Acessibilidade / Reportar erro

A importância da avaliação da presença de disfunção temporomandibular em pacientes com dor crônica* * Recebido do Instituto de Neurologia de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil.

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Pacientes com dor crônica apresentam um menor limiar à dor apresentando dessa forma dores em outras topografias. O objetivo deste estudo foi avaliar a presença de disfunção temporomandibular em pacientes com dor crônica em diversas partes do corpo comparando com um grupo controle sem sintomatologia dolorosa. Além disso, buscou-se verificar qual dos grupos apresentou mais sintomas de disfunção temporomandibular e alteração miofascial nos músculos da mastigação.

MÉTODOS:

A amostra foi composta por 180 indivíduos, divididos em 2 grupos, sendo 90 pacientes com dor crônica em diversas partes do corpo: grupo estudo, e 90 pacientes sem sintomatologia dolorosa: grupo controle. Para o diagnóstico da sintomatologia de disfunção temporomandibular foi utilizado o questionário proposto pela Academia Americana de Dor Orofacial. Foi realizada uma avaliação física dirigida e validada. Análises foram feitas para verificar a frequência de sintoma de disfunção temporomandibular tanto no grupo controle quanto no grupo estudo e a presença de disfunção temporomandibular muscular em ambos os grupos.

RESULTADOS:

Entre os pacientes com dor crônica 70% apresentaram sintomatologia para disfunção temporomandibular e no grupo controle 55%. Os pacientes que apresentaram sintomatologia foram avaliados fisicamente e constatou-se que 45% apresentaram dor miofascial nos músculos da mastigação, contra 28% no grupo controle.

CONCLUSÃO:

A presença de sintomatologia de disfunção temporomandibular e dor muscular nos músculos da mastigação foi maior em pacientes com dor crônica em relação ao grupo controle e deve ser levada em consideração quando se propõe avaliar e controlar todas as dores nesses pacientes.

Dor crônica; Dor facial; Síndrome da disfunção da articulação temporomandibular


BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Chronic pain patients have lower pain threshold, thus having pain in other parts of the body. This study aimed at evaluating the presence of temporomandibular disorders in patients with chronic pain in different parts of the body comparing them to a pain-free control group. In addition, we tried to determine which group had more temporomandibular disorder symptoms and myofascial changes in masticatory muscles.

METHODS:

Sample was made up of 180 individuals divided in 2 groups, being 90 patients with chronic pain in different parts of the body: study group, and 90 pain-free patients: control group. The questionnaire proposed by the American Academy of Orofacial Pain was used to diagnose temporomandibular disorder symptoms. A directed and validated physical evaluation was performed. Analyses were done to determine the frequency of temporomandibular symptoms both in the control group and the study group, and the presence of muscular temporomandibular disorders in both groups.

RESULTS:

Among chronic pain patients, 70% had temporomandibular disorder symptoms and in the control group they were 55%. Patients with symptoms were physically evaluated and it was observed that 45% had masticatory muscles myofascial pain as compared to 28% in the control group.

CONCLUSION:

The prevalence of temporomandibular disorder symptoms and masticatory muscles pain was higher among chronic pain patients as compared to the control group and should be taken into consideration when the proposal is to evaluate and control all pains of such patients.

Chronic pain; Facial pain; Temporomandibular joint disorder syndrome


INTRODUÇÃO

As disfunções temporomandibulares (DTM) são um subgrupo das dores orofaciais caracterizado por um conjunto de alterações craniofaciais de etiologia multifatorial, com sintomas que incluem limitação de movimento e dor na região pré-auricular, articulação temporormandibular (ATM), músculos da mastigação e estruturas musculoesqueléticas relacionadas à cabeça e pescoço. A sintomatologia dolorosa de qualquer natureza provoca hiperatividade do sistema nervoso neurovegetativo e aumento do tônus muscular e consequente instalação de dor miofascial11. Teixeira MJ. Fisiopatologia da nocicepção e supressão da dor. JBA 2001;1(4):329-34..

A dor pode surgir de maneira súbita ou progredir com frequência e intensidade flutuantes ao longo de meses ou anos, com a característica de uma doença crônica. O clique, a crepitação, o travamento, a limitação de abertura ou o desvio do movimento da mandíbula, e a dor de cabeça também estão associados à DTM11. Teixeira MJ. Fisiopatologia da nocicepção e supressão da dor. JBA 2001;1(4):329-34..

Estudos clínicos têm demonstrado que pacientes com dor orofacial muitas vezes apresentam algias em outras áreas do corpo além do sistema mastigatório, como braços, mãos, região cervical, dorsal, lombar e membros inferiores22. Hagberg C. General musculoskeletal complaints in a group of patients with craniomandibular disorders (CMD). A case control study. Swed Dent J. 1991;15(4):179-85.

3. Türp JC, Kowalski CJ, O'Leary N, Stohler CS. Pain maps from facial pain patients indicate a broad pain geography. J Dent Res. 1998;77(6):1465-72.
-44. McMillan AS, Wong MC, Zheng J, Luo Y, Lam CLK. Widespread pain symptoms and psychological distress in southern Chinese with orofacial pain. J Oral Rehabil. 2010;37(1):2-10.. Além disso, alguns trabalhos têm sugerido que a dor em outras partes do corpo pode representar um fator de risco para o desenvolvimento das DTM55. John MT, Miglioretti DL, LeResche L, Korff MV, Critchlow CW. Widespread pain as a risk factor for dysfunctional temporomandibular disorder pain. Pain. 2003;102(3):257-63.,66. Velly AM, Look JO, Schiffman E, Lenton PA, Kang W, Messner RP, et al. The effect of fibromyalgia and widespread pain on the clinically significant temporomandibular muscle and joint pain disorders a prospective 18-month cohort study. J Pain. 2010;11(11):1155-64., podendo também contribuir para a persistência da dor miofascial dos músculos da mastigação77. Raphael KG, Marbach JJ, Klausner J. Myofascial face pain. Clinical characteristics of those with regional vs. widespread pain. J Am Dent Assoc. 2000;131(2):161-71.,88. Macfarlane TV, Blinkhorn AS, Davies RM, Kincey J. Worthington HV. Predictors of outcome for orofacial pain in the general population: a four-year follow-up study. J Dent Res. 2004;83(9):712-7., dificultando ainda mais o controle da dor nesses pacientes com quadro crônico.

Baseado nas informações apresentadas, este estudo teve como objetivo avaliar a frequência de DTM de origem muscular, em pacientes com dor crônica (DC) em outras partes do corpo e que procuraram atendimento multidisciplinar com queixas dolorosas não relacionadas primariamente à ATM.

METODOS

Foi realizado um estudo transversal observacional, no período de agosto de 2011 a maio de 2012, em que 90 pacientes portadores de DC foram avaliados por dois cirurgiões-dentistas do grupo da dor no ambulatório do Instituto de Neurologia de Curitiba, PR (INC). Compuseram o grupo estudo (GE) 90 pacientes, maiores de 18 anos, com diagnóstico de dor nociceptiva miofascial crônica, baseado na presença de dor localizada ou difusa associada a presença de pontos-gatilho miofasciais à palpação por um período de pelo menos seis meses, em diversas partes do corpo e em acompanhamento pelo grupo da dor do INC. Ao mesmo tempo, esses pacientes não poderiam apresentar diagnóstico de nenhum tipo de neuralgia.

Para compor o grupo controle (GC) foram selecionados indivíduos maiores de 18 anos, que pertenciam ao corpo de funcionários do INC, acompanhantes ou familiares dos pacientes sem história de dor aguda ou crônica.

Os dois grupos foram pareados por gênero e idade. Os grupos foram compostos por 90 indivíduos, sendo 65 mulheres e 25 homens, com idade média de 47 anos. Para a avaliação da possível presença de DTM, todos os 180 indivíduos preencheram o questionário para triagem de dor orofacial e DTM recomendado pela Academia Americana de Dor Orofacial (AAOP), que é composto por 10 questões com respostas dicotômicas (sim e não), que abordam os sinais e sintomas mais frequentes dessas alterações. Quando havia uma resposta positiva no questionário, o indivíduo era submetido a uma avaliação física baseada no critério de diagnóstico validado: o Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (RDC/TMD). Essa avaliação física foi realizada por dois cirurgiões-dentistas, previamente treinados, e compreendeu a palpação das regiões dos músculos masseter e temporal dos lados direito e esquerdo, com pressão equivalente a cerca de 1kgf.

A análise dos dados foi realizada por meio da utilização do teste Qui-quadrado de Pearson para comparar as frequências de sintomas de DTM e de diagnósticos de DTM muscular entre os dois grupos. O teste Qui-quadrado também foi aplicado para verificar diferenças das frequências dos locais de dor nos voluntários do GC entre aqueles que receberam ou não o diagnóstico de DTM. O nível de significância considerado para os testes foi de 0,05.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Neurologia de Curitiba, PR, sob nº 074/2011.

RESULTADOS

Na avaliação da sintomatologia de DTM, 50 pessoas do GC responderam positivamente a pelo menos um dos sintomas do questionário e 63 do GE apresentaram pelo menos um dos sintomas. Por meio da aplicação do teste de Qui-quadrado foi possível observar que o GE apresentou mais sintomas de DTM que o GC (p=0,045) (Tabela 1).

Tabela 1
Sintomas de disfunção temporomandibular

Em relação à presença de DTM muscular o GE também apresentou maior número de indivíduos, sendo a associação significativa (p=0,02) (Tabela 2).

Tabela 2
Diagnóstico de disfunção temporomandibular muscular

Dos 90 pacientes do GE que estavam em tratamento para DC, 13 apresentavam dor miofascial em região cervical, 14 apresentavam dores miofasciais na região superior do corpo, ou seja, além da cervical havia também o envolvimento dos membros superiores, 19 apresentavam dor miofascial em membros inferiores, 20 foram diagnosticados com dor miofascial na região lombar, 14 com dores difusas e 10 com diagnóstico de cefaleias. De acordo com a análise descritiva dos dados da tabela 1, a presença da dor miofascial na face, caracterizando a DTM muscular, avaliada nesses pacientes demonstrou que a relação de DTM neste estudo foi maior nos casos de dores difusas, descritas na tabela 3.

Tabela 3
Frequência de locais dolorosos no grupo de estudo n(%)

DISCUSSÃO

No presente estudo observou-se que pacientes com DC em outras partes do corpo têm maior possibilidade de apresentar sintomatologia na região orofacial e dor miofascial nos músculos da mastigação, quando comparados a um grupo controle.

Um estudo99. Aaron LA, Burke MM, Buchwald D. Overlapping conditions among patients with chronic fatigue syndrome, fibromyalgia, and temporomandibular disorder. Arch Intern Med 2000;160:221-7. relatou essa relação e encontrou compartilhamento de sintomatologias em diversas partes do corpo quando avaliados pacientes com DC. O inverso também parece ser verdadeiro. Outro estudo realizado33. Türp JC, Kowalski CJ, O'Leary N, Stohler CS. Pain maps from facial pain patients indicate a broad pain geography. J Dent Res. 1998;77(6):1465-72. encontrou que 76% dos pacientes com diagnóstico de DTM também apresentaram relato de dor em outras partes do corpo; 50% dos pacientes adultos com dor orofacial apresentavam também dores difusas1010. Sipilä K, Ylöstalo PV, Joukamaa M, Knuuttlila ML. Comorbidity between facial pain, widespread pain, and depressive symptoms in young adults. J Orofac Pain. 2006;20(1):24-30..

O grande desafio dos profissionais de saúde está no gerenciamento desses pacientes, pois a dor em uma localidade pode estar influenciando a outra e vice versa, comprometendo o controle do sintoma. Indivíduos que apresentam dor miofascial e uma história de dor generalizada parecem ter dor persistente com maior frequência, comparados a pacientes sem história de dor generalizada77. Raphael KG, Marbach JJ, Klausner J. Myofascial face pain. Clinical characteristics of those with regional vs. widespread pain. J Am Dent Assoc. 2000;131(2):161-71.. Esse dado fortalece a necessidade de se compreender as áreas envolvidas pela dor em cada paciente.

Curiosamente, em um estudo de fibromialgia1111. Hedenberg-Magnusson B, Ernberg M, Kopp S. Presence of orofacial pain and temporomandibular disorder in fibromyalgia. A study by questionnaire.Swed Dent J 1999;23:185-92., os pesquisadores descobriram que a dor facial, cefaleias, fadiga e limitação funcional do movimento mandibular foram prevalentes entre os pacientes com fibromialgia, e sugerem que a fibromialgia começa em outras partes do corpo e depois se estende para a região orofacial.

Nos achados deste estudo a maior prevalência de DTM muscular foi encontrada entre os pacientes com dores difusas, corroborando com o fato de as dores se somarem, havendo assim a necessidade de reconhecê-las para que possam ser controladas. Nas demais localidades de dor o GE apresentou de forma praticamente equilibrada a presença ou não de DTM, havendo resultado significativo da relação no grupo que apresentou dores em várias partes do corpo, o que difere da grande maioria dos estudos na literatura. Muitos trabalhos apresentam a cervicalgia com uma estreita ligação com a DTM1212. Olivo SA, Fuentes J, Major PW, Warren S, Thie NM. The association between neck disability and jaw disability. J Oral Rehabil. 2010;37(9):670-9.,1313. Wiesinger B, Malker H, Englund E, Wanman A. Does a dose-response relation exist between spinal pain and temporomandibular disorders? BMC Musculoskelet Disord. 2009;2;10:28.. Esse fato traz a necessidade de se realizar um estudo com uma quantidade maior de indivíduos em cada grupo para que aumente o potencial de comparação das áreas de dor no corpo e a presença de DTM muscular concomitante.

O conhecimento sobre a DC e como ela se comporta em cada indivíduo ainda é motivo de muito estudo e observação, assim como a etiologia das DTM ainda não está totalmente esclarecida. Conhecer essa inter-relação faz-se necessário para o controle da dor dos pacientes com essas disfunções.

Os resultados deste estudo mostram a importância da avaliação total dos indivíduos com DC, pois pacientes com dores em outras partes do corpo apresentam em maior proporção dores miofasciais nos músculos da mastigação quando comparados a um grupo controle. Esse fato é importante para o gerenciamento desses pacientes, confirmando a real necessidade de um enfoque multiprofissional na busca do restabelecimento físico completo e global desses indivíduos.

CONCLUSÃO

A frequência de sintomas de DTM e dor miofascial nos músculos da mastigação nos pacientes em tratamento para dor muscular crônica em outras partes do corpo foi maior que no grupo sem sintomatologia dolorosa e deve ser levada em consideração na avaliação física geral desses pacientes.

  • *
    Recebido do Instituto de Neurologia de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Teixeira MJ. Fisiopatologia da nocicepção e supressão da dor. JBA 2001;1(4):329-34.
  • 2
    Hagberg C. General musculoskeletal complaints in a group of patients with craniomandibular disorders (CMD). A case control study. Swed Dent J. 1991;15(4):179-85.
  • 3
    Türp JC, Kowalski CJ, O'Leary N, Stohler CS. Pain maps from facial pain patients indicate a broad pain geography. J Dent Res. 1998;77(6):1465-72.
  • 4
    McMillan AS, Wong MC, Zheng J, Luo Y, Lam CLK. Widespread pain symptoms and psychological distress in southern Chinese with orofacial pain. J Oral Rehabil. 2010;37(1):2-10.
  • 5
    John MT, Miglioretti DL, LeResche L, Korff MV, Critchlow CW. Widespread pain as a risk factor for dysfunctional temporomandibular disorder pain. Pain. 2003;102(3):257-63.
  • 6
    Velly AM, Look JO, Schiffman E, Lenton PA, Kang W, Messner RP, et al. The effect of fibromyalgia and widespread pain on the clinically significant temporomandibular muscle and joint pain disorders a prospective 18-month cohort study. J Pain. 2010;11(11):1155-64.
  • 7
    Raphael KG, Marbach JJ, Klausner J. Myofascial face pain. Clinical characteristics of those with regional vs. widespread pain. J Am Dent Assoc. 2000;131(2):161-71.
  • 8
    Macfarlane TV, Blinkhorn AS, Davies RM, Kincey J. Worthington HV. Predictors of outcome for orofacial pain in the general population: a four-year follow-up study. J Dent Res. 2004;83(9):712-7.
  • 9
    Aaron LA, Burke MM, Buchwald D. Overlapping conditions among patients with chronic fatigue syndrome, fibromyalgia, and temporomandibular disorder. Arch Intern Med 2000;160:221-7.
  • 10
    Sipilä K, Ylöstalo PV, Joukamaa M, Knuuttlila ML. Comorbidity between facial pain, widespread pain, and depressive symptoms in young adults. J Orofac Pain. 2006;20(1):24-30.
  • 11
    Hedenberg-Magnusson B, Ernberg M, Kopp S. Presence of orofacial pain and temporomandibular disorder in fibromyalgia. A study by questionnaire.Swed Dent J 1999;23:185-92.
  • 12
    Olivo SA, Fuentes J, Major PW, Warren S, Thie NM. The association between neck disability and jaw disability. J Oral Rehabil. 2010;37(9):670-9.
  • 13
    Wiesinger B, Malker H, Englund E, Wanman A. Does a dose-response relation exist between spinal pain and temporomandibular disorders? BMC Musculoskelet Disord. 2009;2;10:28.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    03 Set 2013
  • Aceito
    29 Jan 2014
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 cj 2, 04014-012 São Paulo SP Brasil, Tel.: (55 11) 5904 3959, Fax: (55 11) 5904 2881 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br