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Características biopsicossociais associadas a pacientes com dor neuropática por lesão medular traumática. Relato de casos* * Recebido da Universidade de Brasília, Faculdade de Ciências da Saúde, Departamento de Enfermagem, Brasília, DF, Brasil.

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A lesão medular é uma alteração nas estruturas do canal medular, podendo ocasionar dificuldades motoras, sensitivas, autonômicas e psicoafetivas. A lesão traumática possui maior prevalência. A dor neuropática é a mais frequente em pessoas com lesão medular, podendo assumir aspecto incapacitante na vida dessas pessoas. É pouco compreendido o mecanismo de desenvolvimento dessa dor sendo seu tratamento de difícil manuseio para o indivíduo e para os profissionais de saúde. O objetivo deste estudo foi identificar as características biopsicossociais associadas à dor neuropática em pessoas com lesão medular traumática.

RELATO DOS CASOS:

A amostra foi composta por 13 pacientes com lesão medular traumática e dor neuropática, internados para reabilitação em uma instituição de saúde. Foram utilizados os instrumentos de coleta de dados: Questionário Douleur Neuropathique em 4 Questions, Inventário Breve da Dor, acrescentando os dados demográficos. A maioria dos pacientes era do gênero masculino, idade média de 40 anos, aposentados ou desempregados. A causa predominante da lesão medular foi acidente de trânsito, seguido de arma de fogo e queda. O segmento torácico foi o mais acometido, com prevalência de lesões incompletas. Predominou o início da dor neuropática em até seis meses após a lesão medular. O tratamento farmacológico foi o mais citado e considerado muito efetivo por 70% dos que o utilizam. O frio e a imobilidade prevaleceram como fatores de piora da dor; a atividade física e o lazer como fatores que melhoraram a dor. O humor e a atividade geral foram os mais influenciados pela presença da dor neuropática.

CONCLUSÃO:

A lesão medular traumática altera drasticamente a vida do paciente acometido, gerando consequências desastrosas para quem sofreu a lesão, para seus familiares e para a sociedade. Nesta série, a maioria foram homens jovens, vítimas de acidentes de trânsito e com dor neuropática que impactava negativamente o humor e as suas atividades gerais.

Descritores:
Dor neuropática; Lesão medular; Reabilitação

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Spinal cord injury is a change in spinal canal structures and may induce motor, sensory, autonomic and psychoaffective changes. Trauma injury is the most prevalent. Neuropathic pain is more frequent in people with spinal cord injury and may be disabling. Pain development mechanism is poorly known being its management difficult for both patients and health professionals. This study aimed at identifying biopsychosocial characteristics associated to neuropathic pain in spinal cord trauma injury patients.

CASE REPORTS:

Sample was made up of 13 patients with spinal cord trauma injury and neuropathic pain, hospitalized for rehabilitation in a health institution. The following data collection tools were used: Douleur Neuropathique em 4 Questions Questionnaire and Brief Pain Inventory, in addition to demographic data. Most patients were male, mean age of 40 years, retired or unemployed. Most frequent cause of spinal cord injury was car accident, followed by firearm and falls. The thoracic segment was more commonly affected, with prevalence of incomplete injuries. Neuropathic pain onset was predominantly within six months after spinal cord injury. Pharmacological treatment was the most cited and considered very effective by 70% of those who use it. Cold and immobility were the most common factors worsening pain; physical activity and leisure were factors improving pain. Mood and general activities were those influenced the most by neuropathic pain.

CONCLUSION:

Spinal cord trauma injury dramatically changes patients’ lives, generating disastrous consequences for those suffering the injury, their families and for society. In this series, most patients were young males, victims of car accidents and with neuropathic pain negatively impacting mood and general activities.

Keywords:
Neuropathic pain; Rehabilitation; Spinal cord injury

INTRODUÇÃO

A lesão medular (LM) é definida como uma alteração nas estruturas contidas no canal medular, podendo ocasionar alterações motoras, sensitivas, autonômicas e psicoafetivas1Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas: Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular. Brasília, 2013.. Quanto à etiologia, é classificada como traumática e não traumática. LM não traumáticas correspondem a cerca de 20% dos casos e podem ser causadas por tumores, doenças cardiovasculares, infecções, doenças autoimunes, entre outras1Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas: Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular. Brasília, 2013.. As lesões traumáticas são, geralmente, decorrentes de acidentes de trânsito, mergulhos, quedas e arma de fogo. A prevalência dessas causas pode modificar dependendo da região geográfica analisada. A frequência da LM traumática no Brasil é desconhecida e não existem dados precisos a respeito de sua incidência ou prevalência, uma vez que essa condição não é sujeita à notificação compulsória1Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas: Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular. Brasília, 2013.. O Sistema Único de Saúde registrou, em 2004, 15.700 internações com 505 óbitos decorrentes de fratura da coluna2Brito LM, Chein MB, Marinho SCo, Duarte TB. Avaliação epidemiológica dos pacientes vítimas de traumatismo raquimedular. Rev Col Bras Cir. 201138(5):304-9..

Entre as classificações internacionais, a mais utilizada para as LM traumáticas é a American Spinal Injury Association Impairment Scale (AIS). Esta se baseia na avaliação sensitiva e motora classificando o nível neurológico da lesão e a LM em A, B, C, D e E. O nível neurológico motor e sensitivo estabelecido pela AIS refere-se ao segmento mais inferior da medula com sensibilidade e função motora preservados, sem alteração, em ambos os lados do corpo. A lesão AIS A é a considerada completa. Nela não é observada função sensitiva ou motora preservada abaixo do nível neurológico incluindo os segmentos sacrais S4-S5. As lesões AIS B, C e D são consideradas incompletas. Nelas há função parcial sensitiva e motora preservada abaixo do nível neurológico incluindo os segmentos sacrais S4-S5. A lesão AIS E é aquela na qual, apesar do trauma medular, no momento da avaliação, as funções motoras e sensitivas foram consideradas normais em todos os segmentos abaixo do nível neurológico. A escala AIS também possui uma classificação para as síndromes medulares decorrentes de uma LM: síndrome centro-medular, síndrome da cauda equina; síndrome da artéria espinhal anterior; síndrome de Brown-Sequard e síndrome do cone medular3Spinal Cord Injury Research Evidence [homepage na internet]. American Spinal Injury Association Impairment Scale (AIS): International Standards for Neurological Classification of Spinal Cord Injury [acesso em 23 jun 2015]. Disponível em: http:www.scireproject.com.
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.

Por ser um evento geralmente agudo e inesperado, a LM altera drasticamente a vida do paciente acometido, gerando consequências muitas vezes desastrosas para quem sofreu a lesão como também para seus familiares e sociedade4Campos MF, Ribeiro AT, Listik S, Pereira CA, Andrade Sobrinho J, Rapoport A. Epidemiologia do traumatismo da coluna vertebral. Rev Col Bras Cir. 2008;35(2):88-93.. Além da dificuldade na marcha, outras alterações podem ocorrer como na sensibilidade, na percepção da dor, no funcionamento vesical, intestinal e sexual. Passada a fase aguda da LM, o processo de reabilitação pode ser iniciado com objetivos de auxiliar na recuperação, na prevenção de complicações como também de inserir novamente os envolvidos em suas atividades na sociedade. A equipe interdisciplinar de reabilitação deve atuar com um olhar ampliado nesse processo. Os cuidados prestados devem ser pensados nos pacientes não só enquanto estiverem em ambiente hospitalar, mas, principalmente, em seu contexto de vida, interagindo com a sociedade e com o meio ambiente.

Entre as várias alterações advindas da LM, a dor crônica (DC) é considerada um dos maiores problemas por grande parte dos pacientes, interferindo diretamente no processo de reabilitação e na qualidade de vida (QV)5Siddall PJ, Loeser JD. Pain following spinal cord injury. Spinal Cord. 2001;39(2):63-73.,6Henwood P, Ellis JA. Chronic neuropathic pain in spinal cord injury: the patient's perspective. Pain Res Manag. 2004;9(1):39-45.. Entre os tipos de dor presentes nos pacientes com LM, a dor neuropática (DN) é a mais frequente, podendo assumir aspecto incapacitante6Henwood P, Ellis JA. Chronic neuropathic pain in spinal cord injury: the patient's perspective. Pain Res Manag. 2004;9(1):39-45.. Segundo a International Association for the Study of Pain (IASP), por definição, a DN emerge como consequência direta de uma lesão ou doença que afeta o sistema somatossensorial. Na dor neuropática central, a lesão pode estar situada em qualquer local da medula espinhal ou do cérebro, afetando as vias espino-tálamo-corticais7Kopf A, Patel NB. Guia para o tratamento da dor em contextos de poucos recursos [homepage na internet]. Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP); [atualizado em 2010; acesso em 24 jun 2015]. Disponível em: http://www.iasp-pain.org.
http://www.iasp-pain.org...
. Esta geralmente aparece no primeiro ano após a LM e 65% dos pacientes, em média, relatam a DN sendo que 1/3 a define como intensa6Henwood P, Ellis JA. Chronic neuropathic pain in spinal cord injury: the patient's perspective. Pain Res Manag. 2004;9(1):39-45.. São pouco compreendidos os mecanismos de desenvolvimento da DN5Siddall PJ, Loeser JD. Pain following spinal cord injury. Spinal Cord. 2001;39(2):63-73. sendo seu tratamento de difícil manuseio para o indivíduo e para os profissionais de saúde. Algumas características dessa dor estão bem estabelecidas, mas há grande variabilidade nos estudos que avaliam a prevalência e a interferência nos pacientes com LM. Este estudo pretende, portanto, identificar características biopsicossociais associadas à DN em 13 pacientes com LM traumática para compreender melhor esse fenômeno e auxiliar aos profissionais de saúde e pacientes no processo de reabilitação. Trata-se de um estudo descritivo, uma série de casos que faz parte da primeira etapa de uma pesquisa posterior que pretenderá avaliar a prevalência e características da DN em pacientes com LM traumática.

RELATO DOS CASOS

No período de 12 a 24 de agosto de 2014, foram entrevistados consecutivamente 13 pacientes com LM e DN, internados no programa de reabilitação em LM em uma instituição de referência do Distrito Federal. Nessa instituição, os pacientes permanecem internados entre 30 e 40 dias para realização do programa de reabilitação. A entrevista ocorreu após 15 dias de internação quando os pacientes já tinham participado dos grupos educativos para o conhecimento e manuseio das alterações principais advindas da LM. Os critérios de inclusão foram adultos, com idade maior ou igual a 18 anos, com LM traumática, internados no Programa de Neuro-Reabilitação em Lesão Medular.

Por ser subjetiva a experiência da dor, foram utilizados dois instrumentos internacionais validados no Brasil para mensuração e percepção da DN, acrescidos de dados sócio-demográficos da população em estudo. O Inventário Breve de dor (BPI) avaliou a intensidade e a interferência da DN em algumas atividades de vida diária. O Questionário Douleur Neuropathique em 4 Questions (DN4), específico para avaliação de DN, foi utilizado para confirmação do seu diagnóstico e reconhecimento de algumas de suas características. As informações coletadas foram analisadas por meio do programa SPSS 18.0 – Statistical Package for the Social Sciences. As variáveis categóricas foram analisadas por meio da distribuição de frequência e as variáveis contínuas por meio de medidas de tendência central (média e mediana) e variabilidade (desvio padrão).

Com a finalidade de avaliar os resultados do BPI foi apresentada a figura Box Plot. Aplicou-se o teste ANOVA com a correção de Bonferroni para as comparações múltiplas e o teste t para as comparações dois a dois. O nível de significância adotado foi de 0,05.

A distribuição em relação ao gênero foi de 85% de homens e de 15% de mulheres. Em relação à procedência dos pacientes, 38% são da região sudeste, 23% da região centro oeste, 23% da região sul, 8% da região norte e 8% da região nordeste A média de idade foi de 41 anos, variando entre 26 e 65 anos. Dos entrevistados, 46% eram solteiros, 46% casados e 8% viúvos. Quanto ao convívio familiar 92% dos pacientes relataram viver com os familiares como cônjuge, pai, mãe ou avó e apenas um paciente reside com um cuidador contratado (caso 6). O índice de massa corpórea médio foi de 24,54 variando entre 19,03 e 29,44. Quanto à religião a maioria dos pacientes declarou-se católica (38%), seguidos dos evangélicos (31%), espíritas (15%) e outras ou ateu (16%).

Na avaliação do nível de escolaridade, 23% possuíam ensino médio incompleto, 23% ensino médio completo, 23% ensino superior incompleto, 15% ensino superior completo, 8% pós-graduação e 8% ensino fundamental incompleto.

Sobre a ocupação atual, 38% declararam-se aposentados, 31% desempregados, 15% trabalho informal, 8% estudantes e 8% trabalho formal. Entre os três pacientes que trabalhavam, a jornada semanal estava entre 21 e 40h; e quanto ao paciente estudante, este informou dedicar-se 20h semanais à essa atividade. A maioria dos pacientes (54%) informou que a renda mensal média varia de R$1.001,00 até R$3.000,00, seguido de R$5.000,00 até R$10.000,00 (15%), até R$1.000,00 (15%), acima de R$10.000,00 (8%), R$3.001,00 até R$5.000,00 (8%).

Os dados específicos de cada caso estão descritos na tabela 1.

Tabela 1
Distribuição das características sócio-demográficas na amostra. Brasília, 2015

Sobre as características da LM, a principal etiologia foi o acidente motociclístico (46%), seguida de arma de fogo (23%), queda (23%) e acidente automobilístico (8%). O tempo mínimo entre a data da entrevista e a lesão foi de 2 meses e o máximo de 14 anos e 6 meses, sendo a média de 4 anos e 3 meses. A maioria dos pacientes (54%) teve LM incompleta e 46% LM completa. A cirurgia de artrodese foi realizada por 61% dos pacientes e dois (15%) utilizaram colar ou colete. Os dados específicos para cada paciente estão descritos na tabela 2. Entre as comorbidades associadas à LM os resultados indicaram que todos os pacientes possuíam intestino neurogênico e bexiga neurogênica, 77% espasticidade, 15% ossificação heterotópica e 8% disreflexia autonômica.

Tabela 2
Distribuição da amostra quanto às características da lesão medular. Brasília, 2015

Em relação a outras doenças associadas, dois pacientes (15%) possuíam depressão (casos 2 e 6), 23% possuíam outras comorbidades como diabetes (casos 2 e 8) dislipidemia (casos 2 e 8), hipertensão arterial (casos 2 e 4). O uso de cigarro ou drogas ilícitas foi negado por todos os pacientes. Em relação ao uso de álcool, 31% dos pacientes declararam o uso de forma eventual, nos finais de semana.

Em relação às características da dor, a maioria dos pacientes iniciou com o quadro de dor entre um mês e seis meses após a LM (69%), 8% entre 6 meses e 1 ano, 8% entre 1 ano e 3 anos e 15% acima de três anos. O Questionário DN4 foi utilizado na descrição dos sintomas associados à dor. Em 85% dos participantes foi encontrado, na aplicação do Questionário DN4, escore maior que 4, indicativo de DN. Entre os sintomas referidos – conforme a ordem de aparecimento no questionário, 85% referiram a presença de queimação, 92% sensação de frio, 31% choque elétrico, 85% formigamento, 31% alfinetada e agulhada, 46% adormecimento, 92% hipoestesia ao toque e à picada de agulha. Sobre a localização da dor, em 62% dos pacientes, a dor foi encontrada abaixo do nível da lesão medular e 38% relataram dor mista – no nível e abaixo do nível da LM. Nenhum paciente relatou dor acima da LM. Em 77% dos pacientes o tratamento farmacológico foi predominante. Os fármacos mais citados foram a gabapentina e a amitriptilina, somente um paciente relatou utilizar tramadol eventualmente (caso 3) e três pacientes não utilizavam fármacos. Em relação à efetividade do tratamento para dor, dos 10 pacientes que faziam tratamento farmacológico, 7 referiram que o tratamento é muito efetivo, 2 pacientes declararam que o tratamento é parcialmente efetivo e 1 paciente afirmou que o tratamento é pouco efetivo. Nenhum paciente referiu que realizou cirurgia para tratamento da DN e apenas um paciente (caso 6) informou que realiza o tratamento alternativo de Pilates e que este é efetivo. As características da dor para cada paciente podem ser visualizadas na tabela 3.

Tabela 3
Distribuição da amostra quanto às características da dor. Brasília, 2015

Na avaliação dos fatores que interferem na piora da dor foram encontrados os seguintes resultados: imobilidade (77%), frio (54%), humor (46%), ansiedade (31%), noite (31%), o dia (15%) e o clima quente (8%). Já entre fatores que diminuem a dor, os resultados demonstraram: a atividade física (85%), o lazer (85%), fisioterapia (69%), repouso (31%), o dia (15%), o trabalho (15%) e com 8% a noite, estudo, humor e relaxamento.

O BPI foi o instrumento escolhido para avaliar a intensidade da dor e sua interferência em atividades exercidas nas últimas 24 horas. O BPI é um instrumento multidimensional, que faz uso de uma escala de zero a 10 para aferir a dor, com exceção de um item que utiliza a escala de 0% a 100%. A dor avaliada pelo paciente é aquela presenciada no momento de preenchimento do questionário e também nas últimas 24h. Aplicando-se esse instrumento, os resultados mostraram que a nota média para a dor foi de 4,38 pontos, com diferença estatisticamente significativa na comparação entre as piores e a menor dor relatada.

A figura 1 apresenta os resultados do BPI referentes ao impacto da dor nas atividades gerais, humor, habilidade de caminhar com a cadeira de rodas, relacionamento com outras pessoas, sono e apreciar a vida. Os resultados indicaram que o aspecto mais influenciado pela dor foi o de atividade geral (média=3,23) e o aspecto que a dor menos influenciou foi o de relacionamento. Não houve diferença com relevância estatística ao comparar a pontuação média de acordo com cada aspecto.

Figura 1
Interferência da dor nas últimas 24 horas. Brasília, 2015 p=probabilidade de significância (Teste ANOVA).

DISCUSSÃO

O perfil encontrado corresponde ao de outros estudos: indivíduos do gênero masculino, com média de idade de 40 anos, aposentados ou desempregados, renda familiar de até R$ 3.000,00, tendo como causa predominante da LM os acidentes automobilísticos (carros e motos) seguidos de perfuração por arma de fogo e quedas, sendo o segmento vertebral torácico o mais acometido. Em estudo demográfico com o objetivo de identificar a frequência dos traumatismos raquimedulares em uma instituição de saúde no Estado de São Paulo, os autores mostraram que 72% dos casos eram do gênero masculino, com predomínio da faixa etária entre 21 e 30 anos (22,5%). Entre as causas da LM, o acidente automobilístico destacou-se (38,9%), seguido das quedas (27,4%), acidente de motocicletas (15,3%), esportes (6,5%), mergulho em águas (4%) e ferimento por arma de fogo (2,5%). O segmento vertebral mais afetado no referido estudo foi a região toracolombar, com 51,7% dos casos8Morais DF, Spotti AR, Cohen MI, Mussi SE, Melo Neto JS, Tognola WA. Perfil epidemiológico de pacientes com traumatismo raquimedular atendidos m hospital terciário. Coluna/Columna. 2013;12(2):149-52..

Em outro estudo, as características da DN foram avaliadas em 109 indivíduos com LM9Vall J, Costa CM, Santos Tde J, Costa SB. Neuropathic pain characteristics in patients from Curitiba (Brazil) with spinal cord injury. Arq Neuropsiquiatr. 2011;69(1):64-8.. A dor foi diagnosticada de acordo com o questionário DN4 em 20 pacientes. Os resultados também demonstraram que os indivíduos mais afetados por esse tipo de dor eram do gênero masculino, adultos jovens de 40 anos, solteiros ou casados, aposentados, com ensino básico e, paraplégicos com lesão incompleta9Vall J, Costa CM, Santos Tde J, Costa SB. Neuropathic pain characteristics in patients from Curitiba (Brazil) with spinal cord injury. Arq Neuropsiquiatr. 2011;69(1):64-8..

Em 77% dos pacientes desta série de casos, a DN teve seu início em até um ano após a LM; 69% em até 6 meses. Resultados semelhantes a outro estudo no qual o início da DN foi relatado pela maioria dos participantes em até 6 meses após a lesão medular6Henwood P, Ellis JA. Chronic neuropathic pain in spinal cord injury: the patient's perspective. Pain Res Manag. 2004;9(1):39-45..

O tratamento farmacológico no presente relato de caso foi considerado muito efetivo por 70% dos pacientes. Houve a prevalência da utilização da gabapentina e da amitriptilina. A eficácia do tratamento farmacológico com gabapentina e carbamazepina foi demonstrada em outro estudo que avaliou a DN em pacientes com LM1010 Teixeira MJ, Paiva WS, Assis MS, Fonoff ET, Bor-Seng-Shu E, Cecon AD. Neuropathic pain in patients with spinal cord injury: report of 213 patients. Arq Neuropsiquiatr. 2013;71(9A):600-3.. No entanto, essa melhora foi menor em comparação a outros tipos de tratamentos cirúrgicos - bomba de infusão implantável com morfina; estimulador peridural; cirurgia de DREZ ou lesão do Tracto de Lissauer e corno posterior da medula1010 Teixeira MJ, Paiva WS, Assis MS, Fonoff ET, Bor-Seng-Shu E, Cecon AD. Neuropathic pain in patients with spinal cord injury: report of 213 patients. Arq Neuropsiquiatr. 2013;71(9A):600-3..

Alguns autores demonstram que fatores sociais e emocionais, além de físicos – mudanças climáticas e frio, estão associados à dor crônica, apesar dessa relação ainda não ser bem estabelecida3Spinal Cord Injury Research Evidence [homepage na internet]. American Spinal Injury Association Impairment Scale (AIS): International Standards for Neurological Classification of Spinal Cord Injury [acesso em 23 jun 2015]. Disponível em: http:www.scireproject.com.
http:www.scireproject.com...
,6Henwood P, Ellis JA. Chronic neuropathic pain in spinal cord injury: the patient's perspective. Pain Res Manag. 2004;9(1):39-45.. Nesta série de casos, o frio e a imobilidade destacaram-se como fatores que pioram a DN e a atividade física e o lazer como fatores que auxiliam na melhora da dor. A avaliação da influência da DN na vida destes pacientes identificou que a atividade geral e o humor foram os mais comprometidos pela presença da DN.

CONCLUSÃO

A LM altera drasticamente a vida do paciente acometido, gerando consequências desastrosas para quem sofreu a lesão, para seus familiares e para a sociedade. Nesta série, a maioria foram homens jovens, vítimas de acidentes de trânsito e com dor neuropática que impactava negativamente o humor e as suas atividades gerais.

  • Fontes de fomento: não há.
  • *
    Recebido da Universidade de Brasília, Faculdade de Ciências da Saúde, Departamento de Enfermagem, Brasília, DF, Brasil.

REFERENCES

  • 1
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas: Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular. Brasília, 2013.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    24 Abr 2015
  • Aceito
    28 Jul 2015
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