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Neuropatia pós-quimioterapia

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A quimioterapia antineoplásica pode induzir a neuropatia periférica dolorosa. Os sintomas variam amplamente e podem envolver o sistema sensitivo, motor e autonômico. Contudo, a neuropatia periférica induzida por quimioterapia é subavaliada e subtratada e tem seu diagnóstico postergado pela falta de um consenso em sua fisiopatologia e apresentação. O objetivo deste estudo foi rever trabalhos publicados em português, inglês ou espanhol nos últimos 10 anos, a respeito da fisiopatologia e tratamento da neuropatia periférica dolorosa.

CONTEÚDO:

Revisão bibliográfica, sistemática, sobre neuropatia periférica dolorosa associada à quimioterapia sistêmica antineoplásica.

CONCLUSÃO:

Embora existam limitadas evidências confiáveis a respeito do tratamento apropriado dessa condição, ela é fundamentada nas diretrizes gerais para o tratamento da dor neuropática. Estudos subsequentes devem levar em consideração as diferenças na fisiopatologia da neuropatia periférica induzida pela quimioterapia de outras condições de neuropatia dolorosa, que possam levar ao desenvolvimento de modalidades de tratamento mais efetivas. Adicionalmente, estratégias terapêuticas para o tratamento de neuropatia periférica induzida pela quimioterapia precisarão ser validadas em estudos clínicos randomizados de larga escala, a fim de satisfazer as demandas da medicina baseada em evidências.

Descritores:
Dor neuropática; Efeitos adversos; Neuropatia; Quimioterapia

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Anticancer chemotherapeutics can induce painful peripheral neuropathy. Symptoms range widely and can involve sensory, motor, and autonomic systems. However, chemotherapy-induced peripheral neuropathy is under-assessed and undertreated and its diagnosis is somewhat complicated by the lack of consensus on its pathophysiology and presentation. The objective of this study was to review medical publications in English, Spanish and Portuguese, in the last ten years, about painful peripheral neuropathy.

CONTENTS:

Systematic literature review on painful peripheral neuropathy associated with systemic anticancer chemotherapy.

CONCLUSION:

Although limited reliable evidence regarding the appropriate treatment for this condition exists, it is based on current neuropathic pain guidelines. Further studies on differences between the pathophysiology of chemotherapy-induced peripheral neuropathy and those of other neuropathic pain conditions may lead to the development of more effective treatment modalities. Additionally, therapeutic strategies for the management of chemotherapy-induced peripheral neuropathy must be validated by large-scale randomized clinical trials to meet the demands of evidenced-based medicine.

Keywords:
Adverse effects; Chemotherapy; Neuropathy; Neuropathic pain

INTRODUÇÃO

A neuropatia periférica induzida (NPI) pela quimioterapia antineoplásica é um evento adverso que ocorre em aproximadamente 38% dos pacientes que recebem tratamento com múltiplos agentes, embora essa porcentagem varie na dependência dos fármacos utilizados, dose, duração da exposição, comorbidades (principalmente alcoolismo e diabetes), associação com outros tratamentos (cirurgia, radioterapia etc.), métodos de avaliação e o tempo que esta leva para surgir em relação ao tratamento antineoplásico11 Cavaletti G, Frigeni B, Lanzani F, Mattavelli L, Susani E, Alberti P, et al. Chemotherapy-Induced Peripheral Neurotoxicity assessment: A critical revision of the currently available tools. Eur J Cancer. 2010;46(3):479-94..

Uma revisão da literatura envolvendo 31 estudos e 4.179 pacientes mostrou uma prevalência de neuropatia induzida por quimioterapia em 68,1% (Intervalo de Confiança de 95% (IC95%): 57,7 - 78,4%) quando medida no primeiro mês após a quimioterapia; 60,0% (36,4 - 81,6%) aos 3 meses; 30,0% (6,4 - 53,5%) aos 6 meses ou mais22 Seretny M, Currie GL, Sena ES, Ramnarine S, Grant R, MacLeod MR, et al. Incidence, prevalence, and predictors of chemotherapy-induced peripheral neuropathy: a systematic review and meta-analysis. Pain. 2014;155(12):2461-70..

A padronização dos métodos de avaliação é fundamental na determinação correta da incidência, gradação e impacto na qualidade de vida (QV) dos pacientes33 Cavaletti G, Cornblath DR, Merkies ISJ, Postma TJ, Rossi E, Frigeni B, et al. The chemotherapy-induced peripheral neuropathy outcome measures standardization study: from consensus to the first validity and reliability findings. Ann Oncol. 2013;24(2):454-62..

De forma característica a neuropatia está associada a disestesia e dor, que afetam a QV, podendo tornar-se uma sequela muito significativa, por longo tempo, em pacientes que sobrevivem à doença neoplásica44 Hershman DL, Weimer LH, Wang A, Kranwinkel G, Brafman L, Fuentes D, et al. Association between patient reported outcomes and quantitative sensory tests for measuring long-term neurotoxicity in breast cancer survivors treated with adjuvant paclitaxel chemotherapy. Breast Cancer Res Treat. 2011;125(3):767-74.. Os quadros de maior intensidade podem resultar em reduções da intensidade da dose da quimioterapia e interrupções precoces do tratamento, comprometendo a sua eficácia55 Park SB, Goldstein D, Krishnan AV, Lin CS, Friedlander ML, Cassidy J, et al. Chemotherapy-induced peripheral neurotoxicity: a critical analysis. CA Cancer J Clin. 2013;63(6):419-37..

A importância da prevenção e do tratamento da dor associada a NPI por quimioterapia ganham maior magnitude na medida em que o tratamento antineoplásico proporciona e a neuropatia residual após o tratamento pode persistir por um período significativamente longo, deteriorando a QV dos sobreviventes. Desde 1970 triplicou-se o número de sobreviventes de câncer, que são agora aproximadamente 28 milhões de pessoas ao redor do mundo, nas quais, eventos adversos tardios ou de longa duração tem grande impacto. Uma vez que fármacos de potencial neurotóxicos são amplamente utilizados nas neoplasias de maior incidência, indiretamente estima-se o grande impacto que a NPI por quimioterapia tem nos dias de hoje55 Park SB, Goldstein D, Krishnan AV, Lin CS, Friedlander ML, Cassidy J, et al. Chemotherapy-induced peripheral neurotoxicity: a critical analysis. CA Cancer J Clin. 2013;63(6):419-37..

QUIMIOTERÁPICOS QUE CAUSAM NEUROPATIA

As combinações de quimioterápicos com as mais altas taxas de neurotoxicidade periférica como evento adverso incluem as que envolvem os sais de platina (cisplatina, carboplatina e oxaliplatina), os alcaloides da vinca (vincristina, vimblastina, vinorelbina), o bortezomibe (um inibidor de proteassomo) e as taxanas (paclitaxel, docetaxel, cabazitaxel)66 Pachman DR, Barton DL, Watson JC, Loprinzi CL. Chemotherapy-Induced Peripheral Neuropathy: Prevention and Treatment. Clin Pharmacol Ther. 2011;90(3):377-87..

Além da neuropatia crônica, dose e tempo dependente, alguns agentes como as taxanas e a oxaliplatina podem causar uma síndrome de neuropatia aguda característica, com deflagração pelo frio e algumas vezes associada à disestesia faringolaríngea. Nesse aspecto, a neurotoxicidade aguda que ocorre entre horas e dias após a infusão da oxaliplatina merece considerações especiais77 Gamelin E, Gamelin L, Bossi L, Quasthoff S. Clinical aspects and molecular basis of oxaliplatin neurotoxicity: current management and development of preventive measures. Semin Oncol. 2002;29(5):21-33..

A oxaliplatina é utilizada principalmente no tratamento do adenocarcinoma colorretal. Estudos em animais de laboratório sugerem mudança nos níveis de proteínas regulatórias e estruturais no sistema nervoso central e medula espinhal que podem estar implicados diretamente na neurotoxicidade aguda induzida pela oxaliplatina77 Gamelin E, Gamelin L, Bossi L, Quasthoff S. Clinical aspects and molecular basis of oxaliplatin neurotoxicity: current management and development of preventive measures. Semin Oncol. 2002;29(5):21-33..

A combinação de um sal de platina e uma taxana é o tratamento de escolha para as neoplasias epiteliais do ovário. Nesse contexto a NPI pela quimioterapia é, frequentemente, um evento adverso do tratamento que pode limitar sua administração e um novo ciclo de tratamento, impactando na sobrevida do paciente se houver recidiva, uma vez que a duração da neuropatia muitas vezes se estende para além do período de recidiva da doença88 Sanna MD, Ghelardini C, Galeotti N. Altered expression of cytoskeletal and axonal proteins in oxaliplatin-induced neuropathy. Pharmacology. 2016;97(3-4):146-50..

O bortezomibe é um inibidor de proteassomo, usado no tratamento do mieloma múltiplo recém-diagnosticado ou recorrente e linfoma de células do manto.

A NP causada por ele é considerada sua principal toxicidade não hematológica, geralmente resultando em alteração da dose, devido a sua gravidade. O mecanismo subjacente não é totalmente compreendido22 Seretny M, Currie GL, Sena ES, Ramnarine S, Grant R, MacLeod MR, et al. Incidence, prevalence, and predictors of chemotherapy-induced peripheral neuropathy: a systematic review and meta-analysis. Pain. 2014;155(12):2461-70..

FISIOPATOLOGIA

Embora a patogênese e os perfis de toxicidade diferirem entre os agentes potencialmente neurotóxicos, há algumas características que permitem diferenciar a NPI pela quimioterapia daquela decorrente de outras causas. Classicamente, muitos dos quimioterápicos que causam neuropatia periférica a fazem de forma simétrica, distal, com distribuição em "bota e luva". Essa neuropatia é muito mais sensitiva do que motora, e os sintomas são progressivos, e dependentes dos agentes, das doses e do tempo de tratamento1010 Carozzi VA, Canta A, Chiorazzi A. Chemotherapy-induced peripheral neuropathy: what do we know about mechanisms? Neurosci Lett. 2015;596:90-107..

Diferentes quimioterápicos afetam componentes diferentes do sistema nervoso desde as células sensórias do gânglio da raiz dorsal até o axônio distal1111 Allen DT, Kiernan JA. Permeation of proteins from the blood into peripheral nerves and ganglia. Neuroscience. 1994;59(3):755-64.. O gânglio da raiz dorsal, por ser menos protegido pela barreira nervo-hematológica, está mais vulnerável à neurotoxicidade. Isso explica a predominância do quadro sensitivo nos pacientes acometidos pela neuropatia1212 Gregg RW, Molepo JM, Monpetit VJ, Mikael NZ, Redmond D, Gadia M, et al. Cisplatin neurotoxicity: the relationship between dosage, time, and platinum concentration in neurologic tissues, and morphologic evidence of toxicity. J Clin Oncol. 1992;10(5):795-803.,1313 Krarup-Hansen A, Rietz B, Krarup C, Heydorn K, Rorth M, Schmalbruch H. Histology and platinum content of sensory ganglia and sural nerves in patients treated with cisplatin and carboplatin: an autopsy study. Neuropathol Appl Neurobiol. 1999;25(1):29-40..

Um resultado comum dos estudos da condução nervosa é uma lesão axonal sensorial com redução da amplitude dos potenciais de ação, que pode ser resultado de alterações celulares e mais complexas resultantes de alterações mitocondriais1414 Flatters SJ. The contribution of mitochondria to sensory processing and pain. Prog Mol Biol Transl Sci. 2015;131:119-46., interferência com microtúbulos; mudanças qualitativas na membrana neuronal, estresse oxidativo1515 Han Y, Smith MT. Pathobiology of cancer chemotherapy-induced peripheral neuropathy (CIPN). Front Pharmacol. 2013;4:156-71. e apoptose neuronal1616 Cashman CR, Höke A. Mechanisms of distal axonal degeneration in peripheral neuropathies. Neurosci Lett. 2015;596:33-50..

Quadro clínico

A neuropatia sensorial aguda da oxaliplatina se inicia em intervalo que vai desde o momento da administração do fármaco até 3 a 5 dias após, podendo persistir por dias a meses e ter sua intensidade e duração aumentadas com a sequência dos ciclos de tratamento. Sua instalação é aguda e de intensidade rapidamente progressiva, perdura por um período variável e tende diminuir de intensidade depois de alguns dias. A dor neuropática induzida pela quimioterapia acomete mais de 90% dos pacientes sob tratamento1717 Beijers AJ, Mols F, Vreugdenhil G. A systematic review on chronic oxaliplatin-induced peripheral neuropathy and the relation with oxaliplatin administration. Support Care Cancer. 2014;22(7):1999-2007.,1818 Tofthagen C. Surviving chemotherapy for colon cancer and living with the consequences. J Palliat Med. 2010;13(11):1389-91., geralmente é desencadeada pelo frio, acometendo os membros distais, boca, dor mandibular ao morder e parestesia na boca1919 André T, Boni C, Navarro M, Tabernero J, Hickish T, Tophan C, et al. Improve overall survival with oxaliplatin, fluorouracil, and leucovorin as adjuvant treatment in stage II or III colon cancer in the MOSAIC trial. J Clin Oncol. 2009;27(19):3109-16.,2020 Wilson RH, Lehky T, Thomas RR, Quinn MG, Floeter MK, Grem JL. Acute oxaliplatin-induced peripheral nerve hyperexcitability. J Clin Oncol. 2002;20(7):1767-74., podendo ocorrer simultaneamente com a disestesia faringolaríngea2121 Sereno M, Gutiérrez-Gutiérrez G, Gómez-Raposo C, López-Gómez M, Merino-Salvador M, Tébar FZ, et al. Oxaliplatin induced-neuropathy in digestive tumors. Crit Rev Oncol Hematol. 2014;89(1):166-78.. Também podem ocorrer espasmos musculares, fasciculações e câimbras2020 Wilson RH, Lehky T, Thomas RR, Quinn MG, Floeter MK, Grem JL. Acute oxaliplatin-induced peripheral nerve hyperexcitability. J Clin Oncol. 2002;20(7):1767-74..

A neuropatia sensorial crônica da oxaliplatina é dose cumulativa, com intensidade progressivamente crescente ao longo do tratamento, e se manifesta principalmente por sensibilidade ao frio, hipoestesia (dormência) e disestesia (formigamento) nas mãos e nos pés, dores articulares, fraqueza muscular e alterações do equilíbrio2222 Han JW, Han S. Type of chemotherapy-induced peripheral neuropathy, influencing factors, and functional status. Iran J Public Health. 2015;44(12):1701-3..

Acomete 30-50% dos pacientes e pode durar anos após o termino da quimioterapia2323 Beijers AJ, Mols F, Vreugdenhil G. A systematic review on chronic oxaliplatin-induced peripheral neuropathy and the relation with oxaliplatin administration. Support Care Cancer. 2014;22(7):1999-2007.,2424 Tofthagen C. Surviving chemotherapy for colon cancer and living with the consequences. J Palliat Med. 2010;13(11):1389-91.. Os pacientes se adaptam aos sintomas crônicos, mas os déficits sensoriais perduram por um longo tempo2525 Schneider BP, Hershman DL, Loprinzi C. Symptoms: Chemotherapy-Induced Peripheral Neuropathy. Adv Exp Med Biol. 2015;862:77-87.

26 Cavaletti G, Frigeni B, Lanzani F, Mattavelli L, Susani E, Alberti P, et al. Chemotherapy-induced peripheral neurotoxicity assessment: a critical revision of the currently available tools. Eur J Cancer. 2010;46(3):479-94.

27 Fallon MT. Neuropathic pain in cancer. Br J Anaesth. 2013;111(1):105-11.
-2828 Saad M, Tafani C, Psimaras D, Ricard D. Chemotherapy-induced peripheral neuropathy in the adult. Curr Opin Oncol. 2014;26(6):634-41.. A falta de suporte e de acompanhamento desses pacientes pode levá-los à depressão, alteração do sono e comprometimento significativo da QV2727 Fallon MT. Neuropathic pain in cancer. Br J Anaesth. 2013;111(1):105-11.,2929 Hershman DL, Lacchetti C, Dworkin RH, Lavoie Smith EM, Bleeker J, Cavaletti G, et al. Prevention and management of chemotherapy-induced peripheral neuropathy in survivors of adult cancers: American Society of Clinical Oncology Clinical Practice Guideline. J Clin Oncol. 2014;32(18):1941-67..

A NPI pelo bortezomibe é predominantemente sensorial, causando parestesia e dormência nas áreas distais, particularmente nos membros inferiores3030 Wickham R. Review of a study of duloxetine for painful chemotherapy-induced peripheral neuropathy. J Adv Pract Oncol. 2013;4(5):361-8..

Diagnóstico

Em função do quadro clínico característico e da correlação direta com a administração da quimioterapia o diagnóstico é frequentemente estabelecido pela anamnese e exame físico, não sendo necessários exames complementares11 Cavaletti G, Frigeni B, Lanzani F, Mattavelli L, Susani E, Alberti P, et al. Chemotherapy-Induced Peripheral Neurotoxicity assessment: A critical revision of the currently available tools. Eur J Cancer. 2010;46(3):479-94.. Uma avaliação prévia dos pacientes deve ser feita para se identificar outras causas de neuropatia sensória pré-existentes, como, por exemplo, a neuropatia diabética. A correlação entre o inicio de aparecimento e progressão dos sintomas neuropáticos, e o tempo de administração da quimioterapia também facilita a identificação desses pacientes.

A eletroneuromiografia mostra um padrão de neuropatia predominantemente sensorial, periférica e simétrica. Raramente ela fornece dados que acrescentem informações de relevância aos dados clínicos, além de causar desconforto significativo para os pacientes2626 Cavaletti G, Frigeni B, Lanzani F, Mattavelli L, Susani E, Alberti P, et al. Chemotherapy-induced peripheral neurotoxicity assessment: a critical revision of the currently available tools. Eur J Cancer. 2010;46(3):479-94..

Fatores preditivos da neuropatia periférica induzida pela quimioterapia

Análises amplas do genoma têm descrito alguns polimorfismos de nucleotídeo único associados à maior suscetibilidade, mas não tem aplicabilidade na prática clínica atual22 Seretny M, Currie GL, Sena ES, Ramnarine S, Grant R, MacLeod MR, et al. Incidence, prevalence, and predictors of chemotherapy-induced peripheral neuropathy: a systematic review and meta-analysis. Pain. 2014;155(12):2461-70..

Além do tipo de quimioterápico, dose, tempo de aparecimento2626 Cavaletti G, Frigeni B, Lanzani F, Mattavelli L, Susani E, Alberti P, et al. Chemotherapy-induced peripheral neurotoxicity assessment: a critical revision of the currently available tools. Eur J Cancer. 2010;46(3):479-94. e tratamento, alguns outros fatores reconhecidamente associados a NPI por quimioterapia têm sido descritos e incluem: existência de neuropatia basal por outra causa, tabagismo e elevação da creatinina sérica22 Seretny M, Currie GL, Sena ES, Ramnarine S, Grant R, MacLeod MR, et al. Incidence, prevalence, and predictors of chemotherapy-induced peripheral neuropathy: a systematic review and meta-analysis. Pain. 2014;155(12):2461-70.. Em nosso meio merecem especial atenção a neuropatia secundária à diabetes mellitus, alcoolismo e deficiências nutricionais específicas2727 Fallon MT. Neuropathic pain in cancer. Br J Anaesth. 2013;111(1):105-11..

Prevenção

A melhor forma de prevenção da NPI pela quimioterapia é não utilizar agentes que produzam esse tipo de evento adverso. No entanto, as principais classes terapêuticas (sais de platina, taxanas e alcaloides da vinca) possuem esse tipo de toxicidade e raramente podem ser substituídos sem que se comprometa a eficácia terapêutica do esquema antineoplásico1919 André T, Boni C, Navarro M, Tabernero J, Hickish T, Tophan C, et al. Improve overall survival with oxaliplatin, fluorouracil, and leucovorin as adjuvant treatment in stage II or III colon cancer in the MOSAIC trial. J Clin Oncol. 2009;27(19):3109-16..

No tratamento de intenção paliativa é possível a interrupção da administração do fármaco quando o evento adverso se torna mais evidente. Aqui cabe a ponderação de toxicidade-benefício. No entanto, esquemas de tratamento com intenção curativa ou que possuam grande impacto na evolução da doença dificilmente podem ser substituídos.

A administração de gluconato de cálcio, taxasulfato de magnésio, vitaminas e outros compostos, não possuem eficácia demonstrada na prevenção da neuropatia e não são recomendados com esse propósito. A única exceção parece ser o uso da venlafaxina na prevenção da dor neuropática aguda induzida especificamente pela oxaliplatina. Embora haja melhora no sintoma agudo, não há evidências que o mesmo benefício se dê na neuropatia crônica.

Segundo diretriz da American Society of Clinical Oncology (ASCO), em função da escassez de dados de alta qualidade, com evidências consistentes, não há nenhum agente recomendado para a prevenção da NPI pela quimioterapia2929 Hershman DL, Lacchetti C, Dworkin RH, Lavoie Smith EM, Bleeker J, Cavaletti G, et al. Prevention and management of chemotherapy-induced peripheral neuropathy in survivors of adult cancers: American Society of Clinical Oncology Clinical Practice Guideline. J Clin Oncol. 2014;32(18):1941-67..

Tratamento

O tratamento da dor neuropática será discutido em outro tópico desta publicação, mas cabe aqui uma particularização quanto à dor neuropática secundária a NPI pela quimioterapia em função de haver uma diretriz clínica específica para esse contexto2020 Wilson RH, Lehky T, Thomas RR, Quinn MG, Floeter MK, Grem JL. Acute oxaliplatin-induced peripheral nerve hyperexcitability. J Clin Oncol. 2002;20(7):1767-74.. Segundo a ASCO a respeito do tratamento da NPI pela quimioterapia, já instalada, os melhores dados disponíveis dão respaldo a uma recomendação moderada para o tratamento com a duloxetina3030 Wickham R. Review of a study of duloxetine for painful chemotherapy-induced peripheral neuropathy. J Adv Pract Oncol. 2013;4(5):361-8.. Embora os estudos da NPI pela quimioterapia sejam inconclusivos a respeito dos antidepressivos tricíclicos (como a nortriptilina), gabapentina e preparados tópicos contendo baclofeno, amitriptilina e cetamina, esses agentes podem ser prescritos com base nos dados que suportam sua utilidade em neuropatias de outras causas2020 Wilson RH, Lehky T, Thomas RR, Quinn MG, Floeter MK, Grem JL. Acute oxaliplatin-induced peripheral nerve hyperexcitability. J Clin Oncol. 2002;20(7):1767-74..

Uma revisão sistemática e metanálise mais recente respalda uma revisão das recomendações para a terapia farmacológica da dor neuropática. Segundo essa revisão, os resultados dos estudos são geralmente modestos. Em particular, o número de pacientes necessários para tratar (NNT), combinando os estudos são de 6,4 (Intervalo de Confiança de 95% (IC95%): 5,2 - 8,4) para os inibidores de receptação de serotonina e noradrenalina, principalmente incluindo a duloxetina (9 de 14 estudos); 7,7 (6,5 - 9,4) para a pregabalina; 7,2 (5,9 - 9,21) para a gabapentina, incluindo a formulação de liberação estendida e enacarbil; e 10,6 (7,4 - 19,0) para os "patches" com alta concentração de capsaicina3131 Finnerup NB, Attal N, Haroutounian S, McNicol E, Baron R, Dworkin RH, et al. Pharmacotherapy for neuropathic pain in adults: a systematic review and meta-analysis. Lancet Neurol. 2015;(14):162-73..

Segundo essa revisão, considerando os custos e eventos adversos, os resultados permitem forte recomendação para o uso e a proposição como primeira linha de tratamento da dor neuropática para os antidepressivos tricíclicos, inibidores de receptação de serotonina e noradrenalina, pregabalina e gabapentina. Há uma recomendação mais fraca e uma proposta para tratamento de segunda linha com o uso de "patches" de lidocaína ou altas concentrações de capsaicina, e tramadol sistêmico. Há uma fraca recomendação e uma proposta para uso em terceira linha para os opioides fortes3232 Brami C, Bao T, Deng G. Natural products and complementary therapies for chemotherapy-induced peripheral neuropathy: a systematic review. Crit Rev Oncol Hematol. 2016;98:325-34..

As respostas inadequadas no alívio da dor neuropática constituem uma necessidade médica não atendida em pacientes com NPI por quimioterapia. A eficácia modesta, as fracas respostas ao placebo, critérios diagnósticos heterogêneos, variabilidade na avaliação da eficácia e perfis fenotípicos diversos entre os pacientes provavelmente são as responsáveis pelos resultados modestos dos estudos clínicos e deverão ser levadas em consideração em estudos futuros2222 Han JW, Han S. Type of chemotherapy-induced peripheral neuropathy, influencing factors, and functional status. Iran J Public Health. 2015;44(12):1701-3..

Os dados disponíveis a respeito do uso da acupuntura ou eletroacupuntura, assim como de produtos naturais da medicina complementar, não fornecem evidência suficiente para qualquer recomendação clínica no tratamento da dor neuropática induzida por quimioterapia2323 Beijers AJ, Mols F, Vreugdenhil G. A systematic review on chronic oxaliplatin-induced peripheral neuropathy and the relation with oxaliplatin administration. Support Care Cancer. 2014;22(7):1999-2007..

Não havendo um tratamento farmacológico ou não definido, o foco deve estar no cuidado ao paciente e deve promover a educação, esclarecendo o paciente e seus familiares sobre os eventos potencialmente esperados; minimizar quedas e risco de ferimentos decorrentes da hipoestesia; modificar o estilo de vida e as atividades laborativas e evitar fatores de risco que agravem a neuropatia55 Park SB, Goldstein D, Krishnan AV, Lin CS, Friedlander ML, Cassidy J, et al. Chemotherapy-induced peripheral neurotoxicity: a critical analysis. CA Cancer J Clin. 2013;63(6):419-37..

CONCLUSÃO

Os fármacos quimioterápicos com maior potencial de eventos adversos para o SNP estão entre os mais utilizados na prática rotineira; o que faz da neuropatia sensitiva periférica um evento comum e de grande impacto na QV dos pacientes, podendo levar a modificações do esquema de tratamento, com perda da efetividade, assim como a sequelas crônicas e incapacidade.

Embora nem sempre seja factível a modificação do esquema terapêutico antineoplásico, a identificação precoce e o tratamento adequado dos sintomas associados à neuropatia sensitiva periférica podem reduzir o seu impacto na QV. Nos pacientes em tratamento de intenção paliativa, o uso de esquemas alternativos deve ser considerado em termos de ponderação entre potenciais benefícios e eventos adversos observados.

  • Fontes de fomento: não há.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016
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