Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação e correlação entre as variáveis subjetivas e fisiológicas da dor crônica na coluna vertebral

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A dor crônica na coluna vertebral possui uma prevalência elevada. A avaliação de parâmetros subjetivos e fisiológicos ao longo do tempo, e como se relacionam, é importante para verificar as mudanças no estado de saúde das pessoas que sofrem com essa condição. O objetivo deste estudo foi avaliar e correlacionar as variáveis subjetivas e fisiológicas da dor crônica na coluna vertebral.

MÉTODOS:

Estudo observacional, prospectivo de medidas repetidas, realizado entre setembro de 2015 e janeiro de 2016, com 99 pessoas registradas em fila de espera da clínica de fisioterapia de uma universidade de Minas Gerais. Foram realizadas quatro avaliações, com um intervalo de 15 dias entre elas.

RESULTADOS:

Verificou-se reduções estatisticamente significativas, ao longo do tempo, na intensidade da dor (p<0,001), na sua interferência nas atividades cotidianas (p<0,001), no limiar de dor (p<0,001) e na incapacidade física (p<0,001). Houve correlações negativas entre o limiar e a intensidade da dor nas avaliações três (p=0,003) e quatro (p=0,001); correlação positiva entre intensidade da dor e a incapacidade física em todas as avaliações (p<0,001); correlação negativa entre o limiar de dor e a incapacidade física nas avaliações um (p=0,001), três (p=0,043) e quatro (p=0,004). Também existem correlações positivas entre a intensidade da dor e a sua interferência nas atividades cotidianas (p<0,001); e correlação negativa entre o limiar de dor e essas atividades, principalmente nas avaliações três e quatro.

CONCLUSÃO:

Existem correlações entre as variáveis subjetivas com as fisiológicas da dor crônica na coluna vertebral.

Descritores:
Coluna vertebral; Dor crônica; Mensuração da dor

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Chronic pain on the spine has a high prevalence. The assessment of subjective and physiological parameters over time, and how they relate is important to check changes in people’s health status who suffer from this condition. The objective of this study was to evaluate and correlate the subjective and physiological variables of chronic pain on the spine.

METHODS:

Observational, prospective study of repeated measures, carried out from September 2015 to January 2016, with 99 people registered on the waiting list of a University physiotherapy clinic of Minas Gerais. Four evaluations were performed with a 15-day interval.

RESULTS:

It was found statistically significant reductions over time in pain intensity (p<0.001), in its interference with daily activities (p<0.001), in pain threshold (p<0.001) and physical impairment (p<0.001). There were negative correlations between pain threshold and pain intensity in evaluations three (p=0.003) and four (p=0.001); a positive correlation between pain intensity and physical impairment in all evaluations (p<0.001); and a negative correlation between pain threshold and physical impairment in evaluations one (p=0.001), three (p=0.043) and four (p=0.004). There are also positive correlations between pain intensity and its interference with daily activities (p<0.001); and a negative correlation between pain threshold and these activities, especially in evaluations three and four.

CONCLUSION:

There are correlations between subjective variables and physiological characteristics of chronic pain on the spine.

Keywords:
Chronic pain; Pain measurement; Spine

INTRODUÇÃO

A dor crônica na coluna vertebral, principalmente na região lombar, possui elevada prevalência11 Balagué F, Mannion AF, Pellisé F, Cedraschi C. Non-specific low back pain. Lancet. 2012;379(9814):482-91.. Muitos são os impactos que a dor pode provocar na vida das pessoas, como incapacidade física e funcional, que implica em limitações nas atividades de vida diária (dificuldade para vestir, sentar, fica em pé, andar e levantar objetos), alterações no sono e preocupações constantes22 Hoy D, March L, Brooks P, Blyth F, Woolf A, Bain C, et al. The global burden of low back pain: estimates from the Global Burden of Disease 2010 study. Ann Rheum Dis. 2014;73(6):968-74.. Também podem ocorrer mudanças no limiar de dor, uma vez que os indivíduos que possuem dor na coluna vertebral apresentam maior sensibilidade nociceptiva, se comparados às pessoas saudáveis33 Farasyn A, Lassat B. Cross friction algometry (CFA): Comparison of pressure pain thresholds between patients with chronic non-specific low back pain and healthy subjects. J Bodyw Mov Ther. 2016;20(2):224-34..

As avaliações, tanto subjetivas como fisiológicas, são importantes por apresentarem de maneira mais aprofundada o estado de saúde dessas pessoas e as mudanças que ocorrem com o tempo44 de Vet HC, Terwee CB, Ostelo RW, Beckerman H, Knol DL, Bouter LX. Minimal changes in health status questionnaires: distinction between minimally detectable change and minimally important change. Health Qual Life Outcomes. 2006;4:54., bem como facilitar a análise da resposta ao tratamento55 Herndon CM, Zoberi KS, Gardner BJ. Common questions about chronic low back pain. Am Fam Physician. 2015;91(10):708-14.. Tais avaliações, quando não são consideradas, restringem a compreensão do curso da dor e da influência de fatores clínicos e demográficos66 Stanton TR, Latimer J, Maher CG, Hancock MJ. How do we define the condition 'recurrent low back pain'? A systematic review. Eur Spine J. 2010;19(4):533-9..

Observa-se, contudo, que tais investigações enfatizam apenas a região lombar77 Imamura M, Alfieri FM, Filippo TR, Battistella LR. Pressure pain thresholds in patients with chronic nonspecific low back pain. J Back Musculoskelet Rehabil. 2016;29(2):327-36.. As evidências envolvendo a região cervical e, principalmente a região torácica, ainda não estão bem consolidadas na literatura e, até o presente momento, não foram encontrados estudos que propõem verificar o comportamento dessas variáveis relacionadas à dor crônica nas três regiões da coluna vertebral, por meio de medidas repetidas.

Diante do exposto, este estudo teve por objetivo avaliar e correlacionar as variáveis subjetivas e fisiológicas da dor crônica na coluna vertebral.

MÉTODOS

Estudo observacional, prospectivo de medidas repetidas, realizado entre setembro de 2015 e janeiro de 2016, com uma população de 436 pessoas registradas em fila de espera da clínica de fisioterapia de uma universidade de Minas Gerais. Como critérios de elegibilidade da amostra utilizou-se a presença de dor nas regiões cervical, torácica e/ou lombar, de qualquer origem e existente há três meses ou mais88 Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED). Capítulo Brasileiro da International Association for the Study of Pain. Classificação. 2015.. Nessa etapa, 111 voluntários foram rastreados por contato telefônico.

A fim de determinar o tamanho da amostra adequada para o estudo, foi utilizado o software Stata versão 12.0, para o teste de médias com medidas repetidas. Foi considerada como variável principal a intensidade da dor (considerando um ponto de variação na escala numérica de 11 pontos), e foram adotados poder estatístico de 95% e nível de significância de 5%. Foi estimado, então, 57 indivíduos para compor a amostra deste estudo.

Como critérios de inclusão foram considerados a idade (≥18 anos) e intensidade da dor ≥ três, segundo a escala numérica de intensidade da dor99 Salaffi F, Ciapetti A, Carotti M. Pain assessment strategies in patients with musculoskeletal conditions. Reumatismo. 2012;64(4):216-29.. Foram excluídas as pessoas que não responderam a três tentativas de contato, as que não aceitaram a participar do estudo e pessoas com dor neuropática ou mista. Portanto, 99 sujeitos constituíram a amostra do estudo.

Foram realizadas quatro avaliações, por um mesmo avaliador, com um intervalo de 15 dias entre elas (zero, 15, 30 e 45 dias). Nesse intervalo, os voluntários permaneceram aguardando o tratamento fisioterapêutico, e/ou continuaram o tratamento farmacológico.

Para a coleta de dados foram utilizadas medidas subjetivas e fisiológicas da dor. Dentre as medidas subjetivas, destacam-se o Brief Pain Inventory (BPI)1010 Daut R, Cleeland C, Flanery R. Development of the Wisconsin Brief Pain Questionnaire to assess pain in cancer and other diseases. Pain. 1983;17(2):197-210. e o questionário de Incapacidade de Roland Morris (QIRM), para dor em geral1111 Sardá Junior JJ, Nicholas MK, Pimenta CA, Asghari A, Thieme AL. Validação do Questionário de Incapacidade Roland Morris para dor em geral. Rev Dor. 2010;11(1):28-36.. Como variável fisiológica adotou-se o limiar de dor.

O BPI1010 Daut R, Cleeland C, Flanery R. Development of the Wisconsin Brief Pain Questionnaire to assess pain in cancer and other diseases. Pain. 1983;17(2):197-210. possui um diagrama, onde o paciente assinala o local da dor, além de escalas numéricas utilizadas para mensurar a intensidade da dor (zero – ausência de dor/ 10 – dor insuportável, e sua interferência nas atividades do dia a dia (zero – sem interferência/ 10 – interferência completa). Obtém-se dois escores finais, relacionados à média dos quatro itens que investigam a intensidade da dor, e a média dos sete itens que investigam a interferência da dor nas atividades cotidianas1212 Cleeland CS. The Brief Pain Inventory. Texas: User Guide; 2009. 66p.. Tal instrumento foi traduzido e adaptado para cultura brasileira1313 Toledo FO, Barros PS, Herdman M, Vilagut G, Reis GC, Alonso J, et al. Cross-Cultural Adaptation and Validation of the Brazilian Version of the Wisconsin Brief Pain Questionnaire. J Pain Symptom Manage. 2013;46(1):121-30., e possui adequadas características psicométricas, uma vez que apresenta alta confiabilidade em teste-reteste, demonstrada quando a dor é estável ou não1212 Cleeland CS. The Brief Pain Inventory. Texas: User Guide; 2009. 66p., e ainda apresenta boa sensibilidade ao longo do tempo1414 Keller S, Bann CM, Dodd SL, Schein J, Mendoza TR, Cleeland CS. Validity of the brief pain inventory for use in documenting the outcomes of patients with noncancer pain. Clin J Pain. 2004;20(5):309-18..

O QIRM avalia o grau de incapacidade funcional nas atividades de vida diária em pessoas com dor em geral1111 Sardá Junior JJ, Nicholas MK, Pimenta CA, Asghari A, Thieme AL. Validação do Questionário de Incapacidade Roland Morris para dor em geral. Rev Dor. 2010;11(1):28-36., por meio de perguntas dicotômicas, e um total que varia de zero (nenhuma incapacidade) a 24 pontos (incapacidade grave). Sua pontuação é dada pelo somatório de todas as respostas ‘sim’1111 Sardá Junior JJ, Nicholas MK, Pimenta CA, Asghari A, Thieme AL. Validação do Questionário de Incapacidade Roland Morris para dor em geral. Rev Dor. 2010;11(1):28-36.. Foi traduzido, adaptado e validado para a versão brasileira1515 Nusbaum L, Natour J, Ferraz MB, Goldenberg J. Translation, adaptation and validation of the Roland-Morris questionnaire - Brazil Roland-Morris. Braz J Med Biol Res. 2001;34(2):203-10. e possui adequadas propriedades psicométricas1111 Sardá Junior JJ, Nicholas MK, Pimenta CA, Asghari A, Thieme AL. Validação do Questionário de Incapacidade Roland Morris para dor em geral. Rev Dor. 2010;11(1):28-36. (sensibilidade de 62%; especificidade de 55% e acurácia de 64%)1616 Monticone M, Baiardi P, Vanti C, Ferrari S, Pillastrini P, Mugnai R, et al. Responsiveness of the Oswestry Disability Index and the Roland Morris Disability Questionnaire in Italian subjects with sub-acute and chronic low back pain. Eur Spine J. 2012;21(1):122-9., e é uma medida sensível para detectar diferenças entre grupos ou condições distintas1111 Sardá Junior JJ, Nicholas MK, Pimenta CA, Asghari A, Thieme AL. Validação do Questionário de Incapacidade Roland Morris para dor em geral. Rev Dor. 2010;11(1):28-36..

Um algômetro digital, da marca Kratos®, foi utilizado para quantificar o limiar de dor frente ao estímulo mecânico. O paciente foi posicionado em uma maca, em decúbito ventral. A avaliação seguiu uma padronização em 14 pontos dolorosos, definidos pelos pesquisadores e realizados sempre na mesma ordem: inserções dos músculos suboccipitais; no músculo trapézio descendente ao nível da 5ª e 6ª vértebras cervicais; ponto médio do trapézio descendente – entre o acrômio e a 7ª vértebra cervical; trapézio ascendente ao nível do ângulo inferior da escápula; espinhas ilíacas posterossuperiores; músculo paravertebral ao nível da 4ª e 5ª vértebras lombares e músculo glúteo na eminência do nervo ciático. A pressão de compressão foi aumentada gradualmente a uma velocidade de 1kg/seg. O paciente foi orientado a pressionar o cabo de interrupção do aparelho, à medida que sentiu que o estímulo mecânico transformou em estímulo doloroso, de forma que este cessou e o valor marcado no aparelho, referido como a latência do limiar nociceptivo, foi registrado. Foi realizada uma medida em cada um dos 14 pontos dolorosos, e a média dos pontos por área (cervical/torácica/lombar) foi utilizada para a análise dos dados.

Este estudo foi aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa (parecer nº 1.041.266 de 2015), e seguiu os princípios estabelecidos na Declaração de Helsinque da Associação Médica Mundial1717 Declaração de Helsinque da Associação Médica Mundial (WMA). Princípios éticos para a pesquisa médica envolvendo seres humanos. 2000. 1-6p..

Análise estatística

Os dados coletados foram analisados pelo Statistical Package for the Social Sciences, versão 23.0, por meio da estatística descritiva. Foi realizado o teste de Kolmogorov Smirnov para determinar a normalidade dos dados, e para comparação foram utilizados os testes Q de Cochran e Friedman, seguido pelo Wilcoxon, quando necessário, e da Correlação de Spearman em cada tempo de avaliação. O nível de significância adotado foi de 5%

RESULTADOS

Dentre as 99 pessoas que concluíram o estudo, 77 (77,8%) eram mulheres. A idade apresentou média de 49,87 e desvio padrão (s) de 14,17 anos. A maioria dos indivíduos (n=59; 59,6%) era casado e possuía ensino médio completo (n=30; 30,3%). A presença de dor por região da coluna vertebral foi avaliada longitudinalmente e é apresentada na tabela 1.

Tabela 1
Presença de dor por região ao longo do tempo, Minas Gerais, 2017 (n=99)

A tabela 2 apresenta o comportamento longitudinal da dor.

Tabela 2
Comportamento da dor quanto à intensidade, interferência, limiar e incapacidade ao longo do tempo, Minas Gerais, 2017 (n=99)

Correlações entre intensidade de dor com limiar de dor; intensidade de dor com incapacidade física e limiar de dor com incapacidade física são apresentados na tabela 3.

Tabela 3
Correlações entre intensidade de dor com limiar de dor; intensidade de dor com incapacidade física e limiar de dor com incapacidade física, Minas Gerais, 2017 (n=99)

Correlação entre as atividades cotidianas com a intensidade da dor e entre as atividades cotidianas com o limiar de dor são apresentadas na tabela 4.

Tabela 4
Correlação entre as atividades cotidianas com a intensidade da dor e entre as atividades cotidianas com o limiar de dor, Minas Gerais, 2017 (n=99)

DISCUSSÃO

Ao avaliar a dor crônica na coluna vertebral nos quatro tempos de avaliação, por meio de variáveis subjetivas e fisiológicas, verificou-se reduções estatisticamente significativas na intensidade da dor, na sua interferência nas atividades cotidianas, no limiar de dor e na incapacidade física, bem como as correlações entre tais variáveis em cada tempo, de forma que foi possível perceber o impacto negativo que ela acarreta na vida das pessoas.

A região lombar é considerada o local afetado pela dor de forma mais intensa1818 Costa Lda C, Maher CG, McAuley JH, Hancock MJ, Herbert RD, Refshauge KM, et al. Prognosis for patients with chronic low back pain: inception cohort study. BMJ. 2009;339(b3829):1-8., como também foi evidenciado no presente estudo. A avaliação por medidas repetidas permitiu acompanhar a frequência de pessoas acometidas pela dor nesse local, de forma que houve diminuição até a AV 3 e, em seguida um aumento, estatisticamente significativo. A coluna lombar integra o complexo lombo-pélvico, local do eixo de gravidade da coluna vertebral, onde grande parte dos movimentos é iniciada e ocorre a transmissão de carga entre as vértebras. Essa região é, portanto, mais suscetível à ocorrência de dor1919 Andrade SC, Araújo AG, Villar MJ. Escola de Coluna: revisão histórica e sua aplicação a lombalgia crônica. Rev Bras Reumatol. 2005;45(4):224-48..

A dor que acomete a região cervical também apresentou um comportamento similar ao observado na região lombar, que foi estatisticamente significativo. Uma em cada duas pessoas podem experimentar dor no pescoço ao longo de suas vidas2020 Fejer R, Kyvik KO, Hartvigsen J. The prevalence of neck pain in the world population: a systematic critical review of the literature. Eur Spine J. 2006;15(6):834-48.. Geralmente, a deterioração persistente do controle neuromuscular dos músculos do pescoço contribui, em parte, para a cronicidade e recidiva do problema2121 Falla D, Farina D. Neural and muscular factors associated with motor impairment in neck pain. Curr Rheumatol Rep. 2007;9(6):497-502..

Acredita-se que a diminuição do número de pessoas que relataram dor nessas duas regiões, ao longo das avaliações, pode ser devida a mudanças de atitudes, pelo fato de estarem sendo observadas, fenômeno esse conhecido como efeito Hawthorne2222 McCambridge J, Witton J, Elbourne DR. Systematic review of the Hawthorne effect: new concepts are needed to study research participation effects. J Clin Epidemiol. 2014;67(3):267-77.; ou pela adesão às estratégias de controle da dor ao longo do período de acompanhamento.

Constatou-se ainda, ao longo do tempo, reduções estatisticamente significativas na intensidade da dor, na sua interferência nas atividades cotidianas, no limiar de dor e na incapacidade física. Tais mudanças reforçam a importância da avaliação dessas variáveis para um acompanhamento multidimensional da dor crônica.

A intensidade da dor, obtida por meio da escala numérica, pode ser considerada o padrão-ouro para a mensuração desse fenômeno2323 Puntillo K, Neighbor M, Nixon R. Accuracy of emergency nurses in assessment of patients pain. Pain Manag Nurs. 2003;4(4):171-5.. Ressalta-se, ainda, que como os distúrbios musculoesqueléticos da coluna vertebral são a causa mais comum de dor persistente e intensa, e de incapacidade física, torna-se imperativa a avaliação de fatores que são impactados pela dor, como a capacidade funcional, a fadiga, o sono, o bem-estar em geral, dentre outros99 Salaffi F, Ciapetti A, Carotti M. Pain assessment strategies in patients with musculoskeletal conditions. Reumatismo. 2012;64(4):216-29..

Além desses fatores, a avaliação de variáveis fisiológicas também é importante para auxiliar a compreensão do comportamento da dor crônica, como o seu limiar, uma variável quantitativa que fica reduzida em pessoas com dor persistente2424 O'Neill S, Kjær P, Graven-Nielsen T, Manniche C, Arendt-Nielsen L. Low pressure pain thresholds are associated with, but does not predispose for, low back pain. Eur Spine J. 2011;20(12):2120-5.. Isso pode estar relacionado à mecanismos de sensibilização central que alteram o processamento normal de informações nociceptiva e não nociceptiva2525 Özdolap S, Sarikaya S, Köktürk F. Evaluation of pain pressure threshold and widespread pain in chronic low back pain. Turk J Phys Med Rehab. 2014;60(1):32-6.. Essa neuroplasticidade causa hiperalgesia e alodínea2626 Latremoliere A, Woolf CJ. Central sensitization: a generator of pain hypersensitivity by central neural plasticity. J Pain. 2009;10(9):895-926., com respostas dolorosas a estímulos normais2424 O'Neill S, Kjær P, Graven-Nielsen T, Manniche C, Arendt-Nielsen L. Low pressure pain thresholds are associated with, but does not predispose for, low back pain. Eur Spine J. 2011;20(12):2120-5..

Ao verificar a existência de correlações entre o limiar e a intensidade da dor durante as quatro avaliações, foram encontrados valores estatisticamente significativos nas AV 3 e AV 4, como também foi observado no estudo realizado por Imamura et al.77 Imamura M, Alfieri FM, Filippo TR, Battistella LR. Pressure pain thresholds in patients with chronic nonspecific low back pain. J Back Musculoskelet Rehabil. 2016;29(2):327-36.. Diante disso, a fim de estabelecer uma avaliação fidedigna da dor crônica, faz-se imperativo confrontar variáveis subjetivas (intensidade da dor), com variáveis fisiológicas (limiar de dor), para que o processo de avaliação ao longo do tempo, não fique focado apenas no relato do indivíduo, permitindo inferências mais concretas.

Foi possível observar também correlação significativa entre a intensidade da dor e a incapacidade física em todas as avaliações, de forma que a incapacidade física aumentou proporcionalmente à intensidade da dor. A intensidade da dor, ao limitar o movimento, impedir a realização de atividades cotidianas e trazer prejuízos às interações sociais, influencia diretamente os índices de incapacidade física2727 Garbi Mde O, Hortense P, Gomez RR, da Silva Tde C, Castanho AC, Sousa FA. [Pain intensity, disability and depression in individuals with chronic back pain]. Rev Lat Am. Enfermagem. 2014;22(4):569-75. English, Portuguese, Spanish.. Assim, a avaliação longitudinal e conjunta da intensidade da dor e da incapacidade física, é essencial para estabelecer medidas de prevenção e controle da dor, uma vez que uma variável sofre influência direta da outra.

Essa mesma relação também ocorreu entre o limiar de dor e o nível de incapacidade, contudo inversamente proporcionais, nas AV 1, AV 3 e AV 4, como também verificado por Imamura et al.77 Imamura M, Alfieri FM, Filippo TR, Battistella LR. Pressure pain thresholds in patients with chronic nonspecific low back pain. J Back Musculoskelet Rehabil. 2016;29(2):327-36.. A correlação entre essas variáveis, fisiológica e subjetiva, fortalece ainda mais a associação existente entre o limiar da dor e a incapacidade, de forma que devem compor os parâmetros para a avaliação da dor crônica nos indivíduos com dor na coluna vertebral.

Sabe-se, também, que a incapacidade física, além da intensidade da dor, sofre influência de outros fatores, como: da assistência de saúde recebida, da reabilitação, do ambiente social e físico, do estilo de vida e dos atributos psicológicos1818 Costa Lda C, Maher CG, McAuley JH, Hancock MJ, Herbert RD, Refshauge KM, et al. Prognosis for patients with chronic low back pain: inception cohort study. BMJ. 2009;339(b3829):1-8.,2828 Lundberg M, Frennered K, Hagg O, Jorma SJ. The impact of fear-avoidance model variables on disability in patients with specific- or non-specific chronic low back pain. Spine (Phila Pa 1976). 2011;36(19):1547-53.. Quanto ao limiar, a modulação da dor pode estar relacionada à variação individual. Dessa forma, pacientes com o limiar de dor comprometido são mais suscetíveis à incapacidade e, consequentemente, toleram menos o estímulo doloroso2929 Arendt-Nielsen L, Skou ST, Nielsen TA, Petersen KK. Altered central sensitization and pain modulation in the CNS in chronic joint pain. Curr Osteoporos Rep. 2015;13(4):225-34..

Verificou-se, ainda, correlações positivas entre a intensidade da dor e a sua interferência nas atividades cotidianas, de forma que o aumento ou a diminuição nessas variáveis são diretamente proporcionais. Especificamente, foram encontradas correlações estatisticamente significativas frente às atividades gerais, humor, habilidade de caminhar, trabalho, relacionamento com outras pessoas, sono e apreciação da vida, em todas as avaliações relacionadas à intensidade da dor. Da mesma forma, foram encontradas correlações negativas entre o limiar de dor e essas atividades, principalmente nas AV 3 e AV 4. A existência de correlação entre essas varáveis e a observação do seu comportamento ao longo do tempo, também permite verificar a importância de suas associações para estabelecer uma avaliação adequada da dor.

Diante da associação entre a intensidade da dor, a sua interferência em atividades cotidianas e o seu limiar, percebe-se que quando a dor crônica deixa de ser apenas um sintoma e passa a ser uma doença, implica em várias alterações na vida das pessoas, limitando atitudes e decisões e definindo comportamentos. No estudo realizado por Santos et al.3030 Santos GV, Viera AS, Goes BT, Mota RS, Baptista AF, Sá KN. Pain assessment through the brief pain inventory in a low socioeconomic level population. Rev Dor. 2015;16(3):190-4., os autores apontaram que os aspectos mais influenciados pela dor são a realização de atividades gerais, seguido de impactos sobre o humor, a capacidade de andar e o trabalho. Nesse cenário, a dor lombar crônica é uma importante causa de incapacidade e limitação funcional, de forma que ela afeta diretamente a realização das atividades diárias3131 Zavarize SF, Wechsler SM. Perfil criativo e qualidade de vida: implicações em adultos e idosos com dor lombar crônica. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2012;15(3):403-14..

Dentre as limitações do presente estudo, evidencia-se o curto período de seguimento, o efeito Hawthorne, e o fato de que algumas variáveis que interferem na sensibilidade à dor não foram controladas, como o ciclo menstrual. Para estudos futuros sugere-se a realização das avaliações em um período mais prolongado, controlando possíveis variáveis de confusão, como o ciclo menstrual.

CONCLUSÃO

Existem correlações entre as variáveis subjetivas com as fisiológicas da dor crônica na coluna vertebral.

  • Fontes de fomento: não há.

REFERENCES

  • 1
    Balagué F, Mannion AF, Pellisé F, Cedraschi C. Non-specific low back pain. Lancet. 2012;379(9814):482-91.
  • 2
    Hoy D, March L, Brooks P, Blyth F, Woolf A, Bain C, et al. The global burden of low back pain: estimates from the Global Burden of Disease 2010 study. Ann Rheum Dis. 2014;73(6):968-74.
  • 3
    Farasyn A, Lassat B. Cross friction algometry (CFA): Comparison of pressure pain thresholds between patients with chronic non-specific low back pain and healthy subjects. J Bodyw Mov Ther. 2016;20(2):224-34.
  • 4
    de Vet HC, Terwee CB, Ostelo RW, Beckerman H, Knol DL, Bouter LX. Minimal changes in health status questionnaires: distinction between minimally detectable change and minimally important change. Health Qual Life Outcomes. 2006;4:54.
  • 5
    Herndon CM, Zoberi KS, Gardner BJ. Common questions about chronic low back pain. Am Fam Physician. 2015;91(10):708-14.
  • 6
    Stanton TR, Latimer J, Maher CG, Hancock MJ. How do we define the condition 'recurrent low back pain'? A systematic review. Eur Spine J. 2010;19(4):533-9.
  • 7
    Imamura M, Alfieri FM, Filippo TR, Battistella LR. Pressure pain thresholds in patients with chronic nonspecific low back pain. J Back Musculoskelet Rehabil. 2016;29(2):327-36.
  • 8
    Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED). Capítulo Brasileiro da International Association for the Study of Pain. Classificação. 2015.
  • 9
    Salaffi F, Ciapetti A, Carotti M. Pain assessment strategies in patients with musculoskeletal conditions. Reumatismo. 2012;64(4):216-29.
  • 10
    Daut R, Cleeland C, Flanery R. Development of the Wisconsin Brief Pain Questionnaire to assess pain in cancer and other diseases. Pain. 1983;17(2):197-210.
  • 11
    Sardá Junior JJ, Nicholas MK, Pimenta CA, Asghari A, Thieme AL. Validação do Questionário de Incapacidade Roland Morris para dor em geral. Rev Dor. 2010;11(1):28-36.
  • 12
    Cleeland CS. The Brief Pain Inventory. Texas: User Guide; 2009. 66p.
  • 13
    Toledo FO, Barros PS, Herdman M, Vilagut G, Reis GC, Alonso J, et al. Cross-Cultural Adaptation and Validation of the Brazilian Version of the Wisconsin Brief Pain Questionnaire. J Pain Symptom Manage. 2013;46(1):121-30.
  • 14
    Keller S, Bann CM, Dodd SL, Schein J, Mendoza TR, Cleeland CS. Validity of the brief pain inventory for use in documenting the outcomes of patients with noncancer pain. Clin J Pain. 2004;20(5):309-18.
  • 15
    Nusbaum L, Natour J, Ferraz MB, Goldenberg J. Translation, adaptation and validation of the Roland-Morris questionnaire - Brazil Roland-Morris. Braz J Med Biol Res. 2001;34(2):203-10.
  • 16
    Monticone M, Baiardi P, Vanti C, Ferrari S, Pillastrini P, Mugnai R, et al. Responsiveness of the Oswestry Disability Index and the Roland Morris Disability Questionnaire in Italian subjects with sub-acute and chronic low back pain. Eur Spine J. 2012;21(1):122-9.
  • 17
    Declaração de Helsinque da Associação Médica Mundial (WMA). Princípios éticos para a pesquisa médica envolvendo seres humanos. 2000. 1-6p.
  • 18
    Costa Lda C, Maher CG, McAuley JH, Hancock MJ, Herbert RD, Refshauge KM, et al. Prognosis for patients with chronic low back pain: inception cohort study. BMJ. 2009;339(b3829):1-8.
  • 19
    Andrade SC, Araújo AG, Villar MJ. Escola de Coluna: revisão histórica e sua aplicação a lombalgia crônica. Rev Bras Reumatol. 2005;45(4):224-48.
  • 20
    Fejer R, Kyvik KO, Hartvigsen J. The prevalence of neck pain in the world population: a systematic critical review of the literature. Eur Spine J. 2006;15(6):834-48.
  • 21
    Falla D, Farina D. Neural and muscular factors associated with motor impairment in neck pain. Curr Rheumatol Rep. 2007;9(6):497-502.
  • 22
    McCambridge J, Witton J, Elbourne DR. Systematic review of the Hawthorne effect: new concepts are needed to study research participation effects. J Clin Epidemiol. 2014;67(3):267-77.
  • 23
    Puntillo K, Neighbor M, Nixon R. Accuracy of emergency nurses in assessment of patients pain. Pain Manag Nurs. 2003;4(4):171-5.
  • 24
    O'Neill S, Kjær P, Graven-Nielsen T, Manniche C, Arendt-Nielsen L. Low pressure pain thresholds are associated with, but does not predispose for, low back pain. Eur Spine J. 2011;20(12):2120-5.
  • 25
    Özdolap S, Sarikaya S, Köktürk F. Evaluation of pain pressure threshold and widespread pain in chronic low back pain. Turk J Phys Med Rehab. 2014;60(1):32-6.
  • 26
    Latremoliere A, Woolf CJ. Central sensitization: a generator of pain hypersensitivity by central neural plasticity. J Pain. 2009;10(9):895-926.
  • 27
    Garbi Mde O, Hortense P, Gomez RR, da Silva Tde C, Castanho AC, Sousa FA. [Pain intensity, disability and depression in individuals with chronic back pain]. Rev Lat Am. Enfermagem. 2014;22(4):569-75. English, Portuguese, Spanish.
  • 28
    Lundberg M, Frennered K, Hagg O, Jorma SJ. The impact of fear-avoidance model variables on disability in patients with specific- or non-specific chronic low back pain. Spine (Phila Pa 1976). 2011;36(19):1547-53.
  • 29
    Arendt-Nielsen L, Skou ST, Nielsen TA, Petersen KK. Altered central sensitization and pain modulation in the CNS in chronic joint pain. Curr Osteoporos Rep. 2015;13(4):225-34.
  • 30
    Santos GV, Viera AS, Goes BT, Mota RS, Baptista AF, Sá KN. Pain assessment through the brief pain inventory in a low socioeconomic level population. Rev Dor. 2015;16(3):190-4.
  • 31
    Zavarize SF, Wechsler SM. Perfil criativo e qualidade de vida: implicações em adultos e idosos com dor lombar crônica. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2012;15(3):403-14.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    11 Jan 2017
  • Aceito
    18 Jul 2017
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 cj 2, 04014-012 São Paulo SP Brasil, Tel.: (55 11) 5904 3959, Fax: (55 11) 5904 2881 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br