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Análise de 230 mulheres com dor pélvica crônica atendidas em um hospital público* * Recebido do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil.

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A dor pélvica crônica é prevalente, apresenta tratamento difícil e tem sido pouco investigada. O objetivo deste estudo foi analisar 230 pacientes do ambulatório de dor pélvica crônica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás.

MÉTODOS:

Estudo de corte transversal e de intervenção realizado entre 2007 e 2011.

RESULTADOS:

A média de idade das mulheres foi de 38,3±10,0 anos. A maioria das mulheres era parda, casada/amasiada, cursou ensino fundamental, dependente financeiramente, tinha renda de até cinco salários mínimos, índice de massa corpórea normal, até três filhos e atividade sexual ativa. Aborto ocorreu em 30%, abuso físico em 15,8% e abuso sexual em 11%. A maioria sofreu cirurgia prévia e possuía função intestinal e urinária normais. A dor permanecia por mais de 16 dias/mês, piorava no período perimenstrual e começou, em média, 6,7 anos antes. Em mais de 70% dos casos foi percebido um evento coincidente com o início da dor, sendo conflitos e/ou traumas os mais citados. Os exames físico e ultrassonográfico foram normais na grande maioria dessas mulheres. Aderências e/ou endometriose foram encontrados em quase 2/3 das 41 laparoscopias realizadas. Houve redução média de 39,2% da escala de dor (3,1/7,9) com as várias condutas adotadas (farmacológica, laparoscópica e psicoterápica) p<0,001. História de abuso sexual e de aborto provocado associou-se a menor redução da dor.

CONCLUSÃO:

Este estudo acrescenta informações epidemiológicas e clínicas sobre mulheres com dor pélvica crônica no Brasil. O tratamento clínico e psicoterápico promoveu redução significativa da escala de dor entre a primeira e a última consulta. Laparoscopia não potencializou a redução da dor.

Dor pélvica; Epidemiologia; Psicoterapia; Sinais e sintomas; Terapêutica


BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Chronic pelvic pain is prevalent, presents difficult treatment and has been poorly investigated. The objective of this study was to analyze 230 patients from the chronic pelvic pain ambulatory of Hospital das Clínicas, Federal University of Goiás.

METHODS:

Cross-sectional and intervention study, from 2007-2011.

RESULTS:

Mean age was 38.3±10.0 years. Most women were mulatto, married/cohabitating, attended elementary school, financially dependent, had an income of up to five minimum wages, normal body mass index, up to three children and sexual activity. Almost 30% had abortions, 15.8%, physical abuse and 11%, sexual abuse. Previous surgeries were common. Most had normal bowel and bladder function. Pain lasted over 16 days/month; it worsened in perimenstrual period and started, on average, 6.7 years before. In over 70% of cases there was a coincident event with the onset of pain, and conflict and/or trauma were the most commonly reported. Physical examination and ultrasound were normal in most of these women. Adhesion and/or endometriosis were found in almost 2/3 of 41 laparoscopies performed. There was an average reduction of 39.2% of the pain scale (3.1/7.9) with various adopted treatments (drugs, psychotherapy and laparoscopy) p<0.001. History of sexual abuse and abortion was associated with less pain reduction.

CONCLUSION:

This study adds epidemiological and clinical information on women with chronic pelvic pain in Brazil. Clinical and psychotherapeutic treatments induced significant reduction of the pain scale between the first and last visit of patients. Laparoscopy did not potentiate the reduction of pain.

Epidemiology; Pelvic pain; Psychotherapy; Signs and symptoms; Therapeutics


INTRODUÇÃO

Dor pélvica crônica (DPC) é dor não cíclica, de duração igual ou superior a seis meses, de localização na pelve anatômica, na parede abdominal abaixo do umbigo ou na região glútea e possui intensidade suficiente para interferir nas atividades habituais e/ou exigir ajuda médica1Howard FM. The role of laparoscopy in the chronic pelvic pain patient. Clin Obstet Gynecol. 2003;46(4):749-66.,2ACOG Committee on Practice Bulletins-Gynecology. ACOG Practice Bulletin Nº 51. Chronic Pelvic Pain. Obstet Gynecol. 2004;103(3):589-605..

A DPC é responsável por 10% das consultas com ginecologistas, 40 a 50% das laparoscopias ginecológicas e, aproximadamente, 12% de todas as histerectomias3Nogueira AA, Reis FJ, Poli Neto OB. Abordagem da dor pélvica crônica em mulheres. Rev Bras Ginecol Obstet. 2006;28(12):733-40.,4Silva GP, Nascimento AL, Michelazzo D, Alves Júnior FF, Rocha MG, Silva JC, et al. High prevalence of chronic pelvic pain in women in Ribeirão Preto, Brazil and direct association with abdominal surgery. Clinics. 2011;66(8):1307-12.. Apresenta impacto direto na vida conjugal, social e profissional dessas pacientes4Silva GP, Nascimento AL, Michelazzo D, Alves Júnior FF, Rocha MG, Silva JC, et al. High prevalence of chronic pelvic pain in women in Ribeirão Preto, Brazil and direct association with abdominal surgery. Clinics. 2011;66(8):1307-12.,5Barcelos PR, Conde DM, Deus JM, Martinez EZ. Qualidade de vida de mulheres com dor pélvica crônica: um estudo de corte transversal analítico. Rev Bras Ginecol Obstet. 2010;32(5):247-53., o que transforma a DPC em um sério problema de saúde pública4Silva GP, Nascimento AL, Michelazzo D, Alves Júnior FF, Rocha MG, Silva JC, et al. High prevalence of chronic pelvic pain in women in Ribeirão Preto, Brazil and direct association with abdominal surgery. Clinics. 2011;66(8):1307-12.,6Romão AP, Gorayeb R, Romão GS, Poli-Neto OB, Reis FJ, Silva JC, et al. Chronic pelvic pain: multifactorial influences. J Eval Clin Pract. 2011;17(6):1137-9..

Os seus fatores de risco ainda não são consensuais, visto os resultados conflitantes de estudos realizados. Os mais citados são: abuso de drogas ou álcool, antecedente de aborto, fluxo menstrual aumentado e dismenorreia, doença inflamatória e outras doenças pélvicas, cirurgia abdominal prévia, baixo nível educacional e comorbidades psicológicas, tais como ansiedade e depressão4Silva GP, Nascimento AL, Michelazzo D, Alves Júnior FF, Rocha MG, Silva JC, et al. High prevalence of chronic pelvic pain in women in Ribeirão Preto, Brazil and direct association with abdominal surgery. Clinics. 2011;66(8):1307-12.,7Warren JW, Morozov V, Howard FM. Could chronic pelvic pain be a functional syndrome? Am J Obstet Gynecol. 2011;205:199.e1-5.. Os dados disponíveis até o momento são, de certa forma, limitados especialmente nos países em desenvolvimento. Um estudo relatou prevalência geral de 11,5% (147/1278) de DPC em mulheres acima de 14 anos em Ribeirão Preto, São Paulo (Brasil) e 15,1% (127/841) em mulheres de idade reprodutiva4Silva GP, Nascimento AL, Michelazzo D, Alves Júnior FF, Rocha MG, Silva JC, et al. High prevalence of chronic pelvic pain in women in Ribeirão Preto, Brazil and direct association with abdominal surgery. Clinics. 2011;66(8):1307-12., assemelhando-se a um estudo nos Estados Unidos (14,7%- 773/5263 mulheres de 18-50 anos pesquisadas pela Organização Gallup)1Howard FM. The role of laparoscopy in the chronic pelvic pain patient. Clin Obstet Gynecol. 2003;46(4):749-66..

O tratamento da DPC é focado nos sintomas ou no próprio diagnóstico. Mesmo quando o diagnóstico é especificado, como síndrome da bexiga dolorosa, síndrome do intestino irritável, endometriose e aderências, a resposta é frustrante3Nogueira AA, Reis FJ, Poli Neto OB. Abordagem da dor pélvica crônica em mulheres. Rev Bras Ginecol Obstet. 2006;28(12):733-40.,6Romão AP, Gorayeb R, Romão GS, Poli-Neto OB, Reis FJ, Silva JC, et al. Chronic pelvic pain: multifactorial influences. J Eval Clin Pract. 2011;17(6):1137-9.,7Warren JW, Morozov V, Howard FM. Could chronic pelvic pain be a functional syndrome? Am J Obstet Gynecol. 2011;205:199.e1-5.. Compõem o arsenal terapêutico anti-inflamatórios não esteroides (AINES), bloqueadores musculares, contraceptivos hormonais, amitriptilina e outros antidepressivos, anticonvulsivantes e psicoterapia8Dalpiaz O, Kerschbaumer A, Mitterberger M, Pinggera G, Bartsch G, Strasser H. Chronic pelvic pain in women: still a challenge. BJU Int. 2008;102(9):1061-5.,9Abercrombie PD, Learman LA. Providing holistic care for women with chronic pelvic pain. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs. 2012;41:668-79.. A terapia cognitivo-comportamental é uma abordagem já aceita e recomendada no tratamento de mulheres com DPC9Abercrombie PD, Learman LA. Providing holistic care for women with chronic pelvic pain. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs. 2012;41:668-79.,1010 Jarrell JF, Vilos GA, Allaire C, Burgess S, Fortin C, Gerwin R et al. Consensus guidelines for the management of chronic pelvic pain. J Obstet Gynaecol Can. 2005;27(9):869-910.. Constelação familiar é uma abordagem sistêmica, desenvolvida por Bert Hellinger e que conecta o sofrimento/adoecimento com processos inconscientes, a partir de exclusões, conflitos e traumas ocorridos na vida pessoal e/ou familiar. Em sua obra intitulada "O essencial é simples" ele aborda a utilização da constelação familiar em diversos sintomas/doenças, entre eles a síndrome de dores crônicas1111 Hellinger B, editor. O essencial é simples, 1ª ed. Patos de Minas: Atman Editora; 2004. 169-77p.,1212 De Deus JM, Ribeiro MO. Dor pélvica crônica. In: Neto OA, Costa CMC, Siqueira JTT et al. (editores) Dor: princípios e prática. Porto Alegre: Artmed; 2009. 734-47p.. O tratamento cirúrgico, especialmente com laparoscopia, tem sido indicado para diagnóstico e tratamento de endometriose e aderências pélvicas1Howard FM. The role of laparoscopy in the chronic pelvic pain patient. Clin Obstet Gynecol. 2003;46(4):749-66.,2ACOG Committee on Practice Bulletins-Gynecology. ACOG Practice Bulletin Nº 51. Chronic Pelvic Pain. Obstet Gynecol. 2004;103(3):589-605., mas tem sido cada vez mais questionado1313 Royal College of Obstetricians and Gynecologists. RCOG Green-top Guideline Nº 41. The initial management of chronic pelvic pain. 2012. 2-16p.,1414 Yunker A, Sathe NA, Reynolds WS, Likis FE, Andrews J. Systematic review of therapies for noncyclic chronic pelvic pain in women. Obstet Gynecol Surv. 2012;67(7):417-25..

O ambulatório de DPC do Serviço de Ginecologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG) existe com o objetivo de receber, investigar e tratar mulheres com DPC. Este estudo foi realizado para buscar informações sobre essa população, a fim de compreender melhor a realidade desse grupo e de promover avanços em seu atendimento, bem como compartilhar essas informações com outros profissionais de atenção à saúde da mulher e com os gestores de políticas de saúde pública.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo de corte transversal e de intervenção, no qual se utilizaram fichas pré-estruturadas para primeira consulta e para consultas de retorno, que foram preenchidas durante os atendimentos, entre fevereiro/2007 e maio/2011, no Ambulatório de Dor Pélvica Crônica do HC-UFG. Posteriormente, tabulou-se os dados catalogados para identificar possíveis fatores epidemiológicos, clínicos e ecográficos associados à DPC, bem como a evolução da escala analógica visual de dor (EAV) com os tratamentos indicados. As variáveis coletadas e analisadas foram: idade, cor, estado civil, escolaridade, rendimento familiar, dependência financeira, índice de massa corpórea (IMC= peso/altura2), número de filhos, ocorrência de abortos, história de abuso físico e/ou sexual, atividade sexual, desejo sexual, orgasmo, dispareunia, antecedente de doenças sexualmente transmissíveis, características do ciclo e fluxo menstrual, antecedentes cirúrgicos, local predominante da dor, escore de dor pela EAV na primeira e na última consulta, eventos coincidentes com início da dor, duração da dor, piora perimenstrual da dor, conflitos conjugais ou com família de origem e traumas familiares, hábito intestinal, queixas urinárias, achados do exame físico, da ultrassonografia e da laparoscopia, tratamento farmacológico e psicoterápico (cognitivo-comportamental e constelação familiar). Avaliou-se, ainda, o seguimento ambulatorial. No ambulatório do HC-UFG, a escolha do fármaco é feita da seguinte forma: se a dor tem piora ou existe oscilação de humor perimenstrual, opta-se, inicialmente, por induzir amenorreia com contraceptivos hormonais; se a paciente apresenta neuralgia, dor osteomuscular, fibromialgia, conflitos, traumas ou perfil depressivo, inicia-se com amitriptilina ou outros antidepressivos, conforme a tolerabilidade. Também tenta-se associar amenorreia com amitriptilina ou outros antidepressivos, quando as condições acima são superpostas. Os anti-inflamatórios são indicados nas crises de dor. Além disso, sugere-se psicoterapia sempre (as disponíveis foram a cognitiva-comportamental e constelações familiares). A terapia cognitiva-comportamental foi conduzida em 6-8 sessões individuais de cerca de uma hora, enquanto a constelação familiar foi administrada em uma única sessão em grupo ou individual (duração de uma a duas horas).

Consideraram-se as pacientes em seguimento ambulatorial quando se consultaram em um período menor que um ano da análise do prontuário. As consultas eram agendadas trimestralmente e passavam para semestral, caso a paciente ficasse com escala de dor menor ou igual a 2. Mais de um ano sem retorno foi tido como perda de seguimento. O critério estabelecido para alta do ambulatório de DPC foi: escala de dor ≤ 2 por pelo menos um ano, sem uso de qualquer fármaco para dor.

Os dados foram digitados e analisados no Software Excel para Windows para posterior análise em programa estatístico, o Statistical Package for the Social Sciences - SPSS, versão 17.0.

O teste de Mann-Whitney foi utilizado para verificar diferença na escala de dor entre a primeira e a última consulta nas variáveis específicas: antecedente de abortamento, abuso físico, abuso sexual, laparoscopia, tratamento atual e psicoterapia. Os testes de Kruskal-Wallis e Wilcoxon foram utilizados para verificar a existência ou não de diferença significativa entre a primeira e a última consulta em relação às variáveis: abortamento e tratamento atual (Kruskal-Wallis); abuso físico, abuso sexual, laparoscopia e psicoterapia (Wilcoxon). Adotou-se nível de 95% de confiança, ou seja, considerou-se significativo p<0,05.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HC-UFG, parecer nº 004/2007. As pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

Inicialmente, foram incluídas 271 pacientes, sendo que 13 pacientes foram excluídas do estudo por incompletude ou perda de dados, e 28 por não se enquadrarem nos critérios de DPC (dor exclusivamente cíclica em 21 pacientes e dispareunia isolada em sete pacientes). Dessa forma, foram avaliadas as 230 pacientes restantes.

A média de idade das mulheres com DPC foi de 38,3±10,0 anos.

Observou-se que a maioria era parda, casada ou amasiada, cursou até o ensino fundamental, tinha renda de até cinco salários mínimos, era dependente financeiramente e apresentava IMC normal (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição das pacientes do ambulatório de dor pélvica crônica (n=230)

A maioria das pacientes tinha até três filhos, atividade sexual com desejo e orgasmo, apesar de dispareunia. Quase 30% tiveram abortos, 15,8% abuso físico e 11% abuso sexual (Tabela 2). A menstruação se apresentava em intervalo regular em 57,8% das pacientes, com fluxo normal em 46,9% e havia amenorreia em 28% delas. Cirurgias pélvicas prévias foram muito comuns, especialmente laqueadura tubária (50,4%) e cesariana (48,7%), seguidas de histerectomia (14,3%) e cisto de ovário (11,3%), entre outras. A maioria das pacientes tinha função intestinal normal (58,2%), mas 38,3% relatavam obstipação, e 2,6% obstipação e diarreia, sendo que esta, isoladamente, ocorreu em 0,9% das mulheres. A função urinária estava normal em 79,1% dos casos.

Tabela 2
Fatores obstétricos e ginecológicos em pacientes com dor pélvica crônica (n=230)

A localização da dor foi, em ordem decrescente de frequência: fossa ilíaca esquerda (38,7%), fossa ilíaca direita (32,7%), hipogástrio (19,1%), baixo ventre (17,0%) e vaginal (2,6%). A dor durava mais da metade do mês em 63% dos casos e piorava no período perimenstrual em 55,2% dos casos. Ela tinha iniciado em média 6,7±7,6 (0,5-54) anos antes, com EAV média de 7,9±1,8 (2-10).

Houve redução média de 3,1 pontos na EAV entre a primeira e a última consulta e o tempo de seguimento foi de 1,6±1,6 anos (0-3,2).

Em mais de 70% dos casos foi percebido um evento coincidente com o início da dor, sendo a história de conflitos e/ou traumas e eventos obstétricos, os mais citados (Tabela 3). Conflitos conjugais e/ou familiares estiveram presentes em cerca de 40% das pacientes, enquanto traumas familiares ocorreram em mais da metade dos casos (Tabela 4).

Tabela 3
Evento coincidente com o início da queixa de dor pélvica crônica (n=230)
Tabela 4
Questões familiares das pacientes do ambulatório de dor pélvica crônica (n=230)

Os exames físico e ultrassonográfico foram normais na grande maioria dessas mulheres (Tabela 5). Nas 41/230(17,8%) laparoscopias realizadas encontraram-se aderências (34%), endometriose (29%), pelve normal (22%) e outros achados em 15% dos casos.

Tabela 5
Achados do exame físico e da ultrassonografia pélvica (n=230)

Os fármacos mais utilizados na condução das pacientes com DPC foram os contraceptivos hormonais e a amitriptilina (Tabela 6). Houve redução média de cerca de 40% da EAV (3,1/7,9) com as várias condutas adotadas (farmacológica, laparoscópica e psicoterápica), sendo que a história de abuso sexual e de aborto provocado associou-se com menor redução da EAV (2,2 e 1,4, respectivamente). Dos fármacos avaliados, o contraceptivo hormonal relacionou-se à maior redução da EAV (Tabela 7). Houve adesão à psicoterapia em 25,2% das pacientes, sendo 20,9% à constelação familiar; 2,6% à cognitivo-comportamental e 1,7% a outras modalidades. Houve perda de seguimento em 26,6% dos casos e 5,2% das pacientes receberam alta ambulatorial.

Tabela 6
Tratamento farmacológico na última consulta de pacientes com dor pélvica crônica (n=230)
Tabela 7
Comparação da média da escala de dor na primeira e última consulta em relação às variáveis independentes nas pacientes com dor pélvica crônica (n=230)

DISCUSSÃO

Neste estudo, um dos objetivos foi realizar a caracterização epidemiológica de 230 pacientes do ambulatório de DPC do HC-UFG-Goiânia, visto que no Brasil existem poucos estudos com esse fim4Silva GP, Nascimento AL, Michelazzo D, Alves Júnior FF, Rocha MG, Silva JC, et al. High prevalence of chronic pelvic pain in women in Ribeirão Preto, Brazil and direct association with abdominal surgery. Clinics. 2011;66(8):1307-12.. Essas pacientes apresentaram uma média de idade de 38,3 anos, a maioria parda, casada/amasiada, com baixa escolaridade, baixa renda, dependente financeiramente do parceiro e IMC normal, dados semelhantes aos da literatura brasileira4Silva GP, Nascimento AL, Michelazzo D, Alves Júnior FF, Rocha MG, Silva JC, et al. High prevalence of chronic pelvic pain in women in Ribeirão Preto, Brazil and direct association with abdominal surgery. Clinics. 2011;66(8):1307-12.,5Barcelos PR, Conde DM, Deus JM, Martinez EZ. Qualidade de vida de mulheres com dor pélvica crônica: um estudo de corte transversal analítico. Rev Bras Ginecol Obstet. 2010;32(5):247-53. e à realidade do país1515 IBGE. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira 2010. Rio de Janeiro, 2010; n27. Acessado em 24/11/2013..

Observou-se que 87% das pacientes possuíam filho(s), sendo mais frequentes as que tiveram de 1 a 3 filhos (72,6%), achado que condiz com estudo anteriormente publicado4Silva GP, Nascimento AL, Michelazzo D, Alves Júnior FF, Rocha MG, Silva JC, et al. High prevalence of chronic pelvic pain in women in Ribeirão Preto, Brazil and direct association with abdominal surgery. Clinics. 2011;66(8):1307-12.. Encontrou-se, ainda, antecedente de abortamento em 29,1%, semelhante ao estudo supracitado4Silva GP, Nascimento AL, Michelazzo D, Alves Júnior FF, Rocha MG, Silva JC, et al. High prevalence of chronic pelvic pain in women in Ribeirão Preto, Brazil and direct association with abdominal surgery. Clinics. 2011;66(8):1307-12., que relatou 27,9%, quase duas vezes o número de abortos no grupo de mulheres sem DPC (16,4%, p<0,01). No presente estudo, 19,6% dos abortos foram provocados. Observou-se, ainda, que as pacientes com antecedente de aborto provocado tiveram menor redução na média da EAV entre a primeira e a última consulta com o tratamento clínico, sendo esta a pior resposta dentre os grupos avaliados (de 1,4 contra 3,1 da média geral). Esse dado requer uma melhor compreensão; no entanto, cogita-se que possa estar associado à expiação de culpa inconsciente pelo aborto ainda não bem processado psicologicamente (observado em psicoterapia).

Constatou-se uma frequência de 15,8% de abuso físico e de 11% de abuso sexual na população em questão. Um grupo estudioso de DPC7Warren JW, Morozov V, Howard FM. Could chronic pelvic pain be a functional syndrome? Am J Obstet Gynecol. 2011;205:199.e1-5. relatou 3,5 vezes e 2,2 vezes mais história de abuso sexual e físico, respectivamente, em mulheres com DPC, quando comparadas aos controles. No presente estudo, as pacientes vítimas de abuso físico tiveram melhora da dor semelhante às que não sofreram esse tipo de situação; contudo, as vítimas de violência sexual apresentaram menor redução na escala de dor, o que sugere maior sequela psicológica.

Das pacientes do estudo, mais de 80% referiram vida sexual ativa e cerca de 60% relatavam desejo sexual e orgasmo ao coito. No entanto, quase 80% das mulheres queixavam-se de dispareunia. Esse sintoma tem sido considerado um fator independente associado à DPC4Silva GP, Nascimento AL, Michelazzo D, Alves Júnior FF, Rocha MG, Silva JC, et al. High prevalence of chronic pelvic pain in women in Ribeirão Preto, Brazil and direct association with abdominal surgery. Clinics. 2011;66(8):1307-12.. História de doença sexualmente transmissível foi observada em menos de 1/5 das pacientes, embora seja considerada um fator de risco para DPC7Warren JW, Morozov V, Howard FM. Could chronic pelvic pain be a functional syndrome? Am J Obstet Gynecol. 2011;205:199.e1-5..

A maioria das pacientes deste estudo referia padrão menstrual normal, mas encontrou-se uma frequência de 55% de piora da DPC no período perimenstrual, enquanto outros autores2ACOG Committee on Practice Bulletins-Gynecology. ACOG Practice Bulletin Nº 51. Chronic Pelvic Pain. Obstet Gynecol. 2004;103(3):589-605.,5Barcelos PR, Conde DM, Deus JM, Martinez EZ. Qualidade de vida de mulheres com dor pélvica crônica: um estudo de corte transversal analítico. Rev Bras Ginecol Obstet. 2010;32(5):247-53. relataram prevalência acima de 80%. Possivelmente, a menor prevalência aqui observada deve-se ao fato de que uma parcela das pacientes já chega ao ambulatório em amenorreia farmacológica induzida pelos médicos que as encaminharam do sistema básico de saúde.

Cirurgias abdominais têm sido apontadas como fator associado à DPC, possivelmente em decorrência das aderências causadas pela manipulação da cavidade peritonial4Silva GP, Nascimento AL, Michelazzo D, Alves Júnior FF, Rocha MG, Silva JC, et al. High prevalence of chronic pelvic pain in women in Ribeirão Preto, Brazil and direct association with abdominal surgery. Clinics. 2011;66(8):1307-12.. No presente estudo, observou-se alta frequência de antecedentes cirúrgicos na cavidade pélvica, sendo a laqueadura laparotômica (50,4%) e a cesariana (48,7%) as cirurgias mais frequentes; encontrou-se, ainda, uma frequência de aderências em cerca de 1/3 das laparoscopias realizadas no serviço, dados aproximados aos da literatura1Howard FM. The role of laparoscopy in the chronic pelvic pain patient. Clin Obstet Gynecol. 2003;46(4):749-66.,1616 Drozgyik I, Vizer M, Szabo I. Significance of laparoscopy in the management of chronic pelvic pain. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2007;133(2):223-6..

Quando avaliado o aspecto dor das pacientes neste estudo, encontrou-se uma média de tempo do início do sintoma até a primeira consulta de cerca de sete anos, período obviamente longo para quem sofre de dor. Tal achado pode ser justificado pela demora na procura por ajuda ou pela dificuldade de acesso à assistência médica especializada no serviço público. Enquanto um estudo4Silva GP, Nascimento AL, Michelazzo D, Alves Júnior FF, Rocha MG, Silva JC, et al. High prevalence of chronic pelvic pain in women in Ribeirão Preto, Brazil and direct association with abdominal surgery. Clinics. 2011;66(8):1307-12.relatou média da escala de dor na primeira consulta de 5,8±2,3 para as pacientes com DPC, na presente pesquisa o valor foi de 7,9±1,8 pela EAV, mas na última consulta esse número foi de 4,8. Isso mostrou uma diminuição na EAV de 3,1 pontos, o que demonstra a importância do atendimento às pacientes com DPC com medidas clínicas/psicoterápicas que se mostraram eficazes na redução da escala de dor. Quanto à localização da dor, encontrou-se uma frequência maior (quase 40%) na fossa ilíaca esquerda, cerca de 1/3 na fossa ilíaca direita, seguido de hipogástrio e baixo ventre (quase 1/5 dos casos cada) e apenas 2,6% na vagina. Não foi encontrado na literatura nenhum estudo que avaliasse essa frequência, mas o predomínio de dor na FIE pode ser devido à grande prevalência de síndrome de intestino irritável e sua relação com DPC, conforme já observado1Howard FM. The role of laparoscopy in the chronic pelvic pain patient. Clin Obstet Gynecol. 2003;46(4):749-66.,1717 Choung RS, Herrick LM, Locke GR 3rd, Zinsmeister AR, Talley NJ. Irritable bowel syndrome and chronic pelvic pain: a population-based study. J Clin Gastroenterol. 2010;44(10):696-701.. Neste estudo foram observados sintomas intestinais em cerca de 40% das pacientes (38,3% relatavam obstipação, 2,6%, obstipação e diarreia, e esta, isoladamente, ocorreu em 0,9% das mulheres). Não foi objeto desta pesquisa caracterizar o diagnóstico de síndrome do intestino irritável, visto que outros critérios são requeridos além da dor por mais de 12 semanas. Um estudo com 648 mulheres1717 Choung RS, Herrick LM, Locke GR 3rd, Zinsmeister AR, Talley NJ. Irritable bowel syndrome and chronic pelvic pain: a population-based study. J Clin Gastroenterol. 2010;44(10):696-701. observou que 40% das pacientes com DPC preenchiam os critérios de síndrome do intestino irritável, enquanto outro relato8Dalpiaz O, Kerschbaumer A, Mitterberger M, Pinggera G, Bartsch G, Strasser H. Chronic pelvic pain in women: still a challenge. BJU Int. 2008;102(9):1061-5. referiu frequência de desordens gastrointestinais em 37%. Esses números são condizentes com as desordens intestinais expressas especialmente na forma de obstipação nesta amostra, o que sugere uma correlação desses dados. Sintomas urinários foram observados em 1/5 das pacientes, enquanto outro estudo relatou 31% de desordens urológicas8Dalpiaz O, Kerschbaumer A, Mitterberger M, Pinggera G, Bartsch G, Strasser H. Chronic pelvic pain in women: still a challenge. BJU Int. 2008;102(9):1061-5..

Mais de 60% das pacientes referiram dor por mais da metade do mês, o que sugere redução em sua qualidade de vida (QV). Através do SF-36, estudo realizado no mesmo local do presente estudo constatou que mulheres com DPC apresentavam, significativamente, menores escores de QV nos domínios dor e aspectos sociais5Barcelos PR, Conde DM, Deus JM, Martinez EZ. Qualidade de vida de mulheres com dor pélvica crônica: um estudo de corte transversal analítico. Rev Bras Ginecol Obstet. 2010;32(5):247-53.. Efeito negativo da DPC na QV das mulheres foi relatado, também, por outros autores8Dalpiaz O, Kerschbaumer A, Mitterberger M, Pinggera G, Bartsch G, Strasser H. Chronic pelvic pain in women: still a challenge. BJU Int. 2008;102(9):1061-5.,9Abercrombie PD, Learman LA. Providing holistic care for women with chronic pelvic pain. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs. 2012;41:668-79..

Mais de 70% das pacientes conseguiram relacionar algum evento importante ou traumático com o início do sintoma. Pacientes com DPC têm oito vezes mais sintomas psicossomáticos que os controles7Warren JW, Morozov V, Howard FM. Could chronic pelvic pain be a functional syndrome? Am J Obstet Gynecol. 2011;205:199.e1-5.. A presença de questões familiares em grande parte das pacientes com DPC sugere a importância do emprego de psicoterapia no tratamento dessas mulheres, como já enfatizado na literatura8Dalpiaz O, Kerschbaumer A, Mitterberger M, Pinggera G, Bartsch G, Strasser H. Chronic pelvic pain in women: still a challenge. BJU Int. 2008;102(9):1061-5.,1818 Alappattu MJ, Bishop MD. Psychological factors in chronic pelvic pain in women: relevance and application of the fear-avoidance model of pain. Phys Ther. 2011;91(10):1542-50.. Futuras pesquisas qualitativas poderão, quem sabe, elucidar melhor possíveis fatores de gatilho da DPC.

O fato de a maioria das pacientes deste estudo terem apresentado exame físico normal (84,3%) e ultrassonografia normal (69,6%), ou com achados incidentais (pequenos miomas, cistos funcionais de ovário, hidrossalpinge, geralmente assintomáticos na população geral, muitas vezes no lado contralateral ao lado em que a paciente se queixa de dor) mostra a dificuldade em se demonstrar uma causa orgânica plausível e convincente da DPC nas pacientes, de forma geral. Os achados, tidos como causadores de dor pélvica crônica em laparoscopia, carecem de critérios epidemiológicos de causalidade e a DPC parece muito mais uma síndrome somatofuncional, tal como outras descritas: fibromialgia, síndrome do intestino irritável, síndrome de fadiga crônica, síndrome da bexiga dolorosa, enxaqueca, entre outras7Warren JW, Morozov V, Howard FM. Could chronic pelvic pain be a functional syndrome? Am J Obstet Gynecol. 2011;205:199.e1-5..

A laparoscopia diagnóstica, realizada em 41 pacientes (aderência-34%, endometriose-29% e pelve normal-22%), mostrou achados semelhantes aos de grande casuística- 1524 mulheres1Howard FM. The role of laparoscopy in the chronic pelvic pain patient. Clin Obstet Gynecol. 2003;46(4):749-66.. Entretanto, nem sempre é possível atribuir as alterações encontradas à causa primária de DPC. A laparoscopia pode ter efeito placebo em 50% das pacientes em três meses e em 25% das pacientes em seis meses, com recorrência posterior1Howard FM. The role of laparoscopy in the chronic pelvic pain patient. Clin Obstet Gynecol. 2003;46(4):749-66.. A ausência de doença na topografia da dor e/ou achados incidentais como pequenos miomas, cistos funcionais, hidrossalpinge, geralmente assintomáticos e comorbidades como fibromialgia, síndrome do cólon irritável, enxaqueca, síndrome da fadiga crônica, síndrome da bexiga dolorosa são muito comuns1Howard FM. The role of laparoscopy in the chronic pelvic pain patient. Clin Obstet Gynecol. 2003;46(4):749-66.,7Warren JW, Morozov V, Howard FM. Could chronic pelvic pain be a functional syndrome? Am J Obstet Gynecol. 2011;205:199.e1-5.. No presente estudo, as pacientes submetidas à laparoscopia não tiveram incremento na redução da escala de dor, quando comparadas às pacientes que não se submeteram à laparoscopia. O tratamento das aderências com adesiólise laparoscópica para DPC parece não ter efeito benéfico. Isso pode ser endossado por um estudo multicêntrico em que 100 pacientes com DPC e aderências pélvicas foram randomizadas para lise (n=52) ou não lise (n=42) das aderências, por videolaparoscopia, não tendo sido observada diferença na redução da dor entre os grupos1919 Swank DJ, Swank-Borderwijk SC, Hop WC, van Erp WF, Janssen IM, Bonjer HJ et al. Laparoscopic adhesiolysis in patients with chronic abdominal pain: a blinded randomised controlled multi-centre trial. Lancet. 2003;361(9365):1247-51..

Revisão sistemática recente1414 Yunker A, Sathe NA, Reynolds WS, Likis FE, Andrews J. Systematic review of therapies for noncyclic chronic pelvic pain in women. Obstet Gynecol Surv. 2012;67(7):417-25. aponta para a ineficácia da abordagem cirúrgica no tratamento da DPC. A laparoscopia é uma cirurgia e, como tal, possui riscos e custos inerentes ao procedimento, devendo ser indicada apenas após avaliação clínica e de imagem cuidadosas. No presente estudo, a laparoscopia foi indicada em menos de 20% das pacientes, corroborando a tendência atual de redução na indicação desse procedimento em pacientes com DPC. Foi sugerido por Nogueira, Reis e Poli Neto3Nogueira AA, Reis FJ, Poli Neto OB. Abordagem da dor pélvica crônica em mulheres. Rev Bras Ginecol Obstet. 2006;28(12):733-40. uma redução na indicação de laparoscopia para 5% dos casos3Nogueira AA, Reis FJ, Poli Neto OB. Abordagem da dor pélvica crônica em mulheres. Rev Bras Ginecol Obstet. 2006;28(12):733-40.. A compreensão de mecanismos de hiperalgesia visceral pode favorecer o encontro de fármacos que podem reduzir a intensidade da DPC2020 Aslam N, Harrison G, Khan K, Patwardhan S. Visceral hyperalgesia in chronic pelvic pain. BJOG. 2009;116(12):1551-5..

O tratamento farmacológico foi utilizado em 3/4 das pacientes, na seguinte sequência decrescente: contraceptivos hormonais contínuos, amitriptilina, AINES e outros antidepressivos. Em relação ao primeiro atendimento, os tratamentos reduziram a intensidade média de dor em 3,1 pontos.

Psicoterapia foi realizada em 1/4 das pacientes do estudo, sendo a constelação familiar a mais frequentemente aplicada, seguida de terapia cognitivo-comportamental. A constelação familiar é oferecida no serviço há mais de sete anos, talvez por isso sua maior frequência no estudo. Observou-se efeito positivo na redução da dor com am-bas as modalidades de psicoterapia, com diminuição significativa na escala de dor de 2,9 pontos entre a primeira e a última consulta nas pacientes que participaram da constelação familiar.

Essa abordagem ainda não foi testada na literatura em pacientes com DPC, sendo este o primeiro relato. O seu idealizador publicou apenas relato de casos com emprego desse processo1111 Hellinger B, editor. O essencial é simples, 1ª ed. Patos de Minas: Atman Editora; 2004. 169-77p.. Houve redução ainda maior da EAV nas pacientes submetidas à terapia cognitivo-comportamental, sendo que essa última foi aplicada em apenas seis casos, o que não possibilitou significância estatística. Ressalta-se que foi observado neste estudo grande resistência das pacientes em aceitar ajuda psicoterápica, visto que 3/4 não a aceitaram, embora já seja uma recomendação da literatura1Howard FM. The role of laparoscopy in the chronic pelvic pain patient. Clin Obstet Gynecol. 2003;46(4):749-66.,2ACOG Committee on Practice Bulletins-Gynecology. ACOG Practice Bulletin Nº 51. Chronic Pelvic Pain. Obstet Gynecol. 2004;103(3):589-605.,8Dalpiaz O, Kerschbaumer A, Mitterberger M, Pinggera G, Bartsch G, Strasser H. Chronic pelvic pain in women: still a challenge. BJU Int. 2008;102(9):1061-5.,1818 Alappattu MJ, Bishop MD. Psychological factors in chronic pelvic pain in women: relevance and application of the fear-avoidance model of pain. Phys Ther. 2011;91(10):1542-50.. Esse é, possivelmente, um fa-tor que dificulta a alta dessas pacientes do ambulatório.

Como observado no presente estudo, a superioridade do tratamento não cirúrgico (clínico/psicoterápico) pode ser considerada na prática do cuidado de mulheres com DPC, uma vez que o tratamento cirúrgico não soma na redução da EAV e agrega maior custo e morbidade. Outros relatos recentes endossam essa opinião9Abercrombie PD, Learman LA. Providing holistic care for women with chronic pelvic pain. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs. 2012;41:668-79.,1414 Yunker A, Sathe NA, Reynolds WS, Likis FE, Andrews J. Systematic review of therapies for noncyclic chronic pelvic pain in women. Obstet Gynecol Surv. 2012;67(7):417-25..

Apenas 5,2% (12 pessoas) receberam alta ambulatorial (EAV≤2 por mais de um ano e sem medicação). Ainda não foi compreendido o que houve de diferente no tratamento dessas pacientes. No entanto, estudos qualitativos futuros poderão elucidar qual foi o desvio positivo delas. A introdução de psicoterapia parece ser o indicador disso, mas é necessário esperar mais tempo e maior casuística para a confirmação dessa hipótese. Também, as pacientes precisam estar abertas a essa abordagem, ampliando, talvez, o seu efeito. É um desafio convencê-las da necessidade de psicoterapia, conforme também relatado pela Associação Internacional para o Estudo da Dor2121 International Association for the Study of Pain. Global year against pain in women: real women, real pain. Fact sheets. Chronic pelvic pain. September, 2007. www.iasp-pain.org. Acessado em 24/11/2013.
www.iasp-pain.org...
. Recomendações atuais sugerem abordagem multidisciplinar e biopsicossocial no sentido de otimizar resultados9Abercrombie PD, Learman LA. Providing holistic care for women with chronic pelvic pain. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs. 2012;41:668-79.,2222 Engeler DS, Baranowski AP, Dinis-Oliveira P, Elneil S, Hughes J, Messelink EJ, et al. The 2013 EAU guidelines on chronic pelvic pain: is management of chronic pelvic pain a habit, a philosophy or a science? 10 years of development. Eur Urol. 2013;64(2013):431-9..

CONCLUSÃO

Este estudo contribui para melhor compreensão da DPC, trazendo mais informações epidemiológicas e clínicas sobre essas mulheres no Brasil e, consequentemente, pode facilitar a abordagem clínica dessas pacientes. Medidas para facilitar o acesso de pacientes com DPC a ambulatórios especializados (tanto no atendimento inicial quanto no seguimento) são pertinentes e necessárias. A redução ainda maior da indicação de laparoscopia e estratégias para atrair as pacientes para psicoterapia são desafios para um futuro próximo. Este estudo é importante e se justificou pela alta prevalência de DPC no Brasil. Compartilhar essas informações com outros profissionais e gestores envolvidos com a atenção à saúde da mulher poderá democratizar o acesso dessas pacientes a profissionais capacitados para lidar com esse importante problema de saúde pública.

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    Recebido do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    19 Dez 2013
  • Aceito
    14 Ago 2014
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