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Carga em Presença de Folha Dielétrica e a Atração entre Elas

A charge in front of a dielectric foil and the attraction between them

Resumos

Resolve-se o problema de uma carga pontual em presença de uma folha dielétrica fina, com o uso de imagens de cargas e dipolos cujos campos satisfazem as condições de continuidade do potencial e da componente normal do deslocamento elétrico nas superfícies da folha. Calcula-se, então, a força de atração resultante.


The problem consisting of a point charge placed in front of a thin dielectric foil is solved using images of charges and dipoles, which makes the continuity of the potential and of the normal component of the dielectric displacement to be satisfied at the plane boundaries of the foil. The attraction is then calculated.


Carga em Presença de Folha Dielétrica e a Atração entre Elas

(A charge in front of a dielectric foil and the attraction between them)

G. F. Leal Ferreira

FCM-IFSC-USP, CP 369, 13560-970. São Carlos, SP

guilherm@ifsc.sc.usp.br

Recebido em 6 de junho, 2002. Aceito em 6 de agosto, 2002.

Resolve-se o problema de uma carga pontual em presença de uma folha dielétrica fina, com o uso de imagens de cargas e dipolos cujos campos satisfazem as condições de continuidade do potencial e da componente normal do deslocamento elétrico nas superfícies da folha. Calcula-se, então, a força de atração resultante.

The problem consisting of a point charge placed in front of a thin dielectric foil is solved using images of charges and dipoles, which makes the continuity of the potential and of the normal component of the dielectric displacement to be satisfied at the plane boundaries of the foil. The attraction is then calculated.

I Introdução

Seja como na Fig. 1 uma carga q a uma distância h do plano central de uma folha dielétrica fina, de espessura s e constante dielétrica K. Desejamos calcular a força de atração entre elas, mas para isso parece ser necessàrio resolver o problema por inteiro, isto é, achar o potencial em todos os pontos do espaço, desde que não é tarefa simples descobrir como são as distribuições de dipolo induzido na folha. Na Ref. 1, o problema de uma carga em presença de um bloco dielétrico de superfícies planas é tratado em geral, através de desenvolvimento do potencial em funções de Bessel. Anàlise desse tratamento analítico para o caso limite de uma folha (bloco pouco espesso, ver seção VII.1) sugere ser possível abordar o problema através do uso de imagens de cargas e dipolos, cujos campos, conjuntamente com os da carga indutora, satisfazem, em aproximação conveniente, as condições de continuidade do potencial e da componente normal do deslocamento elétrico nas superfícies da folha. Calcula-se então a força de atração. O campo elétrico no interior da folha é estudado na seção VII.2.


II Colocando o problema

Na Fig. 1, a carga q està situada a uma distância h do plano médio (não mostrado) da folha, de espessura s, e constante dielétrica K. P é um ponto genérico da folha, distante R do ponto O', projeção de q sobre o plano. q é o ângulo entre qP e qO', que é o mesmo entre a normal PNe qP.

Para se obter a solução do problema por meio de imagens, consideraremos o espaço dividido em três regiões, I, II e III, como mostrado na Fig. 2. Nesta, a espessura da folha foi exagerada para incluir-se o seu plano médio em tracejado. Todas as imagens, quer de carga, quer de dipolo, estarão ou na posição de q ou na posição de sua imagem especular através do plano médio, abaixo da folha. A região I é a região acima da folha, Fig.2a. Nela agirão, além da carga q, uma carga imagem qI e um dipolo de momento mI, orientado para cima e colocado abaixo da folha. Espera-se que qI se anule, visto que a reação da folha à presença de q é dipolar e jà seria representada por mI, que, aliàs, deverà resultar negativo. A região II é o interior da folha, e serà influenciada por carga qII e dipolo mII (orientado para baixo) na posição de q, e, na posição simétrica, por carga q'II e dipolo m'II (orientado para cima), Fig.2b. Finalmente, a região III serà o espaço abaixo da folha, influenciada por carga qIII e dipolo mIII (orientado para baixo), na posição de q. Vemos, portanto, que, por convenção, todas as cargas são assumidas positivamente e que os dipolos acima da folha estão orientados para baixo, e o oposto ocorrendo àqueles situados abaixo da folha. Esta convenção facilita os càlculos a seguir. Também porque a reação da folha é dipolar, espera-se que qIII resulte igual a q.




III Impondo as condições de contorno

Temos oito incógnitas a determinar, quatro cargas e quatro momentos de dipolo. Para a determinação delas, vamos impor a continuidade do potencial e da componente normal do deslocamento elétrico nas superfícies da folha, Fig. 2. Sobre a superfície de cima, em A–, região I, agem q, qI e mI; e no ponto contíguo A+, jà no interior da folha, agem qII, q'II, mII e m'II. Na face de baixo, em B–, agem estas mesmas cargas e dipolos, e em B+, jà fora da folha, a carga qIII e o dipolo mIII. Então, em A–A+, , bem como em B–B+, vamos impor aquelas condições de contorno, mas com a precaução de tomar em conta a espessura da folha, ou seja, a da variação daquelas grandezas devido à variação da distância entre as fontes e os pontos tais como A± e B±. Para isso, tomaremos como referência o que ocorre para o plano médio, Fig.2, por exemplo o ponto O situado entre A± e B±, e calcularemos as grandezas nestes últimos pontos tendo em conta um deslocamento na vertical de s/2, para cima ou para baixo. Isto farà com que, por exemplo, no potencial das cargas naqueles pontos apareçam termos do tipo dipolo, que se misturarão aos termos de potencial puramente dipolares, os quais, no espírito da aproximação, não serão corrigidos pela variação de distância. Para a continuidade da componente normal do deslocamento (produto da constante dielétrica pelo campo elétrico) adotar-se-à o mesmo procedimento.

IV Potenciais e campos, preparatório

Vamos exemplificar o que dissemos na seção anterior. Para a simplificação da escrita usaremos o sistema CGS, com a reversão ao MKS se fazendo pela divisão por 4pe0. Tomemos, por exemplo, a carga qII e o dipolo mII, Fig.2b, e escrevamos os potenciais VqII(A+) e VmII(A+) que criam em A+. Eles são

lembrando que a espessura da folha é s e que r é contado da fonte (carga ou dipolo) até O. Para o potencial no ponto B– o segundo termo do lado direito da Eq.1 serà negativo enquanto que a Eq.2 permanecerà vàlida.

Para o càlculo da componente normal do campo elétrico, necessàrio para a especificação do deslocamento) vamos escrever primeiro o campo elétrico

qII(T) numa vizinhança T de O

sendo

estando na direção radial de O' a O e no sentido de PN, Fig. 1. dp é um diferencial de distância. Então, a componente do campo EqIIn(A–) de qII em A–, na direção de -, e com dp=-s/2 serà

Para o dipolo de momento mII, o seu campo normal EmIIn (A–) em A–, na direção -, serà

V Os potenciais e os deslocamentos nas superfícies da folha

Damos, a seguir, os potenciais e as componentes normais (Dn, com a convenção de ser positiva para baixo, -) do deslocamento elétrico em A–, A+, B– e B+. Pelas convenções adotadas, os potenciais em O devido às cargas e os dipolos (Fig.2) são positivos. As Eqs.1, 2 e 4 serão usadas a seguir.

Em A–:

Em A+:

Em B–:

Em B+:

VI Impondo as condições de contorno

Impomos, agora, as condições de contorno ao potencial e à componente normal do deslocamento nas duas superfícies da folha. Ou seja

Substituímos, nestas equações, os valores dados nas Eqs.7-19 e separamos, em cada uma delas, os termos de carga e dipolo, obtendo-se oito equações que determinarão as oito incógnitas. As equações de carga levam imediatamente a

Para os termos dipolares obtém-se

Das equações 25-28, usando-se os resultados na Eq.24, os seguintes valores são obtidos para os momentos de dipolo

VII A força de atração entre a carga e a folha

A força de atração entre a folha e a carga serà igual à força entre mI e q. Com a convenção da Fig.2a para a orientação de mI, e tendo em conta que este é negativo (Eq.29), resultarà força de atração F sobre a carga (r=2h), normal à folha, e igual a

ou no MKS

VIII Discussão

VII.1 Os valores obtidos para as cargas e dipolos imagens

Como previsto na seção III, obteve-se qI=0 e qIII=q nas Eqs. 24. Quanto aos momentos de dipolo induzidos, obteve-se m'II=-mII e mIII=-mI. Pelo menos esta última igualdade era de se esperar ocorrer, visto que a folha deve estar polarizada para baixo pelo campo de q. Essa distribuição normal de dipolos cria potencial negativo acima (mII negativo) e positivo (mIII positivo) abaixo da folha, necessariamente de mesmo módulo. Notemos que todas as cargas e momentos de dipolo são finitos para K® ¥.

Como dissemos na Introdução, na Ref.1 resolve-se o problema de carga em presença de bloco dielétrico espesso com superfícies planas, desenvolvendo-se os potenciais na função de Bessel J0. Calcula-se explicitamente o potencial na região III, Fig. 2c, VIII, resultando em coordenadas cilíndricas r e z, contadas das carga

que para s pequeno, através do desenvolvimento em série e–2ks 1-2ks, aparentemente vàlido, leva a

com o termo de carga q e o de dipolo com momento qs(K-1)2/2K, tendo em vista que a integral à direita da Eq.33 é igual a 1/r (o que nos sugeriu o uso de imagens de cargas e dipolos). Este termo de dipolo não concorda com o calculado na Eq.29, com o inconveniente de divergir para K® ¥. Não sabemos a razão da discrepância.

VII.2 O campo elétrico no interior da folha

O campo elétrico no interior da folha pode ser obtido dos resultados anteriores. Notemos primeiro que, sendo ele originàrio de cargas e dipolos situados fora dela, Fig.2b, o campo elétrico tem aí divergência nula. Então, não haverà densidade volumétrica de carga de polarização e esta se manifestarà através de cargas superficiais. Chamando-se de y a distância vertical de um ponto próximo a O, contada positivamente para baixo, a componente normal do campo elétrico EIIn(R,y) é achada como sendo

e para a componente paralela às faces da folha, EIIp,

Não é difícil verificar que o primeiro termo no lado direito da Eq. 34 é a componente normal do campo resultante de q e das densidades de carga de polarização vizinhas. O segundo termo, de mesma dependência na constante dielétrica que o primeiro, deve advir de correção ao primeiro em razão da espessura finita da folha. Jà o terceiro no lado direito da Eq.34 e anulando-se para K=1 deve ser atribuído à polarização (normal) não uniforme na folha, devida ao primeiro termo de EIIn(R,y). Com relação à componente paralela, Eq.35, ela é devida exclusivamente à carga q e, sendo independente de K, a polarização por ela gerada não age diretamente sobre a carga q. Este resultado concorda com a previsão de que só a distribuição de dipolos normal à folha seria ativa.

IX Considerações finais e agradecimentos

Certa vez, o Prof. Paulo Cesar de Camargo, da Universidade Federal do Paranà, comentou que muitas experiências interessantes em Eletrostàtica podem ser feitas explorando-se a atração entre cargas e folhas dielétricas, mas que a literatura não não faz referência a essa situação. A ele, pois, dedico o càlculo presente. O autor agradece bolsa de produtividade do CNPq.

  • 1. W. R. Smythe, Static and Dynamic Electricity, McGraw-Hill Book Co., N. York (1950), Cap. 5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jan 2003
  • Data do Fascículo
    Set 2002

Histórico

  • Recebido
    06 Jun 2002
  • Aceito
    06 Ago 2002
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