Acessibilidade / Reportar erro

Recomendações para uso de opioides no Brasil: Parte II. Uso em crianças e idosos* * Recebido da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor, São Paulo, SP, Brasil.

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

O tratamento da dor nos extremos de idade e na criança ainda exige atenção e revisão de paradigmas. Inúmeras são as doenças ou procedimentos que provocam dor desde o período neonatal até a adolescência. Nos idosos, há maior prevalência de doenças degenerativas que cursam com dor aguda e crônica. O objetivo deste estudo foi discutir recomendações para o emprego de opioides no neonato, na criança e no idoso.

CONTEÚDO:

Nesta revisão foi abordado o emprego de opioides no período neonatal, em crianças maiores e nos idosos, suas indicações, fármacos usados, doses, riscos, complicações e recomendações.

CONCLUSÃO:

O emprego de opioides em extremos de idade ainda é um desafio. No entanto, é necessária a educação continuada em torno do tema, estimulando a pesquisa clínica e a construção de recomendações baseadas em evidências. O uso seguro desses agentes na indicação e proporção corretas para o alívio da dor diminui riscos e deve ser a base da boa conduta clínica.

Criança; Idoso; Opioides


BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Pain management in age extremes and in children still requires attention and paradigms review. There are several diseases or procedures inducing pain from the neonatal period to adolescence. In the elderly, there is higher prevalence of degenerative diseases which induce acute and chronic pain. This study aimed at discussing recommendations for the use of opioid in neonates, children and the elderly.

CONTENTS:

This review has addressed the use of opioids in the neonatal period, in older children and in the elderly, their indications, drugs used, doses, risks, complications and recommendations.

CONCLUSION:

The use of opioids in age extremes is still a challenge. However, ongoing education about the subject is needed, encouraging clinical trials and the development of evidence-based recommendations. The safe use of such agents in correct indication and proportion for pain relief decreases risks and should be the basis for good clinical practice.

Children; Elderly; Opioids


INTRODUÇÃO

O emprego de opioide de maneira correta e monitorada ainda é um desafio ao profissional de saúde. Desse modo, por iniciativa de um grupo de especialistas, com a validação institucional da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED), optou-se por publicação que tem como principal proposta apresentar recomendações que orientem os profissionais da saúde para o uso de opioides no controle da dor crônica e aguda. Continuando o trabalho, serão discutidos neste estudo o emprego de opioides no período neonatal, em crianças maiores e nos idosos, suas indicações, fármacos usados, doses, riscos e complicações. As recomendações apresentadas nesta e em futuras publicações de maneira sequenciada têm como proposta iniciar a composição de um guia prático para o tratamento adequado dos pacientes, divulgar as recomendações disponíveis em relação ao uso de opioides em diversas situações clínicas, estimular a pesquisa relacionada à segurança e à sua efetividade, bem como desmitificar a associação inadequada entre adição/dependência e o uso de opioides.

O USO DE OPIOIDES EM CRIANÇAS

A despeito do que se acreditava até a década de 1980, os pacientes pediátricos de todas as faixas etárias, mesmo nos graus extremos da prematuridade, são capazes de sentir dor11. Anand KJ, Hickey PR. Pain and its effects in the human neonate and fetus. N Engl J Med. 1987;317(21):1321-9.,22. Fitzgerald M, Beggs S. The neurobiology of pain: developmental aspects. Neuroscientist. 2001;7(3):246-57.. Desse modo, a analgesia inadequada pode provocar consequências imediatas ou em longo prazo33. Grunau RE, Holsti L, Haley DW, Oberlander T, Weinberg J, Solimano A, et al. Neonatal procedural pain exposure predicts lower cortisol and behavioral reactivity in preterm infants in the NICU. Pain. 2005;113(3):293-300.

4. Klein VC, Gaspardo CM, Martinez FE, Grunau RE, Linhares MB. Pain and distress reactivity and recovery as early predictors of temperament in toddlers born preterm. Early Hum Dev. 2009;85(9):569-76.
-55. Harrison D. Management and treatment of pain in infants. In: Mogil J, (editor). Pain 2010 An Update Review Refresher Course Syllabus. Seattle, IASP Press; 2010. 391-8p.. Apesar desse conhecimento, quase 80% das crianças internadas em unidades neonatais de terapia intensiva ainda são subtratadas66. Carbajal R, Rousset A, Danan C, Coquery S, Nolent P, Ducrocq S, et al. Epidemiology and treatment of painful procedures in neonates in intensive care units. JAMA 2008;300(1):60-70.. Isso pode estar relacionado à falta de conhecimento da anatomia e da fisiologia da transmissão dolorosa, das escalas de avaliação da dor, da farmacocinética e farmacodinâmica dos analgésicos, além da insegurança para administrar fármacos na população neonatal por conta de medo de efeitos adversos77. Hall RW, Shbarou RM. Drugs of choice for sedation and analgesia in the neonatal ICU. Clin Perinatol. 2009;36(2):215-26.. Também, a maioria das crianças com doença oncológica avançada sente dor até os últimos dias de vida, enfatizando a necessidade da abordagem correta do sintoma em pediatria88. Albano EA, Odom LF. Supportive care in pediatric oncology. Curr Opin Pediatr. 1993;5(1):131-7.

9. Contro N, Larson J, Scofield S, Sourkes B, Cohen H. Family perspectives on the quality of pediatric palliative care. Arch Pediatr Adolesc Med. 2002;156 (1):14-9.

10. Drake R, Frost J, Collins JJ. The symptoms of dying children. J Pain Symptom Manage. 2003;26(1):594-603.

11. Goldman A, Hewitt M, Collins GS, Childs M, Hain R. Symptoms in children/young people with progressive malignant disease: United Kingdom Children's Cancer Study Group/Paediatric Oncology Nurses Forum survey. United Kingdom Children's Cancer Study Group/Paediatric Oncology Nurses' Forum Palliative Care Working Group. Pediatrics. 2006;117(6):e1179-86.

12. Jalmsell L, Kreicbergs U, Onelöv E, Steineck G, Henter JI. Symptoms affecting children with malignancies during the last month of life: a nationwide follow-up. Pediatrics. 2006;117(4):1314-20.
-1313. Wolfe J, Grier HE, Klar N, Levin SB, Ellenbogen JM, Salem-Schatz S, et al. Symptoms and suffering at the end of life in children with cancer. N Engl J Med. 2000;342(5):326-33.. Assim, é importante modificar a ideia de que os opioides provocam efeitos adversos intoleráveis e de difícil manuseio clínico; ou que podem encurtar a expectativa de vida das crianças ou estar relacionados com alto potencial para abuso88. Albano EA, Odom LF. Supportive care in pediatric oncology. Curr Opin Pediatr. 1993;5(1):131-7.,1010. Drake R, Frost J, Collins JJ. The symptoms of dying children. J Pain Symptom Manage. 2003;26(1):594-603.,1414. Brown RE Jr, Schmitz ML, Andelman PD. The treatment of pain in children. J Ark Med Soc. 1993;90(3):112-3.

15. Mack JW, Hilden JM, Watterson J, Moore C, Turner B, Grier HE, et al. Parent and physician perspectives on quality of care at the end of life in children with cancer. J Clin Oncol. 2005;23(36):9155-61.

16. Ellis JA, McCarthy P, Hershon L, Horlin R, Rattray M, Tierney S. Pain practices: a cross-Canada survey of pediatric oncology centers. J Pediatr Oncol Nurs. 2003;20(1):26-35.
-1717. Hilden JM, Emanuel EJ, Fairclough DL, Link MP, Foley KM, Clarridge BC, et al. Attitudes and practices among pediatric oncologists regarding end-of-life care: results of the 1998 American Society of Clinical Oncology survey. J Clin Oncol. 2001;19(1):205-12..

OPIOIDES NO RECÉM-NASCIDO

As modernas unidades de terapia intensiva neonatais têm utilizado opioides tanto para o alívio da dor aguda decorrente de procedimentos (injeções, intubação etc.) como para a dor crônica (enterocolite necrotizante)1818. Bellù R, de Waal KA, Zanini R. Opioids for neonates receiving mechanical ventilation. [update of Cochrane Database Syst Rev. 2005;(1):CD004212. Cochrane Database Syst Rev 2008;(1):CD004212..

Morfina

A morfina é o fármaco mais utilizado em pacientes de todas as idades, incluindo os neonatos em ventilação mecânica (VM)1919. Hall RW, Boyle E, Young T. Do ventilated neonates require pain management? Semin Perinatol. 2007;31(5):289-97.. A morfina é metabolizada no fígado em morfina-3-glicuronide (inativa) e morfina-6-glicuronide (ativa), ambas excretadas pelos rins. Em geral, a meia vida de eliminação é mais longa e a depuração plasmática está diminuída em recém-nascidos, sendo mais pronunciadas nos prematuros. A ligação da morfina às proteínas também está reduzida, permitindo uma maior proporção da fração livre do fármaco para penetrar no cérebro, aumentando o risco de depressão respiratória. Por outro lado, os valores da meia vida de eliminação e a depuração plasmática igualam-se aos do adulto aos dois meses de idade, portanto, é necessária uma cuidadosa titulação do agente para obter níveis desejáveis de analgesia sem efeitos adversos2020. Kraemer FW, Rose JB. Pharmacologic management of acute pediatric pain. Anesthesiol Clin. 2009;27(2):241-68.. Os recém-nascidos prematuros produzem mais metabólitos (morfina-3-glicuronide) do que crianças maiores e por se tratar de metabólito antagonista, podem desenvolver tolerância, três a quatro dias após o início do tratamento2121. Anand KJ. Pharmacological approaches to the management of pain in the neonatal intensive care unit. J Perinatol. 2007;27(Suppl 1):S4-S11.. Também, é importante salientar que neonatos com idade gestacional inferior a 26 semanas, com longos períodos de jejum ou instabilidade hemodinâmica que necessitam assistência ventilatória prolongada apresentam risco de apresentar hipotensão arterial com o emprego de morfina2222. Hall RW, Kronsberg SS, Barton BA, Kaiser JR, Anand KJ. Morphine, hypotension, and adverse outcomes in preterm neonates: who's to blame? NEOPAIN Trial Investigators Group. Pediatrics. 2005;115(5):1351-9.

23. Simons SH, van Dijk M, van Lingen RA, Roofthooft D, Duivenvoorden HJ, Jongeneel N, et al. Routine morphine infusion in preterm newborns who received ventilatory support: a randomized controlled trial. JAMA. 2003;290(18):2419-27.

24. Anand KJ, Hall RW, Desai N, Shephard B, Bergqvist LL, Young TE, et al. Effects of morphine analgesia in ventilated preterm neonates: primary outcomes from the NEOPAIN randomised trial. Lancet. 2004;363(9422):1673-82.
-2525. Kart T, Christup LL, Rasmussen M. Recommended use of morphine in neonates, infants and children based on a literature review: Part 2--Clinical use. Paediatr Anaesth. 1997;7(2):93-101..

Fentanil

O fentanil é um opioide 50 a 100 vezes mais potente do que a morfina, altamente lipofílico, resultando em significante penetração no sistema nervoso central. Devido à sua potência, à possibilidade de não alterar a estabilidade hemodinâmica e à rápida duração de ação, tem sido bastante utilizado nas unidades de terapia intensiva, para procedimentos dolorosos, tanto em infusão contínua como em dose única. Lembrar que após cinco ou mais dias de infusão contínua com fentanil, pode ocorrer tolerância ou síndrome de abstinência. Os neonatos, por possuírem níveis reduzidos da α-1 glicoproteína ácida, proteína a que normalmente o opioide se liga, apresentam maior fração livre de fentanil no plasma77. Hall RW, Shbarou RM. Drugs of choice for sedation and analgesia in the neonatal ICU. Clin Perinatol. 2009;36(2):215-26.,2020. Kraemer FW, Rose JB. Pharmacologic management of acute pediatric pain. Anesthesiol Clin. 2009;27(2):241-68.. Estudos em neonatos que utilizaram fentanil por via venosa durante a VM constataram redução dos escores de dor, do estresse e da frequência cardíaca, quando comparado ao placebo, além do aumento dos níveis do hormônio de crescimento2626. Guinsburg R, Kopelman BI, Anand KJ, de Almeida MF, Peres Cde A, Miyoshi MH. Physiological, hormonal, and behavioral responses to a single fentanyl dose in intubated and ventilated preterm neonates. J Pediatr. 1998;132(6):954-9.. A analgesia foi semelhante à morfina, porém com menos efeitos adversos2727. Saarenmaa E, Huttunen P, Leppäluoto J, Meretoja O, Fellman V. Advantages of fentanyl over morphine in analgesia for ventilated newborn infants after birth: a randomized trial. J Pediatr. 1999;134(2):144-50.. Houve, entretanto, maior necessidade de aumentar as taxas de ventilação e de pico de pressão inspiratória nas primeiras 24 horas2828. Orsini AJ, Leef KH, Costarino A, Dettorre MD, Stefano JL. Routine use of fentanyl infusions for pain and stress reduction in infants with respiratory distress syndrome. J Pediatr. 1996;129(1):140-5..

A CRIANÇA MAIOR E O USO DE OPIOIDES: INDICAÇÕES

Dor pós-operatória

Morfina: está indicada na dor moderada a intensa que não responde aos analgésicos comuns, opioides fracos ou bloqueios regionais. Pode ser administrada por diferentes vias e técnicas como: venosa ou subcutânea em dose de ataque (50-100µg.kg-1); em infusão contínua (15-30µg.kg-1); na analgesia controlada pelo paciente, com ou sem infusão basal (20µg.kg-1 de demanda e 0-20µg.kg-1.h-1de infusão basal) no neuroeixo (30-50µg.kg-1 no espaço peridural ou em infusão continua associada ao anestésico local)2020. Kraemer FW, Rose JB. Pharmacologic management of acute pediatric pain. Anesthesiol Clin. 2009;27(2):241-68.,2929. Morton NS. Specific plans for pain prevention and control. In: Morton NS, (editor). Acute Paediatric Pain Management A Practical Guide. London: WB Saunders; 1998. 225-44p..

Fentanil: pode ser utilizado por via nasal (2µg.kg-1), peridural (1-2µg.kg1),em infusão venosa contínua (0,5µg.kg-1.h-1) e em dose de ataque (0,5-1µg.kg-1)(2020. Kraemer FW, Rose JB. Pharmacologic management of acute pediatric pain. Anesthesiol Clin. 2009;27(2):241-68.).

Tramadol e codeína: opioides fracos com grandes variabilidades farmacogenéticas em relação à metabolização e igual ou superior incidência de náuseas e vômitos em relação aos opioides fortes(2020. Kraemer FW, Rose JB. Pharmacologic management of acute pediatric pain. Anesthesiol Clin. 2009;27(2):241-68.).

Metadona e nalbufina na analgesia pós-operatória: pouca evidência de uso nas crianças(2020. Kraemer FW, Rose JB. Pharmacologic management of acute pediatric pain. Anesthesiol Clin. 2009;27(2):241-68.).

Dor persistente

A Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou recentemente que a escada analgésica de três degraus deve ser abandonada em favor da de dois degraus, dando preferência a pequenas doses de opioides fortes ao invés da utilização de opioides fracos como codeína e tramadol, no caso dos analgésicos não opioides serem insuficientes para o alívio da dor. Isso pelo fato de a codeína apresentar problemas de segurança e de eficácia relacionados à variabilidade genética na biotransformação. A codeína é um pró-fármaco que é convertido no seu metabólito ativo morfina pela enzima CYP2D6. A eficácia de um pró-fármaco depende da quantidade do metabólito ativo formado. Expressões variáveis das enzimas envolvidas na biotransformação dos pró-fármacos podem levar a diferenças nas taxas de conversão e da concentração plasmática do metabólito ativo de forma inter-individual e inter-étnica. No feto, a atividade da CYP2D6 está ausente ou é menos do que 1% dos valores de adultos, aumentando com o nascimento. As estimativas mostram que o valor da conversão não é 25% dos valores de adultos em crianças menores de cinco anos. Desse modo, o efeito analgésico é baixo ou ausente em recém-nascidos e nas crianças pequenas. A porcentagem de metabolizadores fracos pode variar segundo os grupos étnicos de 1 a 30%, resultando em ineficácia em grande número de pacientes, incluindo crianças. Inversamente, indivíduos que metabolizam a codeína rapidamente e em alta proporção estão em risco para a toxicidade do opioide, dada a conversão elevada e descontrolada de codeína em morfina. Faltam dados sobre os outros opioides de potência intermediária para uso em pediatria.

O tramadol é um outro analgésico opioide com efeitos favoráveis para o controle da dor moderada. Não existe atualmente qualquer evidência disponível para a sua eficácia e a segurança para as crianças. O tramadol não está licenciado para uso pediátrico em vários países. Mais pesquisas sobre tramadol e outros opioides de potência intermediária são necessárias. Se a intensidade da dor associada a uma afecção é avaliada como moderada ou intensa, a administração de um opioide forte é necessária.

Os riscos de usar um analgésico opioide forte e efetivo superam a incerteza associada com a resposta à codeína e ao tramadol em crianças. Se houver, entretanto, novos estudos utilizando o tramadol, codeína ou um opioide alternativo de potência intermediária, essa avaliação risco-benefício pode ser reconsiderada. Lembrar que a morfina é recomendada como fármaco de primeira linha para o tratamento de dor moderada a intensa em crianças com dor persistente. A seleção de alternativas de analgésicos opioides à morfina deve ser guiada por considerações de segurança, disponibilidade, custo e conveniência, incluindo fatores relacionados ao paciente. A morfina é relativamente de baixo custo e com disponibilidade de mais de uma formulação. Há, no entanto, a necessidade de realizar ensaios clínicos que comparem os diversos opioides em termos de eficácia, de efeitos adversos e de viabilidade para crianças com dor persistente. O desenvolvimento de formulações mais seguras com doses apropriadas para essas faixas etárias muito jovens deve se tornar uma alta prioridade. As doses de opioides por diversas vias estão disponíveis na tabela 1.

Tabela 1
Doses de opioides por diferentes vias de acordo com a faixa etária

Os comprimidos de liberação imediata ou soluções por via oral podem ser utilizados para titulação de dosagens de morfina para a criança. São também indispensáveis ​​para o tratamento da dor episódica ou no avanço da doença. A disponibilidade de formulações de liberação imediata tem prioridade sobre formulações de liberação cronogramada de morfina. Lembrar que a solução de morfina oral é sempre uma alternativa quando uma criança não é capaz de engolir comprimidos. Por outro lado, os comprimidos de liberação cronogramada devem ser utilizados para melhorar a adesão ao tratamento e facilitar a administração em intervalos prolongados. Na presença de efeito analgésico inadequado com efeitos adversos intolerantes recomenda-se fortemente a troca de opioide e ou da via de administração. A titulação ideal de um opioide em uma criança é fundamental antes de considerar a mudança para outro opioide. A troca deve ser considerada apenas quando o fármaco administrado foi devidamente titulado, mas a resposta analgésica foi inadequada e os efeitos adversos vivenciados pela criança, intoleráveis. A segurança enquanto ocorre a troca dos opioides deve ser sempre avaliada, considerando o risco de sobredose. Formulações de fentanil, metadona e oxicodona são consideradas alternativas à morfina para troca em crianças com dor persistente. Atenção à idade e às tabelas de conversão de dose de opioides diferentes, que normalmente são empíricas. Outros fatores a serem considerados na titulação e rotação do opioide são: biodisponibilidade da formulação; interações com outros fármacos; depuração renal e hepática. A escolha de vias alternativas de administração, quando a via oral não está disponível, deve ser baseada em julgamento clínico, na disponibilidade, na viabilidade e na preferência do paciente. Os estudos disponíveis em dor aguda ou pós-operatório não fornecem evidências conclusivas para orientar as recomendações por outras vias. Para dor crônica existe a possibilidade de uso transdérmico e em casos especiais de administração no neuroeixo. A via intramuscular de administração de opioides deve sempre ser evitada em criança, por conta da dor que provoca. Há evidência insuficiente para recomendar um opioide particular ou uma via de administração para tratar dor tipo espontânea ou incidental. É necessário fazer uma escolha apropriada da modalidade de tratamento baseada no julgamento clínico, disponibilidade, considerações farmacológicas e fatores relacionados ao paciente3030. WHO Guidelines on the Pharmacological Treatment of Persisting Pain in Children with Medical Illnesses. Geneva: World Health Organization; 2012..

USO DE OPIOIDES EM IDOSOS

Os idosos têm menor probabilidade do que os mais jovens para reclamar ou aceitar a prescrição dos opioides por temerem o efeito de adição; associarem opioides (particularmente morfina) com doenças graves ou terminais, e acreditarem que, reclamando de dor, possam necessitar de investigação diagnóstica ou internação3131. Robinson CL. Relieving pain in the elderly. Health Prog. 2007;88(1):48-53.. Também, alguns médicos são relutantes em prescrever opioides para essa faixa etária. Foi descrito, no entanto, que o idoso apresenta intensidade da dor comparável à de um jovem, e que a dose de morfina necessária para reduzir a escala analógica visual (EAV) para um nível menor que 4 não é afetada significantemente pela idade3232. Wilder-Smith OH. Opioid use in the elderly. Eur J Pain. 2005;9(2):137-40. . Os opioides são geralmente seguros para o idoso quando titulados cuidadosamente. Também, são fármacos que provocam menor toxicidade orgânica do que os anti-inflamatórios, e em trabalhos que utilizaram dose única de opioide houve menor prejuízo cognitivo do que quando foi usado benzodiazepínico3333. O'Neill WM, Hanks GW, White L, Simpson P, Wesnes K. The cognitive and psychomotor effects of opioid analgesics. I. A randomized controlled trial of single doses of dextropropoxyphene, lorazepam and placebo in healthy subjects. Eur J Clin Pharmacol. 1995;48(6):447-53.. Nas clínicas de tratamento de pacientes idosos com quadros bem definidos de dor crônica ocorrem taxas muito baixas de abuso e de adição ao opioide3434. Ytterberg SR, Mahowald ML, Woods SR. Codeine and oxycodone use in patients with chronic rheumatic disease pain. Arthritis Rheum. 1998;41(9):1603-12.,3535. Mahowald ML, Singh JA, Majeski P. Opioid use by patients in an orthopedics spine clinic. Arthritis Rheum. 2005;52(1):312-21..

Riscos do uso de opioides no idoso

Sobredose: vários fatores farmacocinéticos podem determinar que os idosos apresentem um risco maior de sobredose pelo uso de opioides quando comparados aos pacientes mais jovens. Isso está relacionado à menor ligação à proteína plasmática, ao menor volume de ejeção ventricular (diminui o metabolismo hepático) e à maior sensibilidade aos efeitos psicoativos e respiratórios causados pelos opioides3636. Freye E, Levy JV. Use of opioids in the elderly -- pharmacokinetic and pharmacodynamic considerations. Anasthesiol Intensivmed Notfallmed Schmerzther. 2004;39(9):527-37.,3737. Wilder-Smith OH. Opioid use in the elderly. Eur J Pain. 2005;9(2):137-40..

Sedação excessiva: há alta prevalência de pacientes idosos usando opioides associados aos benzodiazepínicos e outros fármacos psicotrópicos(3838. Hartikainen SA, Mäntyselkä PT, Louhivuori-Laako KA, Sulkava RO. Balancing pain and analgesic treatment in the home-dwelling elderly. Ann Pharmacother. 2005;39(1):11-6.), aumentando o risco de sedação.

Recomendações para uso de opioides em idosos(3939. Pergolizzi J, Böger RH, Budd K, Dahan A, Erdine S, Hans G, et al. Opioids and the management of chronic severe pain in the elderly: consensus statement of an International Expert Panel with focus on the six clinically most often used World Health Organization Step III opioids (buprenorphine, fentanyl, hydromorphone, methadone, morphine, oxycodone) Pain Pract. 2008;8(4):287-313.,4040. American Geriatrics Society Panel on Pharmacological Management of Persistent Pain in Older Persons. Pharmacological management of persistent pain in older persons. J Am Geriatr Soc. 2009;57(8):1331-46.):

  • Evitar o emprego de opioides em pacientes com déficit cognitivo ou os que vivem sozinhos, a menos que exista supervisão para uso adequado do fármaco;

  • Iniciar com a dose baixa (de até 50% da dose inicial sugerida para adultos), a titulação lenta e os intervalos entre doses mais espaçados. O monitoramento deve ser frequente, e o uso de benzodiazepínico restrito. Isso para reduzir o risco de quedas e comprometimento cognitivo;

  • Utilizar preferencialmente fármacos de liberação controlada (CR). No entanto, o uso de fármacos de liberação imediata pode ser empregado no controle da dor aguda ou como fármaco de resgate;

  • Considerar três dias para avaliar a tolerância ao opioide;

  • Monitorar a função renal periodicamente ou as alterações clínicas;

  • Reconhecer os sinais de sobredose, como por exemplo, fala arrastada, labilidade emocional, ataxia e sonolência durante a conversa ou atividade;

  • Tratar constipação profilaticamente ao usar qualquer opioide no idoso;

  • Lembrar que tramadol deve ser iniciado com precaução nos pacientes que utilizam outros psicotrópicos, pelo maior potencial de causar tontura ou crise serotoninérgica. O tramadol está contraindicado nos pacientes com epilepsia e promove menor constipação que a codeína.

CONCLUSÃO

O emprego de opioides em extremos de idade ainda é um desafio. No entanto, é necessária a educação continuada em torno do tema, estimulando a pesquisa clínica e a construção de recomendações baseadas em evidências. Desse modo, o uso seguro desses agentes na indicação e proporção correta para o alívio da dor, diminui riscos e deve ser a base da boa conduta clínica. Essa medida seguramente reduzirá a morbidade a curto e longo prazo e promoverá o bem-estar do paciente.

Autores do grupo de Especialistas:

Alexandre Annes Henriques

Anderson Arantes Silvestrini

Ângela Maria Sousa

Ariel de Freitas Q. Américo

Cláudio Fernandes Corrêa

Daniel Ciampi Andrade

Eduardo Grossmann

Erich Talamoni Fonoff

Gualter Lisboa Ramalho

Guilherme A. M. de Barros

Grace Haber

Inês T. V. e Melo

Irimar De Paula Posso

Janaina Vall

João Marcos Rizzo

João Valverde Filho

José Oswaldo de Oliveira Júnior

Judymara Lauzi Gozzani

Karine A. S. Leão Ferreira

Lia Rachel C. do Amaral Pelloso

Lin Tchia Yeng

Manoel Jacobsen Teixeira

Mario Luiz Giublin

Maria Teresa R. Jalbut Jacob

Miriam Seligman Menezes

Mirlane Guimarães Cardoso

Newton Monteiro de Barros

Onofre Alves Neto

Patrick Raymond Stump

Rioko Kimiko Sakata

Roberto T. de Castro Bettega

Rogério Teixeira

Sandra Caires Serrano

Sílvia Maria de Macedo Barbosa

Telma M. Zakka

Theodora Karnakis

Toshio Chiba

Waleska Sampaio

William Gêmio Teixeira

William Jacobsen Teixeira

  • *
    Recebido da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor, São Paulo, SP, Brasil.
AGRADECIMENTOS

Esta recomendação foi realizada pela Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor com o apoio da Janssen do Brasil.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Anand KJ, Hickey PR. Pain and its effects in the human neonate and fetus. N Engl J Med. 1987;317(21):1321-9.
  • 2
    Fitzgerald M, Beggs S. The neurobiology of pain: developmental aspects. Neuroscientist. 2001;7(3):246-57.
  • 3
    Grunau RE, Holsti L, Haley DW, Oberlander T, Weinberg J, Solimano A, et al. Neonatal procedural pain exposure predicts lower cortisol and behavioral reactivity in preterm infants in the NICU. Pain. 2005;113(3):293-300.
  • 4
    Klein VC, Gaspardo CM, Martinez FE, Grunau RE, Linhares MB. Pain and distress reactivity and recovery as early predictors of temperament in toddlers born preterm. Early Hum Dev. 2009;85(9):569-76.
  • 5
    Harrison D. Management and treatment of pain in infants. In: Mogil J, (editor). Pain 2010 An Update Review Refresher Course Syllabus. Seattle, IASP Press; 2010. 391-8p.
  • 6
    Carbajal R, Rousset A, Danan C, Coquery S, Nolent P, Ducrocq S, et al. Epidemiology and treatment of painful procedures in neonates in intensive care units. JAMA 2008;300(1):60-70.
  • 7
    Hall RW, Shbarou RM. Drugs of choice for sedation and analgesia in the neonatal ICU. Clin Perinatol. 2009;36(2):215-26.
  • 8
    Albano EA, Odom LF. Supportive care in pediatric oncology. Curr Opin Pediatr. 1993;5(1):131-7.
  • 9
    Contro N, Larson J, Scofield S, Sourkes B, Cohen H. Family perspectives on the quality of pediatric palliative care. Arch Pediatr Adolesc Med. 2002;156 (1):14-9.
  • 10
    Drake R, Frost J, Collins JJ. The symptoms of dying children. J Pain Symptom Manage. 2003;26(1):594-603.
  • 11
    Goldman A, Hewitt M, Collins GS, Childs M, Hain R. Symptoms in children/young people with progressive malignant disease: United Kingdom Children's Cancer Study Group/Paediatric Oncology Nurses Forum survey. United Kingdom Children's Cancer Study Group/Paediatric Oncology Nurses' Forum Palliative Care Working Group. Pediatrics. 2006;117(6):e1179-86.
  • 12
    Jalmsell L, Kreicbergs U, Onelöv E, Steineck G, Henter JI. Symptoms affecting children with malignancies during the last month of life: a nationwide follow-up. Pediatrics. 2006;117(4):1314-20.
  • 13
    Wolfe J, Grier HE, Klar N, Levin SB, Ellenbogen JM, Salem-Schatz S, et al. Symptoms and suffering at the end of life in children with cancer. N Engl J Med. 2000;342(5):326-33.
  • 14
    Brown RE Jr, Schmitz ML, Andelman PD. The treatment of pain in children. J Ark Med Soc. 1993;90(3):112-3.
  • 15
    Mack JW, Hilden JM, Watterson J, Moore C, Turner B, Grier HE, et al. Parent and physician perspectives on quality of care at the end of life in children with cancer. J Clin Oncol. 2005;23(36):9155-61.
  • 16
    Ellis JA, McCarthy P, Hershon L, Horlin R, Rattray M, Tierney S. Pain practices: a cross-Canada survey of pediatric oncology centers. J Pediatr Oncol Nurs. 2003;20(1):26-35.
  • 17
    Hilden JM, Emanuel EJ, Fairclough DL, Link MP, Foley KM, Clarridge BC, et al. Attitudes and practices among pediatric oncologists regarding end-of-life care: results of the 1998 American Society of Clinical Oncology survey. J Clin Oncol. 2001;19(1):205-12.
  • 18
    Bellù R, de Waal KA, Zanini R. Opioids for neonates receiving mechanical ventilation. [update of Cochrane Database Syst Rev. 2005;(1):CD004212. Cochrane Database Syst Rev 2008;(1):CD004212.
  • 19
    Hall RW, Boyle E, Young T. Do ventilated neonates require pain management? Semin Perinatol. 2007;31(5):289-97.
  • 20
    Kraemer FW, Rose JB. Pharmacologic management of acute pediatric pain. Anesthesiol Clin. 2009;27(2):241-68.
  • 21
    Anand KJ. Pharmacological approaches to the management of pain in the neonatal intensive care unit. J Perinatol. 2007;27(Suppl 1):S4-S11.
  • 22
    Hall RW, Kronsberg SS, Barton BA, Kaiser JR, Anand KJ. Morphine, hypotension, and adverse outcomes in preterm neonates: who's to blame? NEOPAIN Trial Investigators Group. Pediatrics. 2005;115(5):1351-9.
  • 23
    Simons SH, van Dijk M, van Lingen RA, Roofthooft D, Duivenvoorden HJ, Jongeneel N, et al. Routine morphine infusion in preterm newborns who received ventilatory support: a randomized controlled trial. JAMA. 2003;290(18):2419-27.
  • 24
    Anand KJ, Hall RW, Desai N, Shephard B, Bergqvist LL, Young TE, et al. Effects of morphine analgesia in ventilated preterm neonates: primary outcomes from the NEOPAIN randomised trial. Lancet. 2004;363(9422):1673-82.
  • 25
    Kart T, Christup LL, Rasmussen M. Recommended use of morphine in neonates, infants and children based on a literature review: Part 2--Clinical use. Paediatr Anaesth. 1997;7(2):93-101.
  • 26
    Guinsburg R, Kopelman BI, Anand KJ, de Almeida MF, Peres Cde A, Miyoshi MH. Physiological, hormonal, and behavioral responses to a single fentanyl dose in intubated and ventilated preterm neonates. J Pediatr. 1998;132(6):954-9.
  • 27
    Saarenmaa E, Huttunen P, Leppäluoto J, Meretoja O, Fellman V. Advantages of fentanyl over morphine in analgesia for ventilated newborn infants after birth: a randomized trial. J Pediatr. 1999;134(2):144-50.
  • 28
    Orsini AJ, Leef KH, Costarino A, Dettorre MD, Stefano JL. Routine use of fentanyl infusions for pain and stress reduction in infants with respiratory distress syndrome. J Pediatr. 1996;129(1):140-5.
  • 29
    Morton NS. Specific plans for pain prevention and control. In: Morton NS, (editor). Acute Paediatric Pain Management A Practical Guide. London: WB Saunders; 1998. 225-44p.
  • 30
    WHO Guidelines on the Pharmacological Treatment of Persisting Pain in Children with Medical Illnesses. Geneva: World Health Organization; 2012.
  • 31
    Robinson CL. Relieving pain in the elderly. Health Prog. 2007;88(1):48-53.
  • 32
    Wilder-Smith OH. Opioid use in the elderly. Eur J Pain. 2005;9(2):137-40.
  • 33
    O'Neill WM, Hanks GW, White L, Simpson P, Wesnes K. The cognitive and psychomotor effects of opioid analgesics. I. A randomized controlled trial of single doses of dextropropoxyphene, lorazepam and placebo in healthy subjects. Eur J Clin Pharmacol. 1995;48(6):447-53.
  • 34
    Ytterberg SR, Mahowald ML, Woods SR. Codeine and oxycodone use in patients with chronic rheumatic disease pain. Arthritis Rheum. 1998;41(9):1603-12.
  • 35
    Mahowald ML, Singh JA, Majeski P. Opioid use by patients in an orthopedics spine clinic. Arthritis Rheum. 2005;52(1):312-21.
  • 36
    Freye E, Levy JV. Use of opioids in the elderly -- pharmacokinetic and pharmacodynamic considerations. Anasthesiol Intensivmed Notfallmed Schmerzther. 2004;39(9):527-37.
  • 37
    Wilder-Smith OH. Opioid use in the elderly. Eur J Pain. 2005;9(2):137-40.
  • 38
    Hartikainen SA, Mäntyselkä PT, Louhivuori-Laako KA, Sulkava RO. Balancing pain and analgesic treatment in the home-dwelling elderly. Ann Pharmacother. 2005;39(1):11-6.
  • 39
    Pergolizzi J, Böger RH, Budd K, Dahan A, Erdine S, Hans G, et al. Opioids and the management of chronic severe pain in the elderly: consensus statement of an International Expert Panel with focus on the six clinically most often used World Health Organization Step III opioids (buprenorphine, fentanyl, hydromorphone, methadone, morphine, oxycodone) Pain Pract. 2008;8(4):287-313.
  • 40
    American Geriatrics Society Panel on Pharmacological Management of Persistent Pain in Older Persons. Pharmacological management of persistent pain in older persons. J Am Geriatr Soc. 2009;57(8):1331-46.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2014
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 cj 2, 04014-012 São Paulo SP Brasil, Tel.: (55 11) 5904 3959, Fax: (55 11) 5904 2881 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br