Acessibilidade / Reportar erro

Relação entre dor crônica e atividade laboral em pacientes portadores de síndromes dolorosas

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O presente estudo objetivou identificar a influência da dor crônica no prejuízo da atividade laboral de pacientes atendidos no Serviço de Dor Crônica do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão. MÉTODOS: Realizou-se um estudo descritivo e transversal, com pacientes em tratamento de dor, por meio de dois questionários. Para obtenção dos dados clínicos, sociodemográficos, terapêuticos e ocupacionais foi elaborado uma ficha-protocolo, com questões acerca do gênero, idade, escolaridade, caracterização da dor, interferência da dor, tratamento proposto e status ocupacional. Para avaliação da qualidade de vida, foi utilizado o Medical Outcomes Study 36- Item Short-Form Health Survey (SF36). RESULTADOS: Foram entrevistados 74 pacientes, dos quais 25 (34%) eram do gênero masculino e 49 (66%) do gênero feminino. Cerca de 30% realizavam atividades de trabalho, enquanto 74,3% estavam inativos. Mais de 47% dos pacientes em atividade afirmaram que a dor sempre piorava durante a realização das atividades. Já no grupo de pacientes inativos, esta porcentagem foi de 80%. Houve diferença estatisticamente significante nos domínios "capacidade funcional", "dor", "vitalidade" e "aspectos sociais", sendo que o grupo de pacientes inativos apresentou os piores valores. CONCLUSÃO: Os pacientes entrevistados estavam predominantemente afastados de suas atividades de trabalho. Além disso, a maioria relatou que a realização das atividades laborais piora sempre o quadro álgico. Observou-se que o domínio que mais contribuiu para baixos valores no questionário SF36, foi aquele relacionado às limitações físicas no desempenho das atividades diárias e de trabalho.

Atividade laboral; Dor crônica; Qualidade de vida


BACKGROUND AND OBJECTIVES: This study aimed at identifying the impact of chronic pain on working activities of patients seen by the Chronic Pain Center of the Teaching Hospital, Federal University of Maranhão. METHODS: This is a descriptive and transversal study with patients being treated for pain, using two questionnaires. A card-protocol was developed for clinical, sociodemographic, therapeutic and occupational data collection, with questions about gender, age, education, type of pain, interference of pain, proposed treatment and occupational status. Medical Outcomes Study 36-Item Short Form Health Survey (SF 36) was used to evaluate quality of life. RESULTS: Participated in the study 74 patients, being 25 (34%) males and 49 (66%) females. Approximately 30% had some working activity, while 74.3% were inactive. More than 47% of active patients have stated that pain would always worsen during activities. Among inactive patients, this ratio was 80%. There has been statistically significant difference in "functional capacity", "pain", "vitality" and "social aspects" domains, being that the group of inactive patients had the worst scores. CONCLUSION: Respondents were predominantly inactive. In addition, most patients have reported that working activities would always worsen pain. It has been observed that the domain contributing the most for low SF36 questionnaire scores was that related to physical limitations to perform daily and working activities.

Chronic pain; Quality of life; Working activity


ARTIGO ORIGINAL

Relação entre dor crônica e atividade laboral em pacientes portadores de síndromes dolorosas * Endereço para correspondência: Beatriz Tavares Garcia Rua Santa Luzia, Q 27, C 05 - Bairro Quintas do Calhau 65072-008 São Luís, MA E-mail: beatriztgarcia@yahoo.com.br

Beatriz Tavares GarciaI; Erica Brandão Mores VieiraII; João Batista Santos GarciaIII

IUniversidade Federal do Maranhão; Faculdade de Medicina. São Luis, MA, Brasil

IIUniversidade Federal do Maranhão. São Luis, MA, Brasil

IIIUniversidade Federal do Maranhão; Hospital Universitário; Serviço de Dor e Cuidados Paliativos do Instituto Maranhense de Oncologia. São Luis, MA, Brasil

Correspondence Endereço para correspondência: Beatriz Tavares Garcia Rua Santa Luzia, Q 27, C 05 - Bairro Quintas do Calhau 65072-008 São Luís, MA E-mail: beatriztgarcia@yahoo.com.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O presente estudo objetivou identificar a influência da dor crônica no prejuízo da atividade laboral de pacientes atendidos no Serviço de Dor Crônica do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão.

MÉTODOS: Realizou-se um estudo descritivo e transversal, com pacientes em tratamento de dor, por meio de dois questionários. Para obtenção dos dados clínicos, sociodemográficos, terapêuticos e ocupacionais foi elaborado uma ficha-protocolo, com questões acerca do gênero, idade, escolaridade, caracterização da dor, interferência da dor, tratamento proposto e status ocupacional. Para avaliação da qualidade de vida, foi utilizado o Medical Outcomes Study 36- Item Short-Form Health Survey (SF36).

RESULTADOS: Foram entrevistados 74 pacientes, dos quais 25 (34%) eram do gênero masculino e 49 (66%) do gênero feminino. Cerca de 30% realizavam atividades de trabalho, enquanto 74,3% estavam inativos. Mais de 47% dos pacientes em atividade afirmaram que a dor sempre piorava durante a realização das atividades. Já no grupo de pacientes inativos, esta porcentagem foi de 80%. Houve diferença estatisticamente significante nos domínios "capacidade funcional", "dor", "vitalidade" e "aspectos sociais", sendo que o grupo de pacientes inativos apresentou os piores valores.

CONCLUSÃO: Os pacientes entrevistados estavam predominantemente afastados de suas atividades de trabalho. Além disso, a maioria relatou que a realização das atividades laborais piora sempre o quadro álgico. Observou-se que o domínio que mais contribuiu para baixos valores no questionário SF36, foi aquele relacionado às limitações físicas no desempenho das atividades diárias e de trabalho.

Descritores: Atividade laboral, Dor crônica, Qualidade de vida.

INTRODUÇÃO

A natureza complexa da dor crônica traz dificuldades de estimar sua prevalência na população em geral, pois exige uma abordagem multidimensional1 em que além dos fenômenos neurofisiológicos, engloba os aspectos psicológicos, cognitivos e comportamentais2.

A incidência da dor crônica no mundo oscila entre 7% e 40% da população. A dor afeta pelo menos 30 % dos indivíduos durante algum momento da sua vida e, em 10% a 40% deles, tem duração superior a um dia3. No Brasil, estudos mostram altas taxas de prevalência. Um estudo mostrou prevalência de 61,4% na população4 e outro encontrou prevalência de 41,4%5. Em São Luís, a prevalência encontrada foi de aproximadamente 42%6.

Cerca de 50% a 60% dos pacientes ficam parcial ou totalmente incapacitados, de maneira transitória ou permanente, comprometendo de modo significativo a qualidade de vida (QV), com impactos sociais e econômicos negativos. Consequentemente, muitos dias de trabalho podem ser perdidos por indivíduos portadores de dor crônica3.

A dor crônica de intensidade moderada a intensa ocorre em 19% dos europeus adultos, afetando seriamente a suas vidas profissionais7. No Brasil, em estudo realizado em pacientes com dor crônica, verificou-se que 94,9% apresentavam comprometimento da atividade profissional8.

Um recente estudo realizado na cidade de São Luís, analisando a intensidade da dor em pacientes em atividades remuneradas e pacientes em licença saúde, mostrou dor intensa em 48,6% e 60,9%, respectivamente. Essa pequena diferença evidencia que o fator intensidade da dor por si só, não definiria a incapacidade desses pacientes no que diz respeito à atividade laboral9.

O absenteísmo no trabalho por motivos relacionados à dor traz consequências à economia do país, pois predispõe a um número grande de gastos com auxílios-doença e aposentadorias por invalidez. Segundo o Boletim Estatístico da Previdência Social, no ano de 2012, o valor total dos benefícios emitidos atingiu mais de 4,5 bilhões de reais e em 2013, de janeiro a julho, superaram 2,9 bilhões. Em julho de 2013 o valor de beneficios emitidos foi de 437 milhões, sendo que mais de 44% desse total eram de auxílios-doença e 3,9% representavam aposentadorias por invalidez10.

No Serviço de Dor Crônica do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HUUFMA), observa-se um número elevado de pacientes que necessitam de laudos médicos para obterem afastamento de suas atividades laborais, alegando que a dor crônica interfere em sua atividade de trabalho. Portanto existe a necessidade do desenvolvimento de pesquisas que relacionem dor crônica e absenteísmo destas atividades. Os resultados poderão contribuir para revelar as causas e os fatores que influenciam o absenteísmo, possibilitando o desenvolvimento de intervenções preventivas e terapêuticas.

O objetivo deste estudo foi Identificar a influência da dor crônica no prejuízo da atividade laboral de pacientes atendidos no Serviço de Dor Crônica do HUUFMA, descrevendo a situação ocupacional destes pacientes, agravamento do quadro álgico durante a realização das atividades, falta e afastamento do trabalho, assim como, avaliar o impacto da dor crônica na QV destes pacientes.

MÉTODOS

Realizou-se um estudo descritivo e transversal, no período de janeiro a maio de 2013, com pacientes em tratamento de dor no Serviço de Dor Crônica do HUUFMA. O tipo de amostra utilizada foi de conveniência. Participaram do estudo pacientes que apresentavam dor por um período superior a seis meses e que se encontravam na idade mínima para o ingresso em qualquer atividade profissional, definida pelo Ministério do Trabalho como indivíduos com 16 anos ou mais. A seleção foi realizada por meio da escala de atendimento do Ambulatório de Dor Crônica que ocorre semanalmente. Os dados foram coletados durante o período de espera para a consulta.

Todos os sujeitos foram orientados quanto aos objetivos do estudo e quanto ao caráter voluntário e confidencial da sua participação. Sua concordância foi registrada com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Informado, aplicado em duas vias, sendo uma de posse do paciente e outra de posse do pesquisador.

Para obtenção dos dados clínicos, sociodemográficos, ocupacionais e terapêuticos foi utilizado um instrumento elaborado especificamente para este fim. Esta ficha-protocolo consistiu em informações como caracterização da dor e suas interferências, tratamento proposto e status ocupacional. A intensidade do quadro doloroso foi classificada, de acordo com a escala verbal, em leve, moderada e intensa. O tempo de início da dor foi registrado em meses e os diagnósticos, quando não relatados pelos pacientes, foram pesquisados nos prontuários.

Para avaliação da QV, foi utilizado o Medical Outcomes Study 36 - Item Short-Form Health Survey (SF36) que é um instrumento genérico, multidimensional, validado para língua portuguesa em 1997, por Ciconelli11. É composto por 36 itens agrupados em 8 domínios: capacidade funcional (desempenho das atividades diárias, como capacidade de cuidar de si, vestir-se, tomar banho e subir escadas); aspectos físicos (impacto da saúde física no desempenho das atividades diárias e/ou profissionais); dor (nível de dor e o impacto no desempenho das atividades diárias e/ou profissionais); estado geral de saúde (percepção subjetiva do estado geral de saúde); vitalidade (percepção subjetiva do estado de saúde); aspectos sociais (reflexo da condição de saúde física nas atividades sociais); aspectos emocionais (reflexo das condições emocionais no desempenho das atividades diárias e ou profissionais); saúde mental (escala de humor e bem-estar). A variação do escore vai de zero a 100, onde zero representa um maior comprometimento da QV e 100 um menor comprometimento da QV.

Foi criado um banco de dados utilizando-se o software Microsoft Office Excel 2013. A análise estatística foi realizada por meio do Stata 10.0 (Stata Corp., College Station, USA). Os resultados das questões sociodemográficas, clínicas, terapêuticas e ocupacionais foram expressos por meio de frequências com porcentagem e médias ± desvios padrão. O teste t de Student foi utilizado para comparar as variáveis numéricas e o teste do Qui-quadrado foi utilizado para variáveis categóricas, cuja variável dependente do estudo foi a situação ocupacional. As respostas do SF-36 foram recodificadas de acordo com as instruções do grupo de trabalho do SF-36. Para cada um dos oito domínios foi obtida a média do escore com valores variando de zero a 100. Após análise descritiva dos dados foram feitas comparações entre as médias de cada domínio do SF-36 em relação à situação ocupacional, foi utilizado o teste t de Student. Considerou-se valor de p < 0,05 como estatisticamente significante.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão com parecer de nº 275.495.

RESULTADOS

Foram entrevistados 74 pacientes, dos quais 25 (34%) eram do gênero masculino e 49 (66%) do gênero feminino. A idade média foi de 45,24 ± 9,89 anos. Separou-se a amostra em dois grupos para melhor apresentação dos resultados, um grupo de pacientes que exerciam atividade remunerada e outro grupo que estava inativo. Houve um predomínio de pacientes do gênero masculino e com menor renda no grupo de pacientes inativos, com diferença estatisticamente significante. Os resultados sociodemográficos estão apresentados na tabela 1.

Os principais diagnósticos encontrados no grupo de pacientes em atividade foram lombalgia e dor neuropática, ambos com 26,3% do total e a maioria dos pacientes inativos (49%) teve a lombalgia como principal diagnóstico.

Considerando separadamente os pacientes que exerciam atividade remunerada, que correspondiam a um total de 19 pacientes, a média de tempo de início da dor foi de 95,1 ± 49 meses. A maioria destes pacientes referia dor de moderada intensidade (52,6%), com irradiação (63,1%) e contínua (57,9%). A principal característica da dor citada foi dor em peso (57,9%). Cerca de 26,3% relataram que quase sempre apresentavam alterações durante o movimento e em relação ao sono, 42,1% referiram que às vezes apresentavam dificuldade ao dormir.

No grupo de pacientes inativos, que correspondiam a um total de 55 pacientes, a média de tempo de início da dor foi de 109,8 meses. Mais da metade (60%) referiu apresentar dor moderada, de acordo com a escala verbal. Aproximadamente 62% apresentavam dor contínua e 80% dor com irradiação. A dor em queimação foi citada por cerca de 56,3%, seguida da dor em peso (52,7%). O movimento e o sono estavam sempre alterados em 40% e 41,8%, respectivamente. Houve diferença estatisticamente significante apenas na interferência da dor no sono, o qual se encontrava mais alterado no grupo de pacientes inativos (Tabela 2).

Apenas 5,2% dos pacientes do grupo que estava em atividade, não faziam uso de fármacos para dor. Em relação aos que estavam em tratamento farmacológico, observou-se que os principais fármacos utilizados foram os analgésicos não opioides (47,3%), seguido de anticonvulsivantes e antidepressivos, ambos com 36,8%. Dentre os pacientes que realizavam tratamento não farmacológico, a fisioterapia foi citada em 31,5%, seguido da hidroterapia (15,8%). Apenas 21% neste grupo, realizaram algum tipo de tratamento invasivo. A maioria dos pacientes era fiel ao tratamento proposto (68,4%) e apontaram dor intensa (84,2%) antes de o tratamento proposto ser realizado. Neste grupo, cerca de 73,6% concordavam totalmente com a afirmativa de que o tratamento proposto iria melhorar o quadro doloroso.

No grupo de pacientes inativos, a porcentagem de pacientes que não fazia uso de fármacos foi de 16,3%. A classe de fármacos mais utilizada foram os antidepressivos (40%), seguido dos opioides e anticonvulsivantes, ambos com 32,7%. Aproximadamente 33% não realizava nenhuma modalidade de tratamento não farmacológico e dentre os que realizavam, a fisioterapia foi citada em mais da metade dos pacientes (52,7%) e 38,2% realizavam algum tipo de tratamento invasivo. A fidelidade ao tratamento foi de 69% e 90,9% relataram dor intensa antes do tratamento proposto. Cerca de 47,2% concordavam totalmente com a afirmativa de que o tratamento proposto iria melhorar o quadro doloroso. Os pacientes em atividade realizavam menos tratamento não farmacológico em comparação aos pacientes inativos, sendo esta diferença estatisticamente significante (Tabela 3).

Cerca de 47,3% dos pacientes em atividade afirmaram que a intensidade da dor sempre piorava durante a realização de suas atividades de trabalho, 47,3% referiram que às vezes faltavam ao trabalho por motivo de dor e 31,5% não concordaram, nem discordaram quando questionados se sua dor era motivo para obter aposentadoria. Já o grupo de pacientes inativos, quando questionados com que frequência a realização das atividades de trabalho pioravam o quadro álgico, 80% afirmaram que sempre. Cerca de 34,5% referiram que, quando exerciam suas atividades, sempre faltavam ao trabalho por motivo de dor e a maioria (31%) concordaram totalmente que sua dor era motivo para obter aposentadoria. Os pacientes inativos apresentavam expressiva piora da dor com a realização de suas atividades laborais, assim como faltavam mais ao trabalho por motivo de dor, esta diferença encontrada foi estatisticamente significante (Tabela 4).

Dentre os inativos, 7 pacientes (12,7%) já haviam se aposentado, 29 (52,7%) estavam em licença saúde e 19 pacientes ou 34,6% estavam inativos por outro motivo, como desemprego ou não possuíam nenhuma atividade laboral.

O tempo médio de licença saúde encontrado foi de 35,14 ± 27,61 meses e dentre os pacientes que se encontrava em licença, 34,4% referiram que em algum momento do tratamento tiveram sua licença suspensa, e quando retornaram ao trabalho, todos apresentaram volta ou intensificação do quadro álgico (Tabela 5).

Quanto à avaliação da qualidade de vida, a média dos valores obtidos variou bastante entre os domínios do SF-36. Para melhor compreensão dos resultados foi calculado os valores do grupo de pacientes em atividade e do grupo de pacientes inativos, separadamente.

Os piores escores foram observados nos domínios "limitação por aspectos físicos", "dor" e "estado geral de saúde" em ambos os grupos. No grupo de pacientes em atividade, o melhor escore obtido foi no domínio "limitação por aspectos emocionais" (68,4), quanto ao grupo de pacientes inativos o melhor escore observado foi no domínio "saúde mental" (56). Houve diferença estatisticamente significante nos domínios "capacidade funcional", "dor", "vitalidade" e "aspectos sociais", sendo que o grupo de pacientes inativos apresentou os piores valores (Tabela 6).

DISCUSSÃO

Conforme evidenciado neste estudo, existe uma forte interferência da dor na vida ocupacional dos pacientes portadores de dor crônica, uma vez que 74% dos pacientes entrevistados estavam afastados de suas atividades de trabalho. Um estudo realizado em um ambulatório de dor na Bahia também evidenciou valores semelhantes, no qual quase 70% estavam sem atividade remunerada12.

Tanto pacientes ativos, quanto inativos relataram piora do quadro álgico com a realização de suas atividades laborais, mas a falta ao trabalho foi mais predominante em pacientes inativos. Esta ideia é compartilhada por Saastamoinen et al.13 em estudo realizado em uma cidade europeia, no qual 20% dos pacientes com dor crônica referiam incapacidade e moderada a forte limitação na realização de suas atividades. Outro estudo realizado no Canadá evidenciou resultados ainda superiores, pois mais de 60% dos entrevistados frequentemente apresentavam tais limitações14. Breivik et al.7 em um estudo europeu, encontrou uma média de 8,6 dias de trabalho perdidos em pacientes com dor crônica.

A média de idade nos dois grupos encontrava-se na quarta década de vida. Este resultado é bastante semelhante ao encontrado em estudo no mesmo serviço de dor no período de 2006 a 2010, com pacientes em atividade e inativos por licença saúde, no qual a média foi de 46 e 45 anos, respectivamente9. Observa-se que esta faixa etária está situada na população em idade produtiva e a interferência da dor crônica na vida ocupacional desses pacientes gera problemas econômicos graves, como altas taxas de licenças-saúde e aposentadorias por invalidez.

A maior prevalência de dor crônica foi encontrada no gênero feminino quando consideramos o total de pacientes estudados (66%). Esses valores são compatíveis com um estudo realizado em um centro de dor crônica na cidade de São Paulo, que encontrou prevalência de dor no gênero feminino de 62,4%15, assim como em um estudo realizado na cidade de São Luís, cuja prevalência foi de 66,4%6. Entretanto, analisando o grupo inativo houve maior prevalência no gênero masculino (58,2%). Essa diferença de prevalência entre o gênero nos dois grupos pode ser atribuída à distribuição ocupacional entre os gêneros, uma vez que os homens são mais frequentemente submetidos à diferentes exposições de trabalho, principalmente no que diz respeito a força física.

Alguns autores relatam que a dor entre os pacientes que realizam atividades que exigem trabalho físico árduo pode ser mais pronunciada do que naqueles que realizam um trabalho físico menos exigente13 e este fato relaciona-se intimamente com a renda e escolaridade, pacientes com baixos níveis educacionais geralmente recorrem a atividades que requerem maior esforço físico. No presente estudo, observou-se menor renda entre os pacientes inativos, porém não foi observada diferença quanto à escolaridade.

Neste estudo, assim como o de outros autores9 não foi possível estabelecer que a intensidade da dor fosse motivo para afastamento das atividades laborais. Observou-se dor intensa em porcentagens semelhantes para o grupo de pacientes em atividade e pacientes inativos.

A lombalgia foi o diagnóstico mais encontrado nos pacientes inativos. Este resultado está de acordo com o encontrado em um estudo realizado na Irlanda por Raftery et al.16 no qual a lombalgia foi encontrada em 47,2% dos pacientes portadores de dor crônica.

Da mesma maneira Ramage-Morin no Canadá encontrou 33,6%. Estudo relata que a lombalgia está entres as principais causas de absenteísmo por motivo de doença, juntamente com a depressão e a hipertensão arterial17. Meziat Filho e Silva concluíram que a dor nas costas foi a primeira causa de invalidez e de auxílio-doença no Brasil em 2007, causando um prejuízo econômico extremamente elevado para a sociedade18.

A porcentagem dos pacientes que não fazem uso de fármacos para dor foi maior no grupo de inativos. Esses valores são menores que os encontrados em um estudo realizado na Holanda, onde as taxas de pacientes que não recebem nenhum tratamento variaram de 24,8% a 43%19. Esperava-se que pelo fato do quadro álgico afastar esses pacientes do trabalho fosse utilizado mais analgésico para controle da dor, fato não observado neste estudo.

Foi observado também que uma grande parcela dos pacientes não realiza tratamentos não farmacológicos, chegando a mais de 60% nos pacientes em atividade. Fato que está em concordância com Dellaroza et al.20 que relatam que apesar de eficazes e seguras, estas terapias são pouco utilizadas pelos indivíduos com dor crônica. Sabe-se que a terapêutica farmacológica é a mais eficaz e em algumas situações indispensável para o controle da dor, entretanto já está comprovado que a associação de terapêuticas não farmacológicas diminui a necessidade de fármacos, o que pode minimizar o risco de efeitos adversos, assim como a dependência de analgésicos, podendo levar a uma melhora na qualidade de vida desses pacientes21.

As taxas de tratamento invasivo foram maiores no grupo de pacientes afastados de suas atividades de trabalho do que nos pacientes ativos, talvez pela refratariedade à terapêutica. Nos Estados Unidos, os custos com injeções peridurais de esteroides, analgésicos opioides para dor nas costas, ressonância magnética lombar e fusão cirúrgica da coluna cresceram, respectivamente, 629%, 423%, 307% e 220% nas últimas décadas. Entretanto, esse aumento no custo não foi acompanhado pela diminuição nas taxas de incapacidade laborativa na população portadora de lombalgia18.

No presente estudo, alguns pacientes só retomaram suas atividades laborais quando houve suspensões das suas licenças saúde e todos os pacientes que retomaram suas atividades de trabalho, relataram piora ou retorno imediato do quadro doloroso. Os trabalhadores encaminhados ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) retornam para seu emprego em consequência de sua concessão de auxílio doença cancelados, com alta para o trabalho mesmo sem condições de exercê-lo com saúde e dignidade22. Seria interessante reavaliar a concessão de benefícios pela Previdência Social9, a fim de evitar licenças desnecessárias, assim como suspensões indevidas.

Os resultados obtidos por meio do questionário SF36 nos indicaram que os domínios que abordam o impacto da dor, estado geral de saúde e principalmente o reflexo das condições físicas no desempenho das atividades diárias e/ou profissionais, são os mais afetados nos pacientes com dor crônica. Outros estudos encontraram resultados bem semelhantes, principalmente nos domínios "dor" e "limitação por aspectos físicos".12,23

O menor escore obtido em ambos os grupos foi encontrado no domínio "aspectos físicos", isto demonstra o quanto a dor crônica afeta o desempenho dos pacientes, diminuindo de forma bem expressiva a qualidade de vida e sua atividade laboral. Entretanto os valores de limitação por "aspectos emocionais" foram elevados nos dois grupos. Ainda no presente estudo, embora seja conhecido que a dor crônica afeta diretamente a vida social dos seus portadores, encurtando momentos de lazer6, o domínio "aspectos sociais" obteve valores também elevados nos dois grupos, indicando que apesar da dor, os pacientes mantêm suas atividades sociais.

Era de se esperar que escores menores fossem encontrados no grupo de pacientes afastados de suas atividades laborais. Estes dados suscitam a hipótese de um papel relevante de possíveis ganhos secundários com a manutenção da dor, dos pacientes afastados de suas atividades.

Todos os escores avaliados pelo SF36 foram melhores no grupo de pacientes em atividade; este resultado está de acordo com um estudo realizado com pacientes idosos, no qual os entrevistados que exerciam atividade de trabalho após a aposentadoria apresentaram maior pontuação em todos os domínios avaliados pelo SF-3624. Este é um raro estudo que compara atividade laboral e QV através do SF36.

É interessante observar que, assim como no estudo de Brasil et al.23 o domínio "saúde mental", que se refere à escala de humor e bem-estar, obteve o maior escore (56) nos pacientes inativos, em relação aos demais domínios e o segundo maior escore no grupo de pacientes em atividade (63,5) sugerindo que, apesar da dor e dos reflexos que causa, os indivíduos conseguem lidar com a situação. Sustentando mais uma vez a possibilidade de ganho secundário com a dor.

Dessa forma, os problemas originados pela dor crônica, no âmbito ocupacional, implicam na diminuição da produtividade, aumento do absenteísmo e restrições financeiras. Para melhor controle e a prevenção do absenteísmo por motivo de dor, além de um tratamento e acompanhamento adequados desses pacientes, é necessário conhecer os fatores sociais, comportamentais e trabalhistas envolvidos.

CONCLUSÃO

Os pacientes entrevistados estavam predominantemente afastados de suas atividades de trabalho por motivo de dor. Além disso, a maioria relatou que a realização das atividades laborais piora sempre o quadro álgico e a falta ao trabalho foi mais significativa no grupo de pacientes inativos. O retorno às atividades laborais, só ocorreu naqueles pacientes que tiveram suas licenças saúde suspensas e todos os que retomaram suas atividades de trabalho, relataram piora ou retorno imediato do quadro doloroso.

Observou-se que o domínio que mais contribuiu para baixos valores no questionário SF36, foi aquele relacionado às limitações físicas no desempenho das atividades diárias e de trabalho. Isso reforça a ideia de que o impacto da dor crônica na atividade laboral, afeta de maneira considerável a QV.

Portanto, entende-se que o tema estudado é muito importante para sociedade acadêmica e população em geral. O desenvolvimento de novos estudos nesta área se faz necessário, principalmente estudos em longo prazo, com acompanhamento dos pacientes, otimização do tratamento, retorno as atividades profissionais e mensuração dos indicadores de qualidade de vida em vários momentos do tratamento.

Apresentado em 01 de junho de 2013.

Aceito para publicação em 09 de setembro de 2013.

Conflito de interesses: Nenhum.

* Recebido do Hospital Universitário da Universidade Federal do maranhão. São Luis, MA.

  • 1. Verhaak PF, Kerssens JJ, Dekker J, et al. Prevalence of chronic benign pain disorder among adults: a review of the literature. Pain. 1998;77(3):231-9.
  • 2. Pereira MCR, Tramunt G, Dal Ponte ST, et al. Opióides no tratamento de dor crônica não oncológica: metadona como opção terapêutica. Rev Dor. 2007;8(2):1010-3.
  • 3. Blyth F. Chronic pain--is it a public health problem? Pain. 2008;137(3):465-6.
  • 4. Kreling MCGD, Cruz DALM, Pimenta CAM. Prevalência de dor crônica em adultos. Rev Bras Enferm. 2006;59(4):509-13.
  • 5. Sá K, Baptista AF, Matos MA, et al. Prevalência de dor crônica e fatores associados na população de Salvador, Bahia. Rev Saúde Públ. 2009;43(4):622-30.
  • 6. De Moraes Vieira EB, Garcia JB, Da Silva AA, et al. Prevalence, characteristics, and factors associated with chronic pain with and without neuropathic characteristics in São Luís, Brazil. J Pain Symptom Manage. 2012;44(2):239-51.
  • 7. Breivik H, Collett B, Ventafridda V, et al. Survey of chronic pain in Europe: prevalence, impact on daily life, and treatment. Eur J Pain. 2006;10(4):287-333.
  • 8. Teixeira MJ, Shiabata MK, Pimenta CAM, et al. Dor no Brasil: estado atual e perspectivas. Dor: conceitos gerais. São Paulo (SP): Limay; 1995.
  • 9. Garcia JBS, Torres Neto E. Atividade laboral em pacientes atendidos em um serviço ambulatorial de dor crônica. Rev Dor. 2011;12(3):215-20.
  • 10
    Ministério da Previdência Social. Disponível em: <http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.php?id=423>. Acesso em: 4 set. 2013.
    » link
  • 11. Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, et al. Tradução para língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol. 1999;39(3):143-50.
  • 12. Castro MMC, Quarantini LC, Daltro C, et al. Comorbidade de sintomas ansiosos e depressivos em pacientes com dor crônica e o impacto sobre a qualidade de vida. Rev Psiq Clín. 2011;38(4):126-9.
  • 13. Saastamoinen P, Leino-Arjas P, Laaksonen M, et al. Socio-economic differences in the prevalence of acute, chronic and disabling chronic pain among ageing employees. Pain. 2005;144(3):364-71.
  • 14. Ramage-Morin PL, Gilmour H. Chronic pain at ages 12 to 44. Health Rep. 2010;21(4):53-61.
  • 15. Ferreira KASL, De Siqueira SRDT, Teixeira MJ. Características demográficas, da dor e do tratamento dos pacientes atendidos em centro multidisciplinar de dor. Cad Saúde Colet. 2008;16(3):449-70.
  • 16. Raftery MN, Sarma K, Murphy AW, et al. Chronic pain in the Republic of Ireland-community prevalence, psychosocial profile and predictors of pain-related disability: results from the Prevalence, Impact and Cost of Chronic Pain (PRIME) study, part 1. Pain. 2011;152(5):1096-103.
  • 17. Santos JPD, Mattos APD. Absentismo-doença na prefeitura municipal de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Rev Bras Saúde Ocup. 2010;35(121):148-56.
  • 18. Meziat Filho N, Silva GA. Invalidez por dor nas costas entre segurados da Previdência Social do Brasil. Rev Saúde Públ 2011;45(3):494-502.
  • 19. Bekkering GE, Bala MM, Reid K, et al. Epidemiology of chronic pain and its treatment in The Netherlands. Neth J Med. 2011;69(3):141-53.
  • 20. Dellaroza MS, Furuya RK, Cabrera MA, et al. Characterization of chronic pain and analgesic approaches among community-dwelling elderly. Rev Assoc Med Bras. 2008;54(1):36-41.
  • 21. Stefane T, Santos AM, Marinovic A, Hortense P. Dor lombar crônica: intensidade de dor, incapacidade e qualidade de vida. Acta Paul Enferm. 2013;26(1):14-20.
  • 22. Oliveira AMR. Qualidade de vida no trabalho-trabalhadores que convivem com dor crônica--o que eles esperam das empresas. Rev Bras Qual Vida 2011;3(2):33-42.
  • 23. Brasil VV, ZattaII LT, Cordeiro JABL, et al. Qualidade de vida de portadores de dores crônicas em tratamento com acupuntura. Rev Eletr Enferm. 2008;10(2):383-94.
  • 24. Pimenta FA, Simil FF, Tôrres HO, et al. Retiree quality of life assessment with SF-36 questionnaire. Rev Assoc Med Bras 2008;54(1):55-60.
  • Endereço para correspondência:
    Beatriz Tavares Garcia
    Rua Santa Luzia, Q 27, C 05 - Bairro Quintas do Calhau
    65072-008 São Luís, MA
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      01 Jun 2013
    • Aceito
      09 Set 2013
    Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 cj 2, 04014-012 São Paulo SP Brasil, Tel.: (55 11) 5904 3959, Fax: (55 11) 5904 2881 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: dor@dor.org.br