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Relação entre queixas de dor musculoesquelética e processo de trabalho na agricultura familiar

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A dor musculoesquelética é cada vez mais frequente no âmbito da saúde do trabalhador. Quando o trabalho é caracterizado por atividades rudimentares, como no caso da agricultura familiar, que exige o emprego de força física, jornada intensa e prolongada, exposição a riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos e ergonômicos, o trabalhador fica propenso a desenvolver doenças de ordem musculoesquelética, e, consequentemente, dor. O objetivo deste estudo foi investigar a prevalência de dor musculoesquelética em agricultores familiares, bem como identificar os segmentos corporais mais acometidos e avaliar as ferramentas utilizadas no processo de trabalho que podem influenciar o desenvolvimento de doenças e dores musculoesqueléticas.

MÉTODOS:

Utilizou-se um formulário de pesquisa que contempla dados sociodemográficos, o Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares e a escala analógica visual para dor. Participaram do estudo 150 agricultores familiares. Aos dados obtidos foram aplicados os testes estatísticos, inclusive o Exato de Fisher. A rejeição da hipótese H0 foi realizada para um nível de significância de p≤0,05, estipulando um intervalo de confiança de 95%.

RESULTADOS:

Os resultados apontam alta prevalência de dor musculoesquelética nos agricultores pesquisados, cujas regiões mais acometidas foram a parte inferior das costas e ombros. A referência de dor pelos agricultores está associada às atividades desempenhadas e ferramentas, como a enxada e o pulverizador manual, utilizadas no trabalho.

CONCLUSÃO:

Os agricultores são suscetíveis ao desenvolvimento de distúrbios musculoesqueléticos relacionados ao trabalho e que a prevalência de dor referida é elevada.

Descritores:
Agricultura; Carga de trabalho; Dor musculoesquelética; Riscos ocupacionais; Saúde do trabalhador

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Musculoskeletal pain is increasingly common in the field of workers’ health. When the work is characterized by rudimentary activities, as in the case of family farming, which requires the use of manual labor, intense and prolonged working journey, exposure to physical, chemical, biological, mechanical and ergonomic risks, the worker is prone to develop musculoskeletal diseases, and consequently pain. The objective of this study was to investigate the prevalence of musculoskeletal pain in family farmers, as well as to identify the body segments mostly affected and evaluate the tools used in the working process that may influence the development of musculoskeletal diseases and pain.

METHODS:

A research form that includes social-demographic data, the Nordic Musculoskeletal Questionnaire, and the visual analog pain scale were used. 150 farmers participated in the study. Statistical tests were applied to the data obtained, including the Fisher Exact. The H0 hypothesis was rejected for a significance level of p≤0.05, stipulating a confidence interval of 95%.

RESULTS:

The results show a high prevalence of musculoskeletal pain in surveyed farmers, whose most affected regions were the lower back and shoulders. The pain reported by farmers is associated with the activities performed and the tools used, such as the hoe and the hand spray, used at work.

CONCLUSION:

Farmers are susceptible to the development of work-related musculoskeletal disorders, and the prevalence of the referred pain is high.

Keywords:
Agriculture; Musculoskeletal pain; Occupational hazards; Workload; Worker’s health

INTRODUÇÃO

A agricultura familiar pode ser definida com base em três características essenciais, descritas como a gestão da unidade produtiva, a força de trabalho fornecida por membros da família e a propriedade dos meios de produção11 Paula MM, Kamimura QP, Silva JL. Mercados institucionais na agricultura familiar: dificuldades e desafios. Rev Política Agrícola. 2014;23(1):33-43.. Nesse grupo de trabalhadores prevalecem atividades rudimentares, tais como o ritmo de trabalho intenso e prolongado, acúmulo e sobrecarga de funções, manuseio ergonomicamente incômodo ou incorreto de ferramentas, exposição às condições climáticas adversas (sol, chuva, calor, frio), a ruídos e vibrações, a animais peçonhentos, a agentes químicos (fertilizantes, agrotóxicos), infecciosos e parasitários22 Silva JM, Novato-Silva E, Faria HP, Pinheiro TM. Agrotóxico e trabalho: uma combinação perigosa para a saúde do trabalhador rural. Ciênc Saúde Coletiva. 2005;10(4):891-903., à manipulação e ao transporte de cargas, aos esforços físicos e mentais intensos ou contínuos, ao estresse decorrente do trabalho e às posturas inadequadas.

Essas características do processo de trabalho da agricultura familiar podem contribuir para o surgimento de distúrbios musculoesqueléticos, cujos fatores de risco são multifatoriais, com destaque para os de natureza ergonômica: quando há alta repetitividade de um mesmo movimento, esforço excessivo de grupos musculares, ambiente frio e com vibração, mobiliário inadequado, que obriga a adoção de posturas incorretas, posturas estáticas, e outros; e de natureza organizacional, que compreendem execução de tarefas monótonas que exigem gestos repetitivos, jornadas prolongadas de trabalho, ritmo acelerado e ausência de pausas, além da pluriatividade no caso da agricultura familiar e a sobrecarga de trabalho.

Os distúrbios musculoesqueléticos são as causas mais frequentes relacionadas às síndromes dolorosas, que correspondem a quadros clínicos caracterizados pela ocorrência de sintomas concomitantes, ou não, de dor, parestesia, sensação de peso e fadiga, de início insidioso, geralmente acometendo os membros superiores (MMSS), podendo, entretanto, acometer também membros inferiores, como resultado de utilização excessiva, imposta ao sistema musculoesquelético, e da falta de tempo para sua recuperação33 Maeno M, Carmo JC, editor. Saúde do trabalhador no SUS: aprender com o passado, trabalhar o presente, construir o futuro. São Paulo: Hucitec; 2005.. Os distúrbios musculoesqueléticos correspondem a uma variedade de condições inflamatórias e degenerativas, afetando os músculos, os tendões, os ligamentos, as articulações e as sinóvias, tais como tendinites, bursites, compressões nervosas, lombalgias e dorsalgias, dentre outras44 Alencar MC. Distúrbios musculoesqueléticos e as atividades de trabalho em uma empresa de reciclagem: um enfoque em aspectos físicos. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 2009;20(2):126-34., e podem se desenvolver a partir da atividade laboral.

A saúde do trabalhador é uma área ampla, entretanto, a literatura científica se reduz diante do trabalhador rural, e, principalmente, na agricultura familiar. Essa literatura, que já é escassa, atende aos riscos potenciais e agudos presentes no setor agrícola, como o uso de agrotóxicos e acidentes de trabalho, e pouco explora os problemas crônicos como o desenvolvimento de distúrbios musculoesqueléticos e, especificamente, a dor musculoesquelética.

As síndromes dolorosas relacionadas ao desempenho de uma atividade laboral são o campo de atuação da fisioterapia, que objetiva promover a qualidade de vida, prevenir e alertar sobre os possíveis riscos, bem como reabilitar as doenças oriundas do trabalho. A exigência física resultante do trabalho rural e os excessivos esforços estão associados com o aumento do risco de desenvolvimento de inflamações nas articulações, tendões, processos crônicos degenerativos, doenças do disco intervertebral e câimbras musculares, ocasionando um quadro álgico55 Corrêa DC, Melo M, Dohnert MB, Pavão TS. Alterações posturais e deformidades vertebrais em trabalhadores rurais de Morrinho do Sul - RS. Rev Bras Fisioter Trabalho. 2010;1(1):6-13.. Nesse sentido, a saúde do trabalhador rural constitui importante campo de atuação para a fisioterapia, devendo esses profissionais se apropriarem de técnicas de manuseio, alívio e tratamento da dor, bem como de orientação para mudanças posturais e ergonômicas.

O objetivo deste estudo foi investigar a prevalência de dor musculoesquelética em trabalhadores da agricultura familiar, buscando identificar as regiões corporais mais acometidas, além dos possíveis fatores causais e variáveis sociodemográficas determinantes.

MÉTODOS

Estudo do tipo transversal com abordagem descritiva e analítica. Para a coleta de dados, utilizou-se um formulário de pesquisa contendo: 1) o Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares (QNSO) adaptado; 2) o questionário sociodemográfico e a escala analógica visual (EAV). O QNSO foi desenvolvido com a proposta de padronizar a mensuração de relato de sintomas osteomusculares e facilitar a comparação dos resultados entre os estudos55 Corrêa DC, Melo M, Dohnert MB, Pavão TS. Alterações posturais e deformidades vertebrais em trabalhadores rurais de Morrinho do Sul - RS. Rev Bras Fisioter Trabalho. 2010;1(1):6-13.. Compreende questões com escolhas múltiplas ou binárias relacionadas à ocorrência de sintomas nas diversas regiões anatômicas comumente referidas, tomando como base os sintomas observados nos 12 meses e sete dias que precederam à entrevista. O respondente deve relatar a ocorrência de afastamento de suas atividades de rotina no último ano. Quanto à EAV para dor é um instrumento unidimensional para a avaliação da intensidade da dor, tratando-se de uma linha com as extremidades numeradas de zero a 10, onde zero representa “nenhuma dor” e 10 a “pior dor imaginável”. As respostas entre zero e 2 são enquadradas como dor leve, de 3 a 7 como moderada e de 8 a 10 como intensa.

A amostra foi composta por 150 sujeitos de ambos os sexos, com idade superior a 18 anos, que trabalham na agricultura familiar e que residem na área rural do município de Floriano Peixoto (RS). A seleção dos sujeitos atendeu aos critérios de aleatoriedade, em que foi levado em conta a proporção de caso por localidade do município. A população total em estudo foi de 1.726 pessoas, correspondentes à população total rural do município. O procedimento amostral foi do tipo aleatório simples. A amostra contempla um erro amostral máximo de 3%, para um intervalo de confiança de 95%.

A aplicação do formulário foi realizada nas residências dos agricultores selecionados. Após o esclarecimento sobre a pesquisa, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi assinado. O processo de coleta de dados ocorreu no período de junho a outubro de 2015.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Passo Fundo, com o Parecer número 1.083.663.

Análise estatística

Os dados foram analisados pelo pacote estatístico IBM SPSS Statistics 22. Os resultados foram apresentados em termos de frequência relativa. Foi aplicado o teste Exato de Fisher. A rejeição da hipótese H0 foi realizada para um nível de significância de p≤0,05, estipulando um intervalo de confiança de 95%.

RESULTADOS

Foram entrevistados 150 indivíduos, que trabalham com agricultura familiar, cujos resultados que refletem o perfil desses trabalhadores estão pormenorizados na tabela 1.

Tabela 1
Descrição das variáveis sociodemográficas (n=150). Passo Fundo, RS, 2015

As informações apresentadas na tabela 1 refletem que a idade predominante entre os pesquisados foi entre 41 e 60 anos (média de 48,37 anos), correspondente a 64,0% do total de entrevistados, dos quais, apenas 7 possuem de 20 a 30 anos, e 5 possuem 71 anos ou mais. A prevalência de sexo não teve grande diferença, sendo 50,7% do sexo masculino e 49,3% do sexo feminino. Quanto à situação familiar, 88,7% dos entrevistados eram casados, 90,0% residiam com o cônjuge e 47,3% com os filhos. Grande parte dos entrevistados acumulava funções domésticas (60,7%) com funções na agricultura e pecuária (98,0%). Em relação à escolaridade, 87,3% não concluíram o ensino fundamental, os quais apresentavam até quatro anos de estudo. Nenhum entrevistado aposentou-se por invalidez, mora sozinho ou realiza outras atividades. Além disso, o estudo demonstrou a centralidade do trabalho no núcleo familiar, uma vez que apenas 0,7% dos entrevistados contratava funcionários temporariamente para ajudar na produção, sendo a grande maioria da força de trabalho originária da própria família, por parte de cônjuge (82,0%) ou dos filhos (40,0%).

A tabela 2 apresenta a descrição do uso de ferramentas de trabalho pelos agricultores familiares, por sexo.

Tabela 2
Descrição do uso de ferramentas de trabalho pelos agricultores e familiares, por sexo, e total (n=150). Passo Fundo, RS, 2015

No que se refere ao uso de ferramentas de trabalho, apresentado na tabela 2, observa-se que 63,3% dos entrevistados usavam enxada pelo menos uma vez na semana, 56,0% utilizavam a pá com a mesma frequência, 45,3% utilizavam o carrinho de mão, 39,3% pulverizadores costais, 64,0% ferramentas de corte e 28,0 % empregavam instrumentos mecanizados, como o trator. No entanto, identificou-se que os Equipamentos de Proteção Individual (EPI) eram usados por apenas 12,7% dos entrevistados, o que deixa o trabalhador ainda mais exposto a acidentes de trabalho.

A tabela 2 permite identificar, ainda, a distribuição do uso de ferramentas de trabalho por sexo, em que é perceptível que os trabalhadores do sexo feminino faziam maior uso de enxada; 86,5% dos entrevistados que fazem uso dessa ferramenta (p<0,000), enquanto que os do sexo masculino usam mais os pulverizadores costais, com 52,6% (p=0,001) e o trator, com 51,3% (p<0,000). Outro dado significativo diz respeito ao uso de EPI, onde ambos os sexos não são adeptos, porém, apesar de uma proporção menor, os trabalhadores do sexo masculino demonstram que usam mais (18,4%) do que do sexo feminino (6,8%; p=0,048).

A figura 1 apresenta os resultados obtidos com a aplicação do QNSO sobre a presença de dor e as regiões corporais mais acometidas.

Figura 1
Prevalência de dor musculoesquelética referida pelos agricultores e regiões corporais mais acometidas (n=150). Passo Fundo, RS, Brasil 201577 Fernandes CA, Mannrich G, Merino GS, Teixeira CS, Gontijo LA, Merino EA. Queixas musculoesqueléticas e a atividade de agricultura familiar. EFDeportes.com. (Buenos Aires). 2014;19(193).

Quanto à prevalência de dor musculoesquelética, 121 entrevistados (80,7%) indicaram que sentiram dores nos últimos 7 dias, cuja intensidade variou de leve a moderada, com menção de 64,7% dos entrevistados, distribuídos da seguinte forma: 17,3% com grau 3, 16,0% com grau 4, 18,7% com grau 5 e 12,7% com grau 6. Quanto ao impedimento de trabalhar nos últimos 12 meses, em decorrência de dor musculoesquelética, 114 entrevistados (76,0%) indicaram tal situação. Em relação à prevalência de dor, a região mais acometida foi a parte inferior das costas (lombar), em 71,3% dos entrevistados, seguida pela região dos ombros (37,3%), punhos e mãos (28,7%), joelhos (26,7%), pescoço (24,7%), quadril e coxas (14,0%), cotovelos (14,0%), tornozelos e pés (8,7%) e parte superior das costas (3,3%). A tabela 3 apresenta a prevalência de dor por sexo.

Tabela 3
Relação entre sexo e referência de dor musculoesquelética (n=150). Passo Fundo, RS, Brasil, 2015

Conforme se pode observar na tabela 3, os trabalhadores do sexo feminino apresentam maior referência de dor que os do sexo masculino na região dos ombros (48,6%; p=0,007), cotovelos (20,3%; p=0,035) e punhos/mãos (36,5%; p=0,047), enquanto que os trabalhadores do sexo masculino apresentam maior prevalência de dor na parte inferior das costas (86,8%; p<0,001). Vale destacar que os trabalhadores do sexo feminino também apresentam alto valor para dor na parte inferior das costas, com 55,4% das entrevistadas.

Os resultados indicam que a dor lombar está mais associada ao uso de algumas ferramentas, como o carrinho de mão (79,3%, p=0,029), a plantadeira manual (73,8%; p=0,017) e o trator (90,5%, p=0,001), já a dor nos ombros relaciona-se ao uso de enxada (23,6%; p=0,009); a dor no quadril tem relação com o uso de pá (22,7%; p=0,009); dores nos punhos relacionou-se ao uso de pulverizadores (20,9%, p=0,010) e o uso de plantadeira manual apresentou relação à dor na região dos cotovelos (12,1%; p=0,017). Um dos fatores que pode interferir na prevalência da dor é a presença de doença reumática, todavia, não foi relatada a sua presença nas informações prestadas pelos entrevistados.

Apesar de não corresponder diretamente aos objetivos deste estudo, os dados referentes ao uso de EPI demonstraram evidências importantes. Como já observado na tabela 2, é baixa a sua utilização, sendo que, dos 150 entrevistados, apenas 19 mencionaram a sua utilização, o que corresponde a 12,7% da população estudada. Desses, 14 (18,4%) são do sexo masculino e 5 (6,8%) do sexo feminino (p=0,048). Pela expressividade dessa informação, foi estabelecida uma relação entre o uso de EPI e o uso de pulverizador como apresentado na tabela 4.

Tabela 4
Relação entre pulverizador e o equipamento de proteção individual (n=150). Passo Fundo, RS, Brasil

Conforme a tabela 4, percebe-se que a maior frequência de uso de EPI ocorre para os trabalhadores rurais que utilizam pulverizador, com a frequência de menos que uma vez na semana (n=84; p=0,042).

DISCUSSÃO

A agricultura familiar é caracterizada essencialmente pela gestão da própria unidade produtiva, a força de trabalho fornecida por membros da família e a propriedade dos meios de produção. Os resultados ora apresentados refletem alta prevalência de dor musculoesquelética entre os agricultores familiares entrevistados, tendo destaque para a parte inferior das costas e ombros, indicando relação com os instrumentos utilizados. Identificou-se que os trabalhadores do sexo masculino apresentaram maior prevalência de dor na região inferior das costas, ao mesmo tempo em que as ferramentas mais utilizadas foram os pulverizadores costais e o trator, enquanto que os trabalhadores do sexo feminino apresentaram maior prevalência de dor nos ombros e utilizaram mais a enxada como ferramenta.

Esses resultados estão em consonância com os de uma revisão de literatura em nível global que, utilizando descritores para lesões musculoesqueléticas e agricultura, identificaram alta prevalência de lesões musculoesqueléticas entre os agricultores. Os autores identificaram, ainda, que a região da coluna vertebral é a região mais acometida por dor musculoesquelética, seguida pelos MMSS e, em seguida, pelas extremidades inferiores. Além disso, confirmam que os agricultores têm taxas de prevalência mais elevadas de doenças musculoesqueléticas do que os controles não agricultores, sugerindo que agricultores correm um risco particular de desenvolver distúrbios musculoesqueléticas em comparação com outras ocupações88 Osborne A, Blake C, Fullen BM, Meredith D, Phelan J, McNamara J, et al. Prevalence of musculoskeletal disorders among farmers: a systematic review. Am J Ind Med. 2012;55(2):143-58..

Em um estudo realizado com agricultores no estado de Kansas/EUA, obteve-se resultados semelhantes, com prevalência de dor lombar (37,5%), seguida por dor nos ombros (25,9%), dor nos joelhos (23,6%) e dor no pescoço (22,4%)99 Rosecrance J, Rodgers G, Merlino L. Low back pain and musculoskeletal symptoms among Kansas farmers. Am J Ind Med. 2006;49(7):547-56.. Da mesma forma, outro estudo identifica que a dor lombar apresenta maior prevalência de dor musculoesquelética em agricultores (33,2%), seguida por pescoço/ombros (30,8%) e cotovelo, mãos e pulsos (21,6%), cujas associações estatísticas significativas fazem relação entre realização de reparação e manutenção de equipamentos e cuidado de animais a lombalgia; ordenha de animais a dor no pescoço e ombro; e manuseio de material a dor no cotovelo/pulsos/mãos1010 Fethke NB, Merlino LA, Gerr F, Schall MC, Branch CA. Musculoskeletal pain among Midwest farmers and associations with agricultural activities. Am J Ind Med. 2015;58(3):319-30.. Já autores de uma pesquisa com trabalhadores que cultivam mandioca apontam que tarefas de plantio e extração do cultivo estão relacionadas a queixas de dor e desconforto corporal focadas na região dorsal (84%), região lombar (84%), região dos antebraços (84%) e região dos cotovelos (68%), identificando que a curvatura do ângulo do tronco ultrapassa as angulações de flexão do tronco recomendadas pela literatura1111 Freitas CS. Análise ergonômica da atividade com pulverizador costal manual na cultura do café no município de Caratinga-MG. Rev Funcional. 2009;1(1):1-58..

Corroborando com os resultados sobre relação entre local da dor e a tarefa ou ferramenta utilizada, três estudos podem ser destacados. O primeiro analisou queixas de dor musculoesquelética em agricultores que utilizam pulverizadores costais manuais em plantações de café e identificou que 81,81% dos entrevistados apresentam queixas de dor nos ombros e 54,54% dor na região inferior das costas, resultados que corroboram com os encontrados no presente estudo1111 Freitas CS. Análise ergonômica da atividade com pulverizador costal manual na cultura do café no município de Caratinga-MG. Rev Funcional. 2009;1(1):1-58.. Enquanto que os outros estudos analisam ergonomicamente os agricultores no manuseio da enxada e identificam que as posturas de flexão de braços e pescoço são exacerbadas, e podem ser fatigantes, além de exigirem esforço físico e emprego de força para manter a ferramenta posicionados acima dos ombros1212 Costa CK, Lucena NM, Tomaz AF, Másculo FS. Avaliação ergonômica do trabalhador rural: enfoque nos riscos laborais associados à carga física. Rev GEPROS. 2011;6(2):101-12.,1313 Martins AJ, Ferreira NS. A ergonomia no trabalho rural. Rev Eletrôn Atualiza Saúde. 2015;2(2): 125-34.. Assim, essas considerações corroboram com os resultados referentes a dor nos ombros e uso de enxada, uma vez que as posturas adotadas na execução da tarefa ultrapassam os limites físicos corporais. A má utilização da enxada faz com que o agricultor adote posturas com inclinação de tronco, o que acarreta deterioração dos discos intervertebrais da região lombar, e pode justificar o quadro álgico que o trabalhador refere ao desenvolver a tarefa de capinar1212 Costa CK, Lucena NM, Tomaz AF, Másculo FS. Avaliação ergonômica do trabalhador rural: enfoque nos riscos laborais associados à carga física. Rev GEPROS. 2011;6(2):101-12.. Esse fato pode justificar, no presente estudo, a alta prevalência de dor lombar nos sujeitos pesquisados.

A relação entre distúrbios musculoesqueléticos e dores localizadas (pescoço, ombros, costas, joelhos, entre outros) com os processos de trabalho no uso de ferramentas (levantamento de peso, movimentos bruscos, flexão exacerbada de tronco e membros, posturas inadequadas, entre outros) são identificados em alguns estudos88 Osborne A, Blake C, Fullen BM, Meredith D, Phelan J, McNamara J, et al. Prevalence of musculoskeletal disorders among farmers: a systematic review. Am J Ind Med. 2012;55(2):143-58.,1111 Freitas CS. Análise ergonômica da atividade com pulverizador costal manual na cultura do café no município de Caratinga-MG. Rev Funcional. 2009;1(1):1-58.,1414 Rocha LP, Cezar-Vaz MR, Almeida MC, Piexak DR, Bonow CA. Associação entre a carga de trabalho agrícola e as dores relacionadas. Acta Paul Enferm. 2014;27(4):333-9.,1515 Fernandes HA, Minette LJ, Juvêncio JF, Silva EP, Souza AP, Diniz CS. Fatores de risco para distúrbios osteomusculares nos ombros de trabalhadores envolvidos na colheita de café. Engenharia na Agricultura, Viçosa. 2008;16(3):318-28.. Um estudo realizado com agricultores irlandeses, concluiu que 56,0% deles experimentaram algum tipo de desconforto musculoesquelético no ano anterior1616 Osborne A, Blake C, McNamara J, Meredith D, Phelan J, Cunningham C. Musculoskeletal disorders among Irish farmers. Occup Med. 2010;60(8):598-603.. Em contrapartida, o presente estudo evidencia prevalência ainda mais alta, com 80,7% dos entrevistados vivenciando dores pelo menos nos últimos sete dias, enquanto 76,0% sentiram-se impedidos de trabalhar no último ano.

A literatura científica é pouco diversificada quando se trata de trabalhadores rurais, sendo que a maioria dos estudos aborda riscos potenciais para a saúde, como o uso de agrotóxico e acidentes de trabalho. O presente estudo também obteve informações relevantes sobre utilização de produtos químicos e falta de proteção individual, dados que corroboram outros dois estudos1717 Soares WL, Freitas EA, Coutinho JA. Trabalho rural e saúde: intoxicações por agrotóxicos no município de Teresópolis - RJ. Rev Econ Sociol Rural. 2005;43(4):685-701.,1818 Monquero PA, Inácio EM, Silva AC. Levantamento de agrotóxicos e utilização de Equipamento de Proteção Individual entre agricultores da região de Araras. Arq Inst Biol. 2009;76(1):135-9.. O primeiro estudo identifica que 42% da população estudada não utiliza o EPI, justificado pelo desconforto e dificuldade de locomoção com a sua utilização1818 Monquero PA, Inácio EM, Silva AC. Levantamento de agrotóxicos e utilização de Equipamento de Proteção Individual entre agricultores da região de Araras. Arq Inst Biol. 2009;76(1):135-9.. Já o segundo conclui que apenas 63% dos entrevistados utilizam o EPI padrão (boné ou chapéu, máscara, macacão, luvas e botas), 14,8% utilizam apenas luva e máscara e 22% não utiliza nenhum EPI1919 Pinheiro JQ, Borges LO. Estratégias de coleta de dados com trabalhadores de baixa escolaridade. Rev Est Psicol. (Natal). 2002;7(spe):53-63..

CONCLUSÃO

Os resultados do estudo evidenciam alta prevalência de dor e distúrbios musculoesqueléticos nos agricultores. Os segmentos corporais mais acometidos pela dor foram a parte inferior das costas e ombros, seguidos de punhos e mãos, joelhos e pescoço.

  • Fontes de fomento: Taxa Capes/ppgeh/UPF

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    16 Maio 2016
  • Aceito
    27 Jun 2017
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