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Dor e cuidados paliativos: o conhecimento dos estudantes de medicina e as lacunas da graduação

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Atualmente, o curso de medicina não contempla de forma completa o ensino e o manuseio da dor, assim como é desprovido de disciplinas que tratem da tanatologia abordando os cuidados paliativos. O objetivo deste estudo foi avaliar o conhecimento sobre dor e cuidados paliativos por parte dos estudantes de medicina e a sua percepção sobre o ensino dessas temáticas durante a graduação.

MÉTODOS:

Foram convidados a participar do estudo os alunos do curso de medicina que estavam finalizando o quarto, quinto e sexto anos de graduação na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Os dados demográficos e de caracterização da amostra foram coletados e foi aplicado um questionário validado com 19 perguntas diretas sobre dor e cuidados paliativos.

RESULTADOS:

Quarenta e sete alunos aceitaram participar da pesquisa. A grande maioria referiu não receber informações suficientes durante o curso de graduação em relação ao correto manuseio de pacientes com dor, e sobre o cuidado de pacientes em situação terminal.

CONCLUSÃO:

Este estudo apontou lacunas no ensino sobre dor e cuidados paliativos na graduação médica. São demonstradas as dificuldades dos alunos em transpor o conhecimento teórico para a prática profissional, a exemplo da insegurança no manuseio da dor, especialmente em se tratando do uso de opioides.

Descritores:
Analgesia; Cuidados paliativos; Estudantes; Estudantes de medicina; Instituições acadêmicas

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Currently, the medical course does not provide complete education and handling of pain, and it is also devoid of disciplines addressing thanatology in palliative care. The objective of this study was to evaluate the knowledge about pain and palliative care of medical students and their perception on how these themes are taught the graduation course.

METHODS:

We invited to participate in the survey students of the medical school who are concluding the fourth, fifth and sixth year of graduation at the Federal University of Health Science of Porto Alegre. The demographic and characterization data of the sample were collected, and a questionnaire was applied and validated with 19 direct questions about pain and palliative care.

RESULTS:

Forty-seven students agreed to participate in the study. The vast majority mentioned not receiving enough information during the undergraduate program about the proper handling of patients with pain, and patient care in a terminal situation.

CONCLUSION:

This study highlights education gaps on pain and palliative care in medical schools. It shows the difficulties of the students have to put the theoretical knowledge into practice, for example, their insecurity in handling pain, especially when it comes to the use of opioids.

Keywords:
Academic institutions; Analgesia; Medical students; Palliative care; Students

INTRODUÇÃO

A prestação de cuidados pelos profissionais de saúde aos pacientes com dor permite, além dos aspectos humanitários envolvidos, o uso racional do próprio sistema de saúde e de fármacos. Também, proporciona redução das incapacidades e do absenteísmo decorrentes da dor. Por conseguinte, são reduzidos os gastos com recursos públicos de saúde e as repercussões psicossociais e econômicas decorrentes da dor11 Ministério da Saúde (Brasil). Portaria nº 19/GM de 03 de janeiro de 2002. [Portaria na internet, acesso em 6 abril de 2017] disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2002/prt0019_03_01_2002.html.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
. Além disso, a presença de dor associa-se a maior tempo de hospitalização22 Rufino GP, Gurgel MG, Pontes T, Freire E. Avaliação de fatores determinantes do tempo de internação em clínica médica. Rev Soc Bras Clin Med. 2012;10(4):291-7. e a sua avaliação está relacionada à redução do uso de analgésicos e da duração da ventilação mecânica33 Ferreira N, Miranda C, Leite A, Revés L, Serra I, Fernandes AP, et al. Dor e analgesia em doente crítico. Rev Clin Hosp Prof Dr Fernando Fonseca. 2014;2(2):17-20.. Todavia, ainda se verifica nas instituições de saúde profissionais que não possuem capacidade suficiente para reconhecer, avaliar e tomar medidas eficazes para o controle do sintoma álgico44 Araujo LC, Romero B. Dor: avaliação do 5º sinal vital. Uma reflexão teórica. Rev Dor. 2015;16(4):291-6..

O correto controle da dor e seu tratamento enfrentam barreiras relacionadas: 1) ao déficit de conhecimento dos profissionais frente à dimensão do fenômeno dor; 2) a relutância ao uso de analgésicos opioides pelo desconhecimento55 Jamison RN, Sheehan KA, Scanlan E, Matthews M, Ross EL. Beliefs and attitudes about opioid prescribing and chronic pain management: survey of primary care providers. J Opioid Manag. 2014;10(6):375-82.

6 Tournebize J, Gibaja V, Muszczak A, Kahn JP. Are physicians safely prescribing opioids for chronic noncancer pain? A systematic review of current evidence. Pain Pract. 2016;16(3):370-83.
-77 Pearson AC, Eldrige JS, Moeschler SM, Hooten WM. Opioids for chronic pain: a knowledge assessment of nonpain specialty providers. J Pain Res. 2016;9:129-35.; 3) à crença da dependência farmacológica; 4) à dificuldade de acreditar na manifestação dos pacientes frente à experiência da dor e de intervenções para amenizá-la44 Araujo LC, Romero B. Dor: avaliação do 5º sinal vital. Uma reflexão teórica. Rev Dor. 2015;16(4):291-6..

Da mesma forma que ocorre com o conhecimento sobre dor, conhecer sobre cuidados paliativos é fundamental para decidir sobre a melhor conduta, pois é através disso que o médico será capaz de integrar aspectos psicológicos, sociais e espirituais no cuidado, ter boa comunicação com o paciente, família e equipe multiprofissional e promover a autonomia, ao fornecer informações sobre diagnóstico e prognóstico88 Hermes HR, Lamarca IC. Cuidados paliativos: uma abordagem a partir das categorias profissionais de saúde. Ciên Saúde Coletiva. 2013;18(9):2577-88..

Grande parte dos currículos médicos integra brevemente a questão da dor e nos estágios clínicos frequentemente esse é um assunto inexistente99 Tauben DJ, Loeser JD. Pain education at the University of Washington School of Medicine. J Pain. 2013;14(5):431-7.

10 Loeser JD, Schatman ME. Chronic pain management in medical education: a disastrous omission. Postgrad Med. 2017;129(3):332-5.
-1111 Webster F, Bremner S, Oosenbrug E, Durant S, McCartney CJ, Katz J. From opiophobia to overprescribing: a critical scoping review of medical education training for chronic pain. Pain Med. 2017;23. [Epub ahead of print].. De fato, em estudo realizado na Universidade de Michigan, apenas 10% dos médicos haviam recebido educação formal sobre dor e seu tratamento durante a faculdade de medicina, residência e/ou educação continuada1212 Green CR, Wheeler JR, Marchant B, LaPorte F, Guerrero E. Analysis of the physician variable in pain management. Pain Med. 2001;2(4):317-27.. Logo, a falta de conhecimento sobre dor faz com que os médicos tenham grandes dificuldades para o seu correto diagnóstico e tratamento, o que traz à tona a necessidade de melhorar a educação em dor durante o curso de graduação em medicina1313 Hoang HT, Sabia M, Torjman M, Goldberg ME. The importance of medical education in the changing field of pain medicine. Pain Manag. 2014;4(6):437-43.,1414 Bair MJ. Learning from our learners: implications for pain management education in medical schools. Pain Med. 2011;12(8):1139-41..

Do mesmo modo, muitos currículos médicos são desprovidos de disciplinas que tratem da tanatologia abordando os cuidados paliativos. O ensino dos profissionais da saúde, inclusive o médico, é mais voltado para a técnica, e o lado humano é por vezes negligenciado88 Hermes HR, Lamarca IC. Cuidados paliativos: uma abordagem a partir das categorias profissionais de saúde. Ciên Saúde Coletiva. 2013;18(9):2577-88.. Portanto, assim como acontece com a dor, os cuidados paliativos não são suficientemente ensinados durante a graduação1515 Eyigor S. Fifth-year medical students' knowledge of palliative care and their views on the subject. J Palliat Med. 2013;16(8):941-6.,1616 Weber M, Schmiedel S, Nauck F, Alt-Epping B. Knowledge and attitude of medical students in Germany towards palliative care: does the final year of medical school make a difference? Schmerz. 2016;30(3):279-85.. No Brasil, frequentemente, o conhecimento sobre cuidados paliativos é adquirido em outros campos da graduação, como uma característica intuitiva, devido à falta de treinamento específico1717 Zalaf LR, Bianchim MS, Alveno DA. Assessment of knowledge in palliative care of physical therapists students at a university hospital in Brazil. Braz J Phys Ther. 2017;21(2):114-9..

O objetivo deste estudo foi avaliar o conhecimento sobre dor e cuidados paliativos, e a percepção sobre o ensino dessas temáticas durante a graduação, por parte dos estudantes ao final do quarto, quinto e sexto anos do curso de medicina da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).

MÉTODOS

Foram convidados a participar de forma anônima e voluntária todos os alunos do curso de medicina da UFCSPA que, em dezembro de 2016, estavam finalizando o quarto, quinto ou sexto ano de graduação, num total de 264 alunos. Os pesquisadores entraram em contato com os graduandos da pesquisa via redes online. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi enviado e os questionários foram disponibilizados via Google Docs.

Todos os 264 alunos do quarto, quinto e sexto anos do curso de medicina da UFCSPA foram convidados a participar do estudo e a amostra final foi constituída por todos os alunos que responderam ao instrumento online, sendo, portanto, amostra não-probabilística.

Foram feitas perguntas para caracterização da amostra, compreendendo o ano da formação do aluno, sexo, estado civil, necessidade prévia de cuidados médicos a médio ou longo prazo, plano de saúde e especialidade médica a ser escolhida após a graduação. A satisfação do aluno com o curso de graduação e com o seu desempenho no curso foram avaliados utilizando a escala analógica visual (EAV) de zero a 10 (sendo zero nenhuma satisfação e 10 total satisfação). Para verificar o conhecimento sobre dor e cuidados paliativos, foi aplicado um questionário com 19 perguntas diretas sobre esses temas, previamente validado1818 Léon MX, Corredor M, Ríos F, Sanabria A, Montenegro M, Gónima E, et al. ¿Qué perciben los estudiantes de medicina sobre sus conocimientos en dolor? Análisis de la situación en Colombia. Med Paliat. 2007;14(1):33-9. e aplicado em estudo com alunos de medicina do Estado de São Paulo1919 Pinheiro TR. Avaliação do grau de conhecimento sobre cuidados paliativos e dor dos estudantes de medicina do quinto e sexto anos. O Mundo da Saúde. 2010;34(3):320-6..

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética para Pesquisa em seres humanos da UFCSPA, protocolo nº 2.162.651 de 07 de julho de 2017.

RESULTADOS

A partir das variáveis obtidas no questionário socioeconômico, foi possível identificar o perfil dos 47 alunos que aceitaram participar da pesquisa. Os graduandos do quinto ano são maioria (46,8%), seguidos do quarto ano (42,6%) e sexto ano (10,6%). Prevaleceu o sexo masculino (53,2%) e o estado civil solteiro (97,5%). Em relação à área de especialização, 18 áreas foram citadas, das quais se destacam a cirurgia, com 11 alunos interessados, neurologia com 5, dermatologia e pediatria ambas com 3. Em relação ao acesso à saúde por meio de planos, a maioria usufrui de acesso privado (78,7%) e apenas 14,9% relatou alguma vez já ter necessitado de cuidados médicos de médio ou longo prazo. A satisfação do aluno em relação ao curso de medicina, e com seu próprio desempenho na graduação, ambas receberam nota 8 com maior frequência (44,7 e 29,8% da amostra, respectivamente).

No que se refere ao conhecimento teórico é visto que: 97,9% dos alunos responderam que conhecem alguma escala para avaliação de dor; assim como 80,9% dos participantes relataram conhecer a “escada analgésica” da Organização Mundial da Saúde para o manuseio da dor; 97,9% afirmaram que sabem a diferença entre dor nociceptiva e dor neuropática; 74,5% conhecem o mecanismo de ação dos antidepressivos no manuseio da dor. Por outro lado, destaca-se o problema da prática clínica: 78,7% dos alunos referem insegurança no manuseio da analgesia de pacientes oncológicos; 76,6% não sabem com qual fármaco e a dose para iniciar um tratamento com opioide; 87,2% não conhecem as equivalências para realizar rotação de opioides; 76,6% não se sentem tranquilos prescrevendo opioides.

Para avaliar o conhecimento dos estudantes de medicina acerca de dor e cuidados paliativos foram aplicadas perguntas objetivas com caráter de resposta “sim” ou “não” (Tabela 1).

Tabela 1
Conhecimentos e percepções dos alunos de medicina sobre dor e cuidados paliativos - continuação

DISCUSSÃO

A dor consiste em problema de grande impacto na saúde pública, pois sua prevalência é alta, chegando a ser a queixa principal em 40% dos atendimentos na atenção primária2020 Mäntyselkä P, Kumpusalo E, Ahonen R, Kumpusalo A, Kauhanen J, Vinamäki H, et al. Pain as a reason to visit the doctor: a study in Finnish primary health care. Pain. 2001;89(2-3):175-80.. Da mesma forma, parte substancial dos cuidados em saúde primária envolvem pacientes com dor crônica2121 Upshur CC, Luckmann RS, Savageau JA. Primary care provider concerns about management of chronic pain in community clinic populations. J Gen Intern Med. 2006;21(6):652-5.. Em pacientes hospitalizados, a prevalência de dor também é alta, possivelmente porque o uso de analgésicos é feito de forma inadequada, o que atesta a falta de cuidados à saúde do paciente2222 Donovan M, Dillon P, Mcguire L. Incidence and characteristics of pain in a sample of medical-surgical in patients. Pain. 1987;30(1):69-78. e a tendência em subestimar e negligenciar a dor sentida pelos pacientes, por parte dos profissionais da saúde2323 Trentin L, Visentin M, De Marco R, Zandolin E. Prevalence of pain in public hospital: correlation between patients and caregivers. J Headache Pain. 2001;2(2):73-8.. Dessa forma, em função da dor, os pacientes internados relatam piora significativa da sua funcionalidade e maior sofrimento. Existem dados na literatura que indicam que as estratégias de manuseio da dor precisam ser revistas com a necessária crítica2424 Abbott FV, Gray-Donald K, Sewitch MJ, Johnston CC, Edgar L, Jeans ME. The prevalence of pain in hospitalized patients and resolution over six months. Pain. 1992;50(1):15-28.. Tendo em vista a falta de adequação do manuseio da dor dos pacientes, é preciso atentar para os déficits de conhecimento significativos sobre princípios atualmente aceitos na prática do tratamento da dor, bem como crenças que possam interferir no atendimento correto das necessidades do paciente2525 Lebovits AH, Florence I, Bathina R, Hunko V, Fox MT, Bramble CY. Pain knowledge and attitudes of healthcare providers: practice characteristic differences. Clin J Pain. 1997;13(3):237-43..

A partir dos resultados do presente estudo foi possível observar que a maioria dos alunos referiu não receber informações suficientes durante o curso de graduação em relação ao correto manuseio de pacientes com dor (76,6%), sendo que a totalidade (100%) dos alunos, apontaram a necessidade de melhorar os seus conhecimentos no tratamento de pessoas com dor. Em comparação com estudo realizado usando o mesmo questionário no Estado de São Paulo, as taxas de resposta para tais questões foram semelhantes (58 e 97% respectivamente)1919 Pinheiro TR. Avaliação do grau de conhecimento sobre cuidados paliativos e dor dos estudantes de medicina do quinto e sexto anos. O Mundo da Saúde. 2010;34(3):320-6.. Desse modo, é possível inferir a existência de uma lacuna no ensino de dor nas escolas de medicina a nível nacional, porém, mais estudos seriam necessários para confirmar tal hipótese.

Na mesma linha, há estudos internacionais que apontam deficiências semelhantes nas escolas médicas99 Tauben DJ, Loeser JD. Pain education at the University of Washington School of Medicine. J Pain. 2013;14(5):431-7.. Os resultados de um estudo com estudantes de medicina que se formaram em cinco escolas médicas finlandesas, em 2001, mostram que as definições de dor, pesquisas sobre dor, bem como, aspectos sobre pacientes pediátricos e geriátricos com dor foram insuficientemente ensinados. Apenas 34% dos estudantes tiveram acesso a estudos aprofundados sobre o assunto, e somente 15% tiveram acesso a projetos de pesquisa em medicina da dor. Além disso, a falta de ensino sobre o conceito de uma clínica de dor multidisciplinar foi reconhecida por quase todos os alunos2626 Pöyhiä R, Niemi-Murola L, Kalso E. The outcome of pain related undergraduate teaching in Finnish medical faculties. Pain. 2005;115(3):234-7.. Em outro estudo, que revisou a formação de 368 médicos licenciados em Michigan, foi demonstrado que 30% não relataram educação formal sobre o manuseio da dor1212 Green CR, Wheeler JR, Marchant B, LaPorte F, Guerrero E. Analysis of the physician variable in pain management. Pain Med. 2001;2(4):317-27..

Com relação especificamente aos cuidados paliativos, os resultados observados no presente estudo constataram que os alunos percebem a falta de conhecimento teórico sobre o assunto, uma vez que não receberam informação suficiente sobre o cuidado de pacientes em situação terminal (89,4%) e nem sobre o controle de sintomas mais comuns (dispneia, vômitos, obstipação, caquexia) em pacientes sob cuidados paliativos (80,9%). Tais resultados são semelhantes aos de estudo realizado na Escola de Medicina de Alpert, nos Estados Unidos, onde foi demonstrado que menos da metade dos estudantes havia trabalhado com pacientes em estado terminal e, quase um quarto dos estudantes de medicina não se sentia preparado para paliação de sintomas comuns incluindo dor, náuseas, falta de ar e ansiedade2727 DiBiasio E. Palliative and end-of-life care education among Alpert medical school students. R I Med J. 2013;99(4):20-5.. Dessa forma, o estudo de Hermes e Lamarca88 Hermes HR, Lamarca IC. Cuidados paliativos: uma abordagem a partir das categorias profissionais de saúde. Ciên Saúde Coletiva. 2013;18(9):2577-88. confirmou a necessidade de reformulação dos currículos das escolas médicas, em função da carência de disciplinas que envolvam os cuidados paliativos.

Com relação à dor, uma característica observada a partir deste estudo é que muitos alunos, apesar de afirmarem possuir conhecimento teórico sobre o assunto, relataram dificuldade em fazer o manuseio prático de pacientes que necessitam de analgesia. Nesse sentido, Leila et al.2828 Leila NM, Pirkko H, Eeva P, Eija K, Reino P. Training medical students to manage a chronic pain patient: both knowledge and communication skills are needed. Eur J Pain. 2006;10(2):167-70., referem que ao desenvolver um currículo de educação sobre dor, o enfoque deve ser dado aos métodos pedagógicos, sobre como ajudar os estudantes a aplicarem o conhecimento aprendido em sua prática diária.

Em estudo de Upshur, Luckmann e Savageau2121 Upshur CC, Luckmann RS, Savageau JA. Primary care provider concerns about management of chronic pain in community clinic populations. J Gen Intern Med. 2006;21(6):652-5. foi verificada a insatisfação com relação à formação médica sobre dor, e a necessidade de ênfase em abordagens centradas no paciente para o seu tratamento, incluindo competências para avaliar o risco de abuso e dependência a opioides. Em concordância, Lebovits et al.2525 Lebovits AH, Florence I, Bathina R, Hunko V, Fox MT, Bramble CY. Pain knowledge and attitudes of healthcare providers: practice characteristic differences. Clin J Pain. 1997;13(3):237-43. destacaram o medo injustificado da dependência, como um conceito mal-entendido que precisa ser revisado. No presente estudo observou-se que 51,1% dos alunos têm como maior receio ao prescrever opioides a depressão respiratória e, 34% têm como maior receio a dependência química. Logo, fica claro que persiste a necessidade de desmistificar o uso de opioides nas escolas de medicina.

Neste estudo participaram apenas alunos do curso de medicina da UFCSPA, sendo que não há no currículo de graduação em medicina desta universidade uma disciplina específica sobre dor. Apesar disso, 19,1% dos alunos responderam afirmativamente, quando questionado sobre a existência de uma disciplina específica sobre dor em sua faculdade. Para explicar tal resultado, pode-se pensar que esses alunos tenham considerado, em tal resposta, a existência da disciplina de Anestesiologia no quarto ano da graduação ou de disciplinas optativas sobre dor, que eventualmente são ofertadas pela Universidade.

CONCLUSÃO

É importante ressaltar a relevância da discussão acerca do ensino sobre dor e cuidados paliativos na graduação médica, uma vez que isso implica na qualidade da prestação dos cuidados em saúde e, que os resultados do presente estudo apontam lacunas no ensino dessas temáticas. Também foram destacadas as dificuldades dos alunos em transpor o conhecimento teórico para a prática profissional, a exemplo da insegurança em manusear a dor, especialmente em se tratando do uso de opioides.

  • Fontes de fomento: não há.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2017
  • Aceito
    23 Out 2017
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