Acessibilidade / Reportar erro

Termografia por infravermelho na avaliação da dor em paciente com esclerose múltipla Relato de caso

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A esclerose múltipla é uma doença autoimune, inflamatória, desmielinizante e crônica do sistema nervoso central. A partir do entendimento da sua fisiopatologia e das disfunções termorreguladoras decorrentes da doença, fica claro que quando possível, a termografia por infravermelho deve ser feita. A termografia facilita o entendimento de como a doença atinge as diversas áreas do corpo, investigando assimetrias, contraturas e padrões neurogênicos. O objetivo deste estudo foi documentar por termografia infravermelha um caso de esclerose múltipla em crise álgica.

RELATO DO CASO:

Paciente do gênero feminino, 63 anos, diagnosticada com esclerose múltipla em 2007, após realização de ressonância magnética e punção liquórica. Ha seis meses começou a queixar-se de diminuição de força muscular nos membros inferiores de caráter progressivo, além de aumento nas dores da região da coluna vertebral, principalmente na coluna lombar e no dimídio direito. Realizou novos exames (ressonância de crânio e coluna cervical), que mostraram o mesmo padrão encontrado em exames anteriores, resultantes de lesões antigas por substrato desmielinizante. A termometria demonstrou assimetria de todo hemicorpo direito, com padrão neurogênico central, e diferença de temperatura (∆T 0,8ºC), confirmando assim o diagnostico inicial. Em relação à queixa principal, foram encontradas assimetria entre regiões paralombares e presença de hiper-radiação paravertebral lombar, sugerindo contratura da musculatura local.

CONCLUSÃO:

A esclerose múltipla possui vastos sintomas, destacando-se aqui a instalação de quadros álgicos crônicos e termorregulação inadequada que interferem diretamente na qualidade de vida de seus portadores.

Descritores:
Dor lombar; Esclerose múltipla; Termografia

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Multiple sclerosis is an autoimmune, inflammatory, demyelinating and chronic disease of the central nervous system. As from the understanding of its pathophysiology and of thermoregulating dysfunctions caused by the disease, it is clear that, whenever possible, infrared thermography should be done. Thermography helps understanding how the disease affects different body areas, by investigating asymmetries, contractures and neurogenic patterns. This study aimed at documenting by infrared thermography a case of multiple sclerosis in crisis of pain.

CASE REPORT:

Female patient, 63 years old, diagnosed with multiple sclerosis in 2007 after magnetic resonance and lumbar puncture. Six month ago she started complaining of progressive decrease in lower limbs muscle strength in addition to increased spinal pain, especially in lumbar spine and right hemibody. Patient was submitted to new exams (head and cervical spine resonance), which have shown the same pattern found in previous exams, resulting from old injuries by demyelinating substract. Thermometry has shown asymmetry of the whole right hemiboby with central neurogenic patterns and temperature difference (∆T 0.8ºC), thus confirming initial diagnosis. With regard to major complaint, there was asymmetry between paralumbar regions and presence of lumbar paravertebral hyperradiation, suggesting local muscles contracture.

CONCLUSION:

Multiple sclerosis has a wide range of symptoms, especially the installation of chronic pain and inadequate thermoregulation, which directly interfere with quality of life of patients.

Keywords:
Lumbar pain; Multiple sclerosis; Thermography

INTRODUÇÃO

A esclerose múltipla (EM) é uma doença autoimune que acomete o sistema nervoso central (SNC), mais especificamente a substância branca, causando desmielinização e inflamação. Afeta usualmente mais mulheres do que homens na faixa de 20 a 40 anos de idade, mas casos fora desses limites têm ocorrido. Mulheres são mais propensas que os homens a desenvolver a EM. A proporção real é de três mulheres para cada homem. No Brasil, sua taxa de prevalência é de aproximadamente 15 casos por cada 100.000 habitantes11 Associação Brasileira de Esclerose Múltipla - ABEM [Homepage na internet]. O que é esclerose múltipla? [acesso em 27 de dez de 2015]. Disponível em: www.abem.org.br
www.abem.org.br...
,22 Callegaro D, Goldbaum M, Morais L. The prevalence of multiple sclerosis in the city of São Paulo, Brazil. Acta Neurol Scand. 2001;104(4):208-13. Há quatro formas de evolução clínica: remitente-recorrente (EM-RR), primariamente progressiva (EM-PP), primariamente progressiva com surto (EM-PP com surto) e secundariamente progressiva (EM-SP). A forma mais comum é a EM-RR, representando 85% de todos os casos no início de sua apresentação33 Fragoso YD, Peres M. Prevalence of multiple sclerosis in the city of Santos, SP, Brazil. Rev Bras. Epidemiol. 2007;10(4):479-82.,44 Ferreira ML, Machado MI, Vilela ML, Guedes MJ, Ataíde L Jr, Santos S, et al. [Epidemiology of 118 cases of multiple sclerosis after 15 years of follow-up on the reference center of Hospital da Restauração de Pernambuco, Brazil.] Arq Neuropsiquiatr. 2004;62(4):1027-32. Portuguese..

Os sintomas da EM são muitos e afetam cada indivíduo de forma diferente. Variam de acordo com quanto a lesão foi causada aos nervos e em que parte do SNC ocorreu. O indivíduo com EM pode experimentar praticamente qualquer sinal ou sintoma neurológico, incluindo alterações: 1) sensitivas ou motoras como a perda de sensibilidade táctil ou formigamento, parestesia, fadiga muscular, clônus, espasmos musculares; 2) na coordenação e no equilíbrio (ataxia); 3) na fala (disartria) ou na deglutição (disfagia); 4) visuais tais como fosfeno, diplopia, nistagmo, na sequência de uma neurite óptica. Fadiga, dor aguda ou crônica e dificuldades miccionais e do peristaltismo intestinal com obstipação secundária55 Milo R, Kahana E. Multiple sclerosis: geoepidemiology, genetics and the environment. Autoimmun Rev. 2010;9(5):A387-94.,66 Rudick RA. Esclerose múltipla e distúrbios relacionados. In: Goldman L, Bennett JC. (editores) Cecil: tratado de medicina interna. 21ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2001. 2387-96p..

São também característicos da EM, embora não exclusivas, o fenômeno de Uhthoff, um agravamento dos sintomas em função da exposição a temperaturas superiores ao normal, e o sinal de Lhermitte, uma sensação de corrente elétrica que irradia pela coluna vertebral ao dobrar o pescoço66 Rudick RA. Esclerose múltipla e distúrbios relacionados. In: Goldman L, Bennett JC. (editores) Cecil: tratado de medicina interna. 21ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2001. 2387-96p.. O diagnóstico é principalmente baseado nos Critérios de McDonald revisados77 Polman CH, Reingold SC, Edan G, Filippi M, Hartung HP, Kappos L, et.al. Diagnostic criteria for multiple sclerosis: 2005 revisions to the "McDonald Criteria". Ann Neurol. 2005;58(6):840-6., sendo esses adotados pela comunidade científica mundial para o diagnóstico de EM. Uma ressonância magnética (RM) do encéfalo demonstrará lesões características de desmielinização. Por ser o diagnóstico diferencial bastante amplo e os sintomas diversificados, novos métodos de avaliação complementar podem ser utilizados, como é o exemplo da termografia digital por infravermelho.

Como descrito por Brioschi88 Brioschi ML. Metodologia de normalização de análise do campo de temperaturas em imagem infravermelha humana. Curitiba. [Engenharia Mecânica]. Universidade Federal do Paraná; 2011. e Brioschi, Lin e Teixeira99 Brioschi ML, Lin TY, Teixeira MJ. Estudo da dor por imagem infravermelha. Rev Dor. 2005;6(3):589-99., trata-se de um método não invasivo de avaliação do sistema neurovegetativo cutâneo pelo mapeamento da distribuição térmica, que não exige uso de contraste, nem contato físico com o paciente, cujos resultados possibilitam determinar o funcionamento dos sistemas vascular, nervoso, musculoesquelético, de processos inflamatórios, dermatológicos, endócrinos e oncológicos. A imagem térmica se modifica nos casos de doenças e alterações funcionais e estruturais, refletindo padrões térmicos anormais, tais como áreas de hiper ou hiporradiação, assimetria térmica entre as regiões contralaterais do corpo ou dimídios com diferenciais de temperatura acima de 0,3º C1010 Brioschi ML, Yeng LT, Pastor EM, Colman D, Silva FM, Teixeira MJ. Documentação da síndrome dolorosa miofascial por imagem infravermelha. Acta Fisiátrica. 2007;14(1):41-8.,1111 Uematsu S, Jankel WR, Edwin DH, Kim W, Kozikowski J, Rosenbaum A, et al. Quantification of thermal asymmetry Part 2: Application in low-back pain and sciatica. J Neurosurg. 1988;69(4):556-61..

Levando esse aspecto em consideração, a disfunção termorregulatória em pacientes com EM não deve ser negligenciada, sendo causada, principalmente, por imaturidade no sistema de resfriamento, presente no SNC. Esse sistema funciona a partir de uma complexa rede vascular no rosto e couro cabeludo, intimamente ligada ao interior do cérebro. As repercussões da imaturidade desse sistema são complexas, desde uma simples dificuldade ao tomar banho morno até um grande fator de risco para morte súbita dessa população, quando os indivíduos são expostos a altas temperaturas1212 Baker DG. Multiple sclerosis and thermoregulatory dysfunction. J Appl Physiol. 2002;92(5):1779-80.. Sabendo disso, é possível perceber a validade do estudo da termorregulação nessa população desde o início da instalação da doença1313 Neves EB, Alves JV, Rosa C, Reis VM. Thermography in neurologic practice. Open Neurol J. 2015;9:24-7..

Ueno et al. 1414 Ueno M, Tokunaga Y, Terachi S, Gondo K, Hara T. Asymmetric sweating in a child with multiple sclerosis. Pediatr Neurol. 2000;23(1):74-6., realizou a termografia em uma criança diagnosticada com EM e queixando-se de sudorese unilateral. Outro estudo da década de 1960 demonstrou padrão assimétrico de temperatura em paciente com EM1515 Goldberg HI, Heinz ER, Taveras JM. Thermography in neurological patients. Preliminary experiences. Acta Radiol Diagn.1966;5:786-95., porém foi avaliada apenas a região da face e as impressões diagnósticas não são descritas com clareza, dificultando a comparação com estudos atuais. Além desses, uma recente revisão de literatura recomenda o uso da termografia na pratica clínica em pacientes com distúrbios de origem neurológica, podendo ser usada como ferramenta auxiliar no diagnóstico, ou como método de acompanhamento clínico da doença1313 Neves EB, Alves JV, Rosa C, Reis VM. Thermography in neurologic practice. Open Neurol J. 2015;9:24-7.. Outros estudos realizando a termografia nessa população não foram encontrados.

Sendo assim, a partir dos resultados, a investigação de alterações da termorregulação e da relação com o sistema neurovegetativo poderá se abrir um novo campo de estudo em torno da fisiopatologia da EM. Portanto, o objetivo deste estudo foi documentar por termografia infravermelha um caso de EM com crise álgica.

RELATO DO CASO

Paciente do gênero feminino, 63 anos, desde 2007 começou a apresentar fortes dores na região da coluna vertebral cervical e lombossacral, com episódios de dormência nos membros superiores (MMSS) e inferiores (MMII), que evoluiu para déficit de força durante realização de exercícios e alterações na marcha (desvio à esquerda e alargamento da base), sugerindo distúrbios de equilíbrio. Nesse ano, após consulta com neurologista, realizou os exames de ressonância magnética (RM) da cervical que evidenciou sinais leves de doença discal degenerativa, indícios sugestivos de doença desmielinizante, comprometendo o cordão medular na região cervical. Presença de hemangioma vertebral considerado no corpo vertebral de T1; RM do crânio mostrando múltiplas imagens compatíveis com zonas de alteração do sinal magnético na substância branca supratentorial, localizadas predominantemente nas adjacências do corpo caloso e nas regiões frontais, a maior delas no lado direito, apresentando hipossinal no T1 e hiperssinal nas sequencias de TR longo, aspecto compatível com lesões de natureza desmielinizante.

Esta RM mostrou bom alinhamento dos elementos vertebrais sem alterações de conformação dos elementos ósseos, focos de deposição de tecido adiposo em L3 e L4. Redução de altura e de sinal dos discos intervertebrais de L4/L5 e L5/S1 nas imagens T2 com discreta modificação de sinal no reborbo anteroinferior de L4 e anterossuperior de L5 por alteração degenerativa subcondral. Canal raqueano e forâmens de conjugação com boa amplitude. Cone medular com forma, situação, dimensões e intensidade de sinal normais. Processos articulares e elementos pré e paravertebrais sem aparentes alterações anatômicas. Ausência de realces anômalos após contraste. Não mostrou sinais de protrusão discal posterior significativa de hérnia discal. Realizou também punção liquórica que mostrou ausência de células neoplásicas e bioquímica negativa para infecções virais. VDRL não reagente.

Após serem excluídas outras possíveis doenças e relacionando com os sintomas referidos pela paciente e com a recorrência de episódios nos meses anteriores, foi dado o diagnóstico de EM e iniciou-se o tratamento. A paciente passou a fazer uso de interferon 44, associado a baclofen (antiespasmódico) e fluoxetina, sendo encaminhada à fisioterapia, terapia ocupacional e psicologia. Atualmente faz uso de natalizumabe, em substituição ao interferon.

Nos anos seguintes a paciente evoluiu com surtos intermitentes, após os quais referia aumento da espasticidade e do déficit motor e de força, associado a dor muscular intensa, principalmente na região da coluna lombar, além de alterações no trato urinário. Prosseguiu realizando exames de RM anualmente para controle evolutivo das lesões: RM de crânio em 2009 apresentou clara redução no número e nas dimensões das referidas imagens sem sinais de realce sugestivo de atividade. RM de crânio em 2010 apresentou imagens no T2, com áreas de hiperssinal na substância branca dos hemisférios cerebrais em situação paracalosa e periventricular, interessando o corpo caloso e interface caloso-septal que se apresentam algumas delas com áreas de hipossinal no T1 e que pela sua disposição mostram doença com substrato desmielinizante. Há moderado alargamento dos sulcos corticais na convexidade dos hemisférios cerebrais e das fissuras sylvianas, com ventrículos cerebrais de dimensões normais. Ausência de coleções líquidas extra-axiais.

RM de crânio em 2011 mostrou áreas de hiperssinal em situação calosa e paracalosa, bastante sugestiva de EM, sem alterações relevantes na fossa posterior, presença de uma área bastante sutil de hiperssinal na transição bulbo-medular, na linha média, porém discretamente mais à direita que deve corresponder a uma lesão de natureza desmielinizante. Sulcos corticais, cisternas basais e ventrículos cerebrais de amplitude e dimensões normais.

Há seis meses a paciente começou a queixar-se de diminuição de força muscular nos MMII de caráter progressivo, além de aumento nas dores da região da coluna vertebral, principalmente na coluna lombar e no dimídio direito. Em uso de antidepressivos, ansiolíticos e anticonvulsivantes.

Realizou novos exames (RM de crânio e coluna cervical), que mostraram o mesmo padrão encontrado em exames anteriores, resultantes de lesões antigas por substrato desmielinizante. Portanto, optou-se por realizar termometria cutânea de corpo total para esclarecimento diagnóstico e rastreio da dor lombar.

Descrição da técnica empregada na termometria cutânea

O exame foi iniciado após a estabilização térmica da paciente, e para isso ela ficou despida por 15 minutos, em ambiente termicamente controlado (23º C), com convecção mínima de ar (0,2m/s) e umidade relativa do ar abaixo de 60%. Utilizou-se uma câmera infravermelha da marca FLIR, modelo T420, foco de 25° 60HZ c/ Wi-Fi, infravermelho longo 7,5-13m, resolução espacial 1,36 mrad, sensibilidade térmica de 0,045° C e resolução 320x240. Com a paciente em posição ortostática, foram analisados bilateralmente 45 territórios neurovasculares, em cada hemicorpo, totalizando 90 territórios.

Impressão diagnóstica

A termometria demonstrou assimetria de todo hemicorpo direito, com padrão neurogênico central (Figura 1), e diferença de temperatura (∆T 0,8º C), simetria em canto medial dos olhos, território de ramos terminais extracranianos de carótida interna, hiperradiação simétrica periocular bem delimitada e homogênea, assimetria térmica de todo hemicorpo, cabeça, tronco e extremidades, assimetria entre as faces cervicais posterossuperiores. Presença de hiperradiação linear extensa, em banda descendente e oblíqua, com distribuição isotérmica, bem delimitada, sobre projeção de músculos cervicais posteriores, confirmando assim a disfunção termorregulatória decorrente da EM. Em relação à queixa de dor na coluna lombar (Figura 2), a análise das imagens mostrou assimetria entre regiões paralombares. Presença de hiperradiação paravertebral lombar, linear vertical, com bordos mal definidos, distribuição térmica irregular, em região paralombar, sugerindo contratura de músculos cervicais posteriores e da região paravertebral lombar (osteoartropatia).

Figura 1
Imagem infravermelha mostrando padrão neurogênico central com diferença de temperatura de 0,8ºC

Figura 2
A. Imagem infravermelha mostrando hiperradiação paravertebral lombar e distribuição térmica irregular. B. Imagem demonstrando assimetria entre os dimídios e área de hiperradiação na coluna cervical, sugerindo contratura dos músculos posteriores

DISCUSSÃO

A distribuição térmica irregular sugestiva de contratura de músculos posteriores poderia explicar as queixas de dores fortes da paciente. A avaliação da dor ainda é um desafio, pois a mesma é muito própria de cada indivíduo, e a maior parte dos métodos disponíveis de ava

liação, o faz de forma muito subjetiva. No entanto, a termografia pode ser aplicada com esse objetivo1616 Marcos ML, Abramavicus S, Corrêa CF. Valor da imagem infravermelha na avaliação da dor. Rev Dor. 2005;6(1):514-24., já que estudos utilizando a avaliação da distribuição térmica por meio da termografia na investigação de quadros dolorosos, inclusive de origem neurológica, são vastos e crescentes, e seus resultados são comprovados, inclusive comparando-os com outros tipos de avaliação já consolidados1616 Marcos ML, Abramavicus S, Corrêa CF. Valor da imagem infravermelha na avaliação da dor. Rev Dor. 2005;6(1):514-24.

17 Brioschi ML, Yeng LT, Teixeira MJ. Diagnóstico avançado em dor por imagem infravermelha e outras aplicações. Prática Hospitalar. 2007;50(IX):93-8.
-1818 Lima RP, Brioschi ML, Teixeira MJ, Neves EB. Análise termográfica de corpo inteiro: indicações para investigação de dores crônicas e diagnóstico complementar de disfunções secundárias. Pan Am J Med Thermol. 2015;2(2):70-7.. Em um estudo com 65 pacientes com dor lombar crônica que relacionou a termografia com outros exames de imagem, a termografia por infravermelho mostrou padrão térmico anormal em 92% dos casos, enquanto a RM apresentou alterações estruturais em 89%, a tomografia computadorizada (TC) em 87% e a mielografia em 80% dos pacientes. Dos 22 pacientes com alterações discais positivas na RM, 21 mostraram alterações termográficas e todos os casos com envolvimento radicular na TC e mielografia demonstraram alterações significativas na termografia, principalmente nos MMII1919 Thomas D, Cullum D, Siahamis G, Langlois S. Infrared thermographic imaging, magnetic resonance imaging, CT scan and myelography in low back pain. Br J Rheumatol. 1990;29(4):268-73..

Porém, é preciso destacar que mudanças de temperatura local nem sempre são reflexos de processo álgicos instalados, e inadequada atividade vasomotora resultante de influências simpáticas pode estar presente1111 Uematsu S, Jankel WR, Edwin DH, Kim W, Kozikowski J, Rosenbaum A, et al. Quantification of thermal asymmetry Part 2: Application in low-back pain and sciatica. J Neurosurg. 1988;69(4):556-61.,2020 Kurz A, Sessler DI, Tayefeh F, Goldberger R. Poikilothermia syndrome. J Intern Med. 1998;244(5):431-6.. A termografia evidenciou assimetria térmica significativa na paciente, com padrão neurogênico central, por envolver todo dimídio direito (face, tronco e extremidades). Caso semelhante foi reportado em estudo1414 Ueno M, Tokunaga Y, Terachi S, Gondo K, Hara T. Asymmetric sweating in a child with multiple sclerosis. Pediatr Neurol. 2000;23(1):74-6. com uma criança diagnosticada com EM, que apresentava sudorese excessiva na face e ombro direitos. A hiperidrose unilateral de todo dimídio é um fenômeno neurovegetativo central, que comparativamente se assemelha a alteração vasomotora cutânea, encontrada nesta paciente. Porém, não foram evidenciadas alterações de temperatura pela termografia, o que torna este estudo o primeiro a descrever esse fenômeno em um caso de EM.

O fenômeno de hiperidrose pode ser associado à presença de hipotermia em alguns casos de EM, como foi descrito em outros estudos2121 Edwards S, Lennox G, Robson K, Whiteley A. Hypothermia due to hypothalamic involvement in multiple sclerosis. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1996;61(4):419-20.

22 Darlix A, Mathey G, Monin ML, Sauvée M, Braun M, Schaff JL, et al. Hypothalamic involvement in multiple sclerosis. Rev Neurol. 2012;168(5):434-43.
-2323 Martinez-Rodriguez JE, Munteis E, Roquer J. Periodic hyperthermia and abnormal circadian temperature rhythm in a patient with multiple sclerosis. Mult Scler. 2006;12(4):515-7.. Os autores sugerem que esses sintomas, além da vasoconstrição periférica, estão associados com lesões na região hipotalâmica, pois é essa região que controla as respostas fisiológicas normais do organismo frente às mudanças de temperatura. Porém, imagens fornecidas por RM nem sempre são capazes de detectar alterações nessa região do cérebro, dificultando a identificação da origem de alterações térmicas em pacientes com EM, e suas repercussões.

CONCLUSÃO

A EM continua a ser um dos mistérios da medicina, não é evitável ou curável, e possui vastos sintomas, destacando-se a instalação de quadros álgicos crônicos e inadequada termorregulação, que interferem diretamente na qualidade de vida de seus portadores. Para um tratamento adequado da doença, deve ser feita a correlação entre os sintomas e os resultados dos exames de imagem, nesse caso a termografia entraria como método de diagnóstico complementar, já que diversas doenças resultam em quadros álgicos semelhantes, porém com padrão de temperatura diferente da EM, por exemplo, infecções no SNC, radiculopatias, fibromialgia, entre outras24. Além disso, outro objetivo seria o rastreamento de sintomas dolorosos agudos e crônicos, facilitando o entendimento dos sintomas da doença.

  • Fontes de fomento: não há.

REFERENCES

  • 1
    Associação Brasileira de Esclerose Múltipla - ABEM [Homepage na internet]. O que é esclerose múltipla? [acesso em 27 de dez de 2015]. Disponível em: www.abem.org.br
    » www.abem.org.br
  • 2
    Callegaro D, Goldbaum M, Morais L. The prevalence of multiple sclerosis in the city of São Paulo, Brazil. Acta Neurol Scand. 2001;104(4):208-13
  • 3
    Fragoso YD, Peres M. Prevalence of multiple sclerosis in the city of Santos, SP, Brazil. Rev Bras. Epidemiol. 2007;10(4):479-82.
  • 4
    Ferreira ML, Machado MI, Vilela ML, Guedes MJ, Ataíde L Jr, Santos S, et al. [Epidemiology of 118 cases of multiple sclerosis after 15 years of follow-up on the reference center of Hospital da Restauração de Pernambuco, Brazil.] Arq Neuropsiquiatr. 2004;62(4):1027-32. Portuguese.
  • 5
    Milo R, Kahana E. Multiple sclerosis: geoepidemiology, genetics and the environment. Autoimmun Rev. 2010;9(5):A387-94.
  • 6
    Rudick RA. Esclerose múltipla e distúrbios relacionados. In: Goldman L, Bennett JC. (editores) Cecil: tratado de medicina interna. 21ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2001. 2387-96p.
  • 7
    Polman CH, Reingold SC, Edan G, Filippi M, Hartung HP, Kappos L, et.al. Diagnostic criteria for multiple sclerosis: 2005 revisions to the "McDonald Criteria". Ann Neurol. 2005;58(6):840-6.
  • 8
    Brioschi ML. Metodologia de normalização de análise do campo de temperaturas em imagem infravermelha humana. Curitiba. [Engenharia Mecânica]. Universidade Federal do Paraná; 2011.
  • 9
    Brioschi ML, Lin TY, Teixeira MJ. Estudo da dor por imagem infravermelha. Rev Dor. 2005;6(3):589-99.
  • 10
    Brioschi ML, Yeng LT, Pastor EM, Colman D, Silva FM, Teixeira MJ. Documentação da síndrome dolorosa miofascial por imagem infravermelha. Acta Fisiátrica. 2007;14(1):41-8.
  • 11
    Uematsu S, Jankel WR, Edwin DH, Kim W, Kozikowski J, Rosenbaum A, et al. Quantification of thermal asymmetry Part 2: Application in low-back pain and sciatica. J Neurosurg. 1988;69(4):556-61.
  • 12
    Baker DG. Multiple sclerosis and thermoregulatory dysfunction. J Appl Physiol. 2002;92(5):1779-80.
  • 13
    Neves EB, Alves JV, Rosa C, Reis VM. Thermography in neurologic practice. Open Neurol J. 2015;9:24-7.
  • 14
    Ueno M, Tokunaga Y, Terachi S, Gondo K, Hara T. Asymmetric sweating in a child with multiple sclerosis. Pediatr Neurol. 2000;23(1):74-6.
  • 15
    Goldberg HI, Heinz ER, Taveras JM. Thermography in neurological patients. Preliminary experiences. Acta Radiol Diagn.1966;5:786-95.
  • 16
    Marcos ML, Abramavicus S, Corrêa CF. Valor da imagem infravermelha na avaliação da dor. Rev Dor. 2005;6(1):514-24.
  • 17
    Brioschi ML, Yeng LT, Teixeira MJ. Diagnóstico avançado em dor por imagem infravermelha e outras aplicações. Prática Hospitalar. 2007;50(IX):93-8.
  • 18
    Lima RP, Brioschi ML, Teixeira MJ, Neves EB. Análise termográfica de corpo inteiro: indicações para investigação de dores crônicas e diagnóstico complementar de disfunções secundárias. Pan Am J Med Thermol. 2015;2(2):70-7.
  • 19
    Thomas D, Cullum D, Siahamis G, Langlois S. Infrared thermographic imaging, magnetic resonance imaging, CT scan and myelography in low back pain. Br J Rheumatol. 1990;29(4):268-73.
  • 20
    Kurz A, Sessler DI, Tayefeh F, Goldberger R. Poikilothermia syndrome. J Intern Med. 1998;244(5):431-6.
  • 21
    Edwards S, Lennox G, Robson K, Whiteley A. Hypothermia due to hypothalamic involvement in multiple sclerosis. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1996;61(4):419-20.
  • 22
    Darlix A, Mathey G, Monin ML, Sauvée M, Braun M, Schaff JL, et al. Hypothalamic involvement in multiple sclerosis. Rev Neurol. 2012;168(5):434-43.
  • 23
    Martinez-Rodriguez JE, Munteis E, Roquer J. Periodic hyperthermia and abnormal circadian temperature rhythm in a patient with multiple sclerosis. Mult Scler. 2006;12(4):515-7.
  • 24
    Rocha FC. Esclerose Múltipla. Academia brasileira de neurologia. [acesso em: 23 de abril de 2016]. Disponível em: http://www.cadastro.abneuro.org/site/conteudo.asp?id_secao=31&id_conteudo=59&ds_secao=PerguntaseRespostas
    » http://www.cadastro.abneuro.org/site/conteudo.asp?id_secao=31&id_conteudo=59&ds_secao=PerguntaseRespostas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    27 Out 2015
  • Aceito
    23 Jun 2016
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 cj 2, 04014-012 São Paulo SP Brasil, Tel.: (55 11) 5904 3959, Fax: (55 11) 5904 2881 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br