Acessibilidade / Reportar erro

Dor durante a aspiração traqueal em vítimas de traumatismo cranioencefálico submetidos à ventilação mecânica

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Vítimas de traumatismo cranioencefálico, internadas em unidades de terapia intensiva, frequentemente experienciam dor. A aspiração traqueal é um procedimento com potencial nociceptivo realizado rotineiramente nesses pacientes. O objetivo deste estudo foi avaliar a dor durante a aspiração traqueal em vítimas de traumatismo cranioencefálico submetidos à ventilação mecânica.

MÉTODOS:

Estudo prospectivo realizado em duas unidades de terapia intensiva de um hospital geral público em Aracaju, Sergipe, Brasil. Foram realizadas 300 observações em 20 vítimas de traumatismo cranioencefálico durante três dias. A dor foi avaliada por meio da versão brasileira da Behavioral Pain Scale e os parâmetros fisiológicos de frequência cardíaca e pressão arterial (sistólica e diastólica). A profundidade da sedação foi mensurada pelos escores de Ramsay e da Richmond Agitation Sedation Scale. O teste de Friedman, ANOVA e pós-teste de Bonferroni foram utilizados para verificar a existência de diferença dos escores de dor e parâmetros fisiológicos nos diferentes momentos da avaliação. Foi admitida significância estatística de 5%.

RESULTADOS:

A amostra foi composta predominantemente por homens, jovens, do interior do estado, sem comorbidades e com traumatismo cranioencefálico grave. Fentanil e midazolam foram os fármacos mais utilizados para sedação e analgesia. Houve alta prevalência de dor (70,0-85,5%), os escores de dor foram significativamente mais altos durante a aspiração traqueal e os parâmetros fisiológicos não apresentaram elevação estatisticamente significativa.

CONCLUSÃO:

Escalas comportamentais válidas e confiáveis, como a Behavioral Pain Scale, devem ser incorporadas à rotina das unidades de terapia intensiva para nortear o manuseio da analgesia e sedação, sobretudo, para prevenção de sofrimento durante procedimentos dolorosos.

Descritores:
Dor nociceptiva; Mensuração da dor; Sedação; Sucção; Traumatismo cranioencefálico

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Victims of traumatic brain injury, in intensive care units, frequently experience pain. Tracheal aspiration is a procedure with nociceptive potential routinely carried out in these patients. The objective of this study was to evaluate the effectiveness of tracheal aspiration in patients with traumatic brain injury undergoing mechanical ventilation.

METHODS:

Prospective study conducted in two intensive care units of a general public hospital in Aracaju, Sergipe, Brazil. During three days, 300 observations were carried out in 20 victims of traumatic brain injury. The pain was assessed using the Brazilian version of the Behavioral Pain Scale and the physiological parameters of heart rate and blood pressure (systolic and diastolic). The sedation depth was measured by Ramsay scores and the Richmond Agitation Sedation Scale. The Friedman test, ANOVA, and the Bonferroni post hoc test were used to verify the existence any differences in pain scores and physiological parameters at the different moments of the evaluation. A 5% statistical significance was accepted.

RESULTS:

The sample was predominantly comprised of men, young, from the interior of the State, with no comorbidities and with severe traumatic brain injury. Fentanyl and midazolam were the most used drugs for sedation and analgesia. There was a high prevalence of pain (70.0-85.5%). The pain scores were significantly higher during the tracheal aspiration, and the physiological parameters did not present any statistically significant increase.

CONCLUSION:

Valid and trustworthy behavioral scales, as the Behavioral Pain Scale, should be incorporated into the routine of the intensive care units to guide analgesia and sedation management, especially to prevent suffering during these painful procedures.

Keywords:
Nociceptive pain; Pain assessment; Sedation; Suction; Traumatic brain injury

INTRODUÇÃO

O traumatismo cranioencefálico (TCE) é um sério problema de saúde pública brasileiro, cujo tratamento requer suporte intensivo11 Viégas ML, Pereira EL, Targino AA, Furtado VG, Rodrigues DB. Traumatismo cranioencefálico em um hospital de referência no estado do Pará, Brasil: prevalência das vítimas quanto a gênero, faixa etária, mecanismos de trauma e óbito. Arq Bras Neurocir. 2013;32(1):15-8.. Dessa forma, em grande parte dos casos, vítimas de TCE moderado à grave são internadas em ambientes críticos para estabilização do quadro clínico.

As unidades de terapia intensiva (UTI) são caracterizadas pela realização rotineira de procedimentos nociceptivos com finalidades diagnósticas, terapêuticas, ou para manutenção das funções fisiológicas básicas22 Chanques G, Nelson J, Puntillo KA. Five patient symptoms that you should evaluate every day. Intensive Care Med. 2015;41(7):1347-50., como a aspiração traqueal, cujo potencial doloroso foi observado em estudo multicêntrico realizado com pacientes após a alta da UTI33 Puntillo KA, Morris AB, Thompson CL, Stanik-Hutt J, White CA, Wild LR. Pain behaviors observed during six common procedures: Results from Thunder Project II. Crit Care Med. 2004;32(2):421-7..

A dor é uma experiência frequente nas UTI, porém subtratada, negligenciada e subvalorizada44 Alderson SM, Mckechnie SR. Unrecognised, undertreated, pain in ICU: causes, effects, and how to do better. Open J Nurs. 2013;3(1):108-13.. Apesar da maioria dos pacientes estarem inaptos a autorrelatar sua dor, não significa que ela inexista55 IASP. Pain Terms, A Current List with Definitions and Notes on Usage. In: Merskey H, Bogduk N, (org. ). Classification of Chronic Pain. 2nd ed. Seattle: IASP Press; 2012. 209-14p.. Por outro lado, o seu manuseio adequado permanece um aspecto pouco explorado pela equipe intensivista multiprofissional, visto que o conhecimento sobre instrumentos válidos e confiáveis para avaliação da dor desses pacientes é incipiente no Brasil.

A Behavioral Pain Scale (BPS) é o único instrumento observacional traduzido e adaptado à cultura brasileira66 Azevedo-Santos IF, Alves IG, Badauê-Passos D, Santana-Filho VJ, DeSantana JM. Psychometric analysis of Behavioral Pain Scale Brazilian Version in sedated and mechanically ventilated adult patients: a preliminary study. Pain Pract. 2015;16(4):451-8.,77 Azevedo-Santos IF, Alves IGN, Cerqueira-Neto ML, Badauê-Passos D, Santana-Filho VJ, DeSantana JM. [Validation of the Brazilian version of Behavioral Pain Scale in adult sedated and mechanically ventilated patients]. Rev Bras Anestesiol. 2017;67(3):271-7. Portuguese.. Trata-se de um instrumento útil para a tomada de decisão no manuseio da dor em UTI. Sua aplicação é rápida, possui linguagem simples e utiliza descritores comportamentais que são frequentemente observados pelos profissionais em sua prática diária88 Payen JF, Bru O, Bosson JL, Lagrasta A, Novel E, Deschaux I, et al. Assessing pain in critically ill sedated patients by using a behavioral pain scale. Crit Care Med. 2001;29(12):2258-63..

Pesquisas relacionadas ao manuseio da dor durante procedimentos dolorosos em UTI ainda são escassos em nosso país. Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi avaliar a dor durante a aspiração traqueal (AT) em vítimas de TCE submetidos à ventilação mecânica.

MÉTODOS

Estudo observacional, descritivo e prospectivo, realizado no período de setembro de 2015 a junho de 2016 nas UTIs clínica e cirúrgica de um hospital geral, público, de alta complexidade, localizado em Aracaju, SE, Brasil.

A amostra foi do tipo não probabilística por conveniência, composta por vítimas de TCE moderado ou grave, hemodinamicamente estáveis, sedados, submetidos à ventilação mecânica por pelo menos 48h. Condições como histórico de tetraplegia, uso de bloqueadores neuromusculares, doença neurológica de base, estado de choque e/ou suspeita de morte encefálica foram considerados critérios de exclusão por interferir na manifestação de indicadores comportamentais relacionados à dor.

As variáveis sociodemográficas e clínicas presentes no formulário de coleta de dados foram: idade, sexo, estado civil, escolaridade, procedência, comorbidades, mecanismo e gravidade do TCE, intensidade da sedação, fármacos analgésicos e sedativos prescritos.

Os escores Acute Physiology and Chronic Health Disease Classification System II (APACHE II)99 Knaus WA, Draper EA, Wagner DP, Zimmerman JE. Apache II: a severity of disease classification system. Crit Care Med. 1986;13(10):818-29. foram calculados com base nos dados das primeiras 24 a 48h de internação na UTI. Os escores de Richmond Agitation Sedation Scale (RASS)1010 Sessler CN, Gosnell MS, Grap MJ, Brophy GM, O'Neal PV, Keane KA, et al. The Richmond Agitation-Sedation Scale: validity and reliability in adult intensive care unit patients. Am J Respir Crit Care Med. 2002;166(10):1338-44. e Ramsay1111 Ramsay MA, Savege TM, Simpson BR, Goodwin R. Controlled sedation with alphaxalone-alphadolone. BMJ. 1974;2(5920):656-9. foram utilizados para avaliar a profundidade da sedação.

A avaliação da dor foi realizada por meio da versão brasileira da Behavioral Pain Scale (BPS-Br)66 Azevedo-Santos IF, Alves IG, Badauê-Passos D, Santana-Filho VJ, DeSantana JM. Psychometric analysis of Behavioral Pain Scale Brazilian Version in sedated and mechanically ventilated adult patients: a preliminary study. Pain Pract. 2015;16(4):451-8. e observação de dois parâmetros fisiológicos cujas variações são frequentemente atribuídas à presença de dor na prática clínica, frequência cardíaca (FC) e pressão arterial sistólica e diastólicas (PAS e PAD).

A BPS-Br66 Azevedo-Santos IF, Alves IG, Badauê-Passos D, Santana-Filho VJ, DeSantana JM. Psychometric analysis of Behavioral Pain Scale Brazilian Version in sedated and mechanically ventilated adult patients: a preliminary study. Pain Pract. 2015;16(4):451-8. é um instrumento observacional de avaliação da dor para pacientes que estão impossibilitados de autorrelato e possui três subescalas: expressão facial, movimento de membros superiores e conforto com a ventilação mecânica (Tabela 1). Cada subescala possui quatro descritores comportamentais cujos escores variam de um a quatro e o escore total corresponde ao somatório dos resultados parciais, variando de três (ausência de dor) a 12 (dor inadmissível)88 Payen JF, Bru O, Bosson JL, Lagrasta A, Novel E, Deschaux I, et al. Assessing pain in critically ill sedated patients by using a behavioral pain scale. Crit Care Med. 2001;29(12):2258-63.. Uma pontuação >3 demonstra a presença de dor e ≥5 indica dor significativa1212 Robleda G, Roche-Campo F, Membrilla-Martínez L, Fernández-Lucio A, Villamor-Vázquez M, Merten A, et al. [Evaluation of pain during mobilization and endotracheal aspiration in critical patients]. Med Intensiva. 2016;40(2):96-104. Spanish..

Tabela 1
Versão brasileira da Behavioral Pain Scale66 Azevedo-Santos IF, Alves IG, Badauê-Passos D, Santana-Filho VJ, DeSantana JM. Psychometric analysis of Behavioral Pain Scale Brazilian Version in sedated and mechanically ventilated adult patients: a preliminary study. Pain Pract. 2015;16(4):451-8.

Inicialmente foi realizado estudo piloto para calibração da equipe e instrumento de coleta, cujos dados foram excluídos da análise final. Dados sociodemográficos e clínicos foram obtidos por meio de análise dos prontuários. Os parâmetros fisiológicos de FC, PAS e PAD foram extraídos do monitor multiparâmetro. A avaliação da dor foi realizada em cinco momentos distintos. A limpeza do olho (LO) foi considerada procedimento não doloroso para comparação com a AT, reconhecidamente nociceptiva. Os pacientes foram avaliados em três dias distintos conforme procedimento de coleta representado na figura 1, resultando em 300 observações (20 pacientes versus 5 momentos versus 3 avaliações).

Figura 1
Linha do tempo do procedimento de coleta de dados

AT = aspiração traqueal; FC = frequência cardíaca = LO: limpeza do olho; PAD = pressão arterial diastólica; PAS = pressão arterial sistólica; RASS = Richmond Agitation Sedation Scale.


Este estudo seguiu as recomendações da Declaração de Helsinque e da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe sob Parecer 903.798 (CAAE: 38567714.1.0000.5546). Devido à impossibilidade de os participantes tomarem decisões, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi assinado por um de seus responsáveis legais.

Análise estatística

Os dados foram analisados descritivamente e a normalidade da distribuição foi avaliada pelo teste de Shapiro-Wilk. As variáveis numéricas foram expressas em média ± erro padrão da média (EPM) e as variáveis categóricas em frequências absolutas e relativas. O teste não paramétrico de Friedman e ANOVA foram utilizados para comparar os escores de dor e a flutuação dos parâmetros fisiológicos, respectivamente, ao longo dos cinco momentos de avaliação. Quando identificada diferença, foi realizado o pós-teste de Bonferroni. Foi admitida significância estatística de 5% e todos os testes executados foram bicaudais.

RESULTADOS

Foram incluídos 37 pacientes para a primeira avaliação do estudo. Ao longo do seguimento, 17 foram excluídos por terem sido extubados de forma programada, recebido alta para a enfermaria ou evoluído para o óbito, de modo que a amostra final foi composta por 20 pacientes (Figura 2).

Figura 2
Fluxograma da alocação e seguimento dos participantes

Os participantes eram predominantemente do sexo masculino, 19 (95,0%), adultos jovens (40,5±3,0 anos), cor de pele não branca, 14 (70,0%), baixa escolaridade (4,1±0,8 anos), provenientes do interior do estado, 14 (70,0%), sem comorbidades, com escore APACHE II médio de 15,4±0,9. Prevaleceu o TCE grave, 18 (90,0%), cujo principal mecanismo do trauma foram as colisões, 13 (65,5%), especialmente as que envolviam motocicletas, 11/13 (84,6%).

Durante todas as avaliações, os participantes estavam intensamente sedados; a infusão de solução sedativa e analgésica, composta predominantemente por fentanil e midazolam, estava ativa em mais da metade dos casos. Apesar da alta frequência de prescrição de analgésicos simples como paracetamol e dipirona, esses fármacos eram utilizados de maneira irregular (se necessário) (Tabela 2).

Tabela 2
Dor, analgesia e sedação

A prevalência de dor durante a AT variou de 70,0 a 85,0%. A dor significativa (BPS≥5) foi mais frequente na segunda avaliação, 11/16 (68,7%) (Tabela 2). Os escores de dor apresentaram-se significativamente mais altos durante a AT em todas as avaliações. Entretanto, os parâmetros fisiológicos revelaram-se inconsistentes, visto que a FC e a PAD não demonstraram elevação estatisticamente significativa em todas as avaliações. Adicionalmente, o aumento da PAS não foi significativo em nenhuma das avaliações (Figura 3).

Figura 3
Avaliação da dor por meio da Behavioral Pain Scale e parâmetros fisiológicos

* T4 x T1, T2, T3 e T5: Teste de Friedman (p<0,001) e pós-teste de Bonferroni (p<0,05); T4 x T1, T2, T3 e T5: ANOVA (p<0,05) e pós-teste de Bonferroni (p<0,05).


DISCUSSÃO

O alívio da dor é um direito fundamental do ser humano e passo fundamental para a humanização da assistência1313 Lohman D, Schleifer R, Amon JJ. Access to pain treatment as a human right. BMC Med. 2010;8:8.. Apesar de ser considerada o quinto sinal vital, a dor não é avaliada de maneira sistemática em diversas instituições1414 Ribeiro MC, Pereira CU, Sallum AM, Martins-Filho PR, Nunes MS, Carvalho MB. Postoperative pain in patients submitted to elective craniotomy. Rev Dor. 2012;13(3):229-34.. Esse fato é ainda mais preocupante no cenário da terapia intensiva, tendo em vista que protocolos institucionais de analgesia e sedação são escassos e existe uma crença equivocada de que pacientes sedados não sentem dor1515 Sigakis MJ, Bittner EA. Ten myths and misconceptions regarding pain management in the ICU. Crit Care Med. 2015;43(11):2468-78..

A dor é uma experiência inerente ao trauma, especialmente em vítimas de TCE1616 Ribeiro MC, Pereira CU, Sallum AM, Santos AC, Nunes MS, Alves JA. Characteristics of pain in trauma victims at an emergency service. Rev Enferm UFPE. 2012;6(4):720-7.. Os resultados deste estudo evidenciam que vítimas de TCE grave, adultos jovens, profundamente sedados e submetidos à ventilação mecânica experienciam dor durante a AT, corroborando estudo realizado com 755 pacientes de terapia intensiva1717 Arroyo-Novoa CM, Figueroa-Ramos MI, Puntillo KA, Stanik-Hutt J, Thompson CL, White C, et al. Pain related to tracheal suctioning in awake acutely and critically ill adults: a descriptive study. Intensive Crit Care Nurs. 2008;24(1):20-7.. Esse resultado demonstra que a analgesia desses pacientes deve ser otimizada. Além disso, é importante que os profissionais atentem para a correta execução da técnica de AT, pois estudo recente destaca que seguir as recomendações da American Association for Respiratory Care (AARC 2010), pode reduzir a dor durante o procedimento1818 Lucchini A, Canesi M, Robustelli G, Fumagalli R, Bambi S. An association between pain and American Association of Respiratory Care 2010 guidelines during tracheal suctioning. Dimens Crit Care Nurs. 2016;35(5):283-90..

Quanto à analgesia, as diretrizes mais recentes sobre agitação, sedação e delírio em UTI têm priorizado a abordagem da analgesia e da sedação, com o alívio da dor e o conforto em detrimento de sedações mais profundas, reduzindo a necessidade do uso de hipnóticos1919 Barr J, Fraser GL, Puntillo K, Ely EW, Gélinas C, Dasta JF, et al. Clinical practice guidelines for the management of pain, agitation, and delirium in adult patients in the Intensive Care Unit. Crit Care Med. 2013;41(1):278-80.,2020 Vincent JL, Shehabi Y, Walsh TS, Pandharipande PP, Ball JA, Spronk P, et al. Comfort and patient-centred care without excessive sedation: the eCASH concept. Intensive Care Med. 2016;42(6):962-71.. Todavia, a sedação profunda e a prescrição irregular de analgésicos prevaleceram nos presentes resultados, evidenciando que a oligoanalgesia e o regime de sedoanalgesia ainda são predominantes na instituição onde o estudo foi realizado.

O uso exacerbado de benzodiazepínicos impacta negativamente nos desfechos do paciente, uma vez que pode estar associado à depressão respiratória, instabilidade hemodinâmica, alteração da função intestinal, microaspirações, maior risco de lesão por pressão, imunossupressão, fraqueza muscular, aumento dos custos, persistência de déficits cognitivos, maior permanência na UTI, delirium e maior dependência do ventilador mecânico1515 Sigakis MJ, Bittner EA. Ten myths and misconceptions regarding pain management in the ICU. Crit Care Med. 2015;43(11):2468-78.,2121 Wiatrowski R, Norton C, Giffen D. Analgosedation: improving patient outcomes in ICU sedation and pain management. Pain Manag Nurs. 2016;17(3):204-17..

Apesar de elevadas, as prevalências de dor durante a AT encontradas neste estudo podem ter sido subestimadas, visto que a sedação profunda pode reduzir a manifestação de comportamentos relacionados à dor1515 Sigakis MJ, Bittner EA. Ten myths and misconceptions regarding pain management in the ICU. Crit Care Med. 2015;43(11):2468-78.. Ademais, pacientes com lesão cerebral traumática podem apresentar comportamentos pouco convencionais quando da vigência do quadro doloroso, o que pode ter subestimado ainda mais os resultados deste estudo2222 Arbour C, Gélinas C. Behavioral and physiologic indicators of pain in nonverbal patients with a traumatic brain injury: an integrative review. Pain Manag Nurs. 2014;15(2):506-18..

A avaliação da dor é indispensável para o adequado manuseio da dor e para evitar a sedação profunda. Dessa forma, instrumentos válidos, confiáveis, fáceis de utilizar e com descrições claras e objetivas são essenciais nesse processo2323 Kawagoe CK, Matuoka JY, Salvetti MG. Pain assessment tools in critical patients with oral communication difficulties: a scope review. Rev Dor. 2017;18(2):161-5., inclusive para o registro sistemático, que não ocorre na instituição do estudo. Embora as propriedades psicométricas da escala utilizada nesse estudo tenham sido testadas em diferentes países2424 Gélinas C. Pain assessment in the critically ill adult: recent evidence and new trends. Intensive Crit Care Nurs. 2016;34:1-11., incluindo o Brasil66 Azevedo-Santos IF, Alves IG, Badauê-Passos D, Santana-Filho VJ, DeSantana JM. Psychometric analysis of Behavioral Pain Scale Brazilian Version in sedated and mechanically ventilated adult patients: a preliminary study. Pain Pract. 2015;16(4):451-8.,77 Azevedo-Santos IF, Alves IGN, Cerqueira-Neto ML, Badauê-Passos D, Santana-Filho VJ, DeSantana JM. [Validation of the Brazilian version of Behavioral Pain Scale in adult sedated and mechanically ventilated patients]. Rev Bras Anestesiol. 2017;67(3):271-7. Portuguese., a BPS não é um instrumento amplamente utilizado nas UTI brasileiras.

Nesse sentido, os parâmetros fisiológicos, tais como os investigados (FC, PAS e PAD), ainda são utilizados para avaliação do fenômeno doloroso. Os presentes resultados corroboram outros estudos2525 Puntillo K, Gélinas C, Chanques G. Next steps in ICU pain research. Intensive Care Med. 2017;43(9):1386-8.,2626 Kapoustina O, Echegaray-Benites C, Gélinas C. Fluctuations in vital signs and behavioural responses of brain surgery patients in the intensive care unit: are they valid indicators of pain? J Adv Nurs. 2014;70(11):2562-76. que apontam que esses parâmetros não podem ser utilizados isoladamente, tendo em vista que não são específicos da dor e sofrem influência de outros fatores. Nenhum dos parâmetros investigados apresentou aumento consistente durante as três avaliações, isto é, não apresentaram validade discriminante. A persistência da utilização, de maneira isolada, desses parâmetros na prática clínica pode estar relacionada ao déficit de conhecimento sobre dor em pacientes sedados ou impossibilitados de autorrelato.

Estudos1515 Sigakis MJ, Bittner EA. Ten myths and misconceptions regarding pain management in the ICU. Crit Care Med. 2015;43(11):2468-78.,2727 Ribeiro MC, Pereira CU, Sallum AM, Alves JA, Albuquerque MF, Fujishima PA. [Knowledge of doctors and nurses on pain in patients undergoing craniotomy]. Rev Lat Am Enfermagem. 2012;20(6):1057-63. English, Portuguese, Spanish.,2828 Ribeiro MC, Costa IN, Ribeiro CJ, Nunes MS, Santos B, DeSantana JM. Knowledge of health professionals about pain and analgesia. Rev Dor. 2015;16(3):204-9. têm demonstrado o precário conhecimento em dor dos estudantes e profissionais de saúde. Esse fato é preocupante, dado que a formação em dor deve ser transversal e continuada. Por conseguinte, os profissionais devem estar aptos a utilizar os intrumentos válidos e confiáveis para mensuração e avaliação da dor, específicos para cada situação, bem como ter consciência de que o adequado manuseio da dor pode prevenir complicações clínicas, agitação, delirium, síndrome do estresse pós-traumático1515 Sigakis MJ, Bittner EA. Ten myths and misconceptions regarding pain management in the ICU. Crit Care Med. 2015;43(11):2468-78. e, até mesmo, dor crônica pós-alta da UTI2929 Choi J, Hoffman LA, Schulz R, Tate JA, Donahoe MP, Ren D, et al. Self-reported physical symptoms in Intensive Care Unit (ICU) survivors: pilot exploration over four months post-ICU discharge. J Pain Symptom Manag. 2014;47(2):257-70..

CONCLUSÃO

Foi evidenciada alta prevalência de dor entre adultos jovens, mecanicamente ventilados, com TCE grave durante a AT, demonstrada pela elevação significativa dos escores da BPS-Br. A sedação profunda com uso de benzodiazepínicos em detrimento da analgosedação foi predominante nesse estudo. Apesar de terem apresentado elevação durante a AT, os parâmetros fisiológicos não se constituíram indicadores válidos para detecção da dor. Portanto, não devem ser utilizados de maneira isolada.

  • Fontes de fomento: não há.

REFERENCES

  • 1
    Viégas ML, Pereira EL, Targino AA, Furtado VG, Rodrigues DB. Traumatismo cranioencefálico em um hospital de referência no estado do Pará, Brasil: prevalência das vítimas quanto a gênero, faixa etária, mecanismos de trauma e óbito. Arq Bras Neurocir. 2013;32(1):15-8.
  • 2
    Chanques G, Nelson J, Puntillo KA. Five patient symptoms that you should evaluate every day. Intensive Care Med. 2015;41(7):1347-50.
  • 3
    Puntillo KA, Morris AB, Thompson CL, Stanik-Hutt J, White CA, Wild LR. Pain behaviors observed during six common procedures: Results from Thunder Project II. Crit Care Med. 2004;32(2):421-7.
  • 4
    Alderson SM, Mckechnie SR. Unrecognised, undertreated, pain in ICU: causes, effects, and how to do better. Open J Nurs. 2013;3(1):108-13.
  • 5
    IASP. Pain Terms, A Current List with Definitions and Notes on Usage. In: Merskey H, Bogduk N, (org. ). Classification of Chronic Pain. 2nd ed. Seattle: IASP Press; 2012. 209-14p.
  • 6
    Azevedo-Santos IF, Alves IG, Badauê-Passos D, Santana-Filho VJ, DeSantana JM. Psychometric analysis of Behavioral Pain Scale Brazilian Version in sedated and mechanically ventilated adult patients: a preliminary study. Pain Pract. 2015;16(4):451-8.
  • 7
    Azevedo-Santos IF, Alves IGN, Cerqueira-Neto ML, Badauê-Passos D, Santana-Filho VJ, DeSantana JM. [Validation of the Brazilian version of Behavioral Pain Scale in adult sedated and mechanically ventilated patients]. Rev Bras Anestesiol. 2017;67(3):271-7. Portuguese.
  • 8
    Payen JF, Bru O, Bosson JL, Lagrasta A, Novel E, Deschaux I, et al. Assessing pain in critically ill sedated patients by using a behavioral pain scale. Crit Care Med. 2001;29(12):2258-63.
  • 9
    Knaus WA, Draper EA, Wagner DP, Zimmerman JE. Apache II: a severity of disease classification system. Crit Care Med. 1986;13(10):818-29.
  • 10
    Sessler CN, Gosnell MS, Grap MJ, Brophy GM, O'Neal PV, Keane KA, et al. The Richmond Agitation-Sedation Scale: validity and reliability in adult intensive care unit patients. Am J Respir Crit Care Med. 2002;166(10):1338-44.
  • 11
    Ramsay MA, Savege TM, Simpson BR, Goodwin R. Controlled sedation with alphaxalone-alphadolone. BMJ. 1974;2(5920):656-9.
  • 12
    Robleda G, Roche-Campo F, Membrilla-Martínez L, Fernández-Lucio A, Villamor-Vázquez M, Merten A, et al. [Evaluation of pain during mobilization and endotracheal aspiration in critical patients]. Med Intensiva. 2016;40(2):96-104. Spanish.
  • 13
    Lohman D, Schleifer R, Amon JJ. Access to pain treatment as a human right. BMC Med. 2010;8:8.
  • 14
    Ribeiro MC, Pereira CU, Sallum AM, Martins-Filho PR, Nunes MS, Carvalho MB. Postoperative pain in patients submitted to elective craniotomy. Rev Dor. 2012;13(3):229-34.
  • 15
    Sigakis MJ, Bittner EA. Ten myths and misconceptions regarding pain management in the ICU. Crit Care Med. 2015;43(11):2468-78.
  • 16
    Ribeiro MC, Pereira CU, Sallum AM, Santos AC, Nunes MS, Alves JA. Characteristics of pain in trauma victims at an emergency service. Rev Enferm UFPE. 2012;6(4):720-7.
  • 17
    Arroyo-Novoa CM, Figueroa-Ramos MI, Puntillo KA, Stanik-Hutt J, Thompson CL, White C, et al. Pain related to tracheal suctioning in awake acutely and critically ill adults: a descriptive study. Intensive Crit Care Nurs. 2008;24(1):20-7.
  • 18
    Lucchini A, Canesi M, Robustelli G, Fumagalli R, Bambi S. An association between pain and American Association of Respiratory Care 2010 guidelines during tracheal suctioning. Dimens Crit Care Nurs. 2016;35(5):283-90.
  • 19
    Barr J, Fraser GL, Puntillo K, Ely EW, Gélinas C, Dasta JF, et al. Clinical practice guidelines for the management of pain, agitation, and delirium in adult patients in the Intensive Care Unit. Crit Care Med. 2013;41(1):278-80.
  • 20
    Vincent JL, Shehabi Y, Walsh TS, Pandharipande PP, Ball JA, Spronk P, et al. Comfort and patient-centred care without excessive sedation: the eCASH concept. Intensive Care Med. 2016;42(6):962-71.
  • 21
    Wiatrowski R, Norton C, Giffen D. Analgosedation: improving patient outcomes in ICU sedation and pain management. Pain Manag Nurs. 2016;17(3):204-17.
  • 22
    Arbour C, Gélinas C. Behavioral and physiologic indicators of pain in nonverbal patients with a traumatic brain injury: an integrative review. Pain Manag Nurs. 2014;15(2):506-18.
  • 23
    Kawagoe CK, Matuoka JY, Salvetti MG. Pain assessment tools in critical patients with oral communication difficulties: a scope review. Rev Dor. 2017;18(2):161-5.
  • 24
    Gélinas C. Pain assessment in the critically ill adult: recent evidence and new trends. Intensive Crit Care Nurs. 2016;34:1-11.
  • 25
    Puntillo K, Gélinas C, Chanques G. Next steps in ICU pain research. Intensive Care Med. 2017;43(9):1386-8.
  • 26
    Kapoustina O, Echegaray-Benites C, Gélinas C. Fluctuations in vital signs and behavioural responses of brain surgery patients in the intensive care unit: are they valid indicators of pain? J Adv Nurs. 2014;70(11):2562-76.
  • 27
    Ribeiro MC, Pereira CU, Sallum AM, Alves JA, Albuquerque MF, Fujishima PA. [Knowledge of doctors and nurses on pain in patients undergoing craniotomy]. Rev Lat Am Enfermagem. 2012;20(6):1057-63. English, Portuguese, Spanish.
  • 28
    Ribeiro MC, Costa IN, Ribeiro CJ, Nunes MS, Santos B, DeSantana JM. Knowledge of health professionals about pain and analgesia. Rev Dor. 2015;16(3):204-9.
  • 29
    Choi J, Hoffman LA, Schulz R, Tate JA, Donahoe MP, Ren D, et al. Self-reported physical symptoms in Intensive Care Unit (ICU) survivors: pilot exploration over four months post-ICU discharge. J Pain Symptom Manag. 2014;47(2):257-70.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2017
  • Aceito
    27 Out 2017
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 cj 2, 04014-012 São Paulo SP Brasil, Tel.: (55 11) 5904 3959, Fax: (55 11) 5904 2881 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br