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Modelos experimentais para o estudo da dor neuropática

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Os modelos ideais deveriam reproduzir apenas déficits sensitivos, como alodínea, hiperalgesia e dor espontânea por curtos períodos de tempo. Existem diversos tipos de modelos animais, que avaliam as diversas etiologias e manifestações da dor neuropática. Alguns modelos estudam os mecanismos periféricos e outros estudam mecanismos centrais da dor neuropática. Esta revisão enfoca os modelos animais mais comumente utilizados para pesquisa em dor neuropática.

CONTEÚDO:

São descritos modelos animais baseados em ligadura de nervos periféricos que são mais comumente empregados. De todos os modelos descritos nesta revisão, a lesão poupadora de nervo é aquela que produz anormalidades comportamentais mais reprodutíveis, por um período mais longo, ao passo que a constrição crônica do ciático produz sinais comportamentais de neuropatia dolorosas menos previsíveis. Hemisecção espinhal e lesão espinhal induzida por citocinas são os modelos de escolha para estudar mecanismos de dor central. Outros modelos específicos são utilizados para estudo da etiologia específica da condição dolorosa.

CONCLUSÃO:

Como a dor neuropática é multifatorial, diferentes modelos animais de dor neuropática foram desenvolvidos ao longo dos anos que têm sido fundamentais para o estudo da dor neuropática, uma vez que muito do conhecimento atual provém de estudos em ratos e camundongos. São necessários maiores refinamentos nos modelos animais atualmente empregados e mais esforços para determinar quais modelos animais podem ser mais preditivos, com menos vieses e com parâmetros de análises mais complexos e objetivos.

Descritores:
Dor neuropática; Modelos experimentais de dor neuropática

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Ideal models should reproduce just sensory deficits, such as alodynia, hyperalgesia and spontaneous pain for short periods. There are different types of animal models to evaluate different neuropathic pain etiologies and manifestations. Some models study neuropathic pain peripheral mechanisms and other study its central mechanisms. This review focuses on animal models most commonly used for neuropathic pain research.

CONTENTS:

Animal models based on peripheral nerves ligation which are more commonly used are described. From all models described in this review, spared nerve injury is that producing more reproducible behavioral abnormalities for a longer period, while chronic sciatic nerve compression produces behavioral signs of less predictable painful neuropathies. Spinal hemisection and cytokines-induced spinal injury are the models of choice for the study of central pain mechanisms. Other specific models are used for the study of the specific etiology of pain.

CONCLUSION:

Since neuropathic pain is multifactorial, different neuropathic pain animal models were developed throughout the years, which have been critical for the study of neuropathic pain, since much of current knowledge comes from studies with rats and mice. Current animal models need to be further refined and more efforts should be made to determine which animal models may be more predictive, with less biases and more complex and objective analysis parameters.

Keywords:
Experimental models of neuropathic pain; Neuropathic pain

INTRODUÇÃO

A dor neuropática (DN) é caracterizada por anormalidades sensitivas tais como sensação anormal desagradável (disestesia), aumento da intensidade da resposta a estímulos dolorosos (hiperalgesia) e dor em resposta a estímulos que normalmente não provocam dor (alodínea)11 Woolf CJ, Mannion RJ. Neuropathic pain: aetiology, symptoms, mechanisms, and management. Lancet, 1999;353(9168):1959-64..

A maioria dos modelos experimentais de DN foi desenvolvida a partir de lesões periféricas traumáticas, metabólicas ou tóxicas22 Jaggi AS, Jain V, Singh N. Animal models of neuropathic pain. Fundam Clin Pharmacol. 2011;25(1):1-28.. Tais modelos são relevantes para o estudo de distúrbios periféricos em humanos (neuropatias, plexopatias e radiculopatias), que representam porcentagem considerável de doenças capazes de induzir DN. Diabetes e alcoolismo, por exemplo, promovem distúrbios sensitivos que podem induzir dor, por neuropatia periférica dolorosa22 Jaggi AS, Jain V, Singh N. Animal models of neuropathic pain. Fundam Clin Pharmacol. 2011;25(1):1-28..

No doente com câncer, além do crescimento tumoral e compressão de estruturas nervosas que causam lesão tecidual, o tratamento da doença por si só, pode causar DN33 Smith TJ, Saiki CB. Cancer pain management. Mayo Clin Proc. 2015;90(10):1428-39.. A incidência global da neuropatia induzida por quimioterapia é elevada, entre 20 e 100%, pois os fármacos mais eficazes para tratamento de tumores sólidos, em doses elevadas, induzem neuropatia periférica como efeito secundário44 Boyette-Davis JA, Walters ET, Dougherty PM. Mechanisms involved in the development of chemotherapy-induced neuropathy. Pain Manag. 2015;5(4):285-96.. Ao contrário de DN associada ao diabetes, que começa nos pés e em seguida afeta mãos, em um período de tempo que varia de meses a anos, a DN induzida por quimioterapia, pode surgir em mãos e pés simultaneamente44 Boyette-Davis JA, Walters ET, Dougherty PM. Mechanisms involved in the development of chemotherapy-induced neuropathy. Pain Manag. 2015;5(4):285-96..

A avaliação experimental de DN em humanos é complexa, pois a maioria dos estímulos necessários para produzir dor também produz lesão neural. Desta forma, estudos em animais são necessários para se conhecer os mecanismos envolvidos na DN22 Jaggi AS, Jain V, Singh N. Animal models of neuropathic pain. Fundam Clin Pharmacol. 2011;25(1):1-28..

MODELOS DE DOR NEUROPÁTICA EM ANIMAIS

Os modelos ideais deveriam reproduzir apenas déficits sensitivos, como alodínea, hiperalgesia e dor espontânea por curtos períodos de tempo.

Existem diversos tipos de modelos animais, que avaliam as diversas etiologias e manifestações da DN (Tabela 1)22 Jaggi AS, Jain V, Singh N. Animal models of neuropathic pain. Fundam Clin Pharmacol. 2011;25(1):1-28.. Alguns modelos estudam os mecanismos periféricos e outros estudam mecanismos centrais da DN22 Jaggi AS, Jain V, Singh N. Animal models of neuropathic pain. Fundam Clin Pharmacol. 2011;25(1):1-28.. Esta revisão enfoca os modelos animais mais comumente utilizados para pesquisa em DN.

Tabela 1
Modelos de dor neuropática2

Lesão de nervos periféricos

A axotomia de uma proporção variável de fibras nervosas tornou-se técnica primordial para gerar comportamentos de dor em animais, sendo realizada em modelos de rizotomia55 Basbaum AI. Effects of central lesions on disorders produced by multiple dorsal rhizotomy in rats. Exp Neurol. 1974;42(3):490-501., ligadura parcial do nervo ciático (PSL), ligadura do nervo espinhal L5 (SNL) e lesão poupadora de nervo (SNI). Em todos estes modelos, os animais lesados desenvolvem comportamentos de autoproteção e apresentam reações exageradas a estímulos mecânicos (alodínea) e térmicos22 Jaggi AS, Jain V, Singh N. Animal models of neuropathic pain. Fundam Clin Pharmacol. 2011;25(1):1-28..

Axotomia

São lesões extensas, que cursam com transecção completa do nervo ciático na região média da coxa. O animal é anestesiado, o nervo ciático comum é exposto e cerca de 5mm do nervo é removido. O nervo safeno adjacente também é lesado, induzindo desnervação completa do membro. O animal desenvolve anestesia dolorosa e comportamento de autotomia (automutilação). Neste modelo, os animais são monitorados para a extensão da lesão causada pela autotomia. A interpretação da mutilação é, contudo, ambígua. Embora seja considerada por alguns pesquisadores como resposta à dor crônica do membro mutilado, é considerada por outros como apenas reação à anestesia completa do membro desaferentado, ou à dor local causada pela lesão22 Jaggi AS, Jain V, Singh N. Animal models of neuropathic pain. Fundam Clin Pharmacol. 2011;25(1):1-28..

Tal modelo foi substituído por lesões mais discretas desses nervos, que são igualmente eficazes em induzir comportamentos de DN em animais.

Constrição crônica do nervo ciático (ligadura frouxa do ciático)

Sob anestesia, se realiza uma incisão de cerca de 3cm na pele que cobre a área entre os músculos glúteo e bíceps femoral da pata traseira de ratos. O nervo ciático comum é exposto e quatro nós frouxos, com fio de Catgut cromado 4-0 são atados ao redor do nervo a uma distância de 5mm entre si66 Bennett GJ, Xie YK. A peripheral mononeuropathy in rat that produces disorders of pain sensation like those seen in man. Pain. 1988;33(1):87-107.. Os animais desenvolvem comportamentos que lembram DN em humanos, como a proteção do membro lesado (animal tenta esconder a pata) sugerindo dor espontânea. Além disso, ocorre dor evocada por calor e estímulo mecânico, caracterizando hiperalgesia térmica e mecânica, hiperatividade química e alodínea ao frio, que são detectados após uma semana de lesão. O mecanismo da dor pode ser explicado por reação imune desencadeada pelo fio de sutura, causando edema e compressão do nervo, além da axotomia e da degeneração Walleriana.

Estudos de eletrofisiologia nesse modelo revelam redução da velocidade de condução e a histopatologia mostra grande lesão em fibras mielinizadas, fibras A delta e fibras não mielinizadas C, que são responsáveis pelo quadro de dor66 Bennett GJ, Xie YK. A peripheral mononeuropathy in rat that produces disorders of pain sensation like those seen in man. Pain. 1988;33(1):87-107..

A mononeuropatia periférica é semelhante àquela da causalgia e da síndrome complexa regional em humanos.

Ligadura parcial do nervo ciático (modelo de Seltzer)77 Seltzer ZR, Dubner R, Shir Y. A novel behavioral model of neuropathic pain disorders produced in rats by partial sciatic nerve injury. Pain. 1990;43(2):205-18.

O nervo ciático é exposto na região superior da coxa. O terço dorsal (ou a metade) do nervo ciático é ligada por um fio de seda 8-0, com um nó frouxo, na região distal ao ponto em que os ramos posteriores do bíceps semitendinosos emergem. Após a lesão, os animais desenvolvem comportamento de proteção e lambedura do membro afetado, sugerindo dor espontânea. Outras alterações comportamentais como alodínea ao frio, hiperatividade química e hiperalgesia mecânica, também são relatadas nesse modelo após uma semana da cirurgia, com duração de cerca de seis semanas.

O modelo de Seltzer77 Seltzer ZR, Dubner R, Shir Y. A novel behavioral model of neuropathic pain disorders produced in rats by partial sciatic nerve injury. Pain. 1990;43(2):205-18. representa dor não mediada pelo simpático na primeira semana pós-operatória. Nas últimas semanas, no entanto, ocorre alteração do sistema nervoso simpático nesse modelo.

A duração da hiperalgesia depende do tipo de material de sutura. Este é um bom modelo para estudar causalgia.

Ligadura das raízes espinhais (SNL)88 Kim SH, Chung JM. An experimental model for peripheral neuropathy produced by segmental spinal nerve ligation in the rat. Pain. 1992;50(3):355-63.

Os animais são anestesiados e uma incisão de 2cm é realizada na altura da crista ilíaca posterior para permitir acesso às raízes espinhais lombares dos ratos. Os nervos espinhais L5 e L6 são identificados e cuidadosamente dissecados para liberar a raiz de L4, (que não é envolvida na ligadura) e um fio de seda 6-0 é utilizado para promover ligadura frouxa das raízes mencionadas. Os animais desenvolvem alodínea mecânica e ao frio, hiperalgesia térmica e dor espontânea em 24 a 48 horas após a cirurgia, persistindo por 10 a 16 semanas88 Kim SH, Chung JM. An experimental model for peripheral neuropathy produced by segmental spinal nerve ligation in the rat. Pain. 1992;50(3):355-63.. Pode ser considerado um modelo animal de dor mediada pelo simpático, uma vez que o bloqueio simpático alivia o quadro hiperalgésico.

Comparado ao CCI66 Bennett GJ, Xie YK. A peripheral mononeuropathy in rat that produces disorders of pain sensation like those seen in man. Pain. 1988;33(1):87-107. e PSL77 Seltzer ZR, Dubner R, Shir Y. A novel behavioral model of neuropathic pain disorders produced in rats by partial sciatic nerve injury. Pain. 1990;43(2):205-18., a extensão e local da ligadura nervosa é mais consistente. Além disso, preservam-se segmentos espinhais intactos enquanto outros estão lesados, mais próximo da realidade. A desvantagem é a maior extensão da cirurgia.

Lesão poupadora de nervo (SNL)99 Decosterd I, Woolf CJ. Spared nerve injury: an animal model of persistent peripheral neuropathic pain. Pain. 2000;87(2):149-58.

Os animais são anestesiados e uma incisão é realizada sobre o bíceps femoral da pata traseira direita de ratos. O ciático e seus três ramos terminais são expostos: sural, fibular comum e tibial. O tibial e o peroneiro comum são ligados por um fio de seda 5-0 e em seguida são seccionados a 2mm do seu término. O nervo sural não é manipulado, ou seja, é poupado. Os outros dois nervos (tibial e fibular comum) são seccionados, por isso a técnica recebe o nome de lesão poupadora de nervo99 Decosterd I, Woolf CJ. Spared nerve injury: an animal model of persistent peripheral neuropathic pain. Pain. 2000;87(2):149-58..

A resposta a estímulos nociceptivos e não nociceptivos é aumentada no território do nervo sural ipsilateral e a uma menor extensão, no território do nervo safeno. A dor produzida por esse modelo é independente do sistema nervoso simpático e, diferente de outros modelos, permite a comparação da sensibilidade térmica e mecânica de territórios não lesados que estão próximos de áreas lesadas. Desta forma é possível avaliar a contribuição de neurônios aferentes sensitivos primários lesados no quadro de hipersensibilidade22 Jaggi AS, Jain V, Singh N. Animal models of neuropathic pain. Fundam Clin Pharmacol. 2011;25(1):1-28..

Hiperalgesia mecânica e térmica ocorrem após 4 dias da cirurgia e persiste por várias semanas, até 6 meses44 Boyette-Davis JA, Walters ET, Dougherty PM. Mechanisms involved in the development of chemotherapy-induced neuropathy. Pain Manag. 2015;5(4):285-96..

Figura 1
Modelos experimentais de dor neuropática. Ligadura de raízes (SNL), ligadura parcial do nervo (PNL), constrição crônica do nervo (CCI), rizotomia, contusão mecânica da medula, lesão poupadora de nervo. Adaptada1616 Garcia-Larrea L, Magnin M. [Pathophysiology of neuropathic pain: review of experimental models and proposed mechanisms]. Presse Med. 2008;37(2 Pt 2):315-40.

LESÕES CENTRAIS

Modelos de contusão

A maioria das lesões espinhais em seres humanos é resultante de fratura-luxações induzida por contusões compressivas. Portanto, os modelos que resultam em contusões teciduais nervosas parecem ser relevantes para avaliar fenômenos clínicos. No modelo descrito por Allen1010 Allen AR. Surgery of experimental lesion of spinal cord equivalent to crush injury of fracture dislocation of spinal column. J Am Med Assoc. 1911;57:878-90., a medula espinhal é exposta por laminectomia na região toracolombar e um peso é deixado para cair sobre a medula espinhal de cães. Em consequência, ocorre paraplegia e necrose segmentar completa. Diversos outros modelos diferentes1111 Christensen MD, Everhart AW, Pichelman JT, Hulsebosch CE. Mechanical and thermal allodynia in chronic central pain following spinal cord injury. Pain. 1996;68(1):97-107.

12 Hulsebosch CE, Xu GY, Perez-Polo JR, Westlund KN, Taylor CP, McAdoo DJ. Rodent model of chronic central pain after spinal cord contusion injury and effects of gabapentin. J Neurotrauma. 2000;17(12):1205-17.
-1313 Anderson TE. A controlled pneumatic technique for experimental spinal cord contusion. J Neurosci Methods. 1982;6(4):327-33. de contusão foram desenvolvidos desde então, na tentativa de controlar o grau de lesão. Novos "pêndulos" foram projetados, utilizando a força do impacto, ao invés do deslocamento tissular.

MODELOS EXCITOTÓXICOS

Neuropatia diabética

Neuropatia induzida por estreptozocina1414 Akbarzadeh A, Norouzian D, Mehrabi MR, Jamshidi SH, Farhangi A, Verdi AA, et al. Induction of diabetes by Streptozotocin in rats. Indian J Clin Biochem. 2007;22(2):60-4.

A estreptozocina (2-desoxi-2 (3-metil-3-nitro shureido)-D-glucopiranose) é um agente antineoplásico, clinicamente classificado como antibiótico e quimicamente análogo aos quimioterápicos nitrosoureias. A injeção de 60mg/kg de estreptozocina por via venosa, em ratos, induz diabetes após 3 dias, devido à destruição das células beta.

Esse modelo é utilizado para estudar neuropatia induzida por diabetes.

Contudo, os animais desenvolvem outros distúrbios metabólicos decorrentes da hiperglicemia, como cetoacidose, alterações no metabolismo lipídico, debilidade física generalizada (redução do crescimento e atividade motora, letargia, distensão vesical, poliúria e diarreia). Alguns desses sintomas complicam a interpretação dos dados em estudos de dor em animais.

Figura 2
Glicemia de animais que receberam estreptozocina por via venosa versus animais normais. Adaptada1414 Akbarzadeh A, Norouzian D, Mehrabi MR, Jamshidi SH, Farhangi A, Verdi AA, et al. Induction of diabetes by Streptozotocin in rats. Indian J Clin Biochem. 2007;22(2):60-4.

Neuropatia induzida por quimioterápicos22 Jaggi AS, Jain V, Singh N. Animal models of neuropathic pain. Fundam Clin Pharmacol. 2011;25(1):1-28.

Vincristina

Vincristina é um alcaloide purificado extraído a partir da planta vinca rósea - Linn pervinca, da família Apocynaceae.

Diferentes modelos animais de neuropatia induzida por vincristina foram desenvolvidos para estudar os mecanismos envolvidos no desenvolvimento de neurotoxicidade. Injeção de múltiplas doses de vincristina (20, 75, 100 ou 200mg/kg), na veia da cauda de ratos, desencadeia rápido início de neuropatia dolorosa1010 Allen AR. Surgery of experimental lesion of spinal cord equivalent to crush injury of fracture dislocation of spinal column. J Am Med Assoc. 1911;57:878-90..

O regime de dose de 75mg/kg por via venosa (nos dias 1-5 e 8-11, totalizando nove doses consecutivas) tem sido o mais utilizado, por resultar em hiperalgesia máxima com relativa ausência de déficit motor na maioria dos ratos. No quarto dia após a administração de vincristina, observa-se alodínea, com o pico de efeito no 11º dia. A dose cumulativa superior a 1000mg/kg leva a graves alterações sensitivas e motoras e muitas vezes, à morte22 Jaggi AS, Jain V, Singh N. Animal models of neuropathic pain. Fundam Clin Pharmacol. 2011;25(1):1-28..

Outro modelo, capaz de induzir neuropatia, foi descrito com única dose de vincristina (50, 100 ou 200mg/kg i.v.), caracteriza-se por alodínea e hiperalgesia mecânica após 5º dia da injeção22 Jaggi AS, Jain V, Singh N. Animal models of neuropathic pain. Fundam Clin Pharmacol. 2011;25(1):1-28..

O implante cirúrgico de uma minibomba osmótica na veia jugular externa direita, com administração de sulfato de vincristina (30mg/kg/dia) é outro modelo proposto. A infusão da vincristina tem sido associada ao desenvolvimento da alodínea mecânica e ao frio após a 1ª semana da infusão, com nenhum efeito sobre a nocicepção mecânica e térmica22 Jaggi AS, Jain V, Singh N. Animal models of neuropathic pain. Fundam Clin Pharmacol. 2011;25(1):1-28..

Platinas

Derivados de platina (oxaliplatina, cisplatina e carboplatina) são agentes que inibem a síntese de DNA e a replicação por meio de ligações cruzadas estabelecidas pelo complexo.

Cisplatina

Koning et al.1515 Koning D, Neijt JP, Jennekens FG, Gispen WH. Evaluation of cis-diamminedichloroplatinum (II) (cisplatin) neurotoxicity in rats. Toxicol Appl Pharmacol. 1987;89:81-7. estudaram o desenvolvimento de neurotoxicidade induzida por cisplatina, embora esse seja um modelo difícil de se reproduzir, pois os animais desenvolvem falência renal antes da neurotoxicidade. Além disso, é difícil diferenciar se a neurotoxicidade é proveniente da doença renal ou da platina. Hidratação dos animais durante o período de desenvolvimento do modelo e administração de doses escalonadas do quimioterápico reduz essa complicação. Outro modelo utiliza 1mg/kg, três vezes por semana durante 5 semanas,

Outra possibilidade é a administração de 1 a 2 mg/kg de cisplatina uma vez por semana durante 9 semanas, que leva ao desenvolvimento de neuropatia periférica22 Jaggi AS, Jain V, Singh N. Animal models of neuropathic pain. Fundam Clin Pharmacol. 2011;25(1):1-28.,1616 Garcia-Larrea L, Magnin M. [Pathophysiology of neuropathic pain: review of experimental models and proposed mechanisms]. Presse Med. 2008;37(2 Pt 2):315-40.. Outros modelos com doses e regimes de administração diferentes foram descritos na literatura. Alodínea mecânica e térmica ao frio, e hiperalgesia mecânica e térmica, foram documentadas, sem qualquer sinal de disfunção motora.

Oxaliplatina

O perfil de toxicidade deste fármaco é favorável em comparação aos seus antecessores, isto é, menos nefrotoxicidade, ototoxicidade e hematotoxicidade. No entanto, também induz toxicidade sensitiva periférica. Cavaletti et al.1717 Cavaletti G, Petruccioli MG, Marmiroli P, Rigolio R, Galbiati S, Zoia C, et al., Circulating nerve growth factor level changes during oxaliplatin treatment-induced neurotoxicity in the rat. Anticancer Res. 2002;22(6C):4199-204. notaram alterações eletrofisiológicas após duas doses cumulativas de oxaliplatina (36 e 48mg/kg) induzindo diminuição da velocidade de condução de nervos sensitivos devido a lesões às células neuronais no gânglio da raiz dorsal22 Jaggi AS, Jain V, Singh N. Animal models of neuropathic pain. Fundam Clin Pharmacol. 2011;25(1):1-28..

Outro modelo mais recente de neuropatia induzida por oxaliplatina com infusão de dose única foi desenvolvido, na tentativa de reproduzir sinais de dor que são observadas após administração de uma dose única de oxaliplatina em pacientes com câncer colorretal metastático. É feita a administração única de oxaliplatina, em doses que variam de 3 a 12mg/kg2.

Alodínea mecânica e térmica ao frio, e hiperalgesia mecânica e térmica foram documentadas, sem qualquer sinal de disfunção motora.

Taxanos

Os taxanos melhoram a expectativa de vida dos pacientes com câncer de pulmão, cabeça e pescoço, mama e ovário. Afetam neurônios sensitivos e especialmente fibras nervosas que conduzem sensação de vibração e propriocepção.

Taxanos, especialmente paclitaxel, são agentes que promovem a união de microtúbulos a partir de dímeros de tubulina, estabilizando-os e impedindo sua despolimerização. Isto interfere com a dinâmica da reorganização fisiológica da rede de microtúbulos, que é essencial para as funções vitais das células22 Jaggi AS, Jain V, Singh N. Animal models of neuropathic pain. Fundam Clin Pharmacol. 2011;25(1):1-28.,1616 Garcia-Larrea L, Magnin M. [Pathophysiology of neuropathic pain: review of experimental models and proposed mechanisms]. Presse Med. 2008;37(2 Pt 2):315-40..

Paclitaxel

Dose de 1 a 2mg/kg, por via intraperitoneal, em ratos, promove sinais de hiperalgesia, sem sinais de toxicidade sistêmica. A administração de paclitaxel em quatro dias alternados, com dose cumulativa de 4 ou 8mg/kg induz neuropatia periférica caracterizada por alodínea ao frio, alodínea mecânica de longa duração e edema endoneural do nervo ciático. Alterações no limiar de dor são observadas no quinto dia da administração do paclitaxel e persistem por 3 semanas após a última dose. Animais tratados com vincristina e paclitaxel apresentam hipersensibilidade mecânica e ao frio, mas pouca ou nenhuma hiperalgesia ao calor. Modelos que utilizam doses superiores de paclitaxel (dose cumulativa de 80mg/kg) induzem hipoalgesia térmica, indicando perda de sensibilidade térmica22 Jaggi AS, Jain V, Singh N. Animal models of neuropathic pain. Fundam Clin Pharmacol. 2011;25(1):1-28.,1616 Garcia-Larrea L, Magnin M. [Pathophysiology of neuropathic pain: review of experimental models and proposed mechanisms]. Presse Med. 2008;37(2 Pt 2):315-40..

Perda da sensação de dolorosa, anormalidades morfológicas, distúrbios neurofisiológicos e alterações na função motora podem ser bem estudadas no modelo com doses mais elevadas, pois essas alterações são raras ou ausentes em modelos com baixas doses de paclitaxel1616 Garcia-Larrea L, Magnin M. [Pathophysiology of neuropathic pain: review of experimental models and proposed mechanisms]. Presse Med. 2008;37(2 Pt 2):315-40..

No entanto, os déficits autonômicos graves e anormalidades neurofisiológicas têm sido os deméritos do modelo de alta dose cumulativa.

Docetaxel

Modelo de neuropatia induzida por docetaxel consiste da injeção de 5, 10 ou 12,5mg/ kg durante 4 semanas. Os animais exibem redução da velocidade de condução neural, alterações nos limiares térmicos e degeneração dos nervos da pele e da pata22 Jaggi AS, Jain V, Singh N. Animal models of neuropathic pain. Fundam Clin Pharmacol. 2011;25(1):1-28..

Neuropatias induzida por câncer1818 Wacnik PW, Kehl LJ, Trempe TM, Ramnaraine ML, Beitz AJ, Wilcox GL. Tumor implantation in mouse humerus evokes movement-related hyperalgesia exceeding that evoked by intramuscular carrageenan. Pain. 2003;101(1-2):175-86.

Um modelo animal de DN no câncer foi desenvolvido em camundongos, onde é induzido o crescimento tumoral na proximidade do nervo ciático. Sob anestesia, o ciático direito é exposto na região glútea e líquido ascítico contendo 50.000 células tumorais é depositado sobre o nervo. O crescimento do tumor leva a compressão do nervo e desenvolvimento de hiperalgesia térmica e mecânica na pata ipsilateral. Sinais de dor espontânea e comportamento de lambedura da pata são observados. No entanto, à medida que o tumor cresce ocorre hipossensibilidade mecânica do membro afetado, enquanto hiperalgesia térmica e sinais de dor espontânea persistem.

A compressão gradual pelas células do tumor resulta em lesão tanto às fibras mielinizadas quanto às fibras não mielinizadas.

Neuropatia induzida por álcool

Os animais (ratos) recebem etanol a 6,5% diariamente durante 12 semanas. As doses de etanol, a partir da concentração inicial de 2,5% mantidas entre o primeiro ao terceiro dia, são incrementadas progressiva e consecutivamente para 4% do quarto ao sexto dia; para 4,5% a partir do sétimo ao 16º dia; e, finalmente para 5%, do 17º até o 70º dia consecutivo. Após esse período de 70 dias, a dieta contendo álcool é reduzida de forma progressiva em três dias. A hiperalgesia mecânica ocorre após 12 semanas de consumo do álcool e persiste após a retirada do álcool da dieta22 Jaggi AS, Jain V, Singh N. Animal models of neuropathic pain. Fundam Clin Pharmacol. 2011;25(1):1-28..

Outros modelos de dor neuropática22 Jaggi AS, Jain V, Singh N. Animal models of neuropathic pain. Fundam Clin Pharmacol. 2011;25(1):1-28.

Neuropatia induzida por vírus da imunodeficiência humana

O ciático é exposto por via cirúrgica e embebido com uma solução de celulose contendo proteínas gp120, do HIV. Alodínea e hiperalgesia se desenvolvem em 3 dias.

Neuralgia pós-herpética

São injetadas células infectadas com vírus da varicela-zoster na pata de ratos. Os animais desenvolvem comportamento de hiperalgesia três dias após a infecção.

Neuropatia induzida por piridoxina

Administração oral de piridoxina 50 a 300mg/kg/dia durante 112 dias induz anormalidades sensitivas de neuropatia.

Neuralgia do trigêmeo

O rato anestesiado é submetido a implante de uma cânula 21G no gânglio do trigêmeo esquerdo, por meio da qual são injetados 10µL de solução de ágar a 4%, que promove compressão do nervo sem lesão.

Dor orofacial

Formalina é injetada na articulação temporomandibular de ratos, levando a comportamentos estereotipados como chacoalhar a cabeça, deixar a cabeça cair para o lado lesado, e coçar a área da face afetada.

Neuropatia induzida por acrilamida: a administração de acrilamida em doses variando de 20 a 40mg/kg, por via intraperitoneal, 3 dias por semana, durante 8 semanas induz sintomas de neuropatia.

CONCLUSÃO

Como a DN é multifatorial, diferentes modelos animais de DN foram desenvolvidos ao longo dos anos. Modelos baseados em ligadura de nervos periféricos são mais comumente empregados. De todos os modelos descritos nessa revisão, a lesão poupadora de nervo (SNI) é aquele que produz anormalidades comportamentais mais reprodutíveis, por um período mais longo (>6 meses), ao passo que a constrição crônica do ciático (CCI) produz sinais comportamentais de neuropatia dolorosas menos previsíveis.

Hemisecção e lesão espinhal induzida por citocinas são os modelos de escolha para estudar mecanismos de dor central. Outros modelos específicos são utilizados para estudo da etiologia específica da condição dolorosa.

Os modelos animais são fundamentais no estudo da DN, e muito do conhecimento atual provém de estudos em ratos e camundongos. Entretanto, poucas descobertas em ciências básicas foram traduzidas efetivamente dos modelos de roedores para a terapia antálgica efetiva. Portanto, os testes comportamentais em animais devem ser analisados de maneira cautelosa1919 Sapunar D, Puljak L. What can rats tell us about neuropathic pain? Critical evaluation of behavioral tests used in rodent pain models. Period Biol. 2009;111(2):155-60.. Fazem-se necessários maiores refinamentos nos modelos animais atualmente empregados. São necessários mais esforços para determinar quais modelos animais podem ser mais preditivos, com menos vieses por meio do pesquisador e com a introdução de parâmetros de análises mais complexos e objetivos.

  • Fontes de fomento: não há.

REFERENCES

  • 1
    Woolf CJ, Mannion RJ. Neuropathic pain: aetiology, symptoms, mechanisms, and management. Lancet, 1999;353(9168):1959-64.
  • 2
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016
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