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Usando o Excel para medidas de intervalo de tempo no laboratório de Física

Using Excel to measure time intervals in the Physics lab

Resumos

Apresentamos neste trabalho uma proposta de uso da planilha Excel como instrumento na aquisição e análise de dados em experimentos didáticos de Física, em particular, em medidas de intervalo de tempo. A aquisição de dados é feita através da entrada digital da porta de jogos da placa de som do microcomputador, utilizando sensores de infravermelho e uma macro do Excel para leitura desta entrada (com um arquivo DLL específico). Duas experiências didáticas são ilustradas: um pêndulo amortecido e um pião rotante. As planilhas que construímos para a coleta e análise de dados estão disponíveis livremente na rede.

aquisição de dados; medidas de tempo; pêndulo amortecido; pião rotante; Excel; VBA


We report on this work on the use of the Excel datasheet for data acquisition and analysis in a classroom physics laboratory, particularly for measurements of time intervals. The data acquisition system is connected to the digital game port of a PC sound card. The optical system uses infrared sensors while an Excel macro reads the digital entrance (with a specific DLL archive). Two didactical experiments are illustrated: a damped pendulum and a rotating top. Freeware datasheets constructed by us are available on the Web.

data acquisition; time measurements; damped pendulum; rotating top; Excel; VBA


ARTIGOS GERAIS

Usando o Excel para medidas de intervalo de tempo no laboratório de Física

Using Excel to measure time intervals in the Physics lab

Jalves S. FigueiraI, II; Eliane A. VeitII

ICentro Federal de Educação Tecnológica do Paraná, PR, Brasil

IIInstituto de Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Jalves S. Figueira E-mail: jalvesampaio@pop.com.br

RESUMO

Apresentamos neste trabalho uma proposta de uso da planilha Excel como instrumento na aquisição e análise de dados em experimentos didáticos de Física, em particular, em medidas de intervalo de tempo. A aquisição de dados é feita através da entrada digital da porta de jogos da placa de som do microcomputador, utilizando sensores de infravermelho e uma macro do Excel para leitura desta entrada (com um arquivo DLL específico). Duas experiências didáticas são ilustradas: um pêndulo amortecido e um pião rotante. As planilhas que construímos para a coleta e análise de dados estão disponíveis livremente na rede.

Palavras-chave: aquisição de dados, medidas de tempo, pêndulo amortecido, pião rotante, Excel, VBA.

ABSTRACT

We report on this work on the use of the Excel datasheet for data acquisition and analysis in a classroom physics laboratory, particularly for measurements of time intervals. The data acquisition system is connected to the digital game port of a PC sound card. The optical system uses infrared sensors while an Excel macro reads the digital entrance (with a specific DLL archive). Two didactical experiments are illustrated: a damped pendulum and a rotating top. Freeware datasheets constructed by us are available on the Web.

Keywords: data acquisition, time measurements, damped pendulum, rotating top, Excel, VBA.

1. Introdução

Nos últimos anos houve um crescimento do número de publicações nesta revista na área de aquisição de dados como suporte para a realização de experimentos de Física de cunho didático [1-8]. Em ritmo mais lento que o desejado, o microcomputador começa a se tornar uma real possibilidade para as atividades didáticas de Física, inclusive nas escolas de nível médio brasileiras. Em recentes publicações, Haag [1] e Aguiar et al. [2], entre outros, mostraram que é possível a realização de medidas físicas, de tempo e temperatura, com baixo custo, usando a porta de jogos da placa de som. Nosso trabalho também envolve medidas de tempo via entrada digital da porta de jogos, porém se distingue dos acima mencionados em dois aspectos:

- utilizamos a planilha Excel tanto para a aquisição quanto para a análise de dados. Aguiar et al. [2] utilizaram a linguagem LOGO e Haag [1], um programa especial para a leitura dos dados e a planilha Excel para analisá-los;

- a montagem do sensor ótico é distinta, pois em nosso caso o emissor e o receptor do feixe de infravermelho podem ser colocados um ao lado do outro, sendo utilizada uma superfície refletora para desviar o feixe de infravermelho no sentido do receptor. Sistemas reflexivos são utilizados na leitura de códigos de barra, por exemplo. Nas montagens usuais de experiências didáticas, o feixe é emitido diretamente no sentido do receptor.

Nosso trabalho se assemelha aos destes e de outros autores [5-8] sob o ponto de vista educacional, pois entendemos que a aquisição automática pode e deve ter participação ativa de estudantes e professores não somente na coleta e análise de dados, mas também na construção dos sensores, na montagem dos experimentos e no desenvolvimento de softwares, permitindo a vivência de todo o processo de medida. Entendemos, também, que a aquisição automática deva ser introduzida na escola especialmente porque cabe ao sistema escolar acompanhar os avanços científicos e tecnológicos em que está inserido.

Nossa motivação para o uso de planilhas eletrônicas se deve aos seguintes fatos:

- são altamente ajustáveis às necessidades em vários campos de atividade, assim como na vida doméstica;

- permitem cálculos numéricos sem conhecimento de qualquer linguagem de programação ou metáfora simbólica;

- cálculos com planilhas costumam ser inteligíveis e apreciados por professores de ensino médio, enquanto programas escritos em linguagem de programação não têm a mesma receptividade;

- planilhas eletrônicas propiciam a construção de gráficos.

Em particular, usamos a planilha Excel. Ainda que, em princípio, sejamos partidários do uso de softwares gratuitos, o Excel, por fazer parte do Office, costuma estar disponível na maior parte das escolas. Adicionalmente, planilhas eletrônicas livres que apresentam grande potencialidade já existem [9] e a adaptação de nosso trabalho para um sistema livre depende tão somente da possibilidade de leitura da entrada de jogos.

A planilha Excel é acompanhada por um interpretador e editor da linguagem Visual Basic, que permite a construção de macros (seqüência de comandos e funções armazenadas em um módulo do Visual Basic) para execução de uma tarefa. Temos, então, a possibilidade de executar em uma única planilha a coleta e interpretação dos dados ganhando com isso em tempo e flexibilidade de uso1 1 A linguagem LOGO, utilizado por Aguiar et al. [2], tamb¥em apresenta estas vantagens. . Programas comerciais para aquisição de dados, como os ofertados pela PASCO [10] e PICO [11], não permitem o acesso às rotinas, de modo que não há flexibilidade no uso destes pacotes.

Na próxima seção descrevemos sucintamente como ocorre a aquisição de dados via a entrada digital da porta de jogos, a montagem do sistema ótico utilizado e alguns detalhes da planilha construída para aquisição de intervalos de tempo. A seção III é dedicada a aplicações: pêndulo amortecido e movimento de rotação de um pião. São apresentadas medidas para a variação do período do pêndulo amortecido em função da amplitude, bem como para a velocidade angular máxima atingida em cada oscilação. A aceleração angular de um pião é tratada em função do torque aplicado e do momento de inércia. Finalmente, as conclusões finais do trabalho são apresentadas na seção IV. Alguns detalhes sobre a construção de macros no Excel, bem como os códigos fontes das macros que construímos, constituem o Apêndice. As planilhas utilizadas neste trabalho estão disponíveis livremente na rede [12].

2. Aquisição automática via entrada digital da placa de som

Neste artigo apresentamos resultados de medidas obtidas via a entrada da porta de jogos da placa de som. Dentre as diversas vantagens apresentadas pelo uso da placa de som na aquisição de dados, destacamos o baixo custo em relação às interfaces comerciais, a segurança contra riscos à placa mãe do microcomputador e a dispensa de circuitos eletrônicos externos que desempenham o papel de interface analógico-digital.

Recomendamos as publicações de Haag [1] e Aguiar et al. [2] para detalhes sobre o funcionamento da placa de som, assim como Cavalcante et al. [13] para a discussão de precisão de medidas obtidas em sistemas digitais. Aqui nos restringimos aos aspectos diretamente relacionados às medidas realizadas.

A entrada de jogos utiliza um conector do tipo DB15, com interface para dois joysticks. A Fig. 1 detalha a numeração dos pinos deste conector, assim como indica a função de cada um dos pinos e a tensão (terra ou 5 V) fornecida pela porta de jogos.


Os joysticks usuais possuem dois botões correspondentes às entradas digitais, e dois potenciômetros, às analógicas. É possível enviar informação para o microcomputador pressionando (liberando) os botões e/ou variando as resistências dos potenciômetros. Para as medidas de intervalo de tempo realizadas, foi utilizado um botão da entrada digital (número 2).

2.1. Detecção nas entradas digitais da porta de jogos

O computador usa o sistema binário, constituído pelos dígitos 1 (um) e 0 (zero). O conjunto de entradas digitais e analógicas forma uma ''palavra'' ou um byte. Ao ler a entrada da porta de jogos, o computador recebe um byte de informação, que corresponde a oito bits: um bit para cada um dos quatro botões e para cada uma das quatro entradas analógicas, conforme esquematizado na Fig. 2. Os bits de 0 a 3, da direita para esquerda, informam os estados dos potenciômetros; os de número 4 a 7 informam os estados dos botões.


Ao ser pressionado um botão, o potencial na linha de saída torna-se 0 V, colocando o bit correspondente no valor ''0''. Quando o botão é solto, o potencial na linha retorna para seu valor original (5 V) e o valor do bit passa a ser ''1''. Para se coletar informação via entrada digital, é necessário um sistema que altere o valor do bit de ''0'' para ''1'', ou vice-versa, quando determinado evento ocorrer. Para medidas de intervalos de tempo, um sistema apropriado pode ser construído com um emissor e um receptor de infravermelho. Quando não há obstáculo que impeça a passagem do feixe entre o emissor e o receptor, o sistema permanece em ''0''; se houver bloqueio do sinal luminoso, o receptor passa para o ''1''. Com um software apropriado, por exemplo, a planilha Excel, utilizada neste trabalho, pode-se registrar se o sistema está no estado alto ou baixo em função do tempo e, então, determinar o tempo de bloqueio.

2.2. Montagem do sistema ótico

Para a detecção do tempo de duração de um evento, utilizamos um diodo emissor de infravermelho (LED), alimentado pelo microcomputador (pinos 1, 8 ou 9) e, como receptor, um fototransistor. Fototransistores e fotodiodos são componentes eletrônicos que convertem sinal luminoso em elétrico. Optamos pelo uso de um fototransistor porque o ganho de corrente elétrica gerada pelo sinal luminoso é maior. Estes dispositivos são construídos com material semicondutor e atuam em comprimentos de onda de 400 a 1000 nm. Conforme pode ser visto na Fig. 3, o conjunto emissor e receptor foi montado em peças de lego - brinquedo infantil - pela facilidade de manuseio e baixo custo.


Na Fig. 4 vê-se um esquema do sistema ótico de medida. Os números apresentados do lado esquerdo da figura correspondem à numeração dos pinos do conector DB15 macho. O diodo emissor (B) é um LED de uso geral e o receptor (A), um fototransistor, Til75 ou equivalente. Um resistor (R) de 330 ohms deve ser ligado em série para limitar a corrente que circula pelo LED. O feixe de infravermelho é refletido pela superfície S e dirigido para o receptor. Na parte inferior da figura, vê-se detalhes do circuito emissor e receptor. Um cuidado requerido na montagem diz respeito à polaridade do LED e do fototransistor.


O princípio de funcionamento desta montagem é simples: o feixe de infravermelho é desviado pela superfície refletora e incide no fototransistor. Portanto, uma corrente é drenada do pino 2, colocando o bit 4 no estado zero. Ao passar um objeto entre os emissor-receptor e a superfície refletora, o feixe deixa de incidir no fototransistor, que se comporta como uma chave aberta, e o bit 4 salta de ''0'' para ''1''.

2.3. Leitura e registro das entradas digitais usando o Excel (VBA)

Tipicamente planilhas eletrônicas permitem a programação de fórmulas matemáticas e comandos lógicos em células. Adicionalmente, o Excel possui um editor e interpretador da linguagem Visual Basic (VBA), que possibilita que tarefas que exigem uma seqüência de funções e comandos possam ser programadas nesta linguagem, armazenadas em uma macro e executadas através de um único comando a partir da planilha, por exemplo, clicando em um botão. Este recurso do Excel é explorado neste trabalho para a leitura das entradas digitais e cálculo de grandezas físicas, como período, velocidade e aceleração.

Ao contrário de outras linguagens de programação, como o Basic e LOGO, o Visual Basic não dispõe de um comando específico para acessar as portas de entrada do microcomputador. Há duas alternativas: i) acessar a biblioteca do Windows chamada API (Application Programming Interface), que contém arquivos específicos com funções de acesso aos endereços da porta de jogos, ou ii) utilizar arquivos de uma biblioteca de links dinâmicos, do tipo DLL 2 2 Arquivos do tipo DLL (dynamic link library) contêm uma coleção de comandos e dados que podem ser compartilhados por diferentes programas de uma mesma plataforma. Programas executáveis carregam os arquivos DLL enquanto rodam. , que contêm funções específicas para a leitura e registro dos valores das entradas. Optamos por esta alternativa, usando o arquivo inpout32.dll [14], que apresenta a possibilidade de leitura, através da função inp32, e de escrita, com out32. Detalhes sobre a elaboração de uma macro no Excel para leitura e registro da porta de jogos são apresentados no Apêndice. Também disponibilizamos livremente na rede as planilhas que elaboramos [12] .

2.4. Medidas de intervalo de tempo e cálculo da velocidade linear e angular

Medidas de intervalos de tempo são feitas monitorando a porta de entrada. No instante em que há uma interrupção do feixe de infravermelho, o sinal em um dos bits digitais vai de ''0'' para ''1''. Neste instante lê-se o relógio do Windows. Para isto usamos a função timeGeTime, que retorna o tempo (em milisegundos) decorrido desde o instante em que o sistema operacional foi inicializado. Outros autores, entre eles Aguiar et al. [2], utilizam funções semelhantes em outras linguagens. Quando o feixe é desobstruído, o sinal retorna ao valor ''0''. Novamente lendo-se o relógio do Windows, pode-se determinar o intervalo de tempo em que o feixe ficou obstruído.

Vamos nos concentrar na determinação do período e velocidades (linear e angular) de sistemas oscilatórios, e de um movimento circular, pois na seção III são estudados o movimento de um pêndulo amortecido e o movimento de rotação de um pião. Reproduzimos os pontos essenciais do raciocínio. Consideremos um pêndulo, constituído por uma massa pendular esférica, de diâmetro D. No ponto de altura mínima, a esfera passa entre o conjunto emissor-receptor e a superfície reflexiva S, da Fig. 4, interrompendo o feixe de infravermelho. Ao final de um ciclo completo, a esfera interrompe o feixe duas vezes, o sinal digital completa quatro ''saltos'' (alternando entre ''0'' e ''1''), conforme ilustrado na Fig. 5. Nos intervalos de tempo entre t1 e t2, t3 e t4e entre t5 e t6 a esfera permanece em frente ao sensor e nos intervalos entre t2 e t3 e entre t4 e t5, não.


O período de uma oscilação completa pode ser obtido a partir de3 3 Na planilha construída [12], reproduzida no Apêndice, há um fator de 1/1000 porque o tempo de máquina é medido em milisegundos e o período calculado em segundos.

O módulo da velocidade linear de um móvel de comprimento D, que obstrua o feixe por um intervalo de tempo Dt, é dado por:

onde d é a largura do feixe. A correspondente velocidade angular pode ser obtida pela razão v/R, sendo R é o raio do movimento oscilatório, que coincide com o comprimento do pêndulo simples equivalente.

Com um raciocínio semelhante, pode-se concluir que para um movimento circular, em que há obstrução do feixe entre t1 e t2 e entre t3 e t4, o período pode ser calculado por:

sendo a velocidade angular w = 2 p/T.

3. Aplicações

Além das aplicações no estudo da cinemática de uma partícula, o sistema de aquisição de dados que propomos pode ser utilizado em medidas de freqüências de polias, de velocidade angular no estudo da cinemática e dinâmica da rotação, e na máquina de Atwood, permitindo determinar a aceleração e momento de inércia do sistema.

Em medidas de intervalo de tempo com o computador, devem-se considerar as limitações da máquina e do próprio software utilizado. Diodos e transistores, assim como as interfaces, possuem tempo de resposta muito pequeno ( ~ 10 - 9s) comparado com os requeridos em experiências didáticas usuais, como as apresentadas nesta seção.

3.1. Pêndulo amortecido

Como ilustração, apresentamos os resultados obtidos na investigação do movimento de um pêndulo com amortecimento. Esta experiência foi realizada por Aguiar et al. [2], com sistema ótico semelhante, mas usando a linguagem LOGO para aquisição de dados, ao invés de uma planilha Excel. A Fig. 6 mostra a montagem do equipamento com base em um conjunto de lego. O sistema ótico é disposto de modo que quando o pêndulo se encontra na posição de equilíbrio, o feixe incide no meio da massa pendular. A macro, elaborada para a leitura dos dados e determinação do período de oscilação e da velocidade angular máxima, está listada no Apêndice, assim como detalhes de sua implementação em uma planilha. O período é obtido pela Eq. 1 e o módulo da velocidade linear da massa pendular no ponto de altura mínima é calculado pela Eq. 2, sendo D diâmetro da massa pendular eda largura do feixe. O módulo da velocidade angular é obtido, então, dividindo este valor por L+D/2, onde L é o comprimento do fio. Os valores de L, D e d são parâmetros de entrada para os cálculos, sendo introduzidos em células específicas da planilha. Os resultados para o período e velocidade angular no ponto de altura mínima são transferidos, em tempo real, para duas colunas da planilha eletrônica [12], que imediatamente constrói os gráficos apresentados nas Figs. 7 e 8. Na Fig. 7 vê-se a velocidade angular máxima em função do tempo, tendo o pêndulo sido solto de 48º. Gradativamente a velocidade angular máxima diminui em função do amortecimento produzido pela forças resistivas, atingindo o valor zero para um tempo suficientemente grande, em que o pêndulo pára de oscilar. Na Fig. 8 vê-se que período de oscilação tende a um valor constante, correspondente ao período do pêndulo para pequenas amplitudes4 4 Estes dados apresentam qualidade semelhante aos produzidos por Aguiar et al. [2].




Via de regra o aluno decora que o período do pêndulo simples é constante para pequenas amplitudes, sem compreender o que significa pequena amplitude ou como se comporta o período do pêndulo quando a amplitude não é pequena. O fato de que no sistema automatizado rapidamente se podem obter dados permite que o professor os reproduza em diferentes situações e disponha de maior tempo para explorar os conceitos envolvidos de modo a criar melhores condições para que a aprendizagem seja significativa [15], ao invés de meramente mecânica. Por exemplo, dada a altura da massa pendular na posição inicial, e medindo-se com este sistema a velocidade máxima no primeiro ciclo do pêndulo, pode-se investigar a conservação de energia mecânica. Não introduzimos estes cálculos na planilha que disponibilizamos, porque entendemos apropriado deixá-los como um desafio aos alunos.

3.2. Movimento de rotação de um pião

O movimento de um pião, usualmente descrito como giroscópio [16], envolve diversas grandezas e leis de conservação, com grau de dificuldade elevado para o aluno de ensino médio, não fazendo parte do currículo deste nível de ensino. Porém, acreditamos que seja uma atividade enriquecedora e de caráter motivador para os alunos, se for dada especial ênfase aos aspectos conceituais. É possível ao professor, usando esse experimento, trabalhar com os conceitos velocidade e aceleração angulares e de momento de inércia, e, ao usar os dados do Excel, as habilidades mínimas na construção de gráficos.

Nosso objetivo neste experimento é o estudo do movimento de rotação de um pião. Nesta aplicação, devido ao elevado valor da velocidade angular ( ~ 100 rad/s), a aquisição automática e o sistema reflexivo são indispensáveis, pois não haveria a possibilidade de se prender um dos sensores óticos no pião, sem afetar seu movimento de rotação.

A montagem é apresentada na Fig. 9. O emissor (LED) e receptor (transistor) de infravermelho estão presos nas peças de lego. A superfície do pião é refletora e, estando ela à frente do sistema ótico, o feixe de infravermelho é desviado no sentido do receptor. Uma fita adesiva preta, anti-reflexiva, fixa no pião, é necessária para que o sinal na saída do fototransistor seja alternado entre ''0'' e ''1'' (e vice versa) a cada giro do pião. A realização do experimento é simples: coloca-se o pião a girar e aproxima-se o sensor para captura dos dados.


Algumas considerações devem ser feitas sobre o modelo usado na interpretação dos dados:

- não foi considerado o movimento de precessão do pião, pois as medidas foram tomadas no início do movimento do pião, quando este efeito ainda não é relevante;

- considera-se somente o torque produzido pelas forças de atrito, pelo argumento que segue.

A dinâmica do movimento é descrita pela equação5 5 O caráter vetorial desta equação é dispensável, pois sua validade se restringe ao caso em que o pião gira em torno de um eixo vertical, como no presente caso. :

onde é o torque devido à força de arraste, que é função de características do fluido, no caso ar, do tamanho e forma do pião e do módulo da velocidade angular do pião em relação ao ar; e, é o torque devido à força de contato, que é uma função de várias variáveis, com estrutura complexa. Porém como o braço de alavanca da força de contato é muito pequeno, a > > c e em uma boa aproximação pode-se desprezar c frente à a . Assim, no lado direito da Eq. 4 pode-se levar em conta somente o efeito da força de arraste. A dependência da força de arraste com a velocidade de rotação de um disco foi investigada nas Ref. 17 e 18, tendo sido verificado que nem sempre a dependência linear e/ou quadrática na velocidade angular é suficiente para descrever os dados experimentais [17]. Desconhecemos dados experimentais para a rotação de um pião, além dos apresentados neste trabalho.

O torque produzido pela força de arraste produz uma desaceleração no pião, reduzindo o valor da velocidade angular. A Eq. 4 mostra a relação de proporcionalidade entre o torque e o valor da aceleração angular ().

Na Fig. 10 apresentamos os dados obtidos durante 10 s a 15 s, em quatro distintos lançamentos, com diferentes valores iniciais de w. No gráfico são apresentados os valores médios da velocidade angular obtidos a cada três rotações completas do pião. Procedemos deste modo, para reduzir o número de dados, sem perder informações físicas relevantes. Nos lançamentos A e D, o momento de inércia é o mesmo, apenas variando a velocidade inicial. Nos lançamentos B e C, foram fixados no pião três pequenos parafusos simetricamente afastados do eixo, de tal modo que o momento de inércia do pião nestes lançamentos é maior do que nos lançamentos A e D. O perfil curvo de todas as curvas decorre da existência de forças resistivas que provocam uma redução gradativa na velocidade angular. Para um mesmo momento de inércia, a taxa de variação da velocidade angular com o tempo é qualitativamente a mesma, conforme pode ser visto comparando a curva A à D e a curva B à C. A comparação do par de curvas A-D ao par B-C torna visível que, para momento de inércia maior, a taxa de variação da velocidade angular é reduzida, conforme implícito na Eq. 4. É possível ajustar estas curvas com uma função exponencial do tipo w = wo exp( - m t)obtendo-se coeficientes de correlação cujo quadrado são superiores 0,99. Assim, a suposição de que a resistência é proporcional à velocidade parece ser uma boa aproximação para o tratamento do problema, especialmente nos lançamentos B e C. Os coeficientes de atenuaçãom para os lançamentos A, B, C e D são, respectivamente, 0,090 s - 1, 0,053 s- 1, 0,056 s - 1 e 0,077 s - 1.


Uma análise mais pormenorizada pode ser feita investigando a dependência da aceleração com a velocidade. Na Fig. 11 apresentamos o módulo da aceleração angular média obtido a partir dos valores da velocidade angular média correspondente a cada cinco rotações. Observa-se que a dependência não é linear em todo o intervalo; para valores superiores a 100 rad/s a ação das forças resistivas apresenta uma dependência na velocidade com potência superior a um. Cisneros et al. [19] estudam a dependência da aceleração angular com a velocidade angular, para um disco em rotação usando um contador eletrônico acoplado a um detector de luz para medida de tempo. Nesta referência as velocidades angulares máximas são inferiores a 50 rad/s e a resistência apresenta comportamento linear em v.


No trabalho de Cisneros et al. [19] a coleta de dados requer o trabalho de dois alunos. Como explicado pelos autores: ''Um deles com um cronômetro funcionando permanentemente liga e desliga o contador nos instantes apropriados, o segundo aluno durante os intervalos de preparação, registra o número de pulsos de intervalo anterior e zera o contador.'' Claro está que a automatização da aquisição de dados, conforme já apontado pelos autores supracitados, é amplamente bem-vinda para a exploração das várias interessantes propostas da Ref. [19].

4. Conclusão

Neste trabalho foi apresentada uma contribuição para o uso do computador no laboratório didático de Física. A aquisição de dados usando a planilha Excel mostrou-se prática e flexível em diferentes experimentos. Propostas anteriores, não-comerciais, de aquisição de dados geralmente usavam mais de um programa para coleta e análise dos dados. Com uma macro do Excel é possível executar tarefas com poucas linhas de programação, ganhando com isso em tempo e facilidade de uso. Em muitos experimentos, é possível verificar os dados em tempo real. Os recursos gráficos de uma planilha, aliados à coleta de dados, fornecem aos professores e alunos um instrumento de análise de fácil uso com aplicações em inúmeras áreas da Física, sempre com vistas à melhoria do ensino. A aquisição automática de dados aqui proposta permite, ainda, uma economia de tempo que pode permitir melhores condições para que o foco das atividades práticas esteja concentrado no fenômeno físico, na análise e interpretação de resultados, e não na obtenção de dados experimentais, como apontado por Borges [20].

Agradecimentos

Ao Prof. Fernando Lang da Silveira, pela leitura crítica deste manuscrito; à Profa. Cleonis Viater, esposa de JSF, pelo auxílio, compreensão e correção do manuscrito e ao Centro de Referência para o Ensino de Física- IF/UFRGS, onde este trabalho foi realizado.

Recebido em 18/04/04; Aceito em 01/06/04

Apêndice

Neste apêndice indicamos como construir uma macro para o Excel, usando a biblioteca inpout32.dll, que lê e registra dados coletados via entrada da porta de jogos, no Windows98. Para ter acesso ao editor do Visual Basic, proceda da seguinte forma: com a planilha do Excel aberta, clique em exibir e, após barras de ferramentas e Visual Basic. Assim estará disponível uma caixa de ferramentas para trabalhar com macros. A macro construída para a coleta de dados terá as seguintes funções: executar cálculos e testes repetitivos e ler o byte de informação presente na porta de jogos.

Para que o Visual Basic reconheça a função inp32 e leia o valor do byte presente na porta de jogos, há necessidade de configuração da dll. Com a planilha do Excel aberta proceda da seguinte forma: i) abra o Editor do Visual Basic; ii) na barra de ferramentas insira um novo módulo; iii) copie a seguinte linha de comando:

Public Declare Function Inp Lib "inpout32.dll"

Alias "Inp32" (ByVal PortAddress As Integer) As Byte

iv) após copie o arquivo inpout32.dll para a pasta do diretório Windows.

Estamos agora em condições de utilizar a função inp32 presente no arquivo inpout32.dll.

A macro que construímos para a aquisição de dados de um pêndulo utilizando o Excel, segue abaixo. Deixamos de incluir as linhas de declaração de variáveis, para não tornar este artigo demasiadamente longo. Pelo mesmo motivo, não reproduzimos a macro para aquisição de dados do movimento do pião. De qualquer modo, ambas as planilhas estão disponíveis livremente na Ref. [12], contendo algumas instruções para seu uso.

' Aquisicao usando MACRO do EXCELL - PENDULO

' jalvesampaio@pop.com.br

Sub Botòao1 Clique()

parar = False

L = Worksheets("Coleta dados").Cells(12,

1).Value

Diametro = Worksheets("Coleta dados").Cells(12,

2).Value

LarguraFeixe = Worksheets("Coleta dados"). Cells(15, 2).Value

PortAddress = &H201

x1 = (Inp(PortAddress) And 16) / 16

t0 = timeGetTime

x0 = x1

Do Until parar = True

DoEvents

x1 = (Inp(PortAddress) And 16) / 16

If x0 ¡¿ x1 Then

x0 = x1

t1 = timeGetTime

Matriz(count) = t1

count = count + 1

If count = 6 Then

Calculos

End If

End If

Loop

End Sub

Sub Calculos()

t1 = Matriz(0)

t2 = Matriz(1)

t3 = Matriz(2)

t4 = Matriz(3)

t5 = Matriz(4)

t6 = Matriz(5)

Periodo = ((t5 + t6) - (t1 + t2)) / 2000

Vangular = 1000 * (Diametro - LarguraFeixe) / ((t4 - t3) * (L + Diametro / 2))

Tempo = (((t4 + t3) / 2) - t0) / 1000

i = i + 1

Worksheets("Coleta dados").Cells(i + 9, 4).Value = Tempo

Worksheets("Coleta dados").Cells(i + 9, 5).Value = Periodo

Worksheets("Coleta dados").Cells(i + 9, 6).Value = Vangular

Matriz(1) = t6

Matriz(0) = t5

count = 2

End Sub

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  • [16] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica, v. 1, Mecânica (Editora Edgard Blucher Ltda., 2000), 3ª Ediçăo.
  • [17] L. Basano and P. Ottonello, it American Journal of Physics 57, 999 (1989).
  • [18] B.G. Thompson and P.A. Smith, American Journal of Physics 72, 839 (2004).
  • [19] J.I. Cisneiros e E. Lujan, Revista Brasileira de Ensino de Física 18, 1 (1996).
  • [20] J.T. Borges, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 19, 291 (2002).
  • Endereço para correspondência
    Jalves S. Figueira
    E-mail:
  • 1
    A linguagem LOGO, utilizado por Aguiar et al. [2], tamb¥em apresenta estas vantagens.
  • 2
    Arquivos do tipo DLL (dynamic link library) contêm uma coleção de comandos e dados que podem ser compartilhados por diferentes programas de uma mesma plataforma. Programas executáveis carregam os arquivos DLL enquanto rodam.
  • 3
    Na planilha construída [12], reproduzida no Apêndice, há um fator de 1/1000 porque o tempo de máquina é medido em milisegundos e o período calculado em segundos.
  • 4
    Estes dados apresentam qualidade semelhante aos produzidos por Aguiar
    et al. [2].
  • 5
    O caráter vetorial desta equação é dispensável, pois sua validade se restringe ao caso em que o pião gira em torno de um eixo vertical, como no presente caso.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jan 2005
    • Data do Fascículo
      2004

    Histórico

    • Aceito
      01 Jun 2004
    • Recebido
      18 Abr 2004
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