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Introdução à supercondutividade, suas aplicações e a mini-revolução provocada pela redescoberta do MGB2: uma abordagem didática

Introduction to the superconductivity, its applications and the mini-revolution provoked by the rediscovered of the MgB2: a didactic approach

Resumos

Neste artigo a descoberta da supercondutividade a 39K no MgB2 é discutida de forma didática e conceitual. Para salientar sua importância, a história dos supercondutores é descrita brevemente, desde sua descoberta em 1911 no Hg até os dias de hoje. São apontadas as principais características inerentes ao estado supercondutor e indicadas algumas das suas inúmeras aplicações, que estão representadas em ilustrações. O texto apresenta, então, as mudanças que a descoberta do MgB2 traz ao campo de pesquisa e às aplicações. Da maneira como está apresentado, o texto deve ser de interesse não só da comunidade científica em geral, não especializada em supercondutividade, mas em especial dos professores de física do ensino médio, que poderão se valer do texto em atividades envolvendo tópicos de física contemporânea.


In this article the discovery of the superconductivity at39K in MgB2 is discussed in a didactic and conceptual way. To point out its importance the history of the superconductors is discribed shortly, from its discovery in 1911 in Hg up to nowadays. The main inherent characteristics to the superconductor state are pointed out and some of its applications are indicated and represented in illustrations. The text present then the changes that the MgB2 discovery brings to research and applications. In the way it is written, it is believed the text is of interest not only to the general scientific community, not specialized in superconductivity, but especially to high school physics teachers, that could take advantage of the text in activities involving topics of contemporary physics.


Introdução à Supercondutividade, Suas Aplicações e a Mini-Revolução Provocada Pela Redescoberta do MgB2: Uma Abordagem Didática

Introduction to the superconductivity, its applications and the mini-revolution provoked by the rediscovered of the MgB2: a didactic approach

Paulo S. Branício

Departamento de Física, Universidade Federal de São Carlos

13565-905, São Carlos, São Paulo

Recebido em 11 de Junho de 2001. Aceito em 29 de Outubro de 2001.

Neste artigo a descoberta da supercondutividade a 39K no MgB

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é discutida de forma didática e conceitual. Para salientar sua importância, a história dos supercondutores é descrita brevemente, desde sua descoberta em 1911 no Hg até os dias de hoje. São apontadas as principais características inerentes ao estado supercondutor e indicadas algumas das suas inúmeras aplicações, que estão representadas em ilustrações. O texto apresenta, então, as mudanças que a descoberta do MgB

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traz ao campo de pesquisa e às aplicações. Da maneira como está apresentado, o texto deve ser de interesse não só da comunidade científica em geral, não especializada em supercondutividade, mas em especial dos professores de física do ensino médio, que poderão se valer do texto em atividades envolvendo tópicos de física contemporânea.

In this article the discovery of the superconductivity at39K in MgB

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is discussed in a didactic and conceptual way. To point out its importance the history of the superconductors is discribed shortly, from its discovery in 1911 in Hg up to nowadays. The main inherent characteristics to the superconductor state are pointed out and some of its applications are indicated and represented in illustrations. The text present then the changes that the MgB

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discovery brings to research and applications. In the way it is written, it is believed the text is of interest not only to the general scientific community, not specialized in superconductivity, but especially to high school physics teachers, that could take advantage of the text in activities involving topics of contemporary physics.

I Introdução à supercondutividade

Supercondutores são materiais que perdem a resistência à corrente elétrica quando estão abaixo de uma certa temperatura. A compreensão dos complexos mecanismos que levam alguns materiais a se comportarem como supercondutores vem intrigando os cientistas há quase um século. Tudo começou com o trabalho de Heike Kamerlingh-Onnes[1], que em 1911 descobriu que o Hg podia transportar corrente elétrica sem nenhuma resistência aparente, como mostrado na Fig. 1. Além disso, esta corrente podia persistir por um tempo indefinido. Onnes conseguiu esse feito trabalhando em seu laboratório de baixas temperaturas em Leiden na Holanda, onde alguns anos antes tinha conseguido liquefazer o hélio pela primeira vez. Ele deu o nome de supercondutividade ao estranho fenômeno. A partir de então, o termo supercondutores vem sendo usado para denotar todos os materiais que, abaixo de uma certa temperatura crítica, Tc, perdem a resistência à passagem de corrente elétrica, além de apresentar outras propriedades. Dois anos após a descoberta, em 1913, Onnes é agraciado com o prêmio Nobel de Física. Em seu discurso, ele observa ainda que o estado supercondutor podia ser destruído aplicando-se um campo magnético suficientemente grande.


A partir da descoberta inicial, a supercondutividade foi sendo procurada em vários materiais e, em especial, nos metais, que são naturalmente bons condutores de eletricidade. Em1929, o Tc recorde estava com o Nióbio em 9.25 K; em 1941 com a liga de Nióbio-Nitrogênio em 16 K; já em 1953 com a liga de Vanádio-Silício em 17.5 K; e daí por diante. Até 1986, o Tc recorde estava com a liga de Nióbio e Germânio em 23.2 K, quando então os supercondutores de alta temperatura foram descobertos. A supercondutividade a baixas temperaturas descrita em 1957 pela teoria BCS, desenvolvida pelos cientistas americanos John Bardeen, Leon Cooper e John Schrieér. Em 1972, eles foram agraciados com o prêmio Nobel de Física em reconhecimento à importância desta teoria. No entanto, mesmo sendo precisa na explicação da supercondutividade a baixas temperaturas em metais e ligas simples, a teoria BCS revelou-se ineficiente na descrição completa da supercondutividade a altas temperaturas, como nas cerâmicas supercondutoras descobertas na década de 80. A primeira delas, La2_xBaxCuO4 foi descoberta por Alex Müller e Georg Bednorz em 1986. Essa descoberta foi de tal importância que mudou notadamente os rumos da supercondutividade. O fato mais marcante foi que a supercondutividade foi descoberta em um material até então considerado isolante, ou seja, que normalmente é um péssimo condutor de eletricidade. Até então, os cientistas não tinham considerado seriamente a possibilidade de um material como este ser um supercondutor, muito menos de ter um Tc maior que o dos metais. No ano seguinte, Müller e Bednorz ganham o prêmio Nobel de Física pela descoberta. De 1987 até hoje, os cientistas passaram a procurar intensamente novas cerâmicas supercondutoras e dezenas delas foram descobertas elevando o valor recorde de Tc a incríveis 138 K para o composto Hg0.8Tl0.2Ba2Ca2Cu3O8.33, a pressão ambiente. Em contrapartida, a procura de novos compostos metálicos supercondutores foi deixada de lado devido ao entusiasmo gerado com as possibilidades abertas com a descoberta dos supercondutores de alto Tc. Em janeiro de 2001, a comunidade científica é sacudida novamente com a descoberta da supercondutividade no composto metálico MgB2, a 39.2 K. Nada menos que 16 K maior que qualquer composto metálico até então conhecido. Para melhor apreciar a importância desta descoberta e como ela está revolucionando o estudo da supercondutividade, vamos entender com mais detalhes algumas características dos supercondutores e algumas de suas aplicações.

A. Supercondutores Tipo 1 e Tipo 2

Os supercondutores são divididos em dois tipos, de acordo com suas propriedades específicas. Os supercondutores do Tipo 1 são formados principalmente pelos metais e por algumas ligas e, em geral, são condutores de eletricidade à temperatura ambiente. Eles possuem um Tc extremamente baixo, que, segundo a teoria BCS, seria necessário para diminuir as vibrações dos átomos do cristal e permitir o fluxo sem dificuldades dos elétrons pelo material, produzindo assim a supercondutividade. Os supercondutores desse tipo foram os primeiros a serem descobertos e os cientistas verificaram que a transição para o estado supercondutor a baixa temperatura tinha características peculiares: ela acontecia abruptamente, veja Fig. 2(a), e era acompanhada pelo efeito Meissner. Esse efeito, que talvez seja a característica mais famosa dos supercondutores, é a causa da levitação magnética de um ímã, por exemplo, quando é colocado sobre um pedaço de supercondutor. A explicação para o fenômeno está na repulsão total dos campos magnéticos externos pelos supercondutores do Tipo 1, o que faz com que o campo magnético interno seja nulo, desde que o campo externo aplicado não seja muito intenso. A maioria dos materiais, como vidro, madeira e água, também repele campos magnéticos externos, o que faz com que o campo no interior deles seja diferente do campo externo aplicado. Esse efeito é chamado de diamagnetismo e tem sua origem no movimento orbital dos elétrons ao redor dos átomos, que cria pequenos "loopings" de correntes. Elas, por sua vez, criam campos magnéticos, segundo as leis da eletricidade e magnetismo e, com a aplicação de campo magnético externo tendem a se alinhar de tal forma que se oponham ao campo aplicado. No caso dos condutores, além do alinhamento do movimento orbital dos elétrons, correntes de blindagem são induzidas no material e cancelam parte do campo magnético no seu interior. Se considerarmos um condutor ideal, ou seja, que não apresenta resistência à corrente elétrica, o cancelamento do campo é total, caracterizando o chamado "diamagnetismo perfeito". Nos supercondutores do Tipo 1, o cancelamento do campo magnético interno também é total, porém esse comportamento é distinto do diamagnetismo perfeito. Como podemos ver na Fig. 3, os supercondutores do Tipo 1, no estado supercondutor, possuem campo magnético nulo no seu interior, mesmo no caso de o campo magnético externo ser diferente de zero antes da transição supercondutora, diferente do comportamento de um condutor ideal.



Praticamente todos os metais são supercondutores do Tipo 1, a temperaturas suficientemente baixas. Entre eles, temos (Tc em Kelvinentre parênteses): Pb (7.2), Hg (4.15), Al (1.175), Ti (0.4), U (0.2), W(0.0154), Rh (0.000325). Curiosamente os melhores condutores disponíveis, que são o ouro (Au), a prata (Ag) e o Cobre (Cu) não são supercondutores.

Já os supercondutores do Tipo 2 são formados por ligas metálicas e outros compostos. As exceções são os metais puros, Vanádio (V), Tecnécio (Tc) e Nióbio (Nb). Em geral, as temperaturas críticas associadas a eles são muito mais altas que as dos supercondutores do Tipo 1, como é o caso das cerâmicas baseadas em óxidos de cobre. No entanto, o mecanismo atômico que leva à supercondutividade neste tipo de supercondutor, até hoje não está completamente desvendado. O primeiro material supercondutor do Tipo 2 descoberto foi uma liga de chumbo e bismuto fabricada em 1930 por W. de Haase J. Voogd. Eles perceberam que a liga apresentava características distintas dos supercondutores convencionais, Tipo 1. A transição para o estado supercondutor era gradual, com a presença de um estado intermediário, como está mostrado na Fig 2(b). Além disso, o efeito Meissner não era perfeito: o material permitia a penetração de algum campo magnético, de modo contrário aos supercondutores do Tipo 1. No estado intermediário, o supercondutor do Tipo 2 apresenta regiões no estado normal, cercada por regiões supercondutoras, como é mostrado na Fig. 4(a). Essas regiões mistas, chamadas de vórtices, permitem a penetração de campo magnético no material, através dos núcleos normais. Conforme a temperatura aumenta, dentro do estado intermediário, os núcleos vão superando as regiões supercondutoras, como é mostrado na Fig. 4(b). Isso acontece até a perda completa do estado supercondutor, quando os núcleos normais se sobrepõem.


Todos os supercondutores de alta temperatura pertencem ao Tipo 2, incluindo-se o recordista atual, que pertence à classe das cerâmicas baseadas em óxidos de cobre (cupretos). A seguir, enumeramos alguns destes compostos com seu respectivo Tc em Kelvin, entre parênteses: Hg0.8Tl0.2Ba2Ca2Cu3O8.33 (138), Bi2Sr2Ca2Cu3O10 (115), Ca1-xSrxCuO2 (110), TmBa2Cu3O7 (101), YBa2Cu3O7+ (93), La1.85Ba.15CuO4 (35), CsC60(40), MgB2 (39.2), Nb3Ge (23.2) e os metais Nb (9.25), Tc(7.8) e V (5.4).

B. Teoria BCS

A teoria que viria a explicar satisfatoriamente a supercondutividade abaixas temperaturas, presente nos supercondutores do Tipo 1, apareceu somente em 1957, graças ao trabalho de John Bardeen, Leon Cooper e Robert Schrieffer. Um ponto chave na teoria criada por eles é a formação de pares de elétrons, conhecidos como pares de Cooper, através de interações com oscilações da rede cristalina. Esta teoria é conhecida hoje como teoria BCS, nome formado com as iniciais dos sobrenomes dos autores, que podem ser vistos na Fig. 5. Os elétrons, assim como todas as partículas com spin fracionário, são chamados de férmions e obedecem ao princípio de exclusão de Pauli, o qual proíbe que duas partículas ocupem o mesmo nível de energia. No entanto, os pares de Cooper se comportam de maneira muito diferente do de elétrons isolados. Eles atuam como bósons, partículas de spin inteiro, podendo se condensar em um mesmo nível de energia. Os pares de Cooper podem ser comparados a duas bolas de boliche nas bordas de um colchão de água, como mostrado na Fig 6. Conforme alguém empurra uma das bolas, o colchão se deforma e a deformação atrai a segunda bola.



Em suma, na teoria BCS, a atração entre pares de elétrons mediada por oscilações da rede cristalina é a responsável pela supercondutividade. Os pares de Cooper formam um condensado que flui sem resistência pelo material e atua expelindo campos magnéticos externos fracos, ocasionando o efeito Meissner. Uma discussão mais detalhada da teoria BCS e dos supercondutores do Tipo 1 pode ser encontrada no artigo de Ostermann et al.[5]

C. Supercondutores a altas temperaturas

Mesmo tendo muito sucesso na explicação da supercondutividade a baixas temperaturas, a teoria BCS não explica satisfatoriamente o fenômeno a altas temperaturas. O primeiro material dessa classe foi descoberto 15 anos atrás e deixou a comunidade científica perplexa, pois a supercondutividade havia sido descoberta em cerâmicas, um material que geralmente é isolante, e o mais impressionante, em torno de 30 K. Os descobridores, George Bednorz e Alex Müller [6], podem ser vistos na Fig. 7. A descoberta se tornou ainda mais surpreendente quando, em novembro de 1986, Paul Chu da Universidade de Houston e Mang-Kang Wu da Universidade do Alabama, descobriram que o YBa2Cu3O7, simbolizado por YBCO e mostrado na Fig. 8, com sua estrutura de camadas, superconduzia a 93 K, ou seja, a temperaturas superiores à temperatura do nitrogênio líquido (77K). Ficou claro naquele ano que uma revolução na Física havia começado. No ano seguinte, em uma sessão especial da reunião de março da Sociedade Americana de Física em Nova Iorque, ocorreu a celebração do começo da nova era da supercondutividade. Este evento, que ficou conhecido como o "Woodstock" da Física, reuniu mais de 3000 pessoas na sala de apresentação principal, com outras 3000 pessoas assistindo em circuito de televisão fechado, do lado de fora. Nos anos seguintes, várias outras cerâmicas supercondutoras foram descobertas, todas baseadas em óxidos de cobre, incluindo aquelas com tálio e mercúrio que hoje apresentam as maiores temperaturas críticas.



II Aplicações de supercondutores

Os supercondutores são materiais muito interessantes para uso em várias aplicações devido às suas propriedades peculiares. A maioria das suas aplicações se vale da resistividade nula, que em alguns aparelhos elétricos é sinônimo de eficiência máxima, como é o caso dos geradores de eletricidade e dos cabos de transmissão, que não têm perda de energia elétrica por calor. Outras aplicações se valem dos altos campos magnéticos que podem ser obtidos e_cientemente com magnetos supercondutores. Os aparelhos de ressonância magnética, por exemplo, assim como os trens flutuantes (Maglev) e alguns aparelhos utilizados no estudo de materias utilizam estes campos. As outras aplicações mais comuns se valem do efeito Meissner.

A. Produção e transmissão de eletricidade

Uma aplicação ideal para os supercondutores seria a transmissão de energia elétrica das estações geradoras para as cidades. Entretanto, isso está longe de ser economicamente viável devido ao alto custo e à dificuldade técnica de se refrigerar vários quilômetros de cabos supercondutores a temperaturas criogênicas, embora cabos de até 45 metros possam ser encontrados em utilização. Cabos de 120 metros, capazes de transportar 100 milhões de watts estão sendo construídos pela empresa americana Pirelli Wire e devem entrar em operação brevemente em uma subestação em Frisbie, Detroit. Na Fig. 9, podemos ver um cabo BSCCO (Bi2Sr2CaCu2O9) resfriado com nitrogênio líquido. Já a construção e utilização de geradores de eletricidade em usinas geradoras têm grande potencial. Como a e_ciência desses geradores é maior que 99% e seu tamanho é a metade daquele dos geradores convencionais feitos de cobre, eles são muito atrativos e várias empresas têm planos para construí-los. A empresa americana General Eletric é uma delas e está atualmente desenvolvendo um protótipo capaz de gerar 100 MVA (megawatt-ampere).


Além de produzir e transmitir eletricidade, os supercondutores podem também ser usados para armazená-la. Existem dois tipos principais de baterias que podem ser construídas. O primeiro tipo é o das SMES (super-conducting magnetic energy storage), veja Fig. 10(a), que podem ser descritas como bobinas gigantes, matendo uma alta corrente, que podem ser usadas quando desejado. O segundo tipo é chamado comumente de "flywheel" e consiste em um ímã permanente em formato cilíndrico, com grande massa, girando com alta velocidade sobre um supercondutor, veja Fig. 10(b). Esta bateria utiliza-se do efeito Meissner, que faz os supercondutores repelirem fortemente qualquer imã permanente.


As baterias supercondutoras são especialmente interessantes na estabilização de redes elétricas, em especial as SMES. Em março de 2000, por exemplo, foi encomendada a fabricação de um conjunto delas SMES para a estabilização da rede do estado de Winconsin - EUA. Um conjunto destas SMES é capaz de reservar mais de 3 milhões de watts para ser usado durante pequenos blecautes.

B. Trem magneticamente levitado (MAGLEV)

Como altas correntes elétricas podem ser mantidas nos supercondutores, altos campos magnéticos podem ser gerados, de acordo com as leis da eletricidade e magnetismo. Uma das aplicações é a levitação magnética que pode ser utilizada em veículos de transporte, como trens, eliminando a fricção com os trilhos. Trens desse tipo podem ser feitos com magnetos convencionais, pois utilizam basicamente atração e repulsão magnéticas na levitação. Entretanto, os magnetos convencionais desperdiçam energia elétrica na forma de calor e precisam ser bem maiores que os magnetos supercondutores para fornecerem os campos magnéticos necessários à levitação. Na década de 90, trens comerciais começaram a ser desenvolvidos principalmente no Japão, onde o desenvolvimento da tecnologia MA-GLEV ganhou apoio maciço do governo. Recentemente o último protótipo desenvolvido, MLX01 (veja Fig. 11), chegou a 552 Km/h em uma composição tripulada, de 5 vagões. Outros trens estão sendo desenvolvidos e devem entrar em operação nos próximos anos na Alemanha e nos Estados Unidos.


C. Ressonância magnética nuclear

Outra aplicação para os altos campos magnéticos obtidos dos supercondutores é a fabricação e utilização de aparelhos de ressonância magnética nuclear (RMN). O princípio de funcionamento desses aparelhos é baseado na ressonância que os átomos de hidrogênio entram na aplicação de campo magnético forte. Os átomos de H presentes nas moléculas de água e de gordura absorvem a energia magnética e a emitem numa freqüencia, que é, detectada e analisada graficamente em um computador. A Fig. 12 mostra uma imagem por RMN. O diagnóstico através de imagens deste tipo tornou-se atualmente um procedimento médico indispensável devido, principalmente, ao desenvolvimento da capacidade de processamento dos computadores, necessária na análise da grande quantidade de dados que é gerada durante os exames.


III Supercondutividade no MgB2

Desde a descoberta da supercondutividade a altas temperaturas em cerâmicas 15, anos atrás, os pesquisadores praticamente ignoraram compostos metálicos simples porque, em geral, superconduzem a temperaturas muito baixas. Assim, foi um choque quando nos primeiros meses de 2001, a comunidade científica tomou conhecimento da descoberta de Akimitsu e seus colaboradores[10]. Um composto intermetálico com Tc = 39K acima de qualquer outra liga metálica, tinha sido descoberto. Segundo Cav[11], o que torna a descoberta ainda mais fantástica é que ela foi feita praticamente ao acaso, por um grupo de cientistas que não estavam interessados em supercondutividade. Akimitsu e seu grupo estavam procurando um material semicondutor similar ao CaB6. Eles tentaram substituir o Ca por Mg, que está logo acima na tabela periódica. Como liga inicial, eles sintetizam o MgB2, um composto simples com o processo de fabricação conhecido desde 1954[12, 13] e vendido por fornecedores de materiais inorgânicos por aproximadamente 3 dólares o grama[14]. Tamanho deve ter sido o susto quando eles descobriram o valor da temperatura crítica do composto.

Segundo o artigo original de Akimitsu et al., as amostras de MgB2 foram preparadas na maneira usual, misturando-se Magnésio em pó (99.9% Mg) e Boro amorfo, também em pó, (99% B) na razão apropriada (Mg:B = 1:2). As amostras foram, então, prensadas e aquecidas a 973 K sob alta pressão de argônio (196 MPa), por 10 horas. Exames da amostra resultante por difração de raio X revelaram a formação da estrutura hexagonal do MgB2, como mostra a Fig. 13. O estado supercondutor foi, então, demonstrado, medindo a resistividade e a magnetização da amostra na presença de campo magnético. Na Fig. 14 podemos ver a susceptibilidade no MgB2. Devido ao efeito Meissner, a amostra se magnetiza na direção oposta ao campo magnético, e portanto a susceptibilidade, que é a razão da magnetização pelo campo magnético, é negativa. Quando o efeito Meissner não é perfeito, os valores da susceptibilidade ficam entre -1 e 0, como é o caso. Na Fig. 15 podemos ver a perda da resistividade a 39 K.




A. Fabricação de MgB2 em pó e dependência isotópica de Tc

Logo após a divulgação da descoberta de Akimitsu et al., vários grupos ao redor do mundo começaram seus estudos para reproduzir e confirmar a descoberta dos japoneses. Entre eles, um grupo de cientistas do laboratório Ames, incluindo Paul Canfield, Doug Finnemore e Sergey Bud'ko[15, 16, 17], conseguiu sistematizar a produção de MgB2 em pó com alta pureza em um processo de duas horas. O processo consistia em misturar Mg (99.9% puro) e B (99.5%) na razão estequiométrica correta em um tubo de Ta, que era então selado em uma ampola de quartzo e colocado em um forno a 950-C. Após duas horas, a ampola era retirada e o material resfriado à temperatura ambiente. Como o ponto de fusão do Mg é de 922 K e o do B é de 2573 K, o processo de fabricação do MgB2 feito a 1222 K (950 -C) acontece com Mg na fase líquida e B ainda na fase sólida. Isso, aliado ao fato de que quando pedaços grandes de B são utilizados a amostra resultante não é homogênea, levou os cientistas a perceberem que a reação se dá pela difusão dos átomos de Mg pelas partículas de B.

Após a sistematização da produção, eles zeram substituições isotópicas. Trocando o isótopo 11B, que forma 80% do Boro presente na natureza, por 10B, eles descobriram que o Tc aumentava em 1.0 K, veja Fig. 16. Essa dependência isotópica de Tc verificada é consistente com a prevista na teoria BCS, ou seja, proporcional a M1/2. Assim, mesmo tendo um Tc incrivelmente grande, o MgB2 é um supercondutor convencional, com os fônons gerados pelos átomos de B mediando a interação entre elétrons na formação dos pares de Cooper.


B. Fabricação de fios

Dados o alto Tc do MgB2 e a abundância dos elementos Mg e B na crosta terrestre, (o magnésio é o oitavo elemento mais abundante na Terra), a questão imediata que fica é se o processo de fabricação de fios é simples e barato, e o principal, se os fios são capazes de transportar altas correntes elétricas. Este, de fato, é o problema principal enfrentando na utilização das cerâmicas supercondutoras em aplicações do dia a dia. Em um trabalho recente, Canfield[15] e colaboradores descrevem um processo de fabricação de fios bem simples e barato, utilizando fibras de Boro e Magnésio fundido, veja Fig.17. Como o ponto de fusão do Mg é de 922 K e o do B é de 2573 K (950-C) leva em conta a alta difusão do Mg pelas fibras de B. As fibras de B são seladas juntamente com Mg em pó, em um tubo de Ta, na razão estequiométrica correta, o tubo é, então, lacrado em uma ampola de quartzo e levado ao forno. Após aproximadamente duas horas de reação, a ampola é removida do forno e resfriada à temperatura ambiente. A aparência deformada dos fios, logo após a retirada do tubo de Ta, pode ser observada na Fig. 18. As fibras flexíveis e retas de B mostram-se deformadas e quebradiças após a reação. Segundo Canfield, os fios eram 80% densos e mostraram resistividade de 9.6 mWcm à temperatura ambiente. Isso quer dizer que, mesmo no estado normal, os fios de MgB2 são bons condutores de eletricidade, melhores até que o chumbo, cuja resistividade é 21mWcm. Os fios podiam ainda transportar correntes de até Jc = 60kA/cm2. O comprimento máximo alcançado foi 5cm, mas fios maiores poderiam ser construídos, considerando-se a proteção externa com revestimento.



C. Vantagens e aplicações em potencial

O entusiasmo com a redescoberta do MgB2 justifica-se por duas razões principais. Primeiro, porque a liga, como vimos anteriormente, superconduz seguindo a teoria BCS[4]. Assim, diferentemente das cerâmicas supercondutoras, a liga parece ser um supercondutor convencional, como a maioria dos metais, mas com uma temperatura surpreendentemente alta. Segundo, porque, sendo uma liga metálica, é grande a expectativa de que ela se torne o material preferido na manufatura de os que são a base para as aplicações do dia-a-dia. Com Tc de 39K, é bem possível que não seja necessária a refrigeração com hélio líquido, o que reduz significativamente os custos das aplicações.

D. Conclusão

Os estudos iniciais do MgB2 indicam que o material tem grande chance de se tornar o supercondutor preferido para aplicações, substituindo as até agora preferidas ligas de Nióbio. Assim, magnetos de alto campo, usados em máquinas de ressonância magnética, trens MAGLEVs, etc; cabos de transmissão; SMES e várias outras aplicações poderão ter seu custo reduzido com o uso do MgB2. Talvez em alguns anos um exame de ressonância magnética, por exemplo, saia pela metade do preço com o uso do MgB2 em vez das ligas de Nióbio.

Além das aplicações imediatas, a descoberta deste novo supercondutor intermetálico, com Tc tão alto, reacendeu a esperança na procura de um supercondutor à temperatura ambiente. Se tomarmos a tendência mostrada na Fig. 19, este sonho não parece estar tão distante. A descoberta da supercondutividade a 39 K no MgB2 é, então, mais uma esperança de que novos supercondutores intermetálicos com Tc recorde sejam descobertos.


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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2002
  • Data do Fascículo
    Dez 2001

Histórico

  • Aceito
    29 Out 2001
  • Recebido
    11 Jun 2001
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