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Dor e sintomas associados: comparação entre fibromialgia e disfunção temporomandibular

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A fibromialgia apresenta sintomas multivariados acometendo também a região temporomandibular. O objetivo deste estudo foi comparar os sinais e sintomas faciais de mulheres com fibromialgia e mulheres com disfunção temporomandibular.

MÉTODOS:

Foi realizado um estudo de corte transversal com 61 mulheres, divididas em dois grupos: grupo fibromialgia (31) e grupo disfunção temporomandibular (30). As variáveis avaliadas em todas as pacientes foram: intensidade da dor na articulação temporomandibular por meio da escala visual analógica, relato de dor ou desconforto nas atividades diárias (abrir/fechar a boca, durante a alimentação, ao falar), presença de ruídos articulares (estalo e crepitação), tontura, zumbido, cefaleia e capacidade na abertura de boca. As variáveis foram comparadas pelos testes t não pareado e Qui-quadrado.

RESULTADOS:

Dor na região facial foi relatada por 100% das pacientes do estudo, não havendo diferença da intensidade entre os grupos fibromialgia e disfunção temporomandibular (p=0,2170). O grupo fibromialgia relatou maior percentual de dor nas atividades de vida diária quando comparado ao grupo disfunção temporomandibular (p<0,0001). Quanto aos ruídos articulares observou-se maior percentual para crepitação da articulação temporomandibular direita (p=0,006) do grupo disfunção temporomandibular. As pacientes do grupo fibromialgia apresentaram maior percentual dos sinais e sintomas associados à disfunção temporomandibular como tontura, zumbido e cefaleia (p<0,000).

CONCLUSÃO:

Pacientes com fibromialgia possuem sinais e sintomas clínicos semelhantes aos encontrados em pacientes com disfunção temporomandibular, sendo a dor, desconforto nas atividades diárias, tontura, zumbido e cefaleia mais exacerbada no grupo fibromialgia.

Descritores:
Disfunção temporomandibular; Dor; Fibromialgia

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Fibromyalgia has multivariate symptoms, also affecting temporomandibular region. This study aimed at comparing facial signs and symptoms of females with fibromyalgia and females with temporomandibular disorder.

METHODS:

This is a crossover study with 61 females divided in two groups: fibromyalgia group (31) and temporomandibular disorder group (30). Evaluated variables in all patients were: pain intensity in temporomandibular joint by means of visual analog scale, report of pain or discomfort during daily activities (mouth opening/closing, during meals, when talking), presence of joint noises (clicking and popping), dizziness, tinnitus, headache and mouth opening capacity. Variables were compared by unpaired t and Chi-square tests.

RESULTS:

Facial pain was reported by 100% of studied patients with no difference in intensity among fibromyalgia and temporomandibular disorder groups (p=0.2170). Fibromyalgia group has reported more pain during daily life activities as compared to temporomandibular disorder group (p<0.0001). With regard to joint noises, there has been more right temporomandibular joint clicking (p=0.006) in the temporomandibular disorder group. Fibromyalgia group patients have higher percentage of signs and symptoms associated to temporomandibular disorder, such as dizziness, tinnitus and headache (p<0.000).

CONCLUSION:

Fibromyalgia patients have clinical signs and symptoms similar to those found in temporomandibular disorder patients, being pain, discomfort during daily activities, tinnitus, hum and headache more exacerbated in the fibromyalgia group.

Keywords:
Fibromyalgia; Pain; Temporomandibular disorder

INTRODUÇÃO

A disfunção temporomandibular (DTM) é um problema de saúde coletiva afetando 5 a 12% da população11 Schiffman E, Ohrbach R, Truelove E, Look J, Anderson G, Goulet JP, et al. Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (DC/TMD) for Clinical and Research Applications: recommendations of the International RDC/TMD Consortium Network and Orofacial Pain Special Interest Group. J Oral Facial Pain Headache. 2014;28(1):6-27.. DTM é um termo coletivo, usado para designar diversas condições clínicas que afetam os músculos mastigatórios, a articulação temporomandibular (ATM) e estruturas associadas, levando em consideração a inter-relação artrogênica e miogênica, assim como a influência do sistema nervoso, e a interação biopsicossocial11 Schiffman E, Ohrbach R, Truelove E, Look J, Anderson G, Goulet JP, et al. Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (DC/TMD) for Clinical and Research Applications: recommendations of the International RDC/TMD Consortium Network and Orofacial Pain Special Interest Group. J Oral Facial Pain Headache. 2014;28(1):6-27.,22 Truelove EL, Sommers EE, LeResche L, Dworkin SF, Von Korff M. Clinical diagnostic criteria for TMD. New classification permits multiple diagnoses. J Am Dent Assoc. 1992;123(4):47-54..

Essas desordens tipicamente apresentam um curso recorrente e crônico, sendo caracterizadas por dor facial na região da ATM e/ou músculos da mastigação, sons durante o movimento de abertura e/ ou fechamento da boca, limitação ou desvio dos movimentos mandibulares, travamento mandibular, espasmo da musculatura facial, cefaleias e distúrbios auditivos33 Costa AL, D&apos;Abreu A, Cendes F. Temporomandibular joint internal derangement: association with headache, joint effusion, bruxism, and joint pain. J Contemp Dent Pract. 2008;9(6):9-16.,44 Nassri LF, Abdala N, Szejnfeld J, Nassri MR. Análise comparativa entre os achados de eletromiografia do músculo facial masseter em indivíduos com e sem disfunção temporomandibular: parte I. RSBO. 2009;6(4):393-400.. Alguns pacientes podem ainda apresentar distúrbios no humor como ansiedade, depressão e somatização55 Diraçoglu D, Yildirim NK, Saral I, Özkan M, Karan A, Özkan S, Aksoy C. Temporomandibular dysfunction and risk factors for anxiety and depression. J Back Musculoskelet Rehabil. 2015,30(1):1-5.,66 Reiter S, Emodi-Perlman A, Goldsmith C, Friedman-Rubin P, Winocur E. Comorbidity between depression and anxiety in patients with temporomandibular disorders according to the research diagnostic criteria for temporomandibular disorders. J Oral Facial Pain Headache. 2015;29(2):135-43..

A dor facial, em alguns casos, pode ser expressão de outra doença musculoesquelética como a fibromialgia (FM), em que a dor localizada na face é somente um aspecto da desordem que envolve toda a musculatura do corpo77 Fujarra FJ, Kaziyama HH, Siqueira SR, Yeng LT, Camparis CM, Teixeira MJ, Siqueira JT. Temporomandibular disorders in fibromyalgia patients: are there different pain onsets? Arq Neuropsiquiatr. 2016;74(3):195-200.,88 Moldofsky HK. Disordered sleep in fibromyalgia and related myofascial facial pain conditions. Dent Clin North Am. 2001;45(4):701-13.. Estudos prévios demonstraram elevada frequência de DTM em pacientes com FM, o que deve ter influenciado a revisão dos critérios para diagnóstico da doença99 Manfredini D, Tognini F, Montagnani G, Bazzichi L, Bombardieri S, Bosco M. Comparison of masticatory dysfunction in temporomandibular disorders and fibromyalgia. Minerva Stomatol. 2004;53(11-12):641-50.

10 Fraga BP, Santos EB, Farias Neto JP, Macieira JC, Quintans LJ, Onofre AS, et al. Signs and symptoms of temporomandibular dysfunction in fibromyalgic patients. J Craniofac Surg. 2012;23(2):615-8.

11 Leblebici B, Pektas ZO, Ortancil O, Hürcan EC, Bagis S, Akman MN. Coexistence of fibromyalgia, temporomandibular disorder, and masticatory myofascial pain syndromes. Rheumatol Int. 2007;27(6):541-4.

12 Plesh O, Wolfe F, Lane N. The relationship between fibromyalgia and temporomandibular disorders: prevalence and symptom severity. J Rheumatol. 1996;23(11):1948-52..
-1313 Rhodus NL, Fricton J, Carlson P, Messner R. Oral symptoms associated with fibromyalgia syndrome. J Rheumatol. 2003; 30(8):1841-5.. Os critérios propostos em 2010 pelo American College of Rheumatology (ACR) levam em consideração outros sintomas além da dor difusa em detrimento da palpação dos pontos dolorosos1414 Wolfe F, Clauw DJ, Fitzcharles MA, Goldenberg DL, Häuser W, Katz RS, et al. Fibromyalgia criteria and severity scales for clinical and epidemiological studies: a modificationof the ACR Preliminary Diagnostic Criteria for Fibromyalgia. J Rheumatol. 2011;38(6):1113-22.. Utilizando esse novo critério, faz-se necessária a pesquisa de áreas dolorosas para formulação do índice de dor generalizada, que leva em consideração a presença de dor na região mandibular.

A DTM pode provocar potencialização do impacto negativo da FM, pois tais disfunções frequentemente levam a alterações na qualidade do sono e estado emocional com consequente diminuição da capacidade funcional e qualidade de vida dos pacientes1515 Smith MT, Wickwire EM, Grace EG, Edwards RR, Buenaver LF, Peterson S. Sleep disorders and their association with laboratory pain sensitivity in temporomandibular joint disorder. Sleep. 2009;32(6):779-90.

16 John MT, Reissmann DR, Schierz O, Wassell RW. Oral health-related quality of life in patients with temporomandibular disorders. J Orofac Pain. 2007;21(1):46-54.

17 Reissmann DR, John MT, Schierz O, Wassell RW. Functional and psychosocial impact related to specific temporomandibular disorder diagnoses. J Dent. 2007;35(8):643-50.
-1818 Yunus MB. Fibromyalgia and overlapping disorders: the unifying concept of central sensitivity syndromes. Semin Arthritis Rheum. 2007;36(6):339-56.. Embora existam relatos da alta frequência de DTM em pacientes com FM, pequeno número de estudos compararam a gravidade dessas manifestações em pacientes com DTM sem FM. Portanto, o objetivo deste estudo foi verificar e comparar a frequência e gravidade de sinais e sintomas característicos de DTM em mulheres com FM e mulheres com DTM sem FM.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo transversal, em mulheres com FM com idade variando entre 35 e 65 anos, no período de janeiro a junho de 2010, na Clínica Escola de Fisioterapia da Universidade Potiguar (UNP), Natal, Brasil.

A amostra do estudo foi composta por 61 mulheres com queixa dolorosa na face, das quais 31 foram encaminhadas por reumatologistas e tinham diagnóstico de FM segundo os critérios de classificação de 1990 do American College of Rheumatology (ACR)1919 Wolfe F, Smythe HA, Yunus MB, Bennett RM, Bombardier C, Goldenberg DL, et al. The American College of Rheumatology 1990 Criteria for the Classification of Fibromyalgia. Report of the Multicenter Criteria Committee. Arthritis Rheum. 1990;33(2):160-72. e passaram a compor o grupo FM. O grupo DTM foi composto por 30 indivíduos encaminhados por dentistas, e que possuíam os Critérios Diagnósticos de Pesquisa em Disfunção Temporomandibular (RDC-TMD Eixo I)2020 Pereira Júnior FJ, Favilla EE, Dworkin S, et al. Critérios de diagnóstico para pesquisa das disfunções temporomandibulares (RDC/TMD). Tradução oficial para a língua portuguesa. J Bras Clin Odontol Integr. 2004;8(47):384-95.,2121 Dworkin SF, LeResche L. Research diagnostic criteria for temporomandibular disorders: review criteria, examinations and specifications, critique. J Craniomandib Disord. 1992;6(4):301-55.. Os critérios de exclusão para ambos os grupos foram: ser analfabeta, ter sofrido acidente e/ou intervenção cirúrgica na face, ter realizado cirurgia otológica, ter sofrido luxação na ATM, presença de doença reumatológica autoimune, apresentar otite crônica ou ter deficiência mental que afetasse o processo de avaliação.

Cada participante, inicialmente, foi informada sobre o propósito do estudo, e as que aceitaram participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A coleta de dados foi realizada na sala de avaliação da Clínica Escola de Fisioterapia da UNP. Todas as avaliações foram realizadas de forma individual, com duração média de 40 minutos. Inicialmente as participantes responderam a uma ficha de avaliação, contendo dados sócio-demográficos (idade, gênero, estado civil e escolaridade) e clínicos. Os dados clínicos coletados foram: tempo de doença; presença de dor e intensidade da dor na ATM, que foi medida pela escala analógica visual (EAV), variando de zero a 10, sendo zero ausência de dor e 10 dor insuportável; presença de dor ao abrir e fechar a boca, durante alimentação e ao falar. No exame físico da ATM foi avaliada a abertura máxima (forçada) e normal de boca; a presença ou não de ruídos articulares (estalos ou crepitação) na abertura e fechamento da boca, avaliada através da ausculta com estetoscópio posicionado na região das ATM. As participantes foram ainda questionadas quanto à presença de tontura, zumbido e cefaleia.

Análise estatística

Realizou-se a interpretação descritiva dos dados, sendo as variáveis quantitativas descritas em valores de tendência central e variabilidade e as variáveis categóricas demonstradas em frequência absoluta e relativa. A normalidade dos valores amostrais das pacientes foi verificada através do teste de Shapiro-Wilk. Para análise intergrupo foi utilizado o teste t de Student não pareado. Para todas as análises foi considerada significância estatística, p<0,05. Os dados foram analisados utilizando-se o software estatístico SPSS (versão 19.0).

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNP número 306/2009 (CAAE 0285.0.052.000-09).

RESULTADOS

Foram avaliadas 61 mulheres, sendo 31 do grupo FM e 30 do grupo DTM. A média de idade do grupo FM foi de 53,6±9,7 anos e do grupo DTM 47,30±9,1 anos, havendo diferença estatisticamente significativa entre os grupos (p=0,0194). Tanto no grupo FM quanto no grupo DTM a maioria era casada com 45,2 e 66,7%, respectivamente. Entretanto, na avaliação do nível de escolaridade verificou-se que as pacientes do grupo FM tinham maior nível de escolaridade quando comparadas às pacientes do grupo DTM (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição dos dados sócio-demográficos dos grupos estudados

Quanto aos dados clínicos, observou-se que todas as pacientes relataram dor em pelo menos uma ATM. Em relação à intensidade da dor facial, foi verificado que as pacientes do grupo FM apresentaram maior intensidade que as do grupo DTM, com valores de 6,2±2,4 e 5,4±2,4, respectivamente, no entanto, sem diferença entre os grupos (p=0,2170). Quanto à presença de dor durante as atividades diárias o grupo FM apresentou percentuais mais elevados que o grupo DTM em todos os itens avaliados: abrir/fechar a boca 45,2% e 23,3%; durante a alimentação 54,8% e 40%; e ao falar 80,6% e 60,0% respectivamente. Quanto à amplitude da abertura da boca, foi verificado que as pacientes do grupo FM apresentaram menor abertura que as do grupo DTM, sem, no entanto, diferença entre os grupos (p=0,2595). Também, na avaliação da abertura máxima da boca as participantes do grupo FM apresentaram maior abertura que as do grupo DTM, novamente sem diferença estatisticamente significativa na comparação intergrupos (p=0,2072) (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição e análise dos valores das variáveis clínicas na articulação temporomandibular em ambos os grupos

Na ausculta das ATM foi observado que o grupo DTM apresentou maior prevalência de todos os ruídos articulares avaliados (crepitação e estalos), com exceção do estalo ao fechamento da ATM esquerda, no qual o grupo FM apresentou maior prevalência. Entretanto, somente foi observada diferença estatisticamente significativa na crepitação da ATM direita (p<0,006).

Quanto aos sinais e sintomas associados a disfunções da ATM, verificou-se que as pacientes do grupo FM apresentam maior percentual que as pacientes do grupo DTM em todos os sintomas avaliados (tontura, zumbido e cefaleia), com diferença estatisticamente significativa entre os grupos avaliados (Tabela 2).

DISCUSSÃO

Estudos prévios foram realizados na tentativa de entender a ligação entre DTM e FM, sendo observado na maioria, que grande parte dos pacientes com FM apresentaram sinais e sintomas característicos de DTM. Contudo, poucos pacientes com DTM foram diagnosticados com fibromialgia99 Manfredini D, Tognini F, Montagnani G, Bazzichi L, Bombardieri S, Bosco M. Comparison of masticatory dysfunction in temporomandibular disorders and fibromyalgia. Minerva Stomatol. 2004;53(11-12):641-50.,1010 Fraga BP, Santos EB, Farias Neto JP, Macieira JC, Quintans LJ, Onofre AS, et al. Signs and symptoms of temporomandibular dysfunction in fibromyalgic patients. J Craniofac Surg. 2012;23(2):615-8.,1212 Plesh O, Wolfe F, Lane N. The relationship between fibromyalgia and temporomandibular disorders: prevalence and symptom severity. J Rheumatol. 1996;23(11):1948-52..,2222 Marbach JJ. Is myofascial face pain a regional expression of fibromyalgia? J Musc Pain. 1995;3(2):93-7.. Diante dos resultados, quatro modelos teóricos tentam explicar a ligação entre FM e DTM; (1) a diminuição do limiar de dor na FM é responsável pela dor musculoesquelética da face e, nesse caso, a FM é o problema predominante que predispõe à DTM; (2) a FM e a DTM estão associadas a alterações comportamentais (psicológicas ou psiquiátricas) primárias, ou seja, não têm relação causal direta, mas surgem em decorrência de alguma anormalidade de saúde mental; (3) o sentimento de angústia e ansiedade em pacientes com FM levam ao aumento de consultas médicas facilitando o diagnóstico; (4) todas as disfunções dolorosas estão associadas a um aumento na prevalência da FM2323 Siqueira JTT. Disfunção temporomandibular: classificação e abordagem clínica. In: Siqueira JTT, Teixeira MJ (eds. ). Dor orofacial: diagnóstico, terapêutica e qualidade de vida. Curitiba: Maio; 2001. 373-404p..

No presente estudo foi observado que as pacientes do grupo FM relataram quadro doloroso facial mais intenso que as pacientes do grupo DTM, bem como uma quantidade maior de mulheres com FM relataram dor para abertura e fechamento da boca, durante a alimentação e ao falar. Sugere-se que a dor mais intensa no grupo FM, bem como os percentuais mais elevados de relato de dor facial nas atividades do cotidiano, podem ser devidos à própria fisiopatologia da doença, na qual ocorre amplificação central e aumento na sensibilidade geral à dor, podendo a paciente apresentar hiperalgesia (resposta elevada à dor a estímulos normalmente dolorosos) e/ou alodínea (resposta dolorosa a estímulos não dolorosos)2424 Clauw DJ, Arnold LM, McCarberg BH; Fibro Collaborative. The science of fibromyalgia. Mayo Clin Proc. 2011;86(9):907-11.. Estudos prévios demonstraram que em pacientes com FM, a resposta dolorosa pode ser atingida com estímulo doloroso muito inferior ao necessário2525 Gracely RH, Petzke F, Wolf JM, Clauw DJ. Functional magnetic resonance imaging evidence of augmented pain processing in fibromyalgia. Arthritis Rheum. 2002;46(5):1333-43.,2626 Nebel MB, Gracely RH. Neuroimaging of fibromyalgia. Rheum Dis Clin North Am. 2009;35(2):313-27..

Todas as pacientes de ambos os grupos apresentaram diminuição na abertura normal da boca sem diferença significativa entre os grupos. Entretanto, as pacientes do grupo FM apresentaram menor abertura da boca quando comparadas com o grupo DTM, fato também descrito por García-Moya et al. 2727 García-Moya EJ, Montiel-Company JM, Almerich-Silla JM. Case-control study of craniomandibular disorders in patients with fibromyalgia. J Clin Exp Dent. 2015;1;7(2):293-8. No entanto, na avaliação da abertura forçada da boca foi verificada no grupo FM maior abertura comparada ao grupo DTM. Sugere-se que nesse tipo de avaliação, as disfunções biomecânicas encontradas na FM não afetem a amplitude de movimento. O que não ocorre com o grupo DTM onde os distúrbios artrocinemáticos e osteocinemáticos impedem a abertura da boca2828 Flores-Mir C, Nebbe B, Heo G, Major PW. Longitudinal study of temporomandibular joint disc status and craniofacial growth. Am J Orthod Dentofacial Orthop, 2006;130(3):324-30..

Esse resultado pode ter relação direta com a origem da dor dos grupos. No grupo DTM sem coexistência com FM a dor pode ser proveniente de processos de desgaste articular, processo inflamatório, alterações oclusais, traumas faciais e deslocamento de disco. Esses fatores associados a espasmos na musculatura facial, principalmente do músculo masseter, podem contribuir com a dificuldade na abertura de boca1111 Leblebici B, Pektas ZO, Ortancil O, Hürcan EC, Bagis S, Akman MN. Coexistence of fibromyalgia, temporomandibular disorder, and masticatory myofascial pain syndromes. Rheumatol Int. 2007;27(6):541-4.,2929 Cuccia A, Caradonna C. The relationship between the stomatognathic system and body posture. Clinics. 2009;64(1):61-6.. Por outro lado, estudos revelaram que o diagnóstico mais comum de DTM na fibromialgia é o miofascial (subgrupo I do RDC/TMD Eixo I) e que os sinais mais frequentes são: limitação da abertura de boca, ruídos ao abrir e fechar a boca, dor nos músculos masseter e digástrico posterior, dor na ATM e dor de cabeça1010 Fraga BP, Santos EB, Farias Neto JP, Macieira JC, Quintans LJ, Onofre AS, et al. Signs and symptoms of temporomandibular dysfunction in fibromyalgic patients. J Craniofac Surg. 2012;23(2):615-8.,3030 Pimentel MJ, Gui MS, Martins de Aquino LM, Rizzatti-Barbosa CM. Features of temporomandibular disorders in fibromyalgia syndrome. J Cranio. 2013;31(1):40-5.. Neste estudo foram verificado na ausculta da ATM, estalos ou estalidos durante a abertura e/ou fechamento da boca, com maior percentual de pacientes do grupo DTM apresentando ruídos articulares, sendo o estalo ou estalido o ruído mais observado. Ruídos articulares podem ser causados por alterações na posição condilar o que pode induzir a um deslocamento do disco e gerar um assincronismo funcional entre côndilo e o disco3131 Murphy MK, MacBarb RF, Wong ME, Athanasiou KA. Temporomandibular disorders: a review of etiology, clinical management, and tissue engineering strategies. Int J Oral Maxillofac Implants. 2013;28(6):e393-414..

Em relação aos outros sinais e sintomas frequentemente relatados tanto por pacientes com FM quanto DTM, tais como: cefaleia, tonturas e zumbidos, as pacientes do grupo FM apresentaram maior frequência em todos os sintomas avaliados, quando comparadas com as pacientes do grupo DTM. Estudos prévios demonstraram que tanto as pacientes com FM quanto com DTM apresentam alto índice dessas manifestações, contudo, no presente estudo encontramos percentuais maiores que os relatados pela literatura3232 Urban VM, Neppelenbroek KH, Pavan S, Alencar Júnior FG, Jorge JH, Almilhatti HJ. Associação entre otalgia, zumbido, vertigem e hipoacusia com desordens temporomandibulares. Rev Gaucha Odontol. 2009;57(1):107-15.. Em estudo prévio a cefaleia foi o sintoma mais relatado no paciente com DTM, (34,39%)3333 Silveira AM, Feltrin PP, Zanetti RV, Mautoni MC. Prevalência de portadores de DTM em pacientes avaliados no setor de otorrinolaringologia. Rev Bras Otorrinolaringol. 2007;73(4):528-32.. Sugere-se que a alta prevalência de cefaleia em ambos os grupos esteja relacionado à conexão da ATM com músculos, ligamentos e fáscias da região cervical e temporal, formando um complexo funcional denominado sistema crânio-cérvico-mandibular. Autores relataram que o músculo masseter encontra-se hiperativado tanto em pacientes com FM quanto em pacientes com DTM3434 Bonjardim LR, Gavião MB, Pereira LJ, Castelo PM. Bite force determination in adolescents with and without temporomandibular dysfunction. J Oral Rehabil. 2005;32(8):577-83..

CONCLUSÃO

O grupo FM possui sinais e sintomas clínicos semelhantes aos encontrados no grupo DTM, sendo a dor, desconforto nas atividades diárias, tontura, zumbido e cefaleia mais exacerbados no grupo FM. Apesar de serem entidades clínicas distintas, a FM e a DTM podem apresentar sinais e sintomas comuns, ou estarem associadas. No entanto a causa do comprometimento álgico se torna distinta pelas peculiaridades fisiopatológicas de casa doença. Enfatizamos a importância da investigação clínica e da ação multiprofissional, visando a prevenir e/ou minimizar os sintomas das DTM.

  • Fontes de fomento: não há.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    29 Abr 2016
  • Aceito
    03 Ago 2016
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