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A dimensão da diástase abdominal tem influência sobre a dor lombar durante a gestação?

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Avaliar e comparar a ocorrência e dimensão da diástase dos músculos retos abdominais nos segundo e terceiro trimestres gestacionais e correlacioná-las com presença e intensidade da dor lombar.

MÉTODOS:

Estudo observacional do tipo transversal com 128 gestantes, divididas em dois grupos: 53 gestantes no segundo trimestre gestacional e 75 gestantes no terceiro trimestre gestacional. Utilizou-se para avaliar a dor lombar o questionário Roland Morris e a escala analógica visual da dor. A mensuração da diástase dos músculos retos abdominais foi realizada com auxílio de um paquímetro. Os dados foram analisados segundo a correlação de Spearman e teste U de Mann-Whitney.

RESULTADOS:

A comparação dos grupos demonstrou que as gestantes do terceiro trimestre apresentavam maior diástase abdominal, mais relatos de dor lombar intensa por meio da escala analógica visual p=0,0017 e maior impacto nas atividades da vida diária (p=0,0012). A correlação foi positiva entre a dimensão da diástase dos músculos retos abdominais e os escores obtidos no questionário Roland Morris e na escala analógica visual.

CONCLUSÃO:

A dimensão da diástase dos músculos retos abdominais, a intensidade da dor e a incapacidade determinadas pela lombalgia foram maiores nas gestantes do terceiro trimestre gestacional.

Descritores:
Dor lombar; Fisioterapia; Gestantes; Qualidade de vida; Reto do abdômen

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

To evaluate and compare the presence and size of recti abdominis diastasis in the second and third gestational trimester and to correlate them to lumbar pain incidence and intensity.

METHODS:

This is a cross-sectional observational study with 128 pregnant women divided in two groups: 53 pregnant women in the second gestational trimester and 75 pregnant women in the third gestational trimester. Lumbar pain was evaluated with Roland Morris questionnaire and Pain Visual Analog Scale. Recti abdominis diastasis was measured with a caliper rule. Data were analyzed according to Spearman correlation and Mann-Whitney U test.

RESULTS:

Comparison between groups has shown that pregnant women in the third gestational trimester had more recti abdominis diastasis, more reports of severe lumbar pain by the visual analog scale (p=0.0017) and further impact on daily life activities (p=0.0012). There has been positive correlation between recti abdominis diastasis size and scores obtained by Roland Morris questionnaire and visual analog scale.

CONCLUSION:

Recti abdominis diastasis size, pain intensity and incapacity determined by low back pain were more severe in pregnant women in the third gestational trimester.

Keywords:
Low back pain; Physiotherapy; Pregnant women; Quality of life; Rectus abdominis

INTRODUÇÃO

Durante o período gestacional, ocorrem alterações hormonais e biomecânicas no corpo da mulher11 Bishop A, Holden MA, Ogollah RO, Foster NE. Current management of pregnancy-related low back pain: a national cross-sectional survey of UK physiotherapists. Physiotherapy. 2015;19(S0031-9406(15):03771-2. [Epub ahead of print]. O útero em constante crescimento, devido ao aumento do tamanho fetal, torna o abdômen protruso e favorece o deslocamento anterior do centro de gravidade22 Novaes FS, Shimo AK, Lopes MH. [Low back pain during gestation]. Rev Lat Am Enfermagem. 2006;14(4):620-4. Portuguese.. Essas alterações progressivamente determinam o aumento da curvatura lombar e torácica e da anteversão pélvica, gerando sobrecarga muscular e consequentemente quadros dolorosos11 Bishop A, Holden MA, Ogollah RO, Foster NE. Current management of pregnancy-related low back pain: a national cross-sectional survey of UK physiotherapists. Physiotherapy. 2015;19(S0031-9406(15):03771-2. [Epub ahead of print],22 Novaes FS, Shimo AK, Lopes MH. [Low back pain during gestation]. Rev Lat Am Enfermagem. 2006;14(4):620-4. Portuguese..

A dor lombar certamente é a queixa mais comum durante o período gestacional11 Bishop A, Holden MA, Ogollah RO, Foster NE. Current management of pregnancy-related low back pain: a national cross-sectional survey of UK physiotherapists. Physiotherapy. 2015;19(S0031-9406(15):03771-2. [Epub ahead of print],33 Gomes MR, Araújo RC, Lima AS, Pitangui AC. Lombalgia gestacional: prevalência e características clínicas em um grupo de gestantes. Rev Dor. 2013;14(2):114-7.. Atribui-se sua ocorrência ao relaxamento das articulações sacroilíacas e intervertebrais, e ao aumento nos níveis de progesterona, estrogênio e relaxina (responsável por favorecer frouxidão ligamentar)11 Bishop A, Holden MA, Ogollah RO, Foster NE. Current management of pregnancy-related low back pain: a national cross-sectional survey of UK physiotherapists. Physiotherapy. 2015;19(S0031-9406(15):03771-2. [Epub ahead of print],44 Pereira NT, Ferreira LA, Pereira WM. Efetividade de exercícios de estabilização segmentar sobre a dor lombar crônica mecânico-postural. Fisioter Mov. 2010;23(4):605-14.. A hipermobilidade nessas articulações gera instabilidade articular e consequente sobrecarga sobre ligamentos e músculos estabilizadores que, associados ao aumento de peso, determinam sobrecarga do sistema musculoesquelético, tracionam a coluna anteriormente e determinam dor lombar11 Bishop A, Holden MA, Ogollah RO, Foster NE. Current management of pregnancy-related low back pain: a national cross-sectional survey of UK physiotherapists. Physiotherapy. 2015;19(S0031-9406(15):03771-2. [Epub ahead of print],33 Gomes MR, Araújo RC, Lima AS, Pitangui AC. Lombalgia gestacional: prevalência e características clínicas em um grupo de gestantes. Rev Dor. 2013;14(2):114-7.,44 Pereira NT, Ferreira LA, Pereira WM. Efetividade de exercícios de estabilização segmentar sobre a dor lombar crônica mecânico-postural. Fisioter Mov. 2010;23(4):605-14..

Fora do período gestacional, a instabilidade lombopélvica é um dos fatores relevantes para a gênese da dor lombar, pois o desequilíbrio do sistema musculoesquelético ocasiona falta de estabilização dinâmica e consequente sobrecarga de estruturas osteomioarticulares55 Graup S, de Araújo Bergmann ML, Bergmann GG. Prevalence of nonspecific lumbar pain and associated factors among adolescents in Uruguaiana, state of Rio Grande do Sul. Rev Bras Ortop. 2014;49(6):661-7.. Os músculos abdominais possuem importante função estabilizadora, portanto quanto mais fraca estiver essa musculatura, maior será a instabilidade articular e consequentemente maior a dor lombar55 Graup S, de Araújo Bergmann ML, Bergmann GG. Prevalence of nonspecific lumbar pain and associated factors among adolescents in Uruguaiana, state of Rio Grande do Sul. Rev Bras Ortop. 2014;49(6):661-7.,66 Rett MT, Araújo FR, Rocha I, Silva RA. Diástase dos músculos retoabdominais no puerpério imediato de primíparas e multíparas após o parto vaginal. Fisioter Pesq. 2012;19(3):236-41..

No período gestacional ocorre afastamento das bordas dos músculos retos abdominais para permitir o crescimento fetal22 Novaes FS, Shimo AK, Lopes MH. [Low back pain during gestation]. Rev Lat Am Enfermagem. 2006;14(4):620-4. Portuguese.,77 Rett MT, Braga MD, Bernandes NO, Andrade SC. Prevalência de diástase dos músculos retoabdominais no puerpério imediato: comparação entre primíparas e multíparas. Rev Bras Fisioter. 2009;13(4):275-80.

8 Akram J, Matzen SH. Rectus abdominis diastasis. J Plast Surg Hand Surg. 2014;48(3):163-9.
-99 Leite AC, Araújo KK. Diástase dos retos abdominais em puérperas e sua relação com variáveis obstétricas. Fisioter Mov. 2012;25(2):389-97.. Esse afastamento muscular é denominado diástase dos músculos retos abdominais (DMRA) e associa-se ao estiramento e fraqueza dessa musculatura22 Novaes FS, Shimo AK, Lopes MH. [Low back pain during gestation]. Rev Lat Am Enfermagem. 2006;14(4):620-4. Portuguese.,77 Rett MT, Braga MD, Bernandes NO, Andrade SC. Prevalência de diástase dos músculos retoabdominais no puerpério imediato: comparação entre primíparas e multíparas. Rev Bras Fisioter. 2009;13(4):275-80.

8 Akram J, Matzen SH. Rectus abdominis diastasis. J Plast Surg Hand Surg. 2014;48(3):163-9.
-99 Leite AC, Araújo KK. Diástase dos retos abdominais em puérperas e sua relação com variáveis obstétricas. Fisioter Mov. 2012;25(2):389-97.. Alguns autores consideram excessivo ou patológico o afastamento maior do que 3 cm77 Rett MT, Braga MD, Bernandes NO, Andrade SC. Prevalência de diástase dos músculos retoabdominais no puerpério imediato: comparação entre primíparas e multíparas. Rev Bras Fisioter. 2009;13(4):275-80.,88 Akram J, Matzen SH. Rectus abdominis diastasis. J Plast Surg Hand Surg. 2014;48(3):163-9.. Contudo, a literatura é controversa em relação ao valor de referência da DMRA, ou seja, quando considerá-la patológica, e se a classificação deve ser utilizada somente no puerpério ou também na gestação88 Akram J, Matzen SH. Rectus abdominis diastasis. J Plast Surg Hand Surg. 2014;48(3):163-9.. A DMRA patológica aumenta os riscos para o desenvolvimento de hérnias abdominais futuras e dificulta o retorno desses músculos à sua posição anatômica pré-gestacional22 Novaes FS, Shimo AK, Lopes MH. [Low back pain during gestation]. Rev Lat Am Enfermagem. 2006;14(4):620-4. Portuguese.,88 Akram J, Matzen SH. Rectus abdominis diastasis. J Plast Surg Hand Surg. 2014;48(3):163-9.,99 Leite AC, Araújo KK. Diástase dos retos abdominais em puérperas e sua relação com variáveis obstétricas. Fisioter Mov. 2012;25(2):389-97..

Embora a etiologia da dor lombar na gestação seja multifatorial11 Bishop A, Holden MA, Ogollah RO, Foster NE. Current management of pregnancy-related low back pain: a national cross-sectional survey of UK physiotherapists. Physiotherapy. 2015;19(S0031-9406(15):03771-2. [Epub ahead of print],44 Pereira NT, Ferreira LA, Pereira WM. Efetividade de exercícios de estabilização segmentar sobre a dor lombar crônica mecânico-postural. Fisioter Mov. 2010;23(4):605-14., ainda não se descreveu a relação existente entre a dimensão do afastamento da DMRA e a presença da intensidade da dor lombar.

O objetivo deste estudo foi avaliar a ocorrência da DMRA no segundo e terceiro trimestres gestacionais e correlacionar com a presença e intensidade da dor lombar.

MÉTODOS

Estudo de caráter prospectivo, observacional do tipo transversal no período de janeiro de 2013 a abril de 2015, envolvendo gestantes assistidas em serviços públicos de pré-natal na cidade de Uberlândia-MG.

A amostra de conveniência constituiu-se de 128 gestantes voluntárias. Os critérios de inclusão foram gestação fisiológica, com feto único, vivo, sem malformações e os de exclusão foram gestantes com doenças crônico-degenerativas, gestação de alto risco ou gestação gemelar. Todas assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

As gestantes foram divididas em dois grupos: Grupo 2T no segundo trimestre de gestação e Grupo 3T no terceiro trimestre de gestação. Considerou-se segundo trimestre gestacional o período entre a 14a a 27a semana e terceiro trimestre a partir da 28ª semana1010 Brasil. Ministério da Saúde. [Internet]. Assistência pré-natal: manual técnico. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2000 [citado 2015 Março 9]. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd04_11.pdf>.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
.

Inicialmente realizou-se a investigação sobre dados sócio-demográficos, antecedentes pessoais e clínicos, gestação atual, gestações e partos anteriores. Em seguida, perguntou-se sobre a presença de dor lombar. Nas gestantes com dor lombar aplicou-se a escala analógica visual (EAV) de 0 a 10. Considerou-se dor leve quando EAV entre 1 e 3; moderada entre 4 e 6 e intensa entre 7 e 10. A seguir aplicou-se o questionário Roland Morris para quantificar o nível de incapacidade gerado pela dor lombar. Finalmente avaliou-se a DMRA com o auxílio do paquímetro, para quantificar a separação dos feixes dos músculos retos do abdômen ao longo da linha alba nas regiões umbilical, supraumbilical e infraumbilical.

Realizou-se a mensuração da DMRA com a gestante na posição supina, os quadris e joelhos fletidos a 90º, pés apoiados sobre a maca e membros superiores estendidos ao longo do corpo. Marcaram-se três pontos no abdômen com lápis dermatográfico e com o auxílio da fita métrica: um ponto na cicatriz umbilical, um ponto 4,5cm acima, considerado supraumbilical, e outro 4,5cm abaixo, considerado infraumbilical1111 Chiarello CM, Falzone LA, McCaslin KE, Patel MN, Ulery KR. The effects of an exercise program on diastasis recti abdominis in pregnant women. J Women's Health Phys Ther. 2005;29(1):11-6.. Em seguida, solicitou-se uma flexão de tronco até que o ângulo inferior da escápula estivesse fora da maca. Nessa posição, o avaliador palpava os limites das bordas mediais dos músculos retos do abdômen e mensurava, com o paquímetro, a distância nas três regiões demarcadas.

A coleta de dados foi realizada por dois pesquisadores adequadamente treinados pelo pesquisador responsável.

Para avaliação da diástase, utilizou-se paquímetro universal, que mensura com acurácia a distância entre dois pontos. A escala de mensuração contida no cursor móvel do paquímetro permite precisão decimal de leitura por meio do alinhamento dessa escala com a medida da régua.

Para avaliação da dor lombar utilizou-se a EAV, e o questionário de Roland Morris foi aplicado para avaliar a incapacidade funcional provocada pela dor lombar e indiretamente a qualidade de vida das gestantes. Esse questionário, autoaplicável, é composto por 24 questões dicotômicas (sim ou não), relacionadas às atividades diárias, dor e função. Para cada questão afirmativa, considera-se 1 ponto. O escore final é determinado pela somatória dos valores obtidos, com mínimo e o máximo de "0" e "24", respectivamente1212 Nusbaum L, Natour J, Ferraz MB, Goldenberg J. Translation, adaptation and validation of the Roland-Morris questionnaire-Brazil Roland-Morris. Braz J Med Biol Res. 2001;34(2):203-10..

Análise estatística

Para a análise descritiva dos dados realizou-se medidas de tendência central (média), dispersão (desvio padrão), frequência e porcentagem. Adicionalmente, aplicou-se o Coeficiente de Correlação de Spearman, para verificar a existência ou não de correlações estatisticamente significativas; o teste U de Mann-Whitney, para verificar a existência ou não de diferenças estatisticamente significativas as entre os dois grupos de gestantes. Considerou-se o nível de significância de p<0,05 em uma prova bilateral em todas as análises.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Uberlândia por meio do protocolo 145.623/2012 e foi desenvolvido conforme as diretrizes da Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

Foram avaliadas 129 gestantes, mas a amostra fi foi de 128, 53 (41,4%) no segundo trimestre e 75 (58,6%), no terceiro trimestre gestacional. Houve uma desistência devido a relato de desconforto na posição deitada na data da avaliação.

As gestantes dos dois grupos apresentaram idades semelhantes, com média de 26,5±6,1 anos para o grupo 2T e de 27±5,3 anos para o grupo 3T (p=1,0000, teste de Mann-Whitney).

Quando comparados os grupos com relação à DMRA e presença de dor lombar, as gestantes do grupo 3T apresentaram maiores valores, conforme demonstrado na tabela 1.

Tabela 1
Comparação entre ambos os grupos em relação à dimensão da diástase abdominal, escala analógica visual e escore do questionário de Roland Morris

Avaliou-se a intensidade da dor lombar por meio da EAV. No presente estudo, 33 (25%) pacientes relataram não sentir dor lombar. As demais gestantes da amostra, ou 74%, afirmaram sentir dor lombar em diferentes intensidades.

Realizaram-se testes para verificar possíveis correlações entre o tamanho da DMRA e o escore final do questionário Roland Morris. Os resultados demonstraram baixa correlação (0,20<R <0,39), positiva e significativa. As gestantes com maior DMRA apresentaram maior valor no escore final do questionário, conforme demonstrado na tabela 2.

Tabela 2
Correlação entre o escore do questionário Roland Morris e a dimensão da diástase abdominal nas três regiões

Ao correlacionar os valores da DMRA com a EAV observou-se fraca correlação (0,20<R<0,39), positiva e significativa. As gestantes com maior dimensão da DMRA atribuíram maiores valores de EAV, conforme demonstrado na tabela 3.

Tabela 3
Correlação entre a escala analógica visual e a dimensão da diástase abdominal nas três regiões avaliadas

DISCUSSÃO

Este estudo demonstrou que a dimensão da DMRA é maior nas gestantes no 3º trimestre gestacional quando comparadas ao 2º trimestre, fato previsível visto a maior dimensão uterina e ao maior afastamento entre os feixes dos músculos retos abdominais para acomodar esse volume99 Leite AC, Araújo KK. Diástase dos retos abdominais em puérperas e sua relação com variáveis obstétricas. Fisioter Mov. 2012;25(2):389-97.. Considera-se dor lombar a dor localizada na região inferior do dorso, em área situada entre a prega glútea e o último arco costal1313 Ferreira CH, Nakano AM. [Coceptual bases supporting the obtention of knowledge about back pain in pregnancy]. Rev Lat Am Enfermagem. 2001;9(3):95-100. Portuguese.. Representa uma queixa comum entre as gestantes, principalmente durante o último trimestre gestacional1414 Barbosa CM, Silva JM, Moura AB. Correlação entre o ganho de peso e a intensidade da dor lombar em gestantes. Rev Dor. 2011;12(3):205-8.. O presente estudo constatou que a lombalgia gestacional esteve presente em 74% das mulheres incluídas, o que condiz com dados da literatura brasileira, cuja porcentagem varia de 45 a 83%1515 Santos MM, Gallo AP. Lombalgia gestacional: prevalência e características de um programa pré-natal. Arq Bras Ciên Saúde. 2010;35(3):174-9.,1616 Martins RF, Silva JL. [Back pain is a major problem for many pregnant women]. Rev Assoc Med Bras. 2005;51(3):144-7. Portuguese..

Em estudo recente, Mota et al.1717 Fernandes da Mota PG, Pascoal AG, Carita AI, Bø K. Prevalence and risk factors of diastasis recti abdominis from late pregnancy to 6 months postpartum, and relationship with lumbo-pelvic pain. Man Ther. 2015;20(1):200-5. realizaram ultrassonografia em 84 mulheres e consideraram a DMRA presente quando a distância entre os músculos retos abdominais era maior do que 16mm. Também avaliaram a dor lombar solicitando para apontar em uma figura a área da dor e classifica-la como moderada a intensa. As mulheres com maior diástase não apresentaram necessariamente maior dor lombar, e esses resultados são antagônicos aos encontrados no presente estudo. Contudo, apenas 23 das 84 mulheres incluídas referiram dor lombar, e a amostra reduzida pode ser fator determinante para a ausência de correlação.

A prevalência de dor lombar durante a gestação variou entre 20 e 90% nos diversos estudos11 Bishop A, Holden MA, Ogollah RO, Foster NE. Current management of pregnancy-related low back pain: a national cross-sectional survey of UK physiotherapists. Physiotherapy. 2015;19(S0031-9406(15):03771-2. [Epub ahead of print],1818 Han IH. Pregnancy and spinal problems. Curr Opin Obstet Gynecol. 2010;22(6):477-81. e pôde influenciar a habilidade de sentar, caminhar, levantar e diminuir a capacidade da gestante para realizar atividades da vida diária1919 Ostgaard HC, Andersson GB, Karlsson K. Prevalence of back pain in pregnancy. Spine (Phila Pa 1976). 1991;16(5):549-52.

20 Ostgaard HC, Zetherström G, Roos-Hansson E. Back pain in relation to pregnancy: a 6-year follow-up. Spine (Phila Pa 1976). 1997;22(24):2945-50.

21 Rodrigues WF, Silva LR, Nascimento MA, Pernambuco CS, Giani TS, Dantas EH. Prevalence of lower back pain and physical inactivity: the impact of psychosocial factors in pregnant women served by the Family Health Strategy. Einstein. 2011;9(4 Pt 1):489-93.
-2222 Cortez PJ, Franco TA, Sene TM, Carvalho TD, Tomazini JE. Correlação entre a dor lombar e as alterações posturais em gestantes. Arq Bras Ciênc Saúde. 2012;37(1):30-5.. Neste estudo, avaliou-se a intensidade da dor lombar por meio da EAV, amplamente descrita na literatura e usada para avaliar dor de diversas origens2323 Rostami M, Noormohammadpour P, Mansournia MA, Hantoushzadeh S, Farah-bakhsh F, Nourian R, et al. Comparison of the thickness of lateral abdominal muscles between pregnant women with and without low back pain. PM R. 2015;7(5):474-8.,2424 Korelo RI, Ragasson CA, Lerner CE, de Morais JC, Cossa JB, Krauczuk C. Efeito de um programa cinesioterapêutico de grupo, aliado à escola de postura, na lombalgia crônica. Fisioter Mov. 2013;26(2):389-94..

A média de escore de dor lombar para ambos os grupos de estudo foi de 4±5,3, de acordo com o questionário Roland Morris1212 Nusbaum L, Natour J, Ferraz MB, Goldenberg J. Translation, adaptation and validation of the Roland-Morris questionnaire-Brazil Roland-Morris. Braz J Med Biol Res. 2001;34(2):203-10., demonstrando que, embora apresentassem dor, as grávidas não consideraram essa dor incapacitante (incapacitante=escore > 14)1212 Nusbaum L, Natour J, Ferraz MB, Goldenberg J. Translation, adaptation and validation of the Roland-Morris questionnaire-Brazil Roland-Morris. Braz J Med Biol Res. 2001;34(2):203-10.. Em estudo recente, Madeira et al.2525 Madeira HG, Garcia JB, Lima MV, Serra HO. [Disability and factors associated with gestational low back pain]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2013;35(12):541-8. Portuguese. avaliaram a incapacidade gerada pela lombalgia em 296 gestantes por meio do questionário Roland Morris e encontraram médias semelhantes aos dados deste estudo. Das 185 gestantes com dor, 116 obtiveram escore inferior a 5 nesse mesmo questionário2525 Madeira HG, Garcia JB, Lima MV, Serra HO. [Disability and factors associated with gestational low back pain]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2013;35(12):541-8. Portuguese..

Por sua vez, a DMRA está presente em 30% a 70% das gestantes2626 Boissonnault JS, Blaschak MJ. Incidence of diastasis recti abdominis during the childbearing year. Phys Ther. 1988;68(7):1082-6.. Os métodos de avaliação encontrados na literatura são: palpação2727 Bursch SG. Interrater reliability of diastasis recti abdominis measurement. Phys Ther. 1987;67(7):1077-9.,2828 Boxer S, Jones S. Intra-rater reliability of rectus abdominis diastasis measurement using dial calipers. Aust J Physiother. 1997;43(2):109-14., uso de paquímetro2929 Hsia M, Jones S. Natural resolution of rectus abdominis diastasis. Two single case studies. Aust J Physiother. 2000;46(4):301-7.,3030 Mota P, Pascoal AG, Sancho F, Bø K. Test-retest and intrarater reliability of 2-dimensional ultrasound measurements of distance between rectus abdominis in women. J Orthop Sports Phys Ther. 2012;42(11):940-6. e ultrassonografia3131 Mota P, Pascoal AG, Sancho F, Carita AI, Bø K. Reliability of the inter-rectus distance measured by palpation. Comparison of palpation and ultrasound measurements. Man Ther. 2013;18(4):294-8.,32. Neste estudo utilizou-se o paquímetro para mensurar a dimensão da DMRA. Esse método de avaliação, além de preciso e de baixo custo, já foi utilizado em inúmeros outros estudos66 Rett MT, Araújo FR, Rocha I, Silva RA. Diástase dos músculos retoabdominais no puerpério imediato de primíparas e multíparas após o parto vaginal. Fisioter Pesq. 2012;19(3):236-41.,99 Leite AC, Araújo KK. Diástase dos retos abdominais em puérperas e sua relação com variáveis obstétricas. Fisioter Mov. 2012;25(2):389-97.. Recentemente testou-se a re produtibilidade do ultrassom bidimensional para avaliar a distância entre os dois feixes dos músculos retos abdominais3030 Mota P, Pascoal AG, Sancho F, Bø K. Test-retest and intrarater reliability of 2-dimensional ultrasound measurements of distance between rectus abdominis in women. J Orthop Sports Phys Ther. 2012;42(11):940-6.. Os resultados demonstraram alta reprodutibilidade e os autores sugeriram esse método como o ideal para avaliar a dimensão da diástase3131 Mota P, Pascoal AG, Sancho F, Carita AI, Bø K. Reliability of the inter-rectus distance measured by palpation. Comparison of palpation and ultrasound measurements. Man Ther. 2013;18(4):294-8.; entretanto, seu acesso é restrito visto que o equipamento de alto custo nem sempre se encontra disponível e os profissionais nem sempre são habilitados para esse tipo de avaliação Essa mesma equipe de pesquisadores testou a reprodutibilidade inter e intraobservador para avaliar a dimensão da diástase com larguras de dedo3131 Mota P, Pascoal AG, Sancho F, Carita AI, Bø K. Reliability of the inter-rectus distance measured by palpation. Comparison of palpation and ultrasound measurements. Man Ther. 2013;18(4):294-8. e encontraram uma concordância moderada entre os avaliadores (wK=0,534) classificando a dimensão do afastamento em 0,5; 1; 1,5 e 2 dedos.

No presente estudo realizaram-se as avaliações em diversas unidades de atendimento às gestantes de risco na cidade de Uberlândia, e o paquímetro foi eleito pelo seu custo, reprodutibilidade e facilidade de transporte. A reprodutibilidade intraobservador do paquímetro é alta e os autores concluíram que se trata de um instrumento fidedigno para a avaliação dos músculos retos abdominais2828 Boxer S, Jones S. Intra-rater reliability of rectus abdominis diastasis measurement using dial calipers. Aust J Physiother. 1997;43(2):109-14..

No presente estudo, os maiores valores encontrados para DMRA foram na região umbilical, com média de 3,6±2,3cm para o segundo trimestre e 5,7±3,3cm para o terceiro trimestre. Chiarello et al.1111 Chiarello CM, Falzone LA, McCaslin KE, Patel MN, Ulery KR. The effects of an exercise program on diastasis recti abdominis in pregnant women. J Women's Health Phys Ther. 2005;29(1):11-6.avaliaram a DMRA na gestação com método semelhante ao deste estudo e encontraram valores ligeiramente maiores na região infraumbilical (6,4cm) quando comparada com a região umbilical (6cm). Contudo, observa-se semelhança entre os dois estudos quando se comparam os valores da DMRA na região umbilical.

Este estudo demonstrou que gestantes com maior afastamento dos músculos retos abdominais, referiram maior intensidade da dor lombar no segundo e terceiro trimestres. Um estudo prévio1111 Chiarello CM, Falzone LA, McCaslin KE, Patel MN, Ulery KR. The effects of an exercise program on diastasis recti abdominis in pregnant women. J Women's Health Phys Ther. 2005;29(1):11-6. avaliou os efeitos do fortalecimento abdominal quanto à presença e dimensão da DMRA em gestantes, e encontrou que gestantes submetidas a intervenção clínica apresentaram valores menores de diástase abdominal.

CONCLUSÃO

Este estudo destaca-se pelo número de gestantes incluídas e pela correlação inédita entre dor lombar e dimensão da diástase abdominal na gestação. Todavia, acredita-se que a avaliação da dor lombar prévia à gestação e de outros músculos abdominais amplificaria e enriqueceria os dados obtidos.

Avaliar e correlacionar esses dois desfechos no período puerperal são as sugestões dos pesquisadores para futuros estudos nessa linha de pesquisa. Com base nestes resultados recomenda-se a avaliação da presença de diástase na gestação, para realizar intervenção precoce, reduzir o afastamento dos músculos retos abdominais e, possivelmente, o desconforto provocado pela dor lombar.

  • Fontes de fomento: não há.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    04 Dez 2015
  • Aceito
    02 Fev 2016
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