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Física no computador: o computador como uma ferramenta no ensino e na aprendizagem das ciências físicas

Physics in the computer: the computer as a tool in the education and the learning of physical sciences

Resumos

São conhecidas as dificuldades que muitos alunos apresentam na compreensão dos fenômenos físicos. Entre as razões do insucesso na aprendizagem em Física são apontados métodos de ensino desajustados das teorias de aprendizagem mais recentes assim como falta de meios pedagógicos modernos. A necessidade de diversificar metodos para combater o insucesso escolar, que é particularmente nítido nas ciências exactas, conduziu ao uso crescente e diversificado do computador no ensino da Física. O computador oferece actualmente varias possibilidades para ajudar a resolver os problemas de insucesso das ciências em geral e da Física em particular. Neste trabalho, apresentamos uma breve resenha histórica da sua ascensão no ensino. Procuramos relacionar a aplicação do computador com avanços nas teorias de aprendizagem. Analisamos os principais modos de utilização do computador no ensino, desde as simulações até a realidade virtual, passando pela aquisição de dados em laboratório e pela Internet. Apesar do balanço da utilização dos computadores no ensino se revelar inegavelmente positivo, subsistem numerosos problemas por resolver. Com efeito, nao obstante as suas reconhecidas potencialidades, o computador nao se tornou a chave mágica do sucesso educativo. Discutimos algumas dessas dificuldades. O potencial pedagógico dos computadores são poderá ser plenamente realizado se estiverem disponíveis programas educativos de qualidade e se existir uma boa articulação deles com os currículos e a prática.

Física; computador; software; hardware


The difficulties that many pupils show in understanding some physical processes are well known. Among various reasons for failure in Physics learning old or misguided education methods have been pointed out. The need to diversify methods to attack pedagogical failure led to the increasing use of the computer in Physics education. Currently this tool offers various possibilities to help solving problems in Physics education. We present an historical summary of the rise of computers in education. We relate computer applications to advances in learning theories. We review the main computer uses in science education, from simulations to virtual reality, including data acquisition and Internet. Although the balance of the use of the computers in education is clearly positive, many questions remain. In effect, in spite of its recognized potentialities, the computer did not become the magical key of educative success. We discuss some of the standing difficulties. The pedagogical potential of the computer could only be carried through if good educative software would become available and if this would be smoothly connected to syllabus and practice.

Physics; computer; software; hardware


ARTIGOS GERAIS

Física no computador: o computador como uma ferramenta no ensino e na aprendizagem das ciências físicas

Physics in the computer: the computer as a tool in the education and the learning of physical sciences

Carlos FiolhaisI; Jorge TrindadeI, II

ICentro de Física Computacional, Departamento de Física Universidade de Coimbra, 3004-516 Coimbra tcarlos@teor.fis.uc.pt

IIEscola Superior de Tecnologia e Gestão Instituto Politécnico da Guarda, 6300-559 Guarda jtrindade@ipg.pt

RESUMO

São conhecidas as dificuldades que muitos alunos apresentam na compreensão dos fenômenos físicos. Entre as razões do insucesso na aprendizagem em Física são apontados métodos de ensino desajustados das teorias de aprendizagem mais recentes assim como falta de meios pedagógicos modernos. A necessidade de diversificar metodos para combater o insucesso escolar, que é particularmente nítido nas ciências exactas, conduziu ao uso crescente e diversificado do computador no ensino da Física. O computador oferece actualmente varias possibilidades para ajudar a resolver os problemas de insucesso das ciências em geral e da Física em particular. Neste trabalho, apresentamos uma breve resenha histórica da sua ascensão no ensino. Procuramos relacionar a aplicação do computador com avanços nas teorias de aprendizagem. Analisamos os principais modos de utilização do computador no ensino, desde as simulações até a realidade virtual, passando pela aquisição de dados em laboratório e pela Internet. Apesar do balanço da utilização dos computadores no ensino se revelar inegavelmente positivo, subsistem numerosos problemas por resolver. Com efeito, nao obstante as suas reconhecidas potencialidades, o computador nao se tornou a chave mágica do sucesso educativo. Discutimos algumas dessas dificuldades. O potencial pedagógico dos computadores são poderá ser plenamente realizado se estiverem disponíveis programas educativos de qualidade e se existir uma boa articulação deles com os currículos e a prática.

Palavras-chave: Física, computador, software, hardware.

ABSTRACT

The difficulties that many pupils show in understanding some physical processes are well known. Among various reasons for failure in Physics learning old or misguided education methods have been pointed out. The need to diversify methods to attack pedagogical failure led to the increasing use of the computer in Physics education. Currently this tool offers various possibilities to help solving problems in Physics education. We present an historical summary of the rise of computers in education. We relate computer applications to advances in learning theories. We review the main computer uses in science education, from simulations to virtual reality, including data acquisition and Internet. Although the balance of the use of the computers in education is clearly positive, many questions remain. In effect, in spite of its recognized potentialities, the computer did not become the magical key of educative success. We discuss some of the standing difficulties. The pedagogical potential of the computer could only be carried through if good educative software would become available and if this would be smoothly connected to syllabus and practice.

Keywords: Physics, computer, software, hardware.

I Introdução

O elevado número de reprovações a Física, nos vários níveis de ensino e em vários países, mostra bem as dificuldades que os alunos encontram na aprendizagem dessa ciência. As causas deste problema não estão devidamente esclarecidas. E, por isso, as soluções também o não estão. Contudo, entre as razões do insucesso na aprendizagem em Física, são em geral apontados aos professores métodos de ensino desajustados das teorias de aprendizagem mais recentes e não utilização dos meios mais modernos, enquanto aos alunos são apontados insuficiente desenvolvimento cognitivo [1], deficiente preparação matemática e pré-existência de concepções relacionadas com o senso comum e não com a lógica científica [2]. Devemos ainda acrescentar, especialmente no ensino secundário em Portugal, o grande número de alunos que não têm a menor vocação para a disciplina e que, portanto, dificilmente poderão ter qualquer sucesso no estudo dela.

Uma característica da Física que a torna particularmente difícil para os alunos é o facto de lidar com conceitos abstractos e, em larga medida, contra-intuitivos. A capacidade de abstracção dos estudantes, em especial os mais novos, é reduzida. Em consequência, muitos deles não conseguem apreender a ligação da Física com a vida real.

É da responsabilidade dos docentes proporcionar aos seus alunos experiências de aprendizagem eficazes, combatendo as dificuldades mais comuns e actualizando, tanto quanto possível, os instrumentos pedagógicos que utilizam. Segundo Hestenes [3] os métodos tradicionais de ensinar Física são inadequados. Como afirmam Lawson e McDermott [4], não serão de admirar falhas na aprendizagem se conceitos complexos e difíceis de visualizar só forem apresentados de uma forma verbal ou textual. Deviam por isso ser divulgadas e encorajadas técnicas de instrução atraentes que coloquem a ênfase na compreensão qualitativa dos princípios físicos fundamentais.

A necessidade de diversificar métodos de ensino para contrariar o insucesso escolar ajudou ao uso crescente do computador no ensino da Física [5]. A utilização de software apropriado, por exemplo de simulação, para além do apoio computacional na realização de experiências e na apresentação audiovisual, pode facilitar o ensino, não oferecendo todavia garantias de sucesso pleno [6]. McCloskey [7] e McDermott [8] referiram que alguns jogos de computador podem ter grande eficácia na aprendizagem. Como veremos adiante, esta estratégia continua a ser frutuosa para estimular a aprendizagem.

Aos computadores, cada vez mais velozes e cada vez com maior capacidade de tratamento e de representação de dados, juntaram-se modernamente novas interfaces entre homem e máquina (capacetes de visualização imersiva, luvas de dados, etc.). Surgiram assim novas oportunidades de usar tecnologias da informação na educação e de concretizar com elas novas formas de aprendizagem [9]. Os computadores modernos oferecem inegavelmente um grande número de possibilidades para ajudar a resolver alguns problemas concretos do ensino das ciências [10]. Hoje em dia, existem vários títulos de software educacional (alguns dos quais com carácter lúdico) que permitem enfrentar dificuldades de aprendizagem, pese embora a escassez de estudos quantitativos sobre as reais vantagens do seu uso. A evolução tecnológica recente permite adivinhar que os meios disponíveis nas escolas se tornarão ainda mais poderosos [11]. Tais meios não substituirão inteira e radicalmente as formas tradicionais de ensinar, mas poderão constituir um complemento ajustado a dificuldades específicas dos alunos.

II A ascensão do computador no ensino

A história da utilização de computadores na educação costuma ser dividida em dois períodos: antes e depois do aparecimento dos computadores pessoais. Os computadores pessoais, que surgiram no final da década de 70 do século XX, representaram um marco significativo na democratização do uso de computadores.

O primeiro computador pessoal surgiu em 1979 e outros logo se seguiram. Com efeito, a IBM introduziu no mercado, em 1981, o seu computador pessoal, o IBM-PC, que imediatamente se tornou popular (Figura 1-a). O impacto causado por esta nova máquina foi tão grande que, em 1982, a revista Time a considerou ''máquina do ano'' (http://historyofcall.tay.ac.uk/). Em 1984 a Apple lançou o computador Macintosh, uma máquina revolucionária pela facilidade de utilização que era oferecida pela sua interface gráfica (Figura 1-b). Nesse mesmo ano apareceu, com enorme sucesso, o sistema operativo Windows, da Microsoft, com funcionalidades semelhantes ao do Macintosh. Estava dado um outro passo decisivo para a democratização dos meios informáticos.



O ano de 1980 ficou marcado na história dos computadores no ensino. Seymourt Papert, professor de Matemática no Massachusetts Institute of Technology, em Boston, nos EUA, e autor do livro ''Mindstorms: Children, Computers and Powerful Ideas'' [12], criou a linguagem de computador Logo, com a qual crianças com mais de seis anos podiam programar e desenhar figuras matemáticas. A linguagem Logo teve um enorme impacto ''porque propiciou poderosas facilidades computacionais para as crianças e um modo completamente diferente de falar sobre educação. Algumas destas facilidades, como os gráficos, foram revolucionárias considerando o poder computacional disponível naquela altura, e durante muito tempo o Logo foi o único software educacional que permitia aos estudantes desenvolver actividades educacionais com o computador'' [13].

Tal como Seymourt Papert, o físico norte-americano Alfred Bork foi um pioneiro na utilização do computador no ensino. Em 1978, Bork, numa conferência patrocinada pela American Association of Physics Teachers, intitulada ''Aprendizagem Interactiva'', enunciou uma profecia que só parcialmente foi realizada [14]: ''Estamos no princípio de uma grande revolução na educação, uma revolução sem paralelo desde a invenção da imprensa escrita. O computador será o instrumento dessa revolução. Apesar de estarmos apenas no início - o computador como um instrumento de aprendizagem nas escolas é, actualmente, comparado com todos os outros modos de aprendizagem, quase inexistente - o ritmo será maior durante os próximos 15 anos. Por volta do ano 2000, a principal forma de aprendizagem em todos os níveis e em quase todas as áreas será através do uso interactivo dos computadores.''

Um outro avanço importante na aplicação da informática à educação foi, nos anos 80, o desenvolvimento da Internet. Em finais dessa década foi criada a World Wide Web, que só nos anos 90 se popularizou. O seu impacto no ensino, ao tornar mais acessível a Internet, foi enorme. A década de 90 foi também marcada pelo aparecimento de processadores mais potentes e de capacidades gráficas maiores. Os computadores tornaram-se também cada vez mais baratos, o que permitiu a sua proliferação por escolas e lares.

No início do presente século assistimos a uma nova geração de computadores e de dispositivos de comunicação, que, para além das suas apreciáveis qualidades gráficas, têm na portabilidade a sua principal vantagem. É o caso, por exemplo, do Personal Digital Assistant (PDA) (Figura 2-a) e do recente ultracomputador pessoal desenvolvido pela empresa norte-americana OQO http://www.oqo.com/(Figura 2-b).



O aparecimento destes meios tecnológicos e de outros dirigidos para as comunicações (como o Wireless Application Protocol ou WAP e o Universal Mobile Telecommunications System ou UMTS) oferece novas perspectivas educacionais que importa desenvolver e avaliar. Por exemplo, o Stanford Learning Lab (http://acomp.stanford.edu/), desenvolvido na Universidade de Stanford, na Califórnia, pretende estudar a utilização de alguns protótipos de comunicação móvel na aprendizagem de línguas estrangeiras. De igual forma, o Massachusetts Institute of Technology, em Boston, está a desenvolver um projecto designado por Games-to-Teach (http://cms.mit.edu/games/education/news.html) (Figura 3), que, explorando vertentes lúdicas, procura disponibilizar novas ferramentas de aprendizagem direccionadas para equipamentos portáteis.


III Fundamentos para a utilização do computador no ensino

Tanto as ferramentas computacionais emergentes como os desenvolvimentos mais recentes das teorias de aprendizagem têm contribuído para viabilizar algumas mudanças na educação. Desde muito cedo que se procurou apoiar o uso pedagógico do computador nos conhecimentos sobre os modos como os estudantes aprendem. Para Papert [12] deverão ser disponibilizadas aos alunos ''ferramentas que viabilizem a exploração dos nutrientes cognitivos ou seja os elementos que compõem o conhecimento''. Tornou-se consensual que é ''a partir dos contributos da psicologia do desenvolvimento e da psicologia da aprendizagem que é preciso partir para um entendimento com o computador tornando-o um parceiro que providencia oportunidades de aprendizagem'' [15]. De facto, se o papel do computador não for contribuir para um ensino mais adequado a cada aluno (tendo em conta as diferenças entre os processos e ritmos de aprendizagem individuais, a adequação dos conteúdos 'as diversas capacidades pessoais, a necessidade de apetrechar os jovens com ferramentas que desenvolvam as suas capacidades cognitivas, etc.), depressa caímos num mero prolongamento do ensino tradicional [16]. Várias experiências têm sido tentadas, sendo os resultados ainda preliminares. Como referem Plomp e Voogt [17], ''apesar de décadas de investigação e experiência, estamos, ainda, numa fase de (re)criação de modalidades de utilização do computador na educação''.

Desde que os primeiros computadores foram introduzidos na escola, a aplicação da informática no ensino pode resumir-se a três períodos, acompanhando a evolução das principais teorias de aprendizagem.

A primeira geração foi moldada pela teoria behaviorista. O behaviorismo baseia-se no estudo de comportamentos observáveis e mensuráveis dos alunos [18]. Segundo esta teoria, a mente é uma ''caixa negra'', no sentido em que responde a estímulos que podem ser observados e medidos, não interessando os processos mentais no seu interior [19]. Assim, os pressupostos por detrás deste primeiro período foram:

• O comportamento do aluno pode ser razoavelmente previsto se forem bem conhecidos os objectivos pretendidos para o ensino e os métodos a usar para os obter [20].

• O conhecimento que o aluno deve adquirir pode ser decomposto em módulos elementares, cujo domínio conjunto produzirá o resultado desejado [21].

• A aplicação da teoria behaviorista é suficientemente fiável para assegurar a eficiência do ensino desenvolvido pela sua aplicação sistemática, sendo mesmo dispensável a intervenção do professor [22].

A segunda geração de utilização dos computadores no ensino foi moldada pela teoria cognitiva. Esta baseia-se nos processos mentais que estão na base do comportamento. Por outras palavras, as mudanças observadas no comportamento do aluno são tomadas como indicadores sobre os processos que se estão a desenrolar na sua mente [19]. A teoria cognitiva - desenvolvida, entre outros, pelo suíço Jean Piaget - preconiza que a aprendizagem resulta de uma estruturação gradual dos conhecimentos efectuada pelo instruendo. Apesar de ter surgido nos finais da década de 50 só no final da década de 70 a psicologia cognitiva começou a exercer uma influência efectiva nas formas concretas de ensinar. Esta segunda geração caracterizou-se por uma maior ênfase quer nos conteúdos da aprendizagem quer na forma da sua apresentação aos alunos - o design [23]. O pressuposto de que não há dois alunos psicologicamente iguais e que essas diferenças não podem ser ignoradas conduziu a consideráveis melhorias na utilização dos computadores. Foi o primeiro passo para uma educação baseada no respeito pela individualidade.

Na década de 90, os avanços tecnológicos permitiram o aparecimento de uma terceira geração. Esta terceira geração assenta na teoria construtivista, segundo a qual cada aluno constrói a sua visão do mundo através das suas experiências individuais [19]. Os teóricos do construtivismo defendem que ''os aprendizes constroem a sua própria realidade ou pelo menos interpretam-na baseados nas suas percepções das experiências e, portanto, o conhecimento individual é função das experiências tidas, das estruturas mentais e das crenças que são utilizadas para interpretar as coisas'' [24]. Neste quadro, a promoção nos alunos da capacidade de prever qualitativamente o decorrer dos fenómenos é mais importante do que a manipulação de fórmulas ou de outras ferramentas formais. A nova geração caracterizou-se pela ênfase nas interacções entre aluno e máquina. A natureza dessas interacções pode ser tão importante (ou mesmo mais) quanto o conteúdo de informação ou a forma como este é apresentado.

O meio de apresentação mais utilizado passou a ser o hipertexto porque este possibilita uma aprendizagem não linear em vez de sequencial. Os links num documento permitem ao aluno escolher o seu percurso e avançar ao longo dele, apesar de haver o perigo de se ''perder'' no hiperespaço. Indo ao encontro desta preocupação, Jonassen e McAlleese [25] referem que as sucessivas fases da aquisição de conhecimentos requerem aprendizagens de tipo diferente. Numa fase inicial, a aquisição de conhecimento será mais bem conseguida por métodos clássicos, incidindo em conteúdos pré-determinados que são transmitidos de modo sequencial, enquanto numa fase mais avançada ambientes de tipo construtivista podem ser mais adequados.

Para Jonassen [24], "apesar de acreditarmos que o construtivismo não é uma teoria de ensino prescritiva, deve ser possível propiciar linhas de orientação mais explícitas sobre o modo de conceber ambientes de aprendizagem que promovam uma aprendizagem construtivista". Assim, esse autor aponta as seguintes implicações do construtivismo na concepção de ambientes de ensino:

• Propiciar múltiplas representações da realidade.

• Apresentar tarefas contextualizadas.

• Propiciar a análise de situações em ambientes reais de aprendizagem, em vez de sequências esquemáticas.

Por outro lado, autores como Vygotsky [26] consideram que existe uma ''zona de desenvolvimento potencial'' na mente de cada aluno, representando esta zona o acréscimo que o aluno pode conseguir na aprendizagem individual e em colaboração com outros indivíduos. A esta ideia pode associar-se a existência de uma ''janela de aprendizagem'' em cada momento do desenvolvimento cognitivo do aluno [27]. A importância dessa janela obriga a assegurar, a cada grupo e a cada aluno, conteúdos e actividades pedagógicas personalizadas.

IV Modos de utilização dos computadores

Vejamos, numa breve resenha, os principais modos de utilização do computador no ensino das ciências em geral e da Física em particular.

1) Aquisição de dados por computador

Como a Física é uma ciência experimental, o laboratório assume um papel central no seu ensino. O computador encontrou já um lugar permanente no laboratório escolar e o seu uso nesse local encontra-se cada vez mais generalizado [2].

Champagne e colaboradores [2], entre outros, sugeriram nos anos 80 a utilização do computador na aquisição de dados experimentais em laboratório. Muito se evoluiu desde então. Utilizando sensores e software apropriado, os alunos podem hoje medir e controlar variáveis como posição, velocidade, aceleração, força, temperatura, etc. (Figura 4). O computador permite novas situações de aprendizagem ao propiciar aos alunos a realização de medições de grandezas físicas em tempo real que lhes fornecem respostas imediatas a questões previamente colocadas. A apresentação gráfica de dados facilita leituras e interpretações rápidas.


2) Modelização e simulação

A modelização/simulação é talvez o ambiente mais popular de aprendizagem da Física usando o computador. O termo modelização costuma ser utilizado quando a ênfase é dada à programação do modelo, ao passo que a simulação se refere à situação em que o modelo é uma ''caixa negra''. Esta distinção é de alguma forma artificial e nem sempre clara. Uma vez que as leis da Física são expressas por equações diferenciais, pode construir-se um modelo e simular de imediato um dado problema físico: por exemplo, a queda livre de um grave, o movimento orbital de um planeta sob a influência de uma ou mais estrelas, os movimentos das estrelas de um glóbulo estelar, ou mesmo a colisão de duas galáxias. Contudo, as simulações podem também ser realizadas quando não se dispõe de uma equação diferencial mas sim de um esquema algorítmico: é o caso do mapa logístico (uma equação às diferenças que surge nos estudos introdutórios do caos) e da agregação limitada por difusão (um processo que representa, por exemplo, um fenómeno de cristalização). Ao permitir realizar ''experiências conceptuais'' a modelação/simulação está muito próxima de uma forma de aprendizagem designada por ''descoberta'' [28].

Os ambientes de modelação permitem aos alunos construir modelos do mundo físico que serão mais ou menos aproximados [29]. Estes ambientes são por vezes designados por ''micromundos'' [30], de que são exemplos ambientes baseados na linguagem Logo [31], nomeadamente o Alternate Reality Kit (ARK), que serve para criar simulações interactivas.

Ao usar simulações computacionais baseadas num modelo da realidade física, as acções básicas do aluno consistem em alterar valores de variáveis ou parâmetros de entrada e observar as alterações nos resultados (Figura 5).


Embora as simulações não devam substituir por completo a realidade que representam, elas são bastante úteis para abordar experiências difíceis ou impossíveis de realizar na prática (por serem muito caras, muito perigosas, demasiado lentas, demasiado rápidas, etc.). Quando se revestem de um carácter de ''jogo'', as simulações fornecem uma recompensa pela realização de um certo objectivo.

O acesso a boas simulações contribui para solucionar algumas questões no ensino das ciências [18]. De facto, os alunos que estão a formar e desenvolver o seu pensamento sobre determinadas matérias científicas encontram problemas típicos que podem ser resolvidos por ambientes de simulação orientados por preocupações pedagógicas. Tal pode ser feito numa fase inicial da aprendizagem dessas matérias pois os alunos não necessitam de dominar todo o formalismo matemático subjacente para explorar uma dada simulação. Pelo contrário, se aos estudantes só forem fornecidas equações como modelo da realidade, eles serão colocados numa posição onde nada nas suas ideias comuns é parecido ou reconhecido como física. Esta é uma situação que obviamente dificulta a aprendizagem [12].

O programa Graphs and Tracks (Figura 6), concebido por David Trowbridge, da Universidade de Washington, em Seattle, e editado pela Physics Academic Software (uma acção da Sociedade Americana de Física) constitui um bom exemplo do contributo que a pesquisa educacional pode dar ao desenvolvimento de ferramentas computacionais [32]. O seu desenvolvimento teve por base as dificuldades que os alunos encontram na relação entre o movimento de corpos e a respectiva representação gráfica. Assim, o programa é constituído por duas partes: na primeira, a partir da observação do comportamento de um corpo (gráficos da posição, da velocidade ou da aceleração em função do tempo) o aluno tem que inferir qual é a respectiva trajectória; na outra parte, o aluno tem que descrever graficamente o comportamento de um corpo depois de observar o seu movimento. Às acções do utilizador o software vai respondendo com feedback apropriado, de reforço se a resposta for correcta, ou com indicações apropriadas para alcançar a solução, se a resposta for errada.


Como já foi dito, o carácter de jogo de algumas simulações pode aumentar bastante o seu potencial pedagógico (Figura 7). Os jogos permitem uma grande variedade de situações e uma exploração flexível delas pelos jogadores (a resposta rápida e individualizada dada por um computador constitui precisamente uma das causas da fixação dos jovens pelos jogos).


Inicialmente os programas de simulação eram um pouco limitados, mas foram surgindo interfaces cada vez mais perfeitas, permitindo a manipulação gráfica das variáveis de entrada e fornecendo saídas na forma de gráficos e animações [33] (Figura 8).


3) Multimédia

Esta modalidade de utilização do computador baseia-se no conceito de hipertexto ou, de forma mais abrangente, hipermédia. O termo multimédia significa que um programa pode incluir uma variedade de elementos, como textos, sons, imagens (paradas ou animadas), simulações e vídeos [34]. Seguindo o lema ''uma imagem vale por mil palavras'', a informação proporcionada deve ser tão visual quanto possível. Um módulo de hipertexto possui muitos links internos e um seu utilizador não necessita de seguir um caminho linear. Baseado na sua bagagem e nos seus interesses, ele poderá seleccionar as partes do módulo que mais lhe interessam. Outros links permitirão ao utilizador mover-se facilmente entre diferentes módulos. As características essenciais da multimédia são a interactividade e a flexibilidade na escolha do caminho a seguir. Sem essas características "...não é possível fazer do aluno um participante activo no processo de aprendizagem. As possibilidades neste campo são imensas. Embora num livro também seja possível sugerir ao aluno que resolva um exercício num determinado ponto, não é de todo viável efectuar uma avaliação dos resultados obtidos e sugerir caminhos de continuação. Por exemplo, relembrar conceitos anteriores ainda não dominados ou avançar rapidamente para outro assunto'' [35].

Uma vez que tanto a interactividade como a flexibilidade são necessárias para assegurar uma aprendizagem individual e activa, as vantagens educacionais do multimédia têm sido muito defendidas. Os seus adeptos afirmam que se trata de um formato conveniente para a aprendizagem por o nosso cérebro processar a informação por livre associação de conceitos. Contudo, o processo sequencial, que continua a presidir à organização da maioria dos cursos, parece mais adequado quando se pretende uma sistematização dos conteúdos.

O multimédia pode funcionar on-line ou off-line dependendo do local onde a informação é recolhida, na Internet ou em disco local. A ligação entre o on-line e o off-line é hoje facilmente conseguida: assim um disco local pode remeter para a Internet. O mercado do multimédia off-line não correspondeu à forte expectativas que a certa altura foram anunciadas devido talvez ao enorme progresso do formato on-line, que é em geral mais económico. Contudo, o multimedia off-line é uma ferramenta educativa de utilidade incontestada: um exemplo entre muitos outros que se podiam dar em Física é o CD-ROM Cartoon Guide to Physics (Figura 9), baseado no interessante livro com o mesmo título de Gonick e Huffman [36], que pode ser usado para actividades tanto lectivas como extra-lectivas. Tal como outros produtos multimédia destinados a aprender ciências, esse programa inclui um conjunto de simulações interactivas.


Apesar do sucesso do multimédia no ensino das ciências ter sido algo limitado, o seu papel para aumentar a motivação dos alunos não deve ser ignorado. Com efeito, mesmo antes de surgirem dificuldades de compreensão dos alunos, a falta de motivação para estudar ciências pode ser a causa do falhanço.

4) Realidade virtual

A realidade virtual é definida por Harison e Jaques [37] como ''o conjunto de tecnologias que permitem fornecer ao homem a mais convincente ilusão possível de que este está noutra realidade; essa realidade (ambiente virtual) apenas existe no formato digital na memória de um computador''. De facto, a realidade virtual pode ser entendida como uma tecnologia que facilita a interacção entre o homem e a máquina e o ambiente virtual um cenário constituído por modelos tridimensionais, armazenado e gerido por computador, usando técnicas de computação gráfica [38]. Entre as primeiras aplicações da realidade virtual encontram-se a visualização científica [39] e a educação [9].

De acordo com Papert [12], um bom ambiente de aprendizagem requer um contacto livre entre o utilizador e o computador. Ora, a redução da interface é precisamente uma condição necessária para se ter realidade virtual imersiva. Na utilização pedagógica da realidade virtual o foco é, assim, colocado em ambientes que permitem aos alunos interagirem com o computador sem restrições ou com o mínimo de restrições.

A realidade virtual fornece um conjunto de características que a tornam única como meio de aprendizagem [38]:

• A realidade virtual é uma poderosa ferramenta de visualização para estudar situações tridimensionais complexas.

• O aluno é livre para interagir directamente com os objectos virtuais, realizando experiências na primeira pessoa.

• Os ambientes virtuais permitem situações de aprendizagem por tentativa e erro que podem encorajar os alunos a explorar uma larga escolha de possibilidades.

• O ambiente virtual pode oferecer feedbacks adequados, permitindo aos alunos centrar a sua atenção em problemas específicos.

• Um sistema de realidade virtual pode adquirir e mostrar graficamente dados em tempo real.

As principais características que a realidade virtual disponibiliza em benefício da educação são a imersão (a maioria das sensações provêm do ambiente virtual), interactividade (navegação livre, escolha do referencial, etc.) e a manipulação (acções realizadas pelo utilizador tal como no mundo real). Um elemento educativo importante é a grande proximidade entre o utilizador (aluno) e a informação no computador (conteúdos educativos) [40]. A realidade virtual tem sido considerada um poderoso instrumento de ensino e treino entre outras razões porque permite a interacção com modelos tridimensionais bastante realistas e uma experiência multisensorial vivida pelo instruendo.

A utilidade dos modelos gráficos oferecidos pelas tecnologias de realidade virtual para formação de modelos conceptuais correctos tem vindo a ser reconhecida. Com o objectivo de comprovar os benefícios da realidade virtual no ensino e aprendizagem da Física e da Química, o Centro de Física Computacional da Universidade de Coimbra desenvolveu, em colaboração com o Instituto Politécnico da Guarda, o Exploratório Infante D. Henrique de Coimbra e o Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra, um ambiente virtual - denominado Água Virtual - sobre a estrutura microscópica da água (Figura 10).


Esse ambiente virtual abrange conceitos sobre fases da matéria, transições de fase, orbitais atómicas e moleculares. Os cenários são visualizados num ecrã de computador, podendo ou não existir estereoscopia. Neste último caso, recorre-se a óculos especiais (ligados à placa gráfica do computador) que, em conjunto com o ecrã de computador, proporcionam o efeito de relevo, isto é, a sensação que os objectos do cenário virtual ficam a pairar à frente do utilizador, no espaço entre ele e o ecrã. A interacção do utilizador com o programa é feita de modo convencional com o rato.

5) Internet

A Internet conheceu um sucesso espectacular na sociedade em geral e nas escolas em particular [41]. Ela tornou-se a maior e mais activa de todas as bibliotecas do mundo, tendo as paredes das salas de aulas sido ''derrubadas'' através da ligação directa às fontes de informação. A Internet relaciona-se com os vários meios de uso do computador no ensino que foram atrás discutidos. Com efeito, a utilização do computador em rede pode incluir a exploração de:

• Simulações. Estas podem ser descarregadas da Internet ou utilizadas on-line se estiverem escritas na linguagem Java ou similar (applets).

• Multimédia. A linguagem padrão da World Wide Web, denominada Hypertext Markup Language (HTML), é uma linguagem multimédia.

• Realidade virtual. A Virtual Reality Modeling Language (VRML) é a linguagem padrão para representar objectos ou cenários tridimensionais na Internet. Em áreas como a Física da Matéria Condensada ou a Física Molecular, nas quais os modelos são em geral tridimensionais, a VRML pode ser usado para incrementar a compreensão conceptual (Figura 11).


Tomando partido da Internet a aprendizagem pode tornar-se mais interactiva e pessoal. O professor ajudará o aluno a procurar e seleccionar a informação mais relevante nos vastos ''oceanos de informação'' fornecendo-lhe objectivos para neles navegar. Nestas circunstâncias, o papel do professor deixará de ser tão central (apenas um orador e muitos ouvintes) para passar a ser mais periférico (muitos oradores e muitos ouvintes). No entanto, o papel do professor não será menos relevante que antes. Em particular, deve ser notado o acréscimo do raio de acção do professor que a Internet permite.

Muitos cursos estão hoje acessíveis na Internet. Por vezes, ao apresentar um curso na Internet, não é só o seu aspecto mas também o seu conteúdo que é novo. Vejamos um exemplo desta alteração de conteúdos. Uma das características do ensino actual é a compartimentação e a especialização do ensino por áreas e subáreas. Embora tal seja compreensível e mesmo necessário, tem o efeito de obscurecer as ligações entre as diferentes áreas. Por exemplo, alunos dos cursos de engenharias ou ciências exactas falham em reconhecer que as ideias e métodos que aprendem nas disciplinas de Cálculo ou Álgebra Linear são precisamente o que precisam para resolver problemas que encontram.

Assim, algumas universidades começaram a explorar outras formas de organizar conteúdos educativos. Por exemplo, o Rensselaer Polytechnic Institute, de Nova Iorque, oferece cursos baseados em módulos (http://links.math.rpi.edu/). O módulo ''Mecânica, Álgebra Linear e a bicicleta'' não é concebido para ensinar Mecânica, Álgebra Linear ou bicicletas. Em vez disso, o módulo tem a intenção de ser um guia sobre alguns conceitos de mecânica e técnicas matemáticas relacionadas, nomeadamente vectores, matrizes e sistemas de equações lineares. O módulo tenciona provocar no aluno interesse pela compreensão do modo de funcionamento da bicicleta e da forma como ela é concebida. O módulo oferece ao aluno oportunidades para aprender alguns aspectos de mecânica e matemática, sendo o tema principal a ligação entre matemática e engenharia assegurada por modelos físicos. Como demonstração gráfica, um applet de Java permite ao aluno criar novas formas de bicicletas em duas dimensões (Figura 12).


V Dificuldades de integração do computador no ensino

O balanço da utilização do computador no ensino revela-se inegavelmente positivo não apenas por ele ser um instrumento que é hoje imprescindível a um ensino activo, baseado na descoberta progressiva do conhecimento pelo aluno e na maior autonomia da sua aprendizagem, mas também porque, levantando novas questões e ressuscitando algumas questões antigas, relançou a discussão em torno de assuntos cruciais como as relações professor-aluno, aluno-aluno e o desenvolvimento das capacidades do professor e do aluno.

Para alguns ''profetas'' como Alfred Bork, o computador parecia ser a chave de uma mudança radical e definitiva do ensino. Para outros, não passava de uma máquina ameaçadora que não sabiam controlar e que abalava o poder do professor. Tem-se vindo a verificar que nenhum dos dois grupos tinha absoluta razão. Se o computador, na área da educação, nunca assumiu um papel de verdadeira ameaça para o professor, quer substituindo-o, quer retirando-lhe a operacionalidade na sala de aula, também não conseguiu, no âmbito das suas múltiplas aplicações, resolver a generalidade dos problemas educativos abrindo de par em par as portas de extraordinários mundos pedagógicos. Com efeito, apesar das suas reconhecidas potencialidades, o computador não se tornou a chave mágica da mudança educativa. Como afirmam Wilson e Redish [42], ''o computador revolucionou o modo como se faz a investigação em Física mas não alterou significativamente o modo como se ensina Física''. Como instrumento de ensino, o computador não conseguiu ainda um lugar proeminente. Continuam a faltar provas da utilidade de programas computacionais, que mostrem como eles se integram no currículo e contribuem para o maior sucesso escolar. Por vezes, o computador é visto, tanto por discentes como por docentes, mais como uma máquina de entretenimento do que como uma ferramenta de trabalho.

Segundo Cornu [43] duas razões explicam a deficiente utilização de computadores nas escolas: generalização e integração. Generalização tem aqui o significado de familiarização e assimilação dessas tecnologias por todos os professores. Segundo ele empreendem-se muitos esforços para desenvolver ferramentas educativas e são realizados muitos trabalhos que recorrem aos computadores no ensino. Contudo, só uma pequena minoria de docentes utiliza computadores quer no contexto da sala de aula quer como complemento de ensino fora das aulas. Por outro lado, Cornu é de opinião que, no ensino, as novas tecnologias estão ainda a ser integradas nas velhas disciplinas. Ora, ''as novas tecnologias apenas estarão integradas quando elas não forem ferramentas suplementares, agregadas ao que existiu antes, mas sim quando elas tomarem o lugar e se tornarem 'naturais' e 'invisíveis' como o telefone, o televisor e as calculadoras de bolso'' [43].

Convém, a este propósito, relembrar a analogia do computador com o lápis apresentada por Seymourt Papert numa conferência que proferiu em 1999, intitulada ''Diversidade na aprendizagem: uma visão para o novo milénio'': ''Imaginemos uma sociedade na qual havia escolas, mas a escrita ainda não tinha sido inventada. Por isso não havia nem livros nem lápis. Todo o ensino era feito por transmissão oral. Um dia alguém inventa a escrita e o lápis e pensou-se que iria ser o princípio da revolução na aprendizagem. Foi então decidido colocar um lápis em cada sala de aula. A essência do lápis não é algo que possa ser utilizado tendo acesso apenas algumas horas por semana ou mesmo por dia, mas sim todo o tempo sempre que for preciso, sem necessidade de deslocação em certas horas a determinados lugares. Trata-se de um instrumento pessoal e o mesmo irá acontecer com os recursos tecnológicos. Serão os lápis do futuro, na medida em que serão utilizados em qualquer lugar, sempre que forem necessários e para uma diversidade de propósitos. E, quando tal for possível, veremos que as pessoas os usarão de formas muito, muito diferentes''.

Para Mucchielli [44] os principais problemas associados ao uso dos computadores são de natureza material e pedagógica. Em relação aos problemas de ordem material refere:

• O facto de o hardware se tornar rapidamente obsoleto.

• A disponibilidade de hardware (por exemplo, na maioria dos estabelecimentos escolares não existe ainda um computador por cada aluno nas aulas).

• As ligações de hardware (por exemplo, problemas de conexão, tomadas, etc.) e a manutenção dos equipamentos.

• Os problemas de natureza pedagógica podem sistematizar-se da seguinte forma:

• A maior parte dos programas deixam bastante a desejar, não sendo utilizados pelos alunos nem na sala de aula nem em casa.

• A avaliação dos programas é difícil, dado o número crescente destes. Tal dificulta o conhecimento dos programas mais relevantes não podendo o professor apreciar devidamente a adequação destes às suas necessidades pedagógicas.

• Dificuldades na obtenção de software de boa qualidade. Muitas vezes o resultado da apresentação pelo professor de software na sala de aula é monótono para os alunos.

• Falta de formação dos docentes para utilizarem as novas tecnologias. De facto, de nada serve utilizar o melhor hardware e software na sala de aula se o professor não estiver profundamente envolvido.

O potencial pedagógico dos computadores só poderá ser totalmente realizado se existirem suficientes programas educativos de suficiente qualidade [45]. Um estudo sobre a utilização do computador em diversos sistemas educativos, incluindo o português, realizado pela International Association for the Evaluation of Educational Achievement, concluiu que um dos factores que limita a utilização pedagógica do computador é o pequeno número de programas educativos com a qualidade exigível [46]. Para que o aprendiz participe é ''necessário garantir em primeiro lugar que o ambiente onde ele vai aplicar grande parte do seu esforço seja aliciante e estimulante, até para vencer eventuais resistências a um instrumento que explora novas estratégias de ensino'' [35].

Plomp e Voogt [17] referem que os conteúdos da grande maioria do software educativo estão mal integrados com os currículos, sendo a maioria do software do tipo exercício-e-prática ou do tipo tutorial, reminiscentes da teoria behavorista, e que não exploram suficientemente as capacidades dos modernos computadores. Também Hofstein e Walberg [47] consideram que a maioria do software educativo não tem grande qualidade e que o respectivo desenvolvimento devia levar em conta os resultados das ciências cognitivas, a sua integração no currículo, bem como a interface com o utilizador. O desenvolvimento do software educativo nem sempre está ligado às didácticas das ciências, não sendo por isso feito o devido acompanhamento por especialistas em ciências e em educação científica.

O problema da avaliação de software é fulcral. Temos à disposição, hoje em dia, um vasto conjunto de programas que permite enfrentar dificuldades pedagógicas, mas faltam estudos sistemáticos sobre as vantagens efectivas da sua utilização.

São vários os autores que apontam novas ideias para o desenvolvimento de software. Por exemplo, para Ball, Higgo, Oldknow, Straker e Wood [48] o software deve permitir que os alunos interiorizem os conceitos científicos mais importantes e os apliquem na resolução de problemas concretos. Deve também ser suficientemente flexível para permitir que os alunos façam uma selecção entre os vários assuntos incluídos e ainda apelativo e fácil de usar mesmo para os leigos em informática. Por seu lado, Driver, Squires, Rushworth e Hackling [49] consideram fundamentais a articulação dos conteúdos, o seu rigor científico e a interface com o utilizador.

VI Conclusões

As recentes tecnologias de base informática abriram novas perspectivas para o ensino e aprendizagem das ciências em geral e da Física em particular. Os diversos modos de utilização do computador (aquisição de dados, modelização e simulação, multimédia, realidade virtual e Internet) permitiram a diversificação de estratégias no ensino. O professor dispõe de novas possibilidades para transmitir conteúdos e os alunos dispõem de uma maior variedade de meios para aprender.

Os modos de utilização que disponibilizam formas de aprendizagem interactivas são particularmente promissores para aprender ciências. A realidade virtual, um dos meios mais recentes, parece a este respeito promissora.

O trabalho de avaliação sobre a real eficácia de estratégias computacionais permanece em larga medida por fazer. Ele terá de ser feito para se ganhar uma melhor perspectiva sobre o real impacte dos computadores no ensino. Mas essa avaliação dos computadores no ensino não pode ser feita de modo isolado. Naturalmente que a tecnologia só por si não basta (nunca bastou!), cabendo aos professores um papel essencial na forma de rendibilização desses meios pedagógicos e aos alunos, como é óbvio, um esforço efectivo de aprendizagem.

Recebido em 21 de julho, 2003

Aceito em 06 de agosto, 2003

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2003
  • Data do Fascículo
    Set 2003

Histórico

  • Aceito
    06 Ago 2003
  • Recebido
    21 Jul 2003
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