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Um Cálculo Aproximado do Poder das Pontas

An approximate treatment for the strenght of the points

Resumos

Cálculo aproximado do potencial e da densidade de carga de um condutor quase cilíndrico eletrizado é realizado seguindo método desenvolvido por Maxwell em seu Treatise para condutores quaseesféricos. Com isso, é possível obter relações diretas entre densidade de carga e curvatura paracasos simples. O plano carregado, levemente corrugado, é também abordado.


An approximate treatment of the potential and of the charge density of a quasi-circular conductingcylinder is carried out along the line proposed by Maxwell in his 'Treatise' for quasi-spherical conductors. This allows us to establish relations between charge density and curvature in simplecases. The slightly corrugated charged plane is also treated.


Um Cálculo Aproximado do Poder das Pontas

An approximate treatment for the strenght of the points

G. F. Leal Ferreira

FCM, IFSC, USP

CP 369, 13560-970, São Carlos, SP

Recebido em 27 de fevereiro, 2002. Aceito em 3 de abril, 2002.

Cálculo aproximado do potencial e da densidade de carga de um condutor quase cilíndrico eletrizado é realizado seguindo método desenvolvido por Maxwell em seu Treatise para condutores quaseesféricos. Com isso, é possível obter relações diretas entre densidade de carga e curvatura paracasos simples. O plano carregado, levemente corrugado, é também abordado.

An approximate treatment of the potential and of the charge density of a quasi-circular conductingcylinder is carried out along the line proposed by Maxwell in his 'Treatise' for quasi-spherical conductors. This allows us to establish relations between charge density and curvature in simplecases. The slightly corrugated charged plane is also treated.

I Introdução

Antigamente, o ensino da Eletrostática dava muita atenção ao estudo dos condutores eletrizados. Ilustrando o que se chama de 'o poder das pontas' figurava mesmo o torniquete elétrico em que, à semelhança do torniquete hidrodinâmico, que gira com a ejeção de água, aquele gira ao ser ligado a uma fonte de tensão. A eletricidade se acumula nas pontas, o campo elétrico ioniza o ar e a repulsão entre as cargas da ponta e as ionizadas de mesmo sinal faz o torniquete girar em sentido oposto ao da ponta, como se fosse movido, pela reação ao 'vento elétrico' [1] criado pela ponta.

Mais geralmente, o 'poder das pontas' significa a preferencial acumulação de carga nas regiões de maior curvatura da superfície do condutor eletrizado, fato que pode ser constatado experimentalmente com o auxílio do 'plano de prova' [2,3]- um disco maleável, manuseado com um isolante, que se aplica à superfície do condutor, em variadas regiões da mesma. Do ponto de vista teórico, a justificação do poder das pontas é mais difícil porque exige correlacionar em geral a função potencial nas vizinhanças do condutor com as propriedades geométricas da superfície. Aqui faremos uma abordagem bem mais modesta ao problema, aproveitando uma solução aproximada dada por Maxwell em seu Treatise [4] do potencial de um condutor quase esférico, adaptada aqui para o caso de cilindros quase circulares, procurando obter a densidade de carga e relacionando-a com a curvatura, que, no presente caso, é única.

II Solução aproximada: o potencial

A solução aproximada proposta no Treatise [4], adaptada ao nosso caso, é a seguinte.

Seja o cilindro 'quase circular de equação polar, r e q, –p < q < p,

em que e é pequeno comparado com 1 e a é o raio médio (ou seja, f(q)dq = 0). Admitiremos que f(q) é suficientemente regular e que é representado por uma série de Fourier

Como solução geral da Equação de Laplace, o potencial criado pelo condutor carregado pode ser expresso por

em que V0 é o potencial do condutor e e marca aqueles termos que se anulam quando o condutor é perfeitamente circular. Desejamos determinar An e Bn.

Na superfície do condutor (e no seu interior), V(r,q) = V0 e também podemos escrever

Como o somatório da Eq. 3 já contém e, o denominador rn pode ser aproximado para an e obtém-se

ou tendo em conta a Eq.2

de onde, por argumentos conhecidos, obtém-se

e

Em duas dimensões, o potencial do condutor não determina a solução no espaço: é a densidade de carga, A0, que o faz.

III A densidade de carga

A densidade de carga, s, no CGS, é obtido de

n designando aqui a normal ao condutor. A direção de n e a direção de r diferem de um ângulo que, em radianos, é da ordem de e, e como cos e , para e pequeno, e, então, podemos tomar a direção de n como sendo a de r. Então, aproximadamente,

Desenvolvendo-se 1/r, com r dado na Eq. 1, como a(1– ef(q)) e no somatório fazendo-se rn® an, vem

e substituindo-se os valores de An e Bn dados nas Eqs. 7 e 8, vem

equação que mostra que o somatório efetivamente se inicia em n = 2, ou seja, que o termo para n = 1 'que dá a posição do centro de massa do condutor, suposto de densidade uniforme, em relação à origem' [4] poderia ser eliminado a priori da Eq. 2. A Eq. 11 também mostra que para uma densidade de carga positiva, s0, A0 é negativo. Reescrevemos a Eq. 11 como

com s0 = –A0/4pa.

IV O raio de curvatura

O raio de curvatura, R, em coordenadas polares é dado por [5]

onde r¢ e r¢¢ significam derivadas primeira e segunda em relação a q. Para a aproximação de 1a. ordem do nosso cálculo, vamos tomar r2

a2 (1+2ef( q)), r¢ eaf ¢( q), r¢2 0, rr¢ a(1+ef( q))eaf¢¢( q) ea2f ¢¢( q), de maneira que R é

ou tendo em conta a Eq. 2

A curvatura K igual a 1/R é

com K0 = 1/a, a curvatura média.

V Discussão

V.1 Casos "puros''

Casos ''puros'' são aqui definidos como aqueles em que um único n comparece na deformação do cilindro, seja ele m. Discutiremos o caso em que ela é do tipo cos mq com m par. cosmq tem m períodos angulares, cada um compreendendo ângulo de qp = 2p/m. As pontas estarão em qpk = ±2pk/m e, entre elas, os vales (depressões) em qvk = ± p(2k+1)/m, 0 £ k £ (m – 1)/2. Com

tem-se para a densidade de carga e para a curvatura

Escrevemos também a expressão do potencial V(z), sendo z = r – a,

Na verdade, a curva z(q) que faz V(z) na Eq. 20 igual a V0 só é dada pela Eq.17 na ordem de e. Em ordens superiores de e, e2, e3, etc., aparecerão harmônicos de ordem m±1, m±2, etc. Permaneceremos em primeira ordem.

Comparando-se a dependência angular de r, s e K com m, vê-se que ela é mais forte para K, depois para s e, em geral, mais fraca para r. Do valor de s nas Eq. 19 vê-se que a diferença entre as densidades de carga nas pontas e nos vales é de 2s0e(m – 1), isto é, aumenta com o estreitamento do período, quando as pontas ficam, relativamente, mais aguçadas. Também das Eq. 19 vê-se que, aproximadamente, vale a relação

mostrando que para o caso puro pode-se escrever uma relação direta entre a densidade e a curvatura. Por exemplo, para m = 2, quando o cilindro é elíptico, temos s(q) » e s(q) » r(q). Na Fig. 1 mostramos r/a, s/s0 e K/K0 para esse caso, m = 2,com e = 0,1 e na Fig. 2, para m = 4, com e = 0,05.



V.1.1 Placa plana levemente corrugada

Para um dado valor de m, o período angular é qp = 2p/m, como visto acima, e o arco correspondente, l, é

Como em 1a ordem todas as grandezas tem esse único período, só necessitamos do que ocorre no período em torno da origem, – p/m £ q £ p/m, para descrever as grandezas tomemos nele o arco x, correspondendo a q = x/a. Teremos

Façamos, agora, o raio a crescer e nos mantenhamos nas vizinhanças da superfície do cilindro. Devemos fazer também m crescer para que l se mantenha finito, Eq. 22. Teremos uma superfície praticamente plana, levemente corrugada, isto é, ea = b0 << l. A Eq.20 para o potencial, na aproximação z << a, é

Em primeiro lugar, notemos, ao passarmos da solução cilindro à solução plano, que esta herda daquela a condição de campo nulo no interior do cilindro (essencialmente z negativo). Para corrigirmos isso, devemos pôr 2p em vez de 4p na Eq.23, com o que subtraímos o campo 2ps0 ao primeiro termo da Eq.23 e obrigamos que o segundo cancele o primeiro para z na superfície do cilindro. Fazendo-se as substituições válidas para o caso a ® ¥, que são ae ® b0, mq ® 2px/l, m/a ® 2p/l, tem-se finalmente

para a qual vale a observação do tipo feita abaixo da Eq.19.

V.2 Caso geral

Nas Figs. 3 e 4 mostramos s(q) e K(q), normalizados, para r/a = 1+0,05.(cos2q+0,5.cos3q) e nas Figs.5 e 6 , para r/a = 1 + 0,05.(cos2q + 0,5.cos3q + 0,25.cos4q). Figs.3 e 5 são gráficos polares, incluindo-se também os de r( q) /a, enquanto as Figs. 4 e 6 são gráficos cartesianos. Vê-se que máximos e mínimos de s(q) e K(q) se correlacionam perfeitamente, sempre com K(q) mais proeminente. Aliás, s(q) está, em geral, mais próximo de r(q) do que de K(q), porém, a determinação de r(q) depende da locação da origem e é, em termos práticos, menos accessível.




Agradecimentos

O autor agradece a bolsa de produtividade do CNPq, e, muito especialmente, ao árbitro deste que, pacientemente, corrigiu inúmeros enganos em fórmulas na versão originalmente submetida.

  • 1. G. Castelfranchi, Fisica Sperimentale e Applicata, Vol.II, Editore Ulrico Hoepli Milano, 1948, Cap.XVI
  • 2. P. Fleury e J.-P. Mathieu, Électrostatique, Courants Continues, Magnétostatique, Éditions Eyrolles, 1962, Cap. III.
  • 3. E. Perucca, Física General y Experimental, Tomo II, Editorial Labor, 1953, Cap. IV.
  • 4. J. C. Maxwell, A Treatise on Electricity and Magnetism, Dover Publ., 1954, Cap.9, seçăo 145 a.
  • 5. André Delachet, Géométrie Différentielle, coleçăo que sais-je? no1104, Presses Universitaires de France, Cap.6.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jan 2003
    • Data do Fascículo
      Set 2002

    Histórico

    • Aceito
      03 Abr 2002
    • Recebido
      27 Fev 2002
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