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Recomendações para uso de opioides no Brasil: parte I

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O emprego adequado de opioides ainda é um grande desafio no mundo contemporâneo. Diversas são as inadequações na prática clínica, apesar do uso desses agentes ter se iniciado desde a década de 1980. Compreendendo a importância desse tema, a Sociedade Brasileira de Estudo da Dor convidou vários profissionais para desenvolver recomendações que facilite; baseado na literatura médica existente, a composição de um guia prático para o tratamento adequado dos pacientes. CONTEÚDO: Nessa revisão foram discutidas as seguintes recomendações: indicação de terapia com opioides, sua titulação e retirada; rotação de opioides, monitoração de resultados, evidenciando a boa prática clínica. CONCLUSÃO: É importante eleger de maneira adequada os pacientes que utilizarão opioide em longo prazo, avaliando os efeitos adversos e adequando a dose a cada situação clínica.

Dor crônica; Opioide; Uso prolongado


BACKGROUND AND OBJECTIVES: The adequate use of opioids is still a major challenge to date. There are several mismatches in the clinical practice although these agents have started to be used in the 1980s. Understanding the importance of such subject, the Brazilian Society for the Study of Pain has invited a number of professionals to develop recommendations, based on existing literature, to help the composition of a practical guide for patients' adequate treatment. CONTENTS: This review has discussed the following recommendations: indication of opioid therapy, its titration and weaning; opioids rotation and monitoring of results, thus evidencing good clinical practice. CONCLUSION: It is important to adequately elect patients to receive long-term opioids, by evaluating adverse effects and matching the dose to each clinical situation.

Chronic pain; Long-term use; Opioid


ARTIGO DE REVISÃO

Recomendações para uso de opioides no Brasil: parte I* * Recebido da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor, São Paulo, SP, Brasil.

Durval Campos KraycheteI; José Tadeu Tesseroli de SiqueiraII; João Batista Santos GarciaIII; Grupo de Especialistas

IUniversidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil

IIUniversidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

IIIUniversidade Federal do Maranhão, São Luis, MA, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Durval Campos Kraychete Rua Rio de São Pedro, 327/401 - Bairro Graça 40150-350 Salvador, BA, Brasil E-mail: dkt@terra.com.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O emprego adequado de opioides ainda é um grande desafio no mundo contemporâneo. Diversas são as inadequações na prática clínica, apesar do uso desses agentes ter se iniciado desde a década de 1980. Compreendendo a importância desse tema, a Sociedade Brasileira de Estudo da Dor convidou vários profissionais para desenvolver recomendações que facilite; baseado na literatura médica existente, a composição de um guia prático para o tratamento adequado dos pacientes.

CONTEÚDO: Nessa revisão foram discutidas as seguintes recomendações: indicação de terapia com opioides, sua titulação e retirada; rotação de opioides, monitoração de resultados, evidenciando a boa prática clínica.

CONCLUSÃO: É importante eleger de maneira adequada os pacientes que utilizarão opioide em longo prazo, avaliando os efeitos adversos e adequando a dose a cada situação clínica.

Descritores: Dor crônica, Opioide, Uso prolongado.

INTRODUÇÃO

O emprego de opioide de maneira correta e monitorada ainda é um desafio ao profissional de saúde. Desse modo, por iniciativa de um grupo de especialistas, com a validação institucional da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED), optou-se por publicação que tem como principal proposta apresentar recomendações que orientem os profissionais da saúde para o uso de opioides no controle da dor crônica e aguda. Nesse panorama, serão discutidos progressivamente: indicação de terapia com opioides, sua titulação e retirada; rotação de opioides, monitoração de resultados; situações clínicas dos pacientes e populações específicas; adição, abuso e dependência; efeitos adversos; bem como todos os pilares do tratamento, com o intuito de otimizar os resultados da terapêutica com essa classe de fármacos. As recomendações apresentadas nesta e em futuras publicações de maneira sequenciada têm como proposta iniciar a composição de um guia prático para o tratamento adequado dos pacientes, divulgar as recomendações disponíveis em relação ao uso de opioides em diversas situações clínicas; estimular a pesquisa relacionada à segurança e à efetividade dos opioides e desmitificar a associação inadequada entre adição/dependência e o uso de opioides.

INDICAÇÃO DE TERAPIA COM OPIOIDES

Antes de iniciar a terapia com opioide, é fundamental ter a documentação completa do paciente; que inclui os seguintes dados: 1) avaliação da dor; 2) quadro clínico geral; 3) história psicossocial; 4) condições psiquiátricas; 5)eventual abuso de substância ilícita1,2; termo de consentimento informado para o uso de opioide (portaria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) nº 859 de 12/11/2002) (Figura 1).


Observações:

• Preenchimento completo deste Termo e sua respectiva assinatura são imprescindíveis para o fornecimento dos fármacos.

• Este Termo será preenchido em duas vias ficando uma arquivada na farmácia responsável pela dispensação dos medicamentos e outra no prontuário do paciente.

ANAMNESE E AVALIAÇÃO DA DOR

A avaliação da dor deve constar da anamnese do paciente que, além do diagnóstico da doença de base, inclui uma escala de intensidade da dor (numérica ou visual) como ferramenta para avaliar em qual patamar o paciente se encontra da classificação de avaliação da dor em três degraus proposta pela Organização Mundial de Saúde (OMS)3,4. Foi sugerido que um quarto degrau, chamado de "intervencionista", seja adicionado à escada original da OMS, porque, apesar da maior parte das dores oncológicas serem efetivamente tratadas com opioides ou em combinação com fármacos não opioides e adjuvantes, nem todas as dores conseguem ser aliviadas com esta estratégia5,6. (Figura 2).


Nos antecedentes pessoais, deve constar eventuais uso de fármacos e/ou procedimentos realizados. Também, é importante caracterizar o impacto da dor na atividade diária do paciente: no trabalho, na escola, no lar e nos momentos de lazer, além de sua condição psicossocial. Na história do emprego de substâncias psicoativas que envolvam abuso e/ou dependência, procura-se identificar se o paciente ou os familiares têm histórico de uso ou participaram de programas de tratamento para substância com risco de adição, incluindo pesquisa na urina e no sangue de algumas das substâncias identificáveis, como álcool, maconha, tabaco, benzodiazepínicos, opioides, cocaína, anfetamina, barbitúricos, alucinógenos e solventes7. Para os pacientes que fazem uso de benzodiazepínicos, em particular os idosos, há a necessidade de cuidados especiais; nestes casos, a titulação de opioides deve ser feita lenta e progressivamente.

TITULAÇÃO E RETIRADA DE OPIOIDES

A titulação, método empregado para determinar a dose ideal de uma substância, consiste em empregar a menor dose preconizada (Tabela 1) de um dado analgésico opioide, e aumentar gradativamente até a obtenção de uma analgesia efetiva, com efeitos adversos toleráveis. Opioides de curta ação devem ser utilizados durante o período inicial de titulação e convertidos às formulações de longa duração quando a dose efetiva for atingida e estabilizada. O objetivo do tratamento é determinar uma dose de opioide que melhore a função e/ou reduza a intensidade da dor em pelo menos 30%8. Assim, os opioides devem ser titulados em pacientes que: 1) nunca utilizaram esses fármacos e que necessitem iniciar tratamento; 2) estão em tratamento com opioides fracos ou fortes, apresentando efeitos adversos graves ou intoleráveis, ou que necessitem de rotação de opioides; 3) não estão mais respondendo a opioides fracos, requerendo a troca por opioides fortes; 4) estão recebendo opioides fortes e requerendo doses mais elevadas (pelo aumento da intensidade da dor ou pelo desenvolvimento de tolerância) mesmo quando em associação com fármacos adjuvantes; 5) estão sofrendo intensamente e necessitam de intervenção rápida e efetiva, devido a prévio e persistente subtratamento9,10. Por outro lado, a dose ótima do opioide deve ser avaliada através do balanço de três fatores: a) efetividade: redução em 30 a 50% na intensidade inicial da dor ou melhora de fatores relacionados a qualidade de vida (nível de atividades no trabalho e em casa, hábitos de alimentação, grau de autonomia, aspectos cognitivos, qualidade do sono; e nível de atividades sociais); b) dose platô: quando o aumento da dose não melhora analgesia. Isso está relacionado à dose máxima efetiva; c) efeitos adversos: devem ser avaliados e controlados desde o início do tratamento. Lembrar que para pacientes com risco de abuso, deve haver monitoração rigorosa de sinais suspeitos de comportamento aberrantes11.

A titulação termina quando: 1) a dose ótima (efetiva e estável) é alcançada; 2) o resultado favorável não é atingido por conta de analgesia insuficiente depois do aumento de duas ou três doses; 3) ocorrem efeitos adversos não toleráveis ou outras complicações médicas (interações indesejadas, comorbidades); 4) existem evidências de uso abusivo ou dependência. Por outro lado, os opioides devem ser descontinuados quando: 1) o quadro doloroso que gerou a prescrição estiver resolvido; 2) o paciente permanece sem responder a qualquer fármaco mesmo quando houve rotação de opioides; 3) houve emprego altas doses de opioides e o paciente, mesmo com alívio parcial da dor, mantém-se incapacitado; 4) existem comportamentos aberrantes (uso abusivo) e/ou efeitos adversos intoleráveis12.

As recomendações para a retirada, baseada em evidências e diretrizes específicas, são conflitantes. De modo geral, se a retirada for lenta, será feita redução de 10% da dose total diária a cada semana, e na redução rápida, 25 a 50% a cada dois ou três dias. É recomendada a retirada mais prolongada nos casos de pacientes com transtornos de ansiedade, dependentes de opioides, nos que apresentam comorbidade cardiorrespiratória, e para aqueles que prefiram a retirada lenta13.

A dose deve ser mantida ou aumentada se o paciente, durante a retirada, apresentar síndrome de abstinência, aumento significativo da dor ou alteração da qualidade de vida. A retirada pode demorar entre duas a três semanas até três a quatro meses e é necessário evitar o uso de fármacos sedativos, especialmente os benzodiazepínicos14.

É importante salientar que durante a gravidez a sua retirada aguda tem sido associada ao parto prematuro e aborto espontâneo, além de risco à saúde materna. Também, em pacientes psiquiátricos, a retirada pode causar aumento significativo da ansiedade e da insônia, devendo-se ter cuidado especial em pacientes com comorbidades que podem ser agravadas pela ansiedade. Recomenda-se que pacientes com comportamento aberrante sejam encaminhados para um programa de reabilitação especializado. Pode-se concluir que o processo de retirada requer visita médica frequente, avaliação da dor, dos sintomas de abstinência e dos benefícios alcançados15.

ROTAÇÃO DE OPIOIDES

Implica na prática de mudar de um opioide para outro quando o paciente experimenta um declínio na eficácia terapêutica, ou quando a analgesia está associada a efeitos adversos que comprometem a qualidade de vida. A incidência dessa prática varia de 15 a 40%16.

A rotação do opioide pode reduzir os efeitos adversos ou aliviar a dor de forma adequada em 50 a 70% dos pacientes com câncer. As razões que embasam a opção de mudar o opioide são pouco estudadas e complexas, envolvendo fatores farmacocinéticos e farmacodinâmicos, como aumento do metabolismo do fármaco ou a redução da sensibilidade do receptor para o opioide. Ao pensar em mudar o opioide é necessário entender que a eficácia da técnica está relacionada a diferenças entre as potências desses agentes e a variedade da ação do opioide no receptor17.

Razões para a rotação de opioides

O aumento da intensidade da dor ou dos efeitos adversos ocorre normalmente por progressão de doença, tolerância, polimorfismo genético e absorção inadequada do agente (inabilidade para engolir, hipotensão arterial, edema - limitando o transporte transdérmico) Além disso, a mulher parece apresentar melhor resposta ao opioide que o homem17. Polimorfismo genético em genes que codificam a catecol-O-metiltransferase pode afetar o requerimento de morfina, a densidade de receptores do tipo µ e o grau de efeitos adversos no sistema nervoso central. Diferenças genéticas também podem interferir no metabolismo do opioide, com metabolizadores ultrarrápidos, impactando na resposta ao tratamento. De 1 a 7% da população possuem variantes alélicos do gene CYP2D6 que facilitam o metabolismo desses fármacos, aumentando a toxicidade devido à rápida conversão para moléculas ativas (com acúmulo de metabólitos) ou mais potentes. Por outro lado, 7% da população branca, é metabolizador lento. Desse modo, o emprego de polifarmácia com agentes que utilizam a via CYP de isoenzimas, causa redução da depuração de cada fármaco. O uso de opioides que utilizam a via de metabolismo por glicuronidação (hidromorfona) pode ser uma alternativa para reduzir essas complicações18. Do mesmo modo, os efeitos adversos se tornam de difícil manuseio quando existe interação com outros fármacos, alteração da ligação a proteínas (maior fração livre do agente) e insuficiência renal crônica. A tolerância ao opioide deve ser considerada, assim como a tolerância cruzada para ação no receptor. A tolerância cruzada parece, entretanto, ser incompleta ou assimétrica tanto em animais de experimentação como em humanos, facilitando a hipótese de que rotar o opioide pode causar uma melhora da analgesia19.

Pode-se concluir, então, que são razões para a rotação do opioide:

• Dor > a 4 (escala numérica da dor), a despeito do aumento da dose do agente;

• Desenvolvimento de tolerância;

• Pouca resposta ao opioide de primeira linha;

• Inabilidade para tolerar a dose efetiva;

• Quando se ultrapassa a dose máxima permitida para cada fármaco (para codeína é 360mg e para o tramadol é 600mg);

• Presença de efeitos adversos (mioclonia, constipação, náuseas, vômitos, disforia, delirium e sedação excessiva);

• Inabilidade para engolir (incluindo pacientes em nutrição parenteral total);

• Necessidade de vias alternativas para administração da medicação (pacientes com alteração de fluxo sanguíneo periférico e com pouca absorção de medicações transdérmicas);

• Redução do custo do tratamento;

• Não aceitação do fármaco pelo paciente;

• Impossibilidade de alcançar concentração sanguínea adequada;

• Quadro clínico de hiperalgesia20.

Dificuldades na rotação de opioides

Os erros mais comuns na rotação de opioides estão relacionados à dose incorreta de conversão para nova via de administração; dificuldade para titulação da dose; e emprego inadequado dos adjuvantes21. Dose equianalgésica é definida como frequência de dose de dois agentes para produzir o mesmo efeito. Para isso, existem diversas tabelas empíricas ou baseadas em estudos antigos com pacientes de câncer que utilizaram dose baixa ou única de opioides em um curto período de tempo em indivíduos sem comorbidades. Entretanto, essas tabelas geralmente fornecem doses maiores que a do agente anteriormente utilizado e realmente devem ser utilizadas com cautela. Assim, o opioide proposto deve ser titulado e a resposta ajustada e monitorada de acordo com a eficácia clínica e características individuais do paciente, como idade, função renal, efeitos adversos e tipo de síndrome dolorosa. A resposta do opioide no tratamento da dor musculoesquelética, na neuropática e na de câncer varia amplamente e isso não está previsto nas tabelas de conversão22. É importante salientar que a maioria dos efeitos adversos graves com opioides ocorre na primeira semana após a troca do agente. Então, é necessário: 1) tratar o paciente e não a tabela de equivalência; 2) escolher apenas uma tabela de conversão; 3) iniciar a terapia de maneira conservadora, titulando o opioide e monitorando o efeito23.

Equianalgesia

A tabela de equianalgesia (tabela 2) permite a troca de um fármaco para outro. Na troca da via de administração, deve ser considerada a biodisponibilidade da morfina. Lembrar que a conversão da via de administração da oral ou transdérmica para a parenteral implica na adequação mais rápida da analgesia. Para via sistêmica, de morfina oral para venosa, reduzir a dose em três vezes; para subcutânea, em duas vezes. Essa mudança pode ter bom resultado em 75 a 90% dos pacientes com câncer. Muitos desses indivíduos, entretanto, utilizam outros fármacos por conta de doenças associadas. Isso deve ser visto com cautela para evitar o aumento de efeitos adversos. Assim, pacientes em uso de benzodiazepínicos, anti-histamínicos, antidepressivos, anticonvulsivantes e antipsicóticos merecem uma vigilância estreita. Por outro lado, o emprego da via intratecal pode reduzir a dose de morfina em até 300 vezes. As bombas de infusão implantáveis também facilitam o alcance da analgesia satisfatória23,24.

No Brasil, por conta da ausência de opioide de liberação imediata para oxicodona e hidromorfona, os escapes são feitos de forma empírica com morfina. Não é recomendada, entretanto, a associação farmacológica de agentes que agem no mesmo tipo de receptor.

Metadona

Para metadona, não esquecer que há uma variação interindividual da farmacocinética, assim como potencial para provocar toxicidade tardia devido à sua meia-vida de eliminação, que é de oito a 59 horas. O acúmulo de metadona durante os dias ou semanas de tratamento pode causar risco de vida, como depressão respiratória, particularmente durante o sono. Salientamos que, para dor crônica não oncológica, deve-se iniciar a metadona com doses menores que 30mg e não ultrapassar 40mg/dia. Por outro lado, essa dose de início pode ser perigosa para acetiladores lentos da metadona ou pacientes com apneia do sono. Além disso, há relatos de cardiotoxicidade (aumento de intervalo QT e ritmo de torsades de points) com morte súbita. Desse modo, a relação equianalgésica pode variar de 16:1 a 2,5:1, a depender da extensão da exposição prévia ao opioide, da dose total do opioide, da razão da rotação (dor ou efeitos adversos), além da interação com outros fármacos. A taxa de conversão de 5:1, para doses de morfina menor que 300mg e se a razão da rotação for dor, essa taxa pode diminuir para 3:1. Por outro lado, deve-se usar a taxa de conversão de 10:1 para doses de morfina maiores que 300mg, para pacientes ansiosos, deprimidos, com delirium ou que necessitaram aumento rápido da dose e para aqueles com creatinina igual ou maior de 1,5mg/dL. Caso a razão da rotação seja dor, essa taxa pode diminuir para 5:1. A metadona deve ser titulada para cima ou para baixo a cada 48 ou 72 horas, em torno de 30 a 50%, avaliando o critério clínico, o grau de satisfação do paciente e a necessidade de dose de escape. Outros estudos sugerem a retirada lenta do opioide a ser substituído por metadona em três dias, com redução em 1/3 por dia do agente e acréscimo de 1/3 por dia da dose total da metadona. Apesar da requisição de morfina ser inversamente proporcional à idade, para metadona essa relação é independente. Alguns autores também não correlacionaram equivalência de dose na conversão de morfina para metadona com gênero, características do câncer e seu tratamento, parâmetros bioquímicos ou hematológicos. Por outro lado, na transição da metadona para outro opioide, existem poucos estudos. Outros autores sugerem que 10mg de metadona seria equivalente a 20, 33 ou 77,5mg de morfina, a 4,5, 3 ou 50mg de hidromorfona, a 200, 400 ou 2000µg de fentanil. Essa grande variação na literatura, além das características farmacocinéticas e farmacodinâmicas da metadona, sugere que se deve retirar gradualmente a metadona, até a introdução completa do novo agente25,26.

MONITORAÇÃO DO USO DE OPIOIDES EM LONGO PRAZO

Para monitorar os pacientes que utilizam opioides em longo prazo, deve-se: 1) estratificar o risco do paciente para efeitos adversos; 2) monitorar o paciente cuidadosamente com instrumentos adequados; 3) utilizar consentimento informado; 4) seguir as regras para o controle de substâncias; 5) realizar história clínica e exame físico; 6) definir o diagnóstico, solicitando exames complementares e de imagem quando necessário; 7) avaliar a relação de risco-benefício; 8) estabelecer objetivos da terapêutica, a titulação de dose e o uso adjuvantes; 9) descontinuar ou rotar opioides, se indicado; 10) monitorar e manusear os efeitos adversos de maneira adequada; 11) avaliar tolerância, hiperalgesia, dependência e abuso; 12) esclarecer ao paciente que a probabilidade de dependência a opioide é um assunto de muito debate e de difícil determinação; 13) estratificar risco, considerando: (a) risco baixo: ausência de história de abuso de substâncias ou de comorbidade psiquiátrica (utilize critérios do Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais [DSM-V]); (b) risco médio: história de abuso de substâncias ou de comorbidade psiquiátrica (DSM-V); 3) risco alto: história de dependência e comportamento aberrante (roubo de prescrição, forjar prescrição, uso injetável de formulações orais, abuso de álcool, conseguir prescrições por vias ilegais, perda de prescrições, múltiplas entradas em postos de emergência, perda de posição no trabalho, na família e na vida social); 14) considerar que a maioria dos efeitos adversos graves está relacionada à dose utilizada, à seleção inadequada do paciente, à interação farmacológica ou à polifarmácia; 15) tratar os efeitos adversos comuns, como constipação, náusea, tontura, cuja prevalência está torno de 30% no primeiro mês de tratamento. Já sonolência, vômito, dor de cabeça, prurido, fadiga, insônia, sudorese, boca seca e hipotensão postural apresentam prevalência menor que 15%, mas também podem ser adequadamente tratados. Lembrar que 10 a 20% dos pacientes não aderem ao tratamento no primeiro mês por conta de efeito adverso; 16) monitorar efeitos endócrinos como: perda da resposta da insulina em pacientes que ganham peso ou com risco de diabetes mellitus; em casos de redução da libido, disfunção sexual ou fadiga, devem ser avaliados hormônios gonadotróficos, principalmente, a testosterona; 17) avaliar a sedação e a sonolência induzida por opioide, que podem estar relacionadas à atividade anticolinérgica do agente. O tratamento inclui a rotação de opioide, a redução da dose e o emprego de estimulantes psíquicos. Em pacientes com câncer e em uso crônico de opioides, o metilfenidato (na dose entre 10 e 15mg/dia) pode aumentar os escores de atividade psicomotora em até 35% e diminuir a sonolência em até 61%, de forma significativa quando comparado ao placebo. Por outro lado, o opioide pode alterar a relação de sono e vigília, reduzindo o tempo total de sono, a eficiência do sono, as ondas delta e o sono REM, podendo causar fadiga ao longo do tempo; 18) considerar que a habilidade para manusear equipamentos pesados ou dirigir veículos pode estar comprometida. Lembrando que dirigir sobre influência de qualquer substância psicoativa é considerado infração gravíssima de acordo com o Código Brasileiro de Trânsito, Lei 11705, no Art. 165. Esse fato deve ser avaliado pelo médico durante o período de titulação do opioide; 19) compreender que a avaliação e mensuração inadequadas da dor, a baixa expectativa em relação ao tratamento, a falta de comunicação com a equipe de saúde, o medo de efeitos adversos e de dependência pode interferir nos resultados da analgesia e é necessária educação continuada da equipe de saúde e dos pacientes, esclarecendo qualquer questão pendente (inclui consentimento informado)27-30.

CONCLUSÃO

É importante eleger de maneira adequada os pacientes que utilizarão opioide em longo prazo; iniciar titulação e manutenção avaliando os efeitos adversos e adequando a dose a cada situação clínica; observar quando deverá ocorrer a retirada ou a rotação de opioide, assim como monitorar os pacientes em longo prazo.

Autores do grupo de Especialistas:

Alexandre Annes Henriques, Anderson Arantes Silvestrini, Ângela Maria Sousa, Ariel de Freitas Q. Américo, Cláudio Fernandes Corrêa, Daniel Ciampi Andrade, Eduardo Grossmann, Erich Talamoni Fonoff, Gualter Lisboa Ramalho, Guilherme A. M. de Barros, Grace Haber, Inês T. V. e Melo, Irimar de Paula Posso, Janaina Vall, João Marcos Rizzo, João Valverde Filho, José Oswaldo de Oliveira Júnior, Judymara Lauzi Gozzani, Karine A. S. Leão Ferreira, Lia Rachel C. do Amaral Pelloso, Lin Tchia Yeng, Manoel Jacobsen Teixeira, Mario Luiz Giublin, Maria Teresa R. Jalbut Jacob, Miriam Seligman Menezes, Mirlane Guimarães Cardoso, Newton Monteiro de Barros, Onofre Alves Neto, Patrick Raymond Stump, Rioko Kimiko Sakata, Roberto T. de Castro Bettega, Rogério Teixeira, Sandra Caires Serrano, Sílvia Maria de Macedo Barbosa, Telma M. Zakka, Theodora Karnakis, Toshio Chiba, Waleska Sampaio, William Gêmio Teixeira, William Jacobsen Teixeira.

AGRADECIMENTOS

Esta recomendação foi realizada pela Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor com o apoio da Janssen do Brasil.

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  • Endereço para correspondência:
    Dr. Durval Campos Kraychete
    Rua Rio de São Pedro, 327/401 - Bairro Graça
    40150-350 Salvador, BA, Brasil
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    Recebido da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor, São Paulo, SP, Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Fev 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013
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