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Lidocaína endovenosa no tratamento da síndrome SUNCT secundária a tumor de hipófise: seguimento de uma paciente por um período de quatro anos. Relato de caso

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A síndrome SUNCT (short-lasting unilateral neuralgiform headache attacks with conjunctival injection and tearing syndrome) é descrita como dor de localização orbitária, supraorbitária ou temporal unilateral, caracterizada como em pontada ou pulsátil, de forte intensidade, incapacitante, de curta duração, variando entre 5 e 240 segundos. É uma síndrome dolorosa de difícil tratamento, no entanto, no presente caso obteve-se resposta analgésica satisfatória com lidocaína endovenosa. RELATO DO CASO: Paciente do gênero feminino, 32 anos portadora de síndrome SUNCT secundária a tumor de hipófise (submetida a hipofisectomia transesfenoidal e radiocirurgia), passou a apresentar 30 crises de dor diariamente. Não obteve resposta analgésica com o procedimento cirúrgico. Foi iniciado tratamento farmacológico com lamotrigina, clorpromazina e amitriptilina sem alivio da dor. Submetida a ciclos de infusão de lidocaína venosa obteve adequado alivio da dor. CONCLUSÃO: Neste caso de síndrome SUNCT, a lidocaína endovenosa foi capaz de proporcionar analgesia adequada e duradoura, podendo ser considerada como parte integrante nos pacientes portadores dessa de síndrome.

Cefaleia; Lidocaína; Neoplasia de hipófise; Síndrome SUNCT; Tratamento


BACKGROUND AND OBJECTIVES: SUNCT syndrome (short-lasting unilateral neuralgiform headache attacks with conjunctival injection and tearing syndrome) is described as unilateral orbitary, supraorbitary or temporal pain, characterized as stabbing or throbbing, severe, disabling, of short duration, varying from 5 to 240 seconds. This is a difficult to treat syndrome, however in our case there has been satisfactory analgesia with intravenous lidocaine. CASE REPORT: Female patient, 32 years old, with SUNCT syndrome secondary to pituitary tumor (submitted to transsphenoidal hypophysectomy and radio-surgery), started presenting 30 daily pain crises. There has been no analgesic response to surgical procedure. Pharmacological treatment was started with lamotrigine, chlorpromazine and amitriptyline without pain relief. Patient was submitted to intravenous lidocaine infusion cycles with adequate pain relief. CONCLUSION: In this case of SUNCT syndrome, intravenous lidocaine was able to promote adequate and long-lasting analgesia and may be considered integral part of the treatment of this syndrome.

Headache; Lidocaine; Pituitary tumor; SUNCT syndrome; Treatment


RELATO DE CASO

Lidocaína endovenosa no tratamento da síndrome SUNCT secundária a tumor de hipófise. Seguimento de uma paciente por um período de quatro anos. Relato de caso* * Recebido do Hospital Barão de Lucena, Recife, PE, Brasil.

Tania Cursino de Menezes CouceiroI,II,III; Marcelo Moraes ValençaI

IUniversidade Federal da Pernambuco, Departamento de Neuropsiquiatria e Ciência do Comportamento, Recife, PE, Brasil

IIInstituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, Serviço de Anestesiologia, Recife, PE, Brasil

IIIHospital Barão de Lucena, Recife, PE, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Tania Cursino de Menezes Couceiro Rua Jornalista Guerra de Holanda 158 /1602 - Casa Forte 52061-010 Recife, PE, Brasil E-mail: taniacursinomcouceiro@gmail.com

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A síndrome SUNCT (short-lasting unilateral neuralgiform headache attacks with conjunctival injection and tearing syndrome) é descrita como dor de localização orbitária, supraorbitária ou temporal unilateral, caracterizada como em pontada ou pulsátil, de forte intensidade, incapacitante, de curta duração, variando entre 5 e 240 segundos. É uma síndrome dolorosa de difícil tratamento, no entanto, no presente caso obteve-se resposta analgésica satisfatória com lidocaína endovenosa.

RELATO DO CASO: Paciente do gênero feminino, 32 anos portadora de síndrome SUNCT secundária a tumor de hipófise (submetida a hipofisectomia transesfenoidal e radiocirurgia), passou a apresentar 30 crises de dor diariamente. Não obteve resposta analgésica com o procedimento cirúrgico. Foi iniciado tratamento farmacológico com lamotrigina, clorpromazina e amitriptilina sem alivio da dor. Submetida a ciclos de infusão de lidocaína venosa obteve adequado alivio da dor.

CONCLUSÃO: Neste caso de síndrome SUNCT, a lidocaína endovenosa foi capaz de proporcionar analgesia adequada e duradoura, podendo ser considerada como parte integrante nos pacientes portadores dessa de síndrome.

Descritores: Cefaleia, Lidocaína, Neoplasia de hipófise, Síndrome SUNCT, Tratamento.

INTRODUÇÃO

A síndrome SUNCT (short-lasting unilateral neuralgiform headache attacks with conjunctival injection and tearing syndrome) foi descrita pela primeira vez por Sjaastad et al.1. Essa síndrome caracteriza-se por dor de localização orbitária, supraorbitária ou temporal unilateral, em pontada ou pulsátil, de forte intensidade, incapacitante, de curta duração, variando entre 5 e 240 segundos. Envolve a primeira divisão do nervo trigêmeo e é associada a sintomas autonômicos ipsilaterais, como lacrimejamento e vermelhidão ocular1-3. Os sintomas autonômicos, em geral dramáticos, aparecem rapidamente após o início da dor, podendo haver, além dos já descritos, rinorreia e obstrução nasal1. Apesar de a maioria dos casos ser de etiologia primária, há casos relatados secundários a tumores4, acomete pacientes na 5ª década de vida e predomina no gênero masculino; entretanto, são descritos casos em mulheres e em pacientes com idade superior a 70 anos2,5,6.

Em recente revisão foram identificados 222 casos publicados de SUNCT/SUNA, na sua maioria de origem primaria2.

Quanto à causa da dor, é descrito que há ativação da área póstero-inferior do hipotálamo ipsilateral6, bem como da área hipotalâmica bilateral4, o que confirma a hipótese da origem central desta cefaleia. Uma origem neurovascular também é citada2.

A ausência de resposta ao tratamento clínico e/ou cirúrgico é uma característica importante dessa entidade nosológica. No entanto, recentemente, alguns autores demonstraram que a lidocaína por via intravenosa promoveu analgesia em paciente com diagnóstico de síndrome SUNCT7,8.

O objetivo deste estudo foi relatar um caso com diagnóstico clínico de síndrome SUNCT secundária a tumor de hipófise que apresentou resposta analgésica satisfatória com a administração endovenosa de lidocaína.

RELATO DO CASO

Paciente do gênero feminino, 32 anos, submetida à hipofisectomia transesfenoidal para tratamento de macroadenoma de hipófise. Uma vez que a retirada do tumor foi parcial, o tratamento foi complementado com radiocirurgia. Antes do procedimento cirúrgico a paciente relatava cefaleia em região periorbitária direita de forte intensidade, escala analógica visual (EAV=10), tipo pontada, com frequência maior que 30 crises diárias. A sintomatologia era desencadeada por esforço físico e associava-se a hiperemia conjuntival e lacrimejamento ipsilaterais. Foi diagnosticada síndrome SUNCT secundária ao tumor de hipófise. Depois do procedimento cirúrgico houve alívio total dos sintomas dolorosos com recidiva da dor após 30 dias. Foi iniciada indometacina (150mg/dia) com alivio completo da dor (EAV=0); no entanto, a paciente apresentou hematêmese o que obrigou a suspensão do anti-inflamatório não hormonal. Foram iniciadas então lamotrigina (100mg/dia), clorpromazina (40mg/dia) e amitriptilina (50mg/dia) com duração de três meses sem que a paciente apresentasse melhora da intensidade (EAV=10) ou frequência (30 crises/dia) da dor.

Manteve-se a amitriptilina e a clorpromazina, foi introduzido o carbonato de lítio em doses crescentes. Porém, após três meses com essa terapêutica não houve alívio da sintomatologia. O carbonato de lítio foi suspenso e iniciada lidocaína venosa em dose fixa de 240 mg (3mg/kg) administrada em infusão continua por duas horas. No primeiro dia da infusão houve alívio completo da dor (EAV=0), no entanto, após cinco dias as crises retornaram, porém em menor intensidade (EAV=5-7) e frequência (10 crises/dia). Diante do resultado obtido, decidiu-se repetir semanalmente a lidocaína endovenosa (240 mg) por um período de 10 semanas. A paciente passou a ser avaliada prévia e posteriormente a cada administração da lidocaína e observou-se melhora progressiva e sustentada, uma vez que as crises de dor passaram a ocorrer apenas aos esforços e a dor era de moderada intensidade (EAV=5). Ao final da 7ª semana a paciente encontrava-se assintomática inclusive aos esforços físicos, assim permanecendo por seis meses. Após esse período, houve reagudização da dor, porém esta se apresentou em frequência e intensidade menores e foi novamente tratada com lidocaína venosa por 10 semanas. Ao longo de quatro anos a paciente foi submetida a seis ciclos de administração de lidocaína venosa, em intervalos irregulares, com resultados analgésicos satisfatórios.

DISCUSSÃO

A síndrome SUNCT secundária a tumores cerebrais é uma entidade nosológica pouco comum e ainda não há um consenso quanto ao tratamento. Neste caso a hipofisectomia transesfenoidal para o tratamento do macroadenoma de hipófise resultou em melhora temporária da dor. Esse fato se contrapõe ao que relata outro autor que observou alivio da dor com a intervenção cirúrgica4. Há várias hipóteses para explicar a dor decorrente dos tumores hipofisários. Acredita-se que a ação mecânica resultante da presença do tumor e o consequente estiramento das estruturas envolvidas no processamento da dor podem ser responsáveis pela sintomatologia. Essa hipótese explica o quadro doloroso na presença de macroadenomas. Outra provável explicação seria a invasão dos seios cavernosos causando a sintomatologia dolorosa homolateral. Outra hipótese aventa que o quadro álgico seria decorrente de mecanismo humoral, no entanto, isso apenas se aplica aos pacientes portadores de tumores produtores de hormônios2,3.

No caso em questão, hipotetizou-se que a presença do tumor poderia ser considerada como fator deflagrador e mantenedor da síndrome SUNCT, explicada pela sintomatologia exuberante prévia e pelo alívio temporário com a diminuição da massa tumoral. Igualmente a recidiva da sintomatologia dolorosa após 30 dias da intervenção cirúrgica, reforça a gênese mecânica pela presença de tumor5.

Por outro lado, a resposta analgésica satisfatória com o uso da indometacina sugere a possibilidade de uma reação inflamatória tumoral5.

A decisão de introduzir a lidocaína no tratamento desta paciente deveu-se à sua ação analgésica e anti-inflamatória. Esse fármaco age nos canais de sódio voltagem-dependentes, resultando em ação anestésica reversível7,8. Assim que a ação anestésica local se desenvolve, o limite para a excitabilidade elétrica gradualmente aumenta, o pico do potencial de ação diminui, a condução do impulso neuronal se letífica e o fator de segurança para a condução diminui, o que promove redução na propagação do potencial de ação e também falha na condução nervosa9.

A afinidade da lidocaína pelos canais de sódio é maior nos estados aberto e inativado. Além disso, a lidocaína exerce bloqueio uso-dependente, sendo que quanto maior a frequência de estimulação neuronal, mais moléculas de lidocaína ionizada têm acesso aos locais de ação, gerando maior grau de bloqueio e de analgesia9. Na síndrome SUNCT, o efeito analgésico resultante do mecanismo já descrito apresenta duração variável, podendo se estender por aproximadamente três a seis semanas7,10. No que se refere à dose da lidocaína por via venosa com objetivo analgésico ainda não há um consenso definido. A dose fixa de 240 mg de lidocaína empregada neste caso baseou-se em resultado analgésico relatado em estudos anteriores8,10-12, e a analgesia promovida pela lidocaína foi satisfatória e duradoura consolidando sua indicação como parte do tratamento multimodal na síndrome SUNCT.

Apresentado em 06 de novembro de 2013.

Aceito para publicação em 29 de novembro de 2013.

Conflito de interesses: não há.

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  • Endereço para correspondência:
    Tania Cursino de Menezes Couceiro
    Rua Jornalista Guerra de Holanda 158 /1602 - Casa Forte
    52061-010 Recife, PE, Brasil
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    Recebido do Hospital Barão de Lucena, Recife, PE, Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Fev 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      06 Nov 2013
    • Aceito
      29 Nov 2013
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