulsed current was applied for 140 seconds with 45 volts and temperature of up to 42º C. Patient was submitted to two sessions with improvement of approximately 80% of pain, allowing her to walk or to remain standing up without major difficulties. CONCLUSION: Sural nerve pulsed RF may be an option to control chronic ankle pain.

Ankle; Chronic pain; Treatment with pulsed radiofrequency


RELATO DE CASO

Dor crônica refratária de tornozelo controlada com radiofrequência pulsada. Relato de caso* * Recebido da Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá, MT.

Lia Rachel Chaves do Amaral PellosoI; George Miguel Góes FreireII; Hazem Adel AshmawiIII

IMédica Anestesiologista, Certificado de Área de Atuação em Dor pela SBA/AMB, Professora Adjunta da Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá, MT, Brasil

IIMédico Anestesiologista, Certificado de Área de Atuação em Dor pela SBA/AMB, Membro da Equipe de Controle da Dor do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). São Paulo, SP, Brasil

IIIMédico. Professor Livre-Docente. Supervisor da Equipe de Controle da Dor do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra. Lia Rachel Chaves do Amaral Pelloso Rua Des. José de Mesquita, 371/602 78005-560 Cuiabá, MT. E-mail: liarachel@hotmail.com.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A radiofrequência (RF) é uma corrente alternada com frequência de oscilação de 500.000 Hz, que tem sido usada com sucesso no tratamento de algumas morbidades que cursam com dor crônica. O objetivo deste relato de caso foi mostrar o uso bem sucedido da RF pulsátil do nervo sural para o tratamento de dor crônica no tornozelo.

RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 60 anos, que há 5 anos apresentava dor em tornozelo direito, refratária ao tratamento com opioides, anti-inflamatório não esteroides (AINES), dipirona, antidepressivos e anticonvulsivantes, fisioterapia, infiltrações localizadas, acupuntura e palmilha. A paciente foi submetida a aplicação de RF pulsátil de nervo sural direito. O local da inserção da agulha foi na linha entre o tendão de Aquiles e maléolo lateral, região inicial de tendão de Aquiles e final dos músculos sóleo e gastrocnêmio. A estimulação sensitiva para identificação do nervo sural foi com 0,5 volts e 50 Hz. A corrente pulsátil foi aplicada durante 140 segundos com 45 volts com temperatura de até 42o C. Foram realizadas duas aplicações, ocorrendo melhora de cerca de 80% da dor, permitindo que a paciente pudesse deambular ou permanecer em pé, sem maiores dificuldades.

CONCLUSÃO: A RF pulsátil do nervo sural pode ser uma opção para o controle das dores crônicas em tornozelo.

Descritores: Dor crônica, Tornozelo, Tratamento por radiofrequência pulsada.

INTRODUÇÃO

A radiofrequência (RF) é uma corrente alternada com frequência de oscilação de 500.000 Hz, que tem sido usada com sucesso no tratamento de morbidades que cursam com dor crônica, como no tratamento da síndrome de dor facetária, sacroileítes, dor discogênica e radicular, entre outras1-4. Porém as características técnicas deste tipo de procedimento são limitadas no tratamento de lesões de nervos periféricos.

A grande vantagem da RF pulsada sobre a RF contínua, é que seu efeito não está na destruição térmica do tecido nervoso. Nesta modalidade, a corrente é liberada em pulsos, cada uma durando 20 milissegundos, seguido por um período sem atividade de 480 milissegundos, permitindo ao calor se dissipar, evitando o aumento da temperatura local. A RF contínua causa necrose coagulativa, levando a degeneração Walleriana, enquanto que a RF pulsada apenas causa edema transitório leve afetando a integridade estrutural do nervo5,6. Mesmo quando a RF é realizada a 40º, existe edema neural e intensa lesão das fibras transversas. Estas mudanças podem ser vistas com RF pulsada, mas a intensidade das lesões é muito menor7.

O objetivo deste estudo foi descrever o tratamento das dores crônicas no tornozelo de uma paciente, que foi tratada com sucesso pela RF pulsada.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 60 anos, longilínea, índice de massa corpórea (IMC) = 28 kg/m2, aposentada, referindo dor em tornozelo direito havia 5 anos, após grave entorse, tratada de modo conservador. Informa que desde 2006 tem procurado tratamento médico, consultado 14 médicos de diversas especialidades, incluindo ortopedista, reumatologista, fisiatra e terapeuta de dor. Foi submetida a vários tratamentos com opioides, anti-inflamatórios não esteroides (AINES) e dipirona, diversas técnicas de fisioterapia, infiltrações localizadas, acupuntura e uso de palmilha.

Porém, desde o início do tratamento em 2006, nunca apresentou melhora do quadro álgico.

No início de 2011, após diagnóstico de síndrome de Impacto Lateral (talo fibular e talo calcanhar) foi submetida à cirurgia sendo realizada tenoplastia dos fibulares.

Em agosto de 2011, procurou médico especializado em terapia de dor, apresentando dor latejante, em pontada, contínua, muito forte em região lateral de tornozelo e retropé direito, com limitação funcional, que piorava ao deambular e ao permanecer por tempo prolongado em pé.

Ao exame físico não foram identificadas alterações tróficas. Apresentava sensibilidade dolorosa, térmica e tátil preservadas.

Devido às dores crônicas de difícil controle, foi iniciado tratamento com duloxetina (30 mg/dia), que após 15 dias foi aumentada (60 mg/dia) e fisioterapia, porém sem melhora.

Encaminhada ao Serviço de Terapia da Dor da Divisão de Anestesia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, onde após uma avaliação multidisciplinar foi realizado bloqueio diagnóstico de nervo sural direito com 4 mL de bupivacaína a 0,25% com adrenalina, em região de terço médio da face lateral da perna direita.

Após a infiltração, a paciente relatou ausência completa da dor em região submaleolar direita. A paciente foi submetida alguns dias depois à aplicação de RF pulsátil de nervo sural direito. Foi utilizada agulha 22G, de 5,4 cm comprimento e 2 mm de ponta ativa (Baylis, Canadá). O local da inserção da agulha foi na linha entre o tendão de Aquiles e maléolo lateral, região inicial do tendão de Aquiles e final dos músculos sóleo e gastrocnêmio. A estimulação sensitiva para identificação do nervo sural foi com 0,5 volts e 50 Hz. A corrente pulsátil foi aplicada durante 140 segundos com 45 volts com temperatura de até 42o C. Foram realizadas duas lesões. Houve remissão quase completa, obtendo melhora de cerca de 80% da dor, permitindo que a paciente pudesse deambular ou permanecer em pé, sem maiores dificuldades.

DISCUSSÃO

Apesar de pesquisa diagnóstica extensiva ao longo do tempo de dor, refratária a tratamento cirúrgico, medicamentoso, fisioterápico e acupuntura, a dor foi controlada pela aplicação da RF pulsada em nervo sural.

O nervo sural é um nervo sensitivo que inerva a superfície lateral do pé e do tornozelo. É o nervo cutâneo mais utilizado como doador nas cirurgias de reconstrução de lesões de nervos com interposição de enxertos8. Os sintomas consequentes à sua retirada são em geral bem tolerados e consistem de anestesia ou hipoestesia na face lateral do pé. Também é utilizado na realização de biópsias de nervos para elucidação diagnóstica. Raramente, pode ocorrer dor neuropática em função da desaferentação e lesão do nervo9. A opção em se fazer a RF pulsada em lugar da contínua deu-se pela possibilidade da indução de dor neuropática, mesmo sendo uma complicação pouco descrita para o nervo sural. A sequência utilizada na condução do caso foi adequada, com a realização de bloqueio anestésico diagnóstico prévio para avaliação pela paciente da provável evolução após da RF.

A paciente foi informada dos possíveis efeitos adversos da terapêutica com RF pulsada, mas devido ao incômodo da dor, que a acompanhava há muitos anos, optou pelo tratamento que foi bastante satisfatório, com a remissão quase completa da dor.

O exato mecanismo do efeito de antinocepção da RF pulsada ainda é desconhecido. Acredita-se que a RF produz um campo magnético muito fraco sem efeitos biológicos significativos10. Há a produção de campo elétrico ao redor da ponta ativa, que poderia gerar alterações de cargas moleculares com modificações de funções celulares sem aumento da temperatura11, aumento expressão de gene de expressão precoce, c-Fos em neurônios do corno dorsal12 e aumento de vias inibitórias descendentes após RF em nervo ciático13.

Na literatura já existe a descrição da utilização de RF pulsada no tratamento de dor em tornozelo6. Neste caso há um avanço em relação ao relato anterior. Uma das limitações do estudo é sobre o não uso prévio de antidepressivos ou fármacos do grupo dos gabapentinoides, o que poderia ter evitado o uso da RF. Nesta paciente os tratamentos farmacológicos com antidepressivos e anticonvulsivantes não obtiveram sucesso. A indicação da RF foi feita após a falência dos diversos tipos de tratamentos utilizados anteriormente.

CONCLUSÃO

A RF pulsátil do nervo sural pode ser uma opção para o controle das dores crônicas em região lateral de tornozelo.

Apresentado em 25 de julho de 2012.

Aceito para publicação em 01 de outubro de 2012.

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  • Endereço para correspondência:

    Dra. Lia Rachel Chaves do Amaral Pelloso
    Rua Des. José de Mesquita, 371/602
    78005-560 Cuiabá, MT.
    E-mail:
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    Recebido da Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá, MT.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      25 Jul 2012
    • Aceito
      01 Out 2012
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