Acessibilidade / Reportar erro

Percepção dos enfermeiros sobre o tratamento da dor crônica não maligna com opioides

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor crônica, muitas vezes, é subtratada em pacientes com dor crônica não maligna pela sua complexidade, e o sucesso do tratamento em longo prazo é difícil de ser obtido. Este estudo teve como objetivo conhecer a percepção de enfermeiros sobre a administração de opioides para alívio da dor crônica não maligna (DCNM). MÉTODO: Após aprovação pelo Comitê de Ética foram incluídos enfermeiros clínicos com experiência em cuidar de pacientes com dor crônica, que responderam um formulário sobre o uso de opioides em DCNM. RESULTADOS: Foram incluídos 60 enfermeiros, sendo que 56,7% identificaram a dor do paciente pelas queixas, 40% informaram que a dipirona era a terapêutica farmacológica usada para tratar a DCNM, 50% informaram que a massagem era a terapêutica não farmacológica usada para tratar a DCNM, a maioria citou a morfina e o tramadol como os opioides mais usados para alivio da dor crônica não oncológica, 50% afirmaram que avaliam a intensidade da dor e administram o opioide prescrito se necessário se a dor for moderada ou intensa, 60% dos enfermeiros acreditam que o opioide interfere com a reabilitação do paciente, a maioria citou a dependência (65%) e a depressão respiratória (46,7%) como os efeitos adversos mais conhecidos e 61,7% afirmaram não ter restrição ao uso do opioide no tratamento da DCNM. CONCLUSÃO: A maioria dos enfermeiros não tem nenhuma restrição na administração de opioides para pacientes com DCNM.

Analgésicos opioides; Dor crônica; Efeitos de fármacos; Enfermeiros; Medo


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Very often, chronic pain is undermanaged in patients with chronic non-malignant pain due to its complexity, and the long term success of the treatment is difficult. This study aimed at understanding nurses' perception about administering opioids to relieve chronic non-malignant pain (CNMP). METHOD: After the Ethics Committee approval, participated in this study clinical nurses with experience in managing chronic pain patients, who answered a questionnaire about using opioids for CNMP. RESULTS: Participated in this study 60 nurses, of whom 56.7% identified patients' pain by their complaints, 40% reported that dipirone was the drug used to treat CNMP, 50% reported that massage was the non-pharmacological therapy to treat CNMP, most have mentioned morphine and tramadol as the most widely used opioids to relieve chronic non-cancer pain, 50% stated that they evaluate pain intensity and administer prescribed opioids if needed when the pain is moderate or severe, 60% of nurses believe that opioids interfere with patients' rehabilitation, most have mentioned addiction (65%) and respiratory depression (46.7%) as the best known side-effects and 61.7% have stated that they have no restriction for the use of opioids to treat CNMP. CONCLUSION: Most nurses have no restriction for the administration of opioids for CNMP patients.

Chronic pain; Drug Effects; Fear; Nurses; Opioid analgesics


ARTIGO ORIGINAL

Percepção dos enfermeiros sobre o tratamento da dor crônica não maligna com opioides* * Recebido da Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP). São José dos Campos, SP.

Maria Belén Salazar PossoI; Vânia Maria de Araujo GiarettaII; Ana Lucia Gargioni de SantannaII; Regimar Carla Machado RanzaniIII; Áquila Lopes GouveaIV

IEnfermeira; Doutora em Enfermagem pela Universidade de São Paulo, Docente do Curso de Enfermagem da Universidade do Vale do Paraíba, São José dos Campos, SP, Brasil

IIEnfermeira; Mestre em Enfermagem e Docente do Curso de Enfermagem da Universidade do Vale do Paraíba, São José dos Campos, SP, Brasil

IIIEnfermeira; Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal de São Paulo, Docente do Curso de Enfermagem da Universidade do Vale do Paraíba, São José dos Campos, SP, Brasil

IVEnfermeiro da Equipe de Controle da Dor da Divisão de Anestesia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra. Maria Belén Salazar Posso Rua Iperoig, 749/111 05016-000 São Paulo, SP E-mail: mbelen@terra.com.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor crônica, muitas vezes, é subtratada em pacientes com dor crônica não maligna pela sua complexidade, e o sucesso do tratamento em longo prazo é difícil de ser obtido. Este estudo teve como objetivo conhecer a percepção de enfermeiros sobre a administração de opioides para alívio da dor crônica não maligna (DCNM).

MÉTODO: Após aprovação pelo Comitê de Ética foram incluídos enfermeiros clínicos com experiência em cuidar de pacientes com dor crônica, que responderam um formulário sobre o uso de opioides em DCNM.

RESULTADOS: Foram incluídos 60 enfermeiros, sendo que 56,7% identificaram a dor do paciente pelas queixas, 40% informaram que a dipirona era a terapêutica farmacológica usada para tratar a DCNM, 50% informaram que a massagem era a terapêutica não farmacológica usada para tratar a DCNM, a maioria citou a morfina e o tramadol como os opioides mais usados para alivio da dor crônica não oncológica, 50% afirmaram que avaliam a intensidade da dor e administram o opioide prescrito se necessário se a dor for moderada ou intensa, 60% dos enfermeiros acreditam que o opioide interfere com a reabilitação do paciente, a maioria citou a dependência (65%) e a depressão respiratória (46,7%) como os efeitos adversos mais conhecidos e 61,7% afirmaram não ter restrição ao uso do opioide no tratamento da DCNM.

CONCLUSÃO: A maioria dos enfermeiros não tem nenhuma restrição na administração de opioides para pacientes com DCNM.

Descritores: Analgésicos opioides, Dor crônica, Efeitos de fármacos, Enfermeiros, Medo.

INTRODUÇÃO

A dor crônica, muitas vezes, é subtratada em pacientes com dor crônica não maligna (DCNM), por ser doença complexa, o sucesso do tratamento em longo prazo é difícil de ser obtido1.

Considerando a subjetividade e a complexidade do fenômeno doloroso, sua avaliação e controle podem constituir um grande desafio para os profissionais de saúde. Habitualmente a DCNM é controlada com analgésicos não opioides e técnicas não farmacológicas, porém a utilização de opioides é fundamental para o controle da DCNM mais intensa, que às vezes pode acometer o paciente2,3.

A falta de conhecimento e os receios dos profissionais de saúde em relação aos opioides, acrescidos das questões administrativas impostas pelas instituições como, por exemplo, o preenchimento do receituário para fármacos de uso controlado, impossibilita a farmácia hospitalar de fornecer o opioide, dificultando o tratamento adequado da dor2,4.

Mesmo com as informações atuais, com escalas para a mensuração da dor, com o variado arsenal terapêutico, com o algoritmo proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para tratar a dor, o seu controle eficaz não acontece, muitas vezes, devido ao preconceito e desinformação dos profissionais de saúde. Também a avaliação e a prescrição médica inadequada ou insuficiente são grandes empecilhos para o controle da dor2,3.

Os enfermeiros são os membros da equipe que avaliam, coordenam e atendem as necessidades de assistência do paciente, portanto devem possuir qualificações e serem capazes de lidar com um grupo exigente e, por vezes hostil, de pacientes1.

Os obstáculos enfrentados pela equipe de enfermagem constituem-se na avaliação imprecisa e no tratamento correto da dor, com o julgamento da percepção dolorosa do paciente baseado nas experiências vivenciadas pelo profissional. Também, nas dores mais intensas o principal fator ainda é a existência de preconceitos e medos em relação à utilização de opioides, o que conduz a chamada opiofobia2-4.

Este estudo justifica-se pela necessidade de se conhecer a percepção dos enfermeiros relacionada ao uso de opioides em pacientes portadores de DCNM, para, a partir desse conhecimento, propor soluções visando sanar eventuais problemas relacionados à administração de fármacos opioides e melhorar a assistência ao paciente, minimizando o seu sofrimento.

Este estudo teve como objetivo verificar qual a percepção dos enfermeiros quanto à terapêutica analgésica com opioides no paciente com DCNM.

MÉTODO

Pesquisa de campo, direta, aplicada na forma de entrevistas. A amostra estudada foi do tipo aleatório e composta por 60 enfermeiros. O critério para inclusão foi ser enfermeiro clínico com experiência em cuidar de pacientes com DCNM, e que aceitasse participar da pesquisa, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Como instrumento de coleta de dados, foi elaborado um formulário estruturado, com 8 perguntas relacionadas ao tema (DCNM) e ao uso dos fármacos opioides, bem como o conhecimento sobre avaliação da dor, efeitos colaterais dos opioides, crenças, medos e preconceito com a sua utilização. Os resultados são apresentados em números absolutos ou em valores percentuais.

Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa - CAPPesq do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Protocolo nº 0238/2011).

RESULTADOS

Foram incluídos 48 enfermeiros do sexo feminino e 12 do masculino, com idade variando entre 23 e 57 anos (média de 34,1 ± 9,5 anos), sendo que 75% deles exerciam atividade apenas assistencial, 20% apenas docência e 5% docência e atividade assistencial. O tempo de exercício na profissão variou de 1 a 26 anos (média 9,5 ± 7 anos), com maior prevalência para enfermeiros com até cinco anos de exercício da profissão.

Quando indagados de que maneira identificavam a dor do paciente 56,7% informaram que a identificavam pelas queixas, 30% pela expressão facial, 10% pelo estado de agitação e 3,3% pelo estado de desconforto do paciente, sendo que 96,6% usavam a escala numérica para avaliar a intensidade da dor e 3,4% avaliavam a intensidade da dor pela escala analógica visual (EAV).

Quando questionados sobre a terapêutica farmacológica usada para tratar a DCNM nos estabelecimentos assistenciais de saúde (EAS) em que trabalhavam, 40% informaram que usavam a dipirona, 25% o tramadol, 25% o paracetamol, 20% a butilescopolamina e 5% os anti-inflamatórios não esteroides (AINES).

Quando investigados sobre a terapêutica não farmacológica usada para tratar a DCNM nos EAS em que trabalhavam, 50% informaram que era usada a massagem, 41,7% a terapêutica física com calor ou frio, 10% a psicoterapia, 10% a mudança de decúbito e 5% a acupuntura.

Quando indagados quais os opioides para alivio da DCNM que conheciam, a maioria citou a morfina e o tramadol, mas um número relevante de enfermeiros (26,7%) citou a petidina (Tabela 1).

Quando inqueridos sobre sua conduta frente à prescrição de um opioide se necessário, 50% afirmaram que avaliam a intensidade da dor e administram se a dor for moderada ou intensa, 15% só em último caso, 15% só aplicam após discutir com o médico e 20% não aplicam.

Em relação à importância do opioide na reabilitação do paciente, 60% dos enfermeiros acreditam que o opioide interfere com a reabilitação do paciente e 40% que não interfere.

Em relação aos efeitos adversos dos opioides conhecidos pelos enfermeiros sujeitos da pesquisa, a maioria citou a dependência (65%), a depressão respiratória (46,7%), seguidos pela constipação intestinal, prurido, sonolência e náuseas/vômitos (41,7%) e apenas 3,3% citaram a parada respiratória (Tabela 2).

Quando questionados se tinham restrição ao uso do opioide no tratamento da DCNM, 61,7% dos enfermeiros afirmaram que não tinham restrição ao uso do opioide, mas 38,3% afirmaram ter sim restrição a esse uso.

DISCUSSÃO

O adequado gerenciamento da dor crônica melhora a qualidade de vida (QV). O conhecimento, habilidades, fármacos, intervenções não farmacológicas e tecnológicas estão disponíveis para gerenciar quase todos os tipos de dor, e o alívio da dor é responsabilidade de todos os profissionais da saúde, e os pacientes merecem os melhores esforços para aperfeiçoar o seu conforto e seu tratamento5.

Embora a dor seja uma das razões mais comuns para a procura pelos cuidados de saúde, ela não é bem compreendida e continua a ser um dos mais importantes problemas de atuais de saúde. A experiência dor é dinâmica, e o enfermeiro precisa compreender esse fato e cooperar com os outros membros da equipe de saúde e com o paciente para poder controlar a dor, pois também é responsável pelo gerenciamento do seu tratamento6, o que ficou bem estabelecido neste estudo uma vez que a maioria (60%) dos enfermeiros acredita que o opioide interfere com a reabilitação do paciente.

A minoria dos enfermeiros incluídos neste estudo (38,3%) afirmou que tinha restrição ao uso do opioide no tratamento da DCNM, em consonância com dados da literatura que mesmo evidenciando que os opioides são universalmente utilizados no tratamento da dor, confirmam que muitos profissionais de saúde ainda resistem ao uso destes analgésicos, principalmente pelo temor de suas complicações, pela falta de conhecimento de alguns aspectos farmacológicos como a tolerância, a dependência física e psicológica, e que o uso de opioides na dor crônica benigna é assunto de muitos debates e controvérsias, embora exista uma parcela de pacientes que pode se beneficiar com o uso desse grupo de fármacos, mas os parâmetros para seu uso ainda são frágeis7-9.

As atitudes culturais e as preocupações sobre abuso têm inibido a utilização dos opioides para grande população de pacientes que têm DCNM. A escada analgésica da OMS pode ser facilmente aplicada para o tratamento da dor de todos os tipos. Analgésicos opioides são pilares para o tratamento da dor moderada a grave. As características farmacológicas únicas dos fármacos opioides são importantes para o tratamento da DCNM e os problemas relacionados ao controle da dor e ao abuso de opioides podem ser monitorados com protocolo de gerenciamento do estado de saúde do paciente10. Vale ressaltar que pacientes de dor crônica oferecem alguns desafios para os profissionais de cuidados primários de saúde. Os médicos geralmente evitam ou até mesmo, rejeitam o uso de opioides para dor crônica não oncológica devido ao medo de dependência, tolerância, efeitos adversos graves e persistentes, e comprometimento da função física e psicossocial, prescrevendo-os em último caso, inclusive pelos aspectos atuais da legislação vigente no país e as dificuldades que ela impõe para a prescrição desses fármacos11, coincidindo com o mesmo receio por parte dos enfermeiros, sujeitos desta pesquisa ao citarem a preocupação com os efeitos adversos.

A maioria dos sujeitos deste estudo citou a morfina e o tramadol como os opioides que conheciam para alivio da dor crônica não oncológica, mas a codeína também foi citada por 21,7% deles (Tabela 1). A literatura mostra que apesar das controvérsias, os chamados opioides fracos tramadol e codeína, têm sido frequentemente utilizados no controle da dor. A escolha destes fármacos deve-se à crença de que eles causam menos dependência do que os chamados opioides fortes e também pelo fato de sua prescrição não exigir receituário especial9,12.

Um grande número de pacientes portadores de dor crônica não oncológica não obtém um bom controle da dor com os esquemas analgésicos convencionais. Opioides podem ser utilizados em algumas síndromes dolorosas, sendo a metadona uma importante opção9.

Apenas 10,0% dos enfermeiros citaram a metadona como um dos opioides usados para o tratamento da dor crônica não oncológica. Esta percepção está concorde com a literatura especializada, uma vez que o tratamento com metadona para pacientes de dor crônica ainda é limitado devido a equívocos sobre o vício, segurança e suas propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas originais. No entanto, pacientes com DCNM frequentemente são tratados com metadona como o opioide de primeira escolha, para condições específicas de dor, ou como uma segunda linha de opioides em pacientes que desenvolvem tolerância ou intratáveis com outros opioides devido aos efeitos colaterais13.

Opioides podem ser utilizados em algumas síndromes dolorosas, sendo a metadona uma importante opção. A metadona demonstra uma boa relação custo-benefício, pois apresenta a mesma eficácia de outros opioides, com menor custo e morbidade. A metadona representa uma alternativa efetiva e pode melhorar o controle da dor em alguns pacientes refratários a outros opioides como morfina, principalmente os portadores de dor neuropática. O uso de opioides na dor crônica não oncológica ainda é um assunto polêmico e as decisões implicam em riscos, que devem ser previstos e adequadamente controlados9.

Um fato que deve ser destacado é que numero relevante de enfermeiros (26,7%) que citou a petidina como opioide usado para o tratamento da DCNM (Tabela 1). Esta posição dos enfermeiros não está coerente com a literatura especializada no sentido de reduzir a prescrição da petidina14, pois há muitos anos é conhecido que esse opioide não apresenta qualquer vantagem em relação a doses comparáveis de outros analgésicos, pois seu efeito analgésico não é pronunciado, e, além disso, apresenta efeitos colaterais graves, incluindo toxicidade serotoninérgica e a formação, por desmetilação hepática, do metabólito ativo, norpetidina, cuja meia-vida ultrapassa em muito a da petidina, e cujo acúmulo leva à excitação do sistema nervoso central, com quadros que variam de disforia, delírio, agitação psicomotora mais intensa, e até convulsão, sendo contraindicado o uso da petidina no tratamento de dor crônica de qualquer origem, pois aumenta a produção da norpetidina e consequentemente de seus efeitos adversos15.

É amplo o espectro de dor crônica não oncológica tratada com opioides e uma minoria significativa manifestam comportamentos abusivos de uso de opioides de prescrição, porém, história de uso de substâncias psicoativas e idade menor estão associados com comportamento de abuso de opioides16.

Em estudo que coletaram dados, utilizando um questionário descrevendo a percepção de enfermeiros e medindo o seu conhecimento sobre os cuidados do paciente com dor, verificou que 52,0% não tinham experiência com dor crônica, 42,4% declarou que frequentemente tratava os pacientes com dor, 70,2% receberam educação sobre dor na escola, 88,4% não receberam educação sobre dor fora da escola e não leram sobre dor em revistas, 88,9% administravam fármacos para alivio da dor, 85,4% dos pacientes eram avaliados com base em declarações verbais, 96,5% conhecia os aspectos importantes relacionados ao uso de analgésicos opioides e apenas 3% tinha conhecimentos sobre a fisiopatologia da dor. Os autores concluíram que os enfermeiros tinham conhecimento insuficiente sobre cuidados com pacientes com dor e os métodos de controle da dor6, o que não se confirmou neste estudo, pois os enfermeiros revelaram bons conhecimentos quanto à identificação e avaliação da dor, mas mostraram falta de conhecimento quanto à contraindicação da petidina em dor crônica.

Estudo realizado com enfermeiros de um hospital universitário Belga em relação ao tratamento da dor com opioides evidenciou que apesar dos profissionais acreditarem que o uso dos opioides é positivo para o controle da dor, eles tinham atitudes claramente negativas quanto ao seu uso, que podiam impedir o tratamento adequado da dor, devido ao medo de possível risco de dependência17, fato não confirmado neste estudo, pois a maioria dos enfermeiros (61,7%) afirmou que não tinha restrição ao uso do opioide no tratamento da DCNM.

A maioria dos enfermeiros deste estudo (65%) citou a dependência como o efeito adverso mais conhecido, o que pode influir de modo negativo no tratamento da dor crônica dos pacientes, pois a dor crônica não oncológica está associada a altos níveis de angústia e comprometimento psicossocial e os pacientes apreciaram os benefícios do fármaco opioide forte, apesar do receio com a dependência sem deixar de considerar as estratégias de enfrentamento das diretrizes baseadas em evidências existentes na literatura18.

O manuseio inadequado da dor permanece devido à falta de conhecimento sobre a fisiopatologia e tratamento da dor e pela crença de muitos profissionais de saúde que o paciente superestima a intensidade da dor por ser um consumidor ilícito dos opioides, e também devido à barreira legal para o seu uso19.

Os profissionais de enfermagem deste estudo demonstraram falta de conhecimento em alguns aspectos podendo refletir no manuseio da dor de seus pacientes. Estudo demonstrou que o conhecimento da enfermagem sobre opioides é claramente associado com diferenças observadas na estimativa da intensidade de dor de seus pacientes, pois profissionais com pouco conhecimento tendem a subestimar as experiências de dor intensa de seus pacientes20.

A maioria dos enfermeiros incluídos neste estudo (56,7%) informou que identificava a dor pelas queixas e 30% pela expressão facial dos pacientes e 96,6% usavam a escala numérica para avaliar a intensidade da dor, diferente de estudo que avaliou farmacêuticos, médicos e enfermeiros e mostrou que a metade dos enfermeiros entrevistados desconhecia as escalas para mensurar a dor do paciente, sendo óbvio que quando um profissional avalia a intensidade da dor do paciente, as escalas analgésicas são instrumentos essenciais3.

Proporcionar analgesia sustentada é um aspecto importante da terapia, e fármacos devem ser administrados de horário, porque a administração de doses regulares mantém o nível constante do fármaco no corpo e ajuda a prevenir a recorrência da dor21.

Em estudo no qual foi identificada a prescrição de morfina "se necessário", os enfermeiros precisavam da confirmação médica para administrar o fármaco, demonstrando insegurança e medo por parte da equipe de enfermagem3. Em outro estudo que também abordou esta questão, os autores afirmaram que muitas vezes a enfermagem interpreta a prescrição "se necessário" para administrar o menos possível o opioide2.

Outra pesquisa identificou que a enfermagem hospitalar demonstrou menor relutância em usar opioides do que os enfermeiros que não trabalham habitualmente em hospitais22, o que pôde ser confirmado neste estudo uma vez que a maioria dos enfermeiros incluídos tinha atividade predominantemente hospitalar e afirmaram que não tinham restrição ao uso do opioide no tratamento da DCNM.

Em relação aos efeitos adversos dos opioides conhecidos pelos enfermeiros sujeitos da pesquisa, a maioria citou a dependência (65,0%), a depressão respiratória (46,7), seguidos pela constipação intestinal, prurido, sonolência, náuseas e vômitos (41,7%) e apenas 3,3% citaram a parada respiratória. (Tabela 2), evidenciando que os enfermeiros sujeitos desta pesquisa têm bons conhecimentos dos efeitos adversos dos opioides, pois como afirma estudo23, é importante que os enfermeiros tenham conhecimento sobre os efeitos adversos dos opioides, visto que o seu manuseio inadequado pode acarretar problemas adicionais que afetam a QV dos pacientes.

A educação para o uso de opioides e o manuseio da dor é uma necessidade reconhecida pela literatura, porém, há muito ainda a ser feito para corrigir o medo e as concepções errôneas que impedem a adequada analgesia por opioides24.

Novas estratégias educacionais são necessárias para melhorar o tratamento da dor na prática diária, visto que o tema é geralmente negligenciado nos currículos de formação dos profissionais de saúde3,25.

Existe a necessidade dos enfermeiros se familiarizarem mais com o tema, independente de terem demonstrado conhecimento de alguns aspectos, pois muitos deles não conhecem todos os aspectos relacionados ao uso dos opioides em pacientes com dor crônica não oncológica. Este fato também foi destacado pelos autores de outro estudo, que igualmente detectou alguns aspectos subjetivos relacionados ao uso de fármacos opioides, como o medo e preconceito que podem contribuir para a subutilização destes fármacos3.

O adequado gerenciamento da dor crônica melhora a função, resultado e QV. O conhecimento, habilidades, fármacos, intervenções não farmacológicas e tecnologia estão disponíveis para gerenciar quase todos os tipos de dor. O alívio da dor é uma responsabilidade de todos os profissionais da saúde, e os pacientes merecem os melhores esforços destes profissionais para otimizar o seu conforto e tratamento5, porém, como foi visto a maioria dos enfermeiros da amostra deste estudo (40%), informou que a terapêutica farmacológica usada para tratar a DCNM nos EAS em que trabalhavam era a dipirona, 25% o tramadol, 25% o paracetamol, 20% a butilescopolamina e 5% os AINES, fármacos com capacidade analgésica pouco potente, indicada para dores de intensidade leve ou moderada.

Quanto à terapêutica não fármacos usada para tratar a DCNM nos EAS em que trabalhavam 50% dos enfermeiros informaram que era usada a massagem, 41,7% a terapêutica física com calor ou frio, 10% a psicoterapia, 10% a mudança de decúbito e 5% a acupuntura. Estes dados mostram que embora a terapêutica medicamentosa usada para tratar a DCNM nos EAS em que trabalhavam fosse restrita a dipirona, tramadol, paracetamol, butilescopolamina e AINES, os enfermeiros avaliavam a intensidade da dor usando escala adequada e aplicavam técnicas não farmacológicas descritas na literatura para proporcionar conforto para seus pacientes, como recomendam os autores de estudo5, que indicam a avaliação e reavaliação da dor, acompanhamento, titulação de medicamentos para as respostas individuais, cuidados com os efeitos colaterais, prevenção da dor e avaliação rotineira da eficácia do plano de cuidados são habilidades básicas para todos os profissionais de saúde.

Embora exista clara percepção por parte dos enfermeiros avaliados neste estudo, da importância do uso dos opioides no tratamento da DCNM, existe a necessidade de ampliar o conhecimento dos enfermeiros referente à utilização dos opioides, para que sejam extirpados o preconceito, o medo, as crenças errôneas e outros fatores limitantes para seu uso.

CONCLUSÃO

Os enfermeiros incluídos neste estudo mostraram bons conhecimentos, identificação, avaliação da intensidade da dor de seus pacientes e quanto aos opioides usados para alivio da dor crônica não oncológica, porém, incluíram a petidina que é um opioide contraindicado no tratamento da dor, especialmente da dor crônica. Também mostraram bom conhecimento dos efeitos adversos dos opioides e que não tinham restrição para o seu uso no tratamento da DCNM.

REFERÊNCIAS

1. Jennings PJ. The role of the outpatient clinic nurse in monitoring opioid therapy. Curr Pain Headache Rep. 2004;8(4):284-8.

2. Daudt AW, Hadlich E, Facin MA, et al. Opióides no manejo da dor: uso correto ou subestimado? Dados de um hospital universitário. Rev Assoc Med Bras. 1998;44(2):106-10.

3. Kulkamp IC, Barbosa CG, Bianchini KC. Percepção de profissionais da saúde sobre aspectos relacionados à dor e utilização de opióides: um estudo qualitativo. Ciênc Saúde Coletiva. 2008;13(Supl):721-31.

4. Manchikanti L, Fellows B, Ailinani H, et al. Therapeutic use, abuse, and nonmedical use of opioids: a ten-year perspective. Pain Physician. 2010;13(5):401-35.

5. Curtiss CP, Haylock PJ. Managing cancer and noncancer chronic pain in critical care settings. Knowledge and skills every nurse needs to know. Crit Care Nurs Clin North Am. 2001;13(2):271-80.

6. Akbaş M, Oztunç G. Examination of knowledge about and nursing interventions for the care of patients in pain of nurses who work at Cukurova University medical faculty Balcali hospital. Pain Manag Nurs. 2008;9(3):88-95.

7. Portenoy RK. Opioid therapy for chronic nonmalignant pain: a review of the critical issues. J Pain Symptom Manage, 1996;11(4):203-17.

8. Haddox JD, Joranson D. The use of opioids for the treatment of chronic pain. Clin J Pain, 1997;13(1):6-8.

9. Ribeiro S, Schmidt AP, Schmidt SRG. O uso de opioides no tratamento da dor crônica não oncológica: o papel da metadona. Rev Bras Anestesiol. 2002;52(5):644-51.

10. Parrott T. Using opioid analgesics to manage chronic noncancer pain in primary care. J Am Board Fam Pract. 1999;12(4):293-306.

11. Posso IP, Oliveira JO Jr. Os opioides e a legislação. Rev Dor. 2009;10(4):355-69.

12. McQuay H. Opioids in pain management. Lancet. 1999;353(9171):2229-32.

13. Lamb L, Pereira JX, Shir Y. Nurse case management program of chronic pain patients treated with methadone. Pain Manag Nurs. 2007;8(3):130-8.

14. Minson FP, Sardá Jr J, Ferracini FT, et. Al. Redução do uso de petidina em hospital privado com a implantação de um programa educativo multiprofissional. Rev Dor. 2011;12(1):35-8.

15. Latta KS, Ginsberg B, Barkin RL. Meperidine: a critical review. Am J Ther. 2002;9(1):53-68.

16. Reid MC, Engles-Horton LL, Weber MB, et al. Use of opioid medications for chronic noncancer pain syndromes in primary care. J Gen Intern Med. 2002;17(3):173-9.

17. Broekmans S, Vanderschueren S, Morlion B, et al. Nurses' attitudes toward pain treatment with opioids: a survey in a Belgian university hospital. Int J Nurs Stud. 2004;41(2):183-9.

18. Blake S, Ruel B, Seamark C, et al. Experiences of patients requiring strong opioid drugs for chronic non-cancer pain: a patient-initiated study. Br J Gen Pract. 2007;57(535):101-8.

19. Kipel AGB. Prevalência da dor: mitos, medos e desacertos relacionados ao uso de analgésicos opiáceos. Texto & Contexto Enferm. 2004:13(2):303-8.

20. Hovi SL, Lauri S. Patients' and nurses' assessment of cancer pain. Eur J Cancer Care. 1999;8(4):213-9.

21. Vallerand AH. The use of long-acting opioids in chronic pain management. Nurs Clin North Am. 2003;38(3):435-45.

22. Merril JM, Dale A, Thornby JI. Thanatophobia and opiophobia of hospice nurses compared with that of other caregivers. Am J Hosp Palliat Care. 2000;17(1):15-23.

23. Rhodes VA, McDaniel RW. Nausea, vomiting, and retching: complex problems in palliative care. Cancer J Clin. 2001;51(4):232-48.

24. Bennett DS, Carr DB. Opiophobia as a barrier to the treatment of pain. J Pain Palliat Care Pharmacother. 2002;16(1):105-9.

25. Weinstein SM, Laux LF, Thornby JI, et al. Physicians' attitudes toward pain and the use of opioid analgesics: results of a survey from the Texas Cancer Pain Initiative. South Med J. 2000;93(5):479-87.

Apresentado em 19 de novembro de 2012

Aceito para publicação em 28 de janeiro de 2013

Conflito de interesses: Nenhum

  • 1. Jennings PJ. The role of the outpatient clinic nurse in monitoring opioid therapy. Curr Pain Headache Rep. 2004;8(4):284-8.
  • 2. Daudt AW, Hadlich E, Facin MA, et al. Opióides no manejo da dor: uso correto ou subestimado? Dados de um hospital universitário. Rev Assoc Med Bras. 1998;44(2):106-10.
  • 3. Kulkamp IC, Barbosa CG, Bianchini KC. Percepção de profissionais da saúde sobre aspectos relacionados à dor e utilização de opióides: um estudo qualitativo. Ciênc Saúde Coletiva. 2008;13(Supl):721-31.
  • 4. Manchikanti L, Fellows B, Ailinani H, et al. Therapeutic use, abuse, and nonmedical use of opioids: a ten-year perspective. Pain Physician. 2010;13(5):401-35.
  • 5. Curtiss CP, Haylock PJ. Managing cancer and noncancer chronic pain in critical care settings. Knowledge and skills every nurse needs to know. Crit Care Nurs Clin North Am. 2001;13(2):271-80.
  • 7. Portenoy RK. Opioid therapy for chronic nonmalignant pain: a review of the critical issues. J Pain Symptom Manage, 1996;11(4):203-17.
  • 8. Haddox JD, Joranson D. The use of opioids for the treatment of chronic pain. Clin J Pain, 1997;13(1):6-8.
  • 9. Ribeiro S, Schmidt AP, Schmidt SRG. O uso de opioides no tratamento da dor crônica não oncológica: o papel da metadona. Rev Bras Anestesiol. 2002;52(5):644-51.
  • 10. Parrott T. Using opioid analgesics to manage chronic noncancer pain in primary care. J Am Board Fam Pract. 1999;12(4):293-306.
  • 11. Posso IP, Oliveira JO Jr. Os opioides e a legislação. Rev Dor. 2009;10(4):355-69.
  • 12. McQuay H. Opioids in pain management. Lancet. 1999;353(9171):2229-32.
  • 13. Lamb L, Pereira JX, Shir Y. Nurse case management program of chronic pain patients treated with methadone. Pain Manag Nurs. 2007;8(3):130-8.
  • 14. Minson FP, Sardá Jr J, Ferracini FT, et. Al. Redução do uso de petidina em hospital privado com a implantação de um programa educativo multiprofissional. Rev Dor. 2011;12(1):35-8.
  • 15. Latta KS, Ginsberg B, Barkin RL. Meperidine: a critical review. Am J Ther. 2002;9(1):53-68.
  • 16. Reid MC, Engles-Horton LL, Weber MB, et al. Use of opioid medications for chronic noncancer pain syndromes in primary care. J Gen Intern Med. 2002;17(3):173-9.
  • 17. Broekmans S, Vanderschueren S, Morlion B, et al. Nurses' attitudes toward pain treatment with opioids: a survey in a Belgian university hospital. Int J Nurs Stud. 2004;41(2):183-9.
  • 18. Blake S, Ruel B, Seamark C, et al. Experiences of patients requiring strong opioid drugs for chronic non-cancer pain: a patient-initiated study. Br J Gen Pract. 2007;57(535):101-8.
  • 19. Kipel AGB. Prevalência da dor: mitos, medos e desacertos relacionados ao uso de analgésicos opiáceos. Texto & Contexto Enferm. 2004:13(2):303-8.
  • 20. Hovi SL, Lauri S. Patients' and nurses' assessment of cancer pain. Eur J Cancer Care. 1999;8(4):213-9.
  • 21. Vallerand AH. The use of long-acting opioids in chronic pain management. Nurs Clin North Am. 2003;38(3):435-45.
  • 22. Merril JM, Dale A, Thornby JI. Thanatophobia and opiophobia of hospice nurses compared with that of other caregivers. Am J Hosp Palliat Care. 2000;17(1):15-23.
  • 23. Rhodes VA, McDaniel RW. Nausea, vomiting, and retching: complex problems in palliative care. Cancer J Clin. 2001;51(4):232-48.
  • 24. Bennett DS, Carr DB. Opiophobia as a barrier to the treatment of pain. J Pain Palliat Care Pharmacother. 2002;16(1):105-9.
  • 25. Weinstein SM, Laux LF, Thornby JI, et al. Physicians' attitudes toward pain and the use of opioid analgesics: results of a survey from the Texas Cancer Pain Initiative. South Med J. 2000;93(5):479-87.
  • Endereço para correspondência:
    Dra. Maria Belén Salazar Posso
    Rua Iperoig, 749/111
    05016-000 São Paulo, SP
    E-mail:
  • *
    Recebido da Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP). São José dos Campos, SP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      19 Nov 2012
    • Aceito
      28 Jan 2013
    Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 cj 2, 04014-012 São Paulo SP Brasil, Tel.: (55 11) 5904 3959, Fax: (55 11) 5904 2881 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: dor@dor.org.br