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Analgesia pós-operatória por não especialistas em dor* * Recebido do Hospital Santa Cruz, Curitiba, PR, Brasil.

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A analgesia pós-operatória frequentemente é realizada pelo médico assistente, não especialista no tratamento da dor. O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia da analgesia utilizada em pacientes no pós-operatório imediato com fármacos prescritos pelo médico assistente, não especialista em dor.

MÉTODOS:

Estudo prospectivo, descritivo, observacional realizado por meio de entrevista com 186 pacientes operados no Hospital Santa Cruz. Avaliou-se a dor no pós-operatório entre 12 e 24 horas, fármacos utilizados e possíveis efeitos adversos.

RESULTADOS:

Na primeira avaliação, 12 horas após a cirurgia, a prevalência de dor encontrada foi de 59%, sendo 35% moderada a intensa. Na segunda avaliação, 24 horas após a cirurgia, a prevalência de dor foi de 22%, sendo 12% moderada a intensa. As variáveis "tipo de cirurgia" e "fármacos utilizados" não apresentaram influência sobre a intensidade da dor no pós-operatório de 12 horas. Entretanto, o "tipo de cirurgia" mostrou influência sobre a intensidade de dor (p=0,02) no pós-operatório de 24 horas, sendo que o paciente submetido a cirurgia ortopédica foi o que apresentou a maior probabilidade de dor (49,57%), quando comparado aos outros tipos de cirurgia. O uso de opioides apresentou associação significativa com a ocorrência de efeitos adversos na primeira avaliação (p=0,0001).

CONCLUSÃO:

Os dados encontrados mostram que a analgesia realizada com fármacos prescritos por médicos não especialistas em tratamento da dor foi eficaz quando comparada a outros estudos que não utilizam serviços especializados em dor. Entretanto, uma abordagem multimodal no tratamento da dor aguda, coordenada por um serviço especializado, pode diminuir ainda mais essa prevalência.

Analgesia; Analgésicos opioides; Dor pós-operatória


BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Postoperative analgesia is often administered by the assistant physician non-specialist in pain management. This study aimed at evaluating the efficacy of immediate postoperative period analgesia with drugs prescribed by the assistant physician, non-specialist in pain.

METHODS:

This is a prospective, descriptive and observational study carried out by means of interviews with 186 patients operated in Hospital Santa Cruz. Postoperative pain was evaluated after 12 and 24 hours, in addition to drugs used and possible adverse effects.

RESULTS:

In the first evaluation, 12 hours after surgery, prevalence of pain was 59%, being 35% from moderate to severe. In the second evaluation, 24 hours after surgery, prevalence of pain was 22% being 12% from moderate to severe. Variables "type of surgery" and "drugs used" have not influenced pain intensity in the postoperative period of 12 hours. However, "type of surgery" has influenced pain intensity (p=0.02) in the postoperative period of 24 hours, being that patients submitted to orthopedic procedures were more likely to report pain (49.57%) as compared to other types of surgery. Opioids had significant association with the presence of adverse effects in the first evaluation (p=0.0001).

CONCLUSION:

Our data have shown that analgesia with drugs prescribed by physicians non-specialists in pain management was effective when compared to other studies not using specialized pain services. However, a multimodal approach to acute pain management, coordinated by a specialized service, could further decrease this prevalence.

Analgesia; Opioid analgesics; Postoperative pain


INTRODUÇÃO

A dor aguda pós-operatória é resultado do trauma cirúrgico local, que provoca alterações não só fisiológicas, mas também sintomas psicológicos negativos11. Pimenta CA, Santos EM, Chaves LD, Martins LM, Gutierrez BA. [Control of the postoperative pain.] Rev Esc Enferm USP. 2001;35(2):180-3. Portuguese.. Estudos mostram que até 90% dos pacientes submetidos a cirurgias sentem algum tipo de dor11. Pimenta CA, Santos EM, Chaves LD, Martins LM, Gutierrez BA. [Control of the postoperative pain.] Rev Esc Enferm USP. 2001;35(2):180-3. Portuguese.,22. Sommer M, de Rijke JM, van Kleef M, Kessels AG, Peters ML, Geurts JW, et al. The prevalence of postoperative pain in a sample of 1490 surgical inpatients. Eur J Anaesthesiol. 2008;25(4):267-74..

Alguns fatores de risco para o desenvolvimento de dor aguda pós-operatória já foram identificados: dor no período pré-operatório e fatores psicológicos, como ansiedade e depressão33. Nikolajsen L, Minella CE. Acute postoperative pain as a risk factor for chronic pain after surgery. Eur J Pain Suppl. 2009;3(52):29-32.. Além disso, os pacientes que usam opioides cronicamente desenvolvem tolerância ao fármaco e, portanto, têm risco aumentado para a dor pós-operatória (DPO)44. Mitra S, Sinatra RS. Perioperative management of acute pain in the opioid-dependent patient. Anesthesiology. 2004;101(1):212-27.. O controle inadequado da dor pode estar relacionado à equipe que assiste o paciente, por razões como falta de treinamento adequado, avaliação incompleta da dor e receio sobre os possíveis efeitos colaterais dos analgésicos55. Taylor A, Stanbury L. A review of postoperative pain management and the challenges. Curr Anaesth Crit Care. 2009;20(2):188-94.. Com o objetivo de aperfeiçoar a assistência a esses pacientes, muitos hospitais introduziram serviços de dor que permitem amplo acesso às técnicas especializadas66. Werner MU, Soholm L, Rotboll-Nielsen, Kehlet H. Does an acute pain service improve postoperative outcome? Anesth Analg. 2002;95(5):1361-72.,77. Chan SK, Chui PT, Lee A, Lai PB, Li TY, Gin T. Surgeons' attitudes and perception of an acute pain service. Hong Kong Med J. 2008;14(5):342-7., como a analgesia controlada pelo paciente e infusão peridural de opioides e anestésicos locais66. Werner MU, Soholm L, Rotboll-Nielsen, Kehlet H. Does an acute pain service improve postoperative outcome? Anesth Analg. 2002;95(5):1361-72.. Alguns estudos sugerem que a implantação desses serviços reduz os escores de intensidade de dor apresentados pelos pacientes77. Chan SK, Chui PT, Lee A, Lai PB, Li TY, Gin T. Surgeons' attitudes and perception of an acute pain service. Hong Kong Med J. 2008;14(5):342-7.,99. Nasir D, Howard JE, Joshi GP, Hill GE. A survey of acute pain service structure and function in United States hospitals. Pain Res Treat. 2011;2011:934932.. No entanto, há um custo intrinsecamente ligado a esse serviço, encarecendo a assistência ao paciente88. Rawal N. Acute pain services revisited--good from far, far from good? Reg Anesth Pain Med. 2002;27(2):117-21.,99. Nasir D, Howard JE, Joshi GP, Hill GE. A survey of acute pain service structure and function in United States hospitals. Pain Res Treat. 2011;2011:934932.. Apesar de o número de hospitais que oferecem o serviço de dor estar crescendo, ainda há vários locais em que não está disponível, tornando a prescrição da analgesia pós-operatória responsabilidade do médico assistente77. Chan SK, Chui PT, Lee A, Lai PB, Li TY, Gin T. Surgeons' attitudes and perception of an acute pain service. Hong Kong Med J. 2008;14(5):342-7.. A importância de tratar a dor aguda pós-operatória é que além de constituir sensação desagradável ao paciente, é fator de risco para o desenvolvimento de dor crônica e aumento da morbidade1010. Rathmell JP, Wu CL, Sinatra RS, Ballantyne JC, Ginsberg B, Gordon DB, et al. Acute post-surgical pain management: a critical appraisal of current practice. Reg Anesth Pain Med. 2006;31(4 Suppl 1):1-42.. A persistência de dor está associada a disfunções orgânicas, como hipoventilação, aumento do trabalho cardíaco, diminuição da perfusão sanguínea periférica e contração muscular reflexa1111. Calil AM, Pimenta CA. [Pain intensity of pain and adequacy of analgesia] Rev Lat Am Enfermagem. 2005;13(5):692-9. Portuguese.. Além disso, estudos mostram que a DPO reduz a deambulação precoce, favorecendo o aparecimento de trombose venosa profunda, principalmente em pacientes idosos e naqueles submetidos a cirurgias de grande porte11. Pimenta CA, Santos EM, Chaves LD, Martins LM, Gutierrez BA. [Control of the postoperative pain.] Rev Esc Enferm USP. 2001;35(2):180-3. Portuguese.. Para o tratamento da dor aguda pós-operatória, a abordagem multimodal pode reduzir significativamente a dor do paciente e sua progressão para dor crônica1212. Dahl JB, Mathiesen O, Kehlet H. An expert opinion on post operative pain management, with special reference to new developments. Expert Opin Pharmacother. 2010;11(15):2459-70.,1313. Chandrakantan A, Glass PS. Multimodal therapies for postoperative nausea and vomiting, and pain. Br J Anaesth. 2011;107(Suppl 1):i27-40.. O objetivo é bloquear a geração, transmissão, percepção e apreciação dos estímulos nociceptivos, o que pode ser feito em diferentes níveis do sistema nervoso central e periférico. Para isso, pode-se lançar mão de analgésicos de ação periférica e central, como os anti-inflamatórios não esteroides (AINES) e os opioides, e também de anestésicos para uso em bloqueios1414. Chaves LD, Pimenta CA. [Postoperative pain control: comparison of analgesic methods]. Rev Lat Am Enfermagem. 2003;11(2):215-9. Portuguese.. As modalidades utilizadas incluem analgésicos orais, injeções de analgésicos intramusculares, doses de analgésicos em bolus intravenoso, analgesia intravenosa controlada pelo paciente, analgesia peridural, controlada ou não pelo paciente e o bloqueio regional do nervo1515. Sinatra RS, Torres J, Bustos AM. Pain management after major orthopedic surgery: Current strategies and new concepts. J Am Acad Orthop Surg. 2002;10(2):117-29..

A adequada analgesia pós-operatória pode ter início já no pré-operatório com a realização da analgesia preventiva em que há inibição prévia das vias nociceptivas por meio da intervenção farmacológica antes do início da cirurgia. O objetivo é reduzir a dor desencadeada pela ativação de mecanismos inflamatórios e impedir que o paciente apresente memória da resposta dolorosa1616. Campiglia L, Consales G, De Gaudio AR. Pre-emptive analgesia for postoperative pain control: a review. Clin Drug Investig. 2010;30(Suppl 2):15-26..

A escolha do melhor método ou combinação de métodos deve ser de acordo com a intensidade de dor do paciente e conhecimento por parte da equipe de saúde da correta realização do método, dos riscos e efeitos adversos possíveis55. Taylor A, Stanbury L. A review of postoperative pain management and the challenges. Curr Anaesth Crit Care. 2009;20(2):188-94..

Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia da analgesia utilizada em pacientes no pós-operatório imediato com fármacos prescritos pelo médico assistente, não especialista em dor.

MÉTODOS

Estudo prospectivo, descritivo, observacional, realizado no Hospital Santa Cruz de Curitiba (HSC). Foram realizadas duas avaliações no período pós-operatório dos pacientes submetidos a cirurgias no HSC, sendo a primeira no pós-operatório de 12 horas e a segunda no de 24 horas.

Foram avaliados os pacientes submetidos a procedimentos de cirurgia geral (fundoplicatura videolaparoscópica, colecistectomia videolaparoscópica, herniorrafia inguinal, apendicectomia videolaparoscópica, gastroplastia videolaparoscópica), cirurgia ortopédica (artroscopia de ombro, artrodese de coluna, tratamento cirúrgico para fratura de clavícula, ressecção de tumor ósseo, artroscopia do joelho, cirurgia para hérnia de disco, tratamento cirúrgico para osteomielite, microcirurgia para canal estreito lombar e cirurgia do hálux), cirurgia ginecológica (perineoplastia, histerectomia vaginal, videolaparoscopia ginecológica, cirurgia para colocação de slingpubo-uretral, laqueadura tubária e miomectomia) e a cesariana segmentar transversa.

A amostra foi constituída de pacientes de ambos os gêneros, com mais de 18 anos de idade. O critério de exclusão foi o paciente ter recebido alta em menos de 24 horas do período pós-operatório.

Todos os pacientes que concordaram em participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

As avaliações foram realizadas por meio de uma ficha de avaliação contendo perguntas relativas a dor pós-operatória e, caso presente, sua intensidade, bem como possíveis efeitos adversos a fármaco (náusea, vômitos, prurido e retenção urinária) eram anotados. Os fármacos utilizados (analgésico simples, AINES ou opioide) eram listados na ficha de avaliação de acordo com a prescrição do médico assistente do paciente.

Para a investigação da intensidade dolorosa foi utilizada a escala numérica verbal de dor, em que zero representa ausência de dor e 10 representa a pior dor imaginada. Os demais números representam estágios intermediários da dor. A dor foi classificada em ausente (0), leve (1-3), moderada (4-6) e intensa (7-10)1717. Pimenta CA, Cruz DA, Santos JL. Instrumentos para avaliação da dor. O que há de novo em nosso meio? Arq Bras Neurocir. 1998;17(1):15-24..

Para análise estatística foi empregado modelo com resposta multinomial e função de ligação logística, em que as variáveis "tipo de cirurgia" e "tipo de fármacos utilizados" foram correlacionadas com possível efeito sobre a intensidade da dor no período pós-operatório de 12 e de 24 horas. Para avaliar a significância dessas variáveis foi aplicado o teste de Razão de Verossimilhanças e foram mantidas no modelo apenas as variáveis com p<0,05. As análises foram efetuadas no pacote estatístico R versão 2.15.1.

Além disso, para verificar a associação entre o uso de opioides e a ocorrência de efeitos adversos (náusea, vômito, prurido, retenção urinária) foi utilizado o teste Qui-quadrado de independência e foi considerada significante quando p<0,05.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, com parecer nº 127.110/2012.

RESULTADOS

Foram entrevistados 186 pacientes, dos quais quatro foram excluídos por terem recebido alta hospitalar em período inferior a 24 horas. Assim, foram incluídos 182 pacientes para análise dos dados. Em relação às variáveis demográficas, 89% (n=162) dos pacientes eram do gênero feminino e 11% (n=20) eram do gênero masculino. A média de idade dos pacientes foi de 34,9±10,2 anos.

Os pacientes foram submetidos a diferentes tipos de operação sendo 49% a cesariana segmentar transversa, 27% a cirurgia geral, 14% a ginecológica e 10% a ortopédica.

Em relação à prescrição analgésica, dos 182 pacientes, 120 (65,9%) receberam opioide, associado ou não a AINE e/ou analgésico simples; 48 (26,4%) receberam AINE associado a analgésico simples; 7 (3,8%) receberam AINE isolado e 7 (3,8%) receberam analgésico simples isolado. Os fármacos utilizados eram de acordo com a prescrição do médico assistente e não houve associação com "tipo de cirurgia".

A prevalência de DPO nas primeiras 12 horas foi de 59%, com o paciente em repouso, sob analgesia. Na segunda avaliação, 24 horas após a operação, a prevalência de dor foi de 22%. A prevalência de dor em cada tipo de operação realizada está descrita na tabela 1.

Tabela 1
Distribuição dos pacientes segundo o tipo de operação e a ocorrência da dor pós-operatória entre 12 e 24 horas

Levando-se em consideração a intensidade da dor (12 horas) após a operação, com o paciente em repouso, constatou-se que 25% referiram dor leve (1 a 3), 23 % moderada (4 a 6) e 12% dor intensa (7 a 10). Em relação à intensidade da dor referida após 24 horas da operação, 10% referiram dor leve, 8% moderada e 4% dor intensa.

Após análise estatística, os dados calculados mostraram que as variáveis "tipo de cirurgia" (geral, ortopédica, ginecológica, cesariana) e "fármacos utilizados" (analgésico simples, AINES, opioide) não apresentaram influência sobre a intensidade da dor relatada na primeira avaliação. A probabilidade calculada para cada nível de DPO de 12 horas está descrita na tabela 2.

Tabela 2
Probabilidade calculada para cada nível de dor no pós-operatório de 12 horas

Na segunda avaliação, entretanto, que foi realizada 24 horas após o procedimento cirúrgico, a variável tipo de cirurgia apresentou significância sobre a intensidade de dor sentida (p=0,02). Essa variável, portanto, foi mantida no modelo e o cálculo da probabilidade está descrito na tabela 3.

Tabela 3
Intensidade de dor no pós-operatório de 24 horas de acordo com tipo de cirurgia

De acordo com os resultados obtidos, o paciente submetido a cirurgia ortopédica apresentou maior probabilidade de dor (49,57%) quando comparado aos outros tipos de cirurgia.

Ao relacionar a prevalência de dor no período pós-operatório de 12 horas ao uso de opioides, identificou-se que entre os que utilizaram o fármaco, 57% (n=69) sentiram dor e entre os que não utilizaram 63% (n=39), conforme representado na tabela 4.

Tabela 4
Análise do uso de opioide e ocorrência de dor no pós-operatório de 12 horas

Do total de pacientes estudados, 129 (70,8%) apresentaram possíveis efeitos adversos decorrentes de uso dos fármacos analgésicos na avaliação pós-operatória de 12 horas, sendo que 86 (48%) relataram prurido, 55 (30%) tiveram retenção urinária, 48 (26%) relataram náusea e 29 (16%) tiveram pelo menos um episódio de vômito. No que se refere à prevalência de tais efeitos nos pacientes que utilizaram opioides, os dados mostraram associação significativa, sendo que 80,8% dos pacientes que utilizaram opioides referiram ao menos um efeito adverso versus 51,6% dos que não utilizaram o fármaco (p=0,0001). Essa relação entre o uso de opioide e efeitos adversos está representada na tabela 5.

Tabela 5
Análise do uso de opioide e ocorrência de efeitos adversos

DISCUSSÃO

A prevalência de dor no período pós-operatório varia amplamente1818. Uchiyama K, Kawai M, Tani M, Ueno M, Hama T, Yamaue H. Gender differences in postoperative pain after laparoscopic cholecystectomy. Surg Endosc. 2006;20(3):448-51.. Estudos mostram que até 90% dos pacientes que se submetem a cirurgias sentem algum tipo de dor nas primeiras 24 horas do período pós-operatório e, se considerar a intensidade, 40 a 60% dos pacientes relatam dor moderada a intensa11. Pimenta CA, Santos EM, Chaves LD, Martins LM, Gutierrez BA. [Control of the postoperative pain.] Rev Esc Enferm USP. 2001;35(2):180-3. Portuguese.,22. Sommer M, de Rijke JM, van Kleef M, Kessels AG, Peters ML, Geurts JW, et al. The prevalence of postoperative pain in a sample of 1490 surgical inpatients. Eur J Anaesthesiol. 2008;25(4):267-74.. Entretanto, um estudo que utilizou a abordagem multimodal para o tratamento da dor mostrou que essa prevalência pode se restringir a apenas 2,2% do total de pacientes1919. Nielsen CS, Staud R, Price DD. Individual differences in pain sensitivity: measurement, causation, and consequences. J Pain. 2009;10(3):231-7..

O presente estudo mostrou que 59% dos pacientes relataram dor nas primeiras 12 horas após a cirurgia e 35%, se for considerada apenas a dor moderada a intensa. Já na segunda avaliação, 24 horas após a cirurgia, 22% relataram dor e 12% a graduaram como moderada ou intensa. Essa prevalência reflete que há um controle da dor relativamente eficaz, considerando que a prescrição analgésica era realizada pelo médico assistente do paciente e não por especialistas em dor. Isso poderia justificar a não utilização de abordagem multimodal e ocorrência de dor superior a desejada.

Além disso, deve ser considerado o perfil da amostra estudada, em que se verifica predominância do gênero feminino (89%). Estudos mostram que as mulheres têm menor limiar de dor e resposta diferente ao estímulo álgico que os homens. Isso pode ter influenciado os resultados obtidos2020. Palmeira CC, Ashmawi HA, Posso IP. Sexo e percepção da dor e analgesia. Rev Bras Anestesiol. 2011;61(6):814-8 .

No tocante aos fármacos utilizados, os pacientes que receberam opioides tiveram menor prevalência de dor (57%) comparado aos que não receberam opioides (63%). Entretanto, essa correlação não apresentou significância estatística, o que pode estar associado ao fato de que foram analisados diferentes tipos cirúrgicos, com estímulos nociceptivos diversos1818. Uchiyama K, Kawai M, Tani M, Ueno M, Hama T, Yamaue H. Gender differences in postoperative pain after laparoscopic cholecystectomy. Surg Endosc. 2006;20(3):448-51.. Além disso, cada paciente tem sensibilidade diferente à dor, podendo relatar dor de intensidade diferente para um mesmo procedimento2121. Kolm A, Ferraz AA, Módolo NS, Ferrari F, Ganem EM, Rodrigues Júnior GR, et al. [Prevention of itching after spinal sufentanil: effects of droperidol, nalbuphine, ondansetron and the association of them.] Rev Bras Anestesiol. 2006;56(1):28-33. Portuguese..

Ao associar a DPO com o tipo de operação, os resultados mostraram correlação significativa no pós-operatório de 24 horas. Outros estudos também demonstraram essa relação1818. Uchiyama K, Kawai M, Tani M, Ueno M, Hama T, Yamaue H. Gender differences in postoperative pain after laparoscopic cholecystectomy. Surg Endosc. 2006;20(3):448-51..

De acordo com os dados encontrados, um paciente submetido a cirurgia geral, por exemplo, apresenta 24,78% de probabilidade de apresentar dor, diferente de um paciente submetido a procedimento ortopédico, com probabilidade bem mais elevada, de 49,57%. Na literatura não há consenso sobre o assunto. Pode-se encontrar dados semelhantes aos deste estudo, em que a prevalência de DPO é maior nos pacientes submetidos a cirurgia ortopédica2222. Cohen MM, Duncan PG, DeBoer DP, Tweed WA. The postoperative interview: assessing risk factors for nausea and vomiting. Anesth Analg. 1994;78(1):7-16., e dados que contrapõem essa teoria, mostrando que a prevalência de dor é maior nos pacientes submetidos a cirurgia geral1818. Uchiyama K, Kawai M, Tani M, Ueno M, Hama T, Yamaue H. Gender differences in postoperative pain after laparoscopic cholecystectomy. Surg Endosc. 2006;20(3):448-51..

Em relação aos possíveis efeitos adversos no período pós-operatório de 12 horas, 129 pacientes (70,8%) relataram pelo menos um dos sintomas pesquisados, sendo que 86 (48%) referiram prurido; 55 (30%), retenção urinária; 48 (26%), náusea e 29 (16%) tiveram pelo menos um episódio de vômito. Consistente com esses achados, estudos mostram que o efeito adverso mais comum relativo ao emprego dos opioides por via espinhal é o prurido2121. Kolm A, Ferraz AA, Módolo NS, Ferrari F, Ganem EM, Rodrigues Júnior GR, et al. [Prevention of itching after spinal sufentanil: effects of droperidol, nalbuphine, ondansetron and the association of them.] Rev Bras Anestesiol. 2006;56(1):28-33. Portuguese..

Além disso, estudos indicam que a incidência de náusea no período pós-operatório está entre 22 e 38% e a incidência de vômito entre 12 e 26%, dados semelhantes ao encontrado no presente estudo2222. Cohen MM, Duncan PG, DeBoer DP, Tweed WA. The postoperative interview: assessing risk factors for nausea and vomiting. Anesth Analg. 1994;78(1):7-16..

De acordo com os dados calculados, os pacientes que utilizaram opioides apresentaram associação significativa com a ocorrência de efeitos adversos nas primeiras 12 horas de período pós-operatório (p=0,0001). Entretanto, é importante lembrar que a dor por si só aumenta a incidência de náusea e vômito no período pós-operatório2323. Shende D, Das K. Comparative effects of intravenous ketorolac and pethidine on perioperative analgesia and postoperative nausea and vomiting (PONV) for pediatric strabismus surgery. Acta Anaesthesiol Scand. 1999;43(3):265-9. e também deve ser levado em conta o tipo de anestesia empregada, o que pode estar associado à incidência aumentada de efeitos adversos2424. Borgeat A, Ekatodramis G, Schenker CA. Postoperative nausea and vomiting in regional anesthesia: a review. Anesthesiology. 2003;98(2):530-47.. Este estudo apresenta algumas limitações que devem ser analisadas. Em primeiro lugar, foi estudada uma população submetida a diferentes tipos de cirurgias e, mesmo agrupando-as por especialidades, precisa-se levar em consideração que o estímulo doloroso provocado em cada procedimento é diferente2525. Couceiro TC, Valença MM, Lima LC, de Menezes TC, Raposo MC. [Prevalence and influence of gender, age, and type of surgery on postoperative pain.] Rev Bras Anestesiol. 2009;59(3):314-20. Portuguese..

Outro fator a ser ressaltado é que o tipo de anestesia realizada pode ter influenciado os resultados, visto que os pacientes submetidos a bloqueios do neuroeixo (raquianestesia e peridural) apresentam analgesia prolongada devido ao bloqueio sensitivo residual que ocorre2626. Imbelloni LE, Fornasari M, Fialho JC, Sant'Anna R, Cordeiro JA. [General anesthesia versus spinal anesthesia for laparoscopic cholecystectomy.] Rev Bras Anestesiol. 2010;60(3):217-27. Portuguese.. E, por último, deve-se considerar o tamanho limitado da amostra, que não permite que os dados relatados sejam extrapolados para a população em geral.

CONCLUSÃO

Os dados encontrados no estudo mostraram que a analgesia realizada com fármacos prescritos por médicos não especialistas em tratamento da dor foi eficaz quando comparada a outros estudos que não utilizam serviços especializados em dor . Entretanto, como permanece uma parcela não desprezível de pacientes com dor, uma abordagem multimodal no tratamento da dor aguda, coordenada por um serviço especializado, poderia diminuir ainda mais essa prevalência.

A importância de tratar a dor aguda pós-operatória de forma adequada é que, além de reduzir o sofrimento do paciente, diminui as morbidades associadas e a progressão da dor para a cronicidade.

  • *
    Recebido do Hospital Santa Cruz, Curitiba, PR, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2013
  • Aceito
    15 Jan 2014
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