Acessibilidade / Reportar erro

A energia elétrica da Termodinâmica, a entalpia elétrica da Mecânica Estatística e as energias livres elétricas

The internal energy, the enthalpy and the free electrical energies

Resumos

Nota-se que os conceitos de energia elétrica empregados usualmente em Termodinâmica e em Mecânica Estatística não são os mesmos e mostra-se que, de fato, estão relacionados por uma transformação de Legendre, aquele originário da Mecânica Estatística sendo o análogo da entalpia em relação à energia interna no esquema P-V-T. As energias livres elétricas são também definidas.

Termodinâmica; Mecânica Estatística; energias livres elétricas


It is noticed that the concepts of energy usually employed in Thermodynamics and in Statistical Mechanics are not the same and are indeed related through a Legendre transformation, the one coming from Statistical Mechanics working as the enthalpy works in relation to the internal energy in the P-V-T scheme. The electrical free energies are also defined.

Thermodynamics; Statistical Mechanics; electrical free energies


ARTIGOS GERAIS

A energia elétrica da Termodinâmica, a entalpia elétrica da Mecânica Estatística e as energias livres elétricas

The internal energy, the enthalpy and the free electrical energies

G.F. Leal Ferreira

Instituto de Física de São Carlos, DFCM, USP São Carlos, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência G.F. Leal Ferreira E-mail: guilherm@if.sc.usp.br

RESUMO

Nota-se que os conceitos de energia elétrica empregados usualmente em Termodinâmica e em Mecânica Estatística não são os mesmos e mostra-se que, de fato, estão relacionados por uma transformação de Legendre, aquele originário da Mecânica Estatística sendo o análogo da entalpia em relação à energia interna no esquema P-V-T. As energias livres elétricas são também definidas.

Palavras-chave: Termodinâmica, Mecânica Estatística, energias livres elétricas.

ABSTRACT

It is noticed that the concepts of energy usually employed in Thermodynamics and in Statistical Mechanics are not the same and are indeed related through a Legendre transformation, the one coming from Statistical Mechanics working as the enthalpy works in relation to the internal energy in the P-V-T scheme. The electrical free energies are also defined.

Keywords: Thermodynamics, Statistical Mechanics, electrical free energies.

1. Introdução

Termodinâmica e Mecânica Estatística devem se tocar suavemente, mostrando coerência entre as visões macro e microcóspica. Para que isso ocorra é necessário que um conceito tenha em ambas o mesmo significado. Vejamos o que acontece no caso do conceito de energia interna U, em presença de campo elétrico, que necessita no seu estabelecimento, da definição de trabalho elétrico. Este é dado, na sua variação elementar, por .d, em que é o campo elétrico e o deslocamento. Como, no MKS racionalizado, tem-se = e0+, resulta d = e0d+d, a parte do trabalho associado à polarização é .d (note, composto do produto de grandeza intensiva com a variação de grandeza extensiva, como no trabalho mecânico). Acontece que no estudo da Eletrostática, ao se considerar a energia de um dipolo em um campo elétrico, a energia é dada por -. e a variação da energia do dipolo ao se variar o campo como -.d. Na unidade de volume de corpo polarizado este trabalho elementar tornar-se-á -.d, expressão que não concorda com o trabalho anteriormente calculado, igual a .d. A energia interna U, com trabalho elétrico elementar .d, e a energia HE, com trabalho elementar -.d, diferem mas, como veremos, estão relacionadas por uma transformação de Legengre da mesma forma que a energia interna e a entalpia o fazem na Termodinâmica P-V-T. A descrição de sistemas em presença de campos aplicados se expressa mais facilmente na Mecânica Estatística em termos da energia HE que, pela razão exposta, pode ser chamada de entalpia elétrica. Em [1] esse tema é abordado (para o caso de materiais magnéticos), de uma forma não completamente inteligível para nós, mas que foi essencial para a gênese da presente discussão. Veja a seção V para Agradecimentos. Na comparação entre os enfoques proporcionados pela Termodinâmica e pela Mecânica Estatística vamos tomar o caso em que a polarização obedece a lei de Curie.

2. Formulação termodinâmica da polarização elétrica obedecendo a lei de Curie

Seguiremos de perto nesse assunto a referência [2], simplificando o tratamento para o caso de campo uniforme. A variação da energia interna, dU, em termos da variação da entropia, dS, e do trabalho elétrico EdP, é

sendo T a temperatura absoluta. Tomando como variáveis independentes T e E e determinando dS vem

Juntando os termos em dT e em dE e impondo que dS seja diferencial exata, ou seja,

leva a

Assumindo que a polarização é linear com o campo elétrico,

sendo c(T) a susceptibilidade dependente da temperatura T, que no caso de obedecer a lei de Curie, é

leva, pelas Eqs. 4-6, a

Isto significa que num processo isotérmico em que o campo é variado, a soma do trabalho realizado (positivo) e do calor absorvido (negativo, diminuição da entropia) se equivalem, Eq. 1, para processos satisfazendo a lei de Curie. É interessante analisar este resultado em face do modelo mecânico-estatístico da polarização elétrica a ser introduzido com mais detalhe na próxima seção e que satisfaz a lei de Curie. Ele está esboçado na Fig. 1, o do duplo poço de potencial (modelo de Fröhlich [3]), de altura ø, ocupado por uma única carga móvel, formando dipolo com carga central, não mostrada. Com campo elétrico aplicado da esquerda para a direita, a população de cargas no poço I da esquerda diminuiria e a da direita, poço II, aumentaria. Com aumento adicional do campo elétrico, mais cargas deixariam I, ultrapassando a barreira de potencial, mas o excesso de energia ganho do campo para a ultrapassagem da barreira, seria dissipado em II, em forma de calor, que seria depois drenado para fora do sistema num processo isotérmico. Isto é, de fato, não há nenhum aproveitamento do trabalho elétrico para acumulação de energia interna, como mostra a Eq. 7, o que aconteceria, por exemplo, no modelo em que a carga estivesse ligada por uma mola à posição de equilíbrio quando o aumento do campo implica em aumento da energia da mola.


Com as Eqs. 5-7, podemos retornar à Eq. 2 e obter dS, que dá

que é uma diferencial exata (¶2STE = ¶2SET)

3. Formulação por Mecânica Estatística da polarização obedecendo a lei de Curie

Na análise pela Mecânica Estatística voltemos à Fig. 1. Sejam N duplos-poços por unidade de volume, com N/2 dipolos positivos e N/2 dipolos negativos na ausência de campo elétrico. A aplicação de um campo elétrico na direção positiva, de I para II (Fig. 1), aumentará a população do poço II em detrimento da população do poço I. Para encontrarmos as populações de equilíbrio, consideremos a energia livre F do sistema de dipolos em presença do campo E, F = U'-TS, sendo U' a 'energia' que queremos identificar e comparar com a energia interna termodinâmica U. A população de equilíbrio será aquela que minimiza F à temperatura constante. Sendo N1 e N2 as populações nos poços I e II, sujeitas à condição N1+N2 = N, a energia U', de acordo com o conceito de energia do dipolo em presença de campo elétrico, é

em que e é a carga elementar e ea o momento de dipolo. Já a entropia S, sendo k a constante de Boltzmann, é

Para minimizar F = U'-TS em relação a N2 a T constante, achemos ¶U'/¶N2 e, depois, com a aproximação de Stirling e manipulações, ¶SN2 obtendo

e

Usando estas relações em ¶FN2 = 0 vem

que leva ao seguinte valor de equilíbrio para N2

que linearizada dá

e

Substituindo estes valores nas Eqs. 9 e 10 obtemos para a energia U' e para a entropia S, até 2a ordem em E

e

A polarização P, igual a ea(N2-N1), resulta em

que comparada com as Eqs. 5 e 6 , fornece o valor de C:

4. Comparação entre as energias U e U'

Vê-se que a diferencial total de S na Eq. 18 coincide com a parte da diferencial na Eq. 8 dependente do campo elétrico. Já U' na Eq. 17 não coincide com o que se deduz da Eq. 7 que é U(E) = 0. Notemos que escrevendo a Eq. 1 como

ou como

que é o procedimento adotado para se produzir uma transformação de Legendre da variável P na variável E, obtemos com U = 0,

As Eqs. 17 e 19 usadas nesta expressão mostram que de fato -PE = U'. Confirmamos então que na formulação pela Mecânica Estatística o conceito de energia elétrica não é o mesmo daquele empregado na Termodinâmica, justicando a denominação de entalpia elétrica, já que o procedimento adotado na sua obtenção é análogo ao da passagem da energia interna para a entalpia no esquema P-V-T.

5. As energias livres elétricas

Se nas Eqs. 1 e 22 faz-se TdS igual a d(TS)-SdT e passa-se a diferencial total para o lado esquerdo das equações (o que configura transformação de Legendre nas variáveis T e S), chega-se às energias livres elétricas, U+TS e HE+TS. Esta segunda é especialmente útil em processos isotérmicos já que sua variação (com o campo elétrico) é -P.

Agradecimentos

O autor agradece ao Prof. Francisco Castilho Alcaraz as discussões havidas sobre o tema e, em especial, a indicação da referência [1].

Recebido em 07/04/04; Aceito em 26/05/04

  • [1] C. Kittel, Elementary Statistical Physics (J. Wiley & Sons, N. York, 1961), parte 1, seçăo 18.
  • [2] M. Abraham e R. Becker, Classical Theory of Electricity and Magnetism (Blackie, Londres, 1952), parte IV.
  • [3] H. Fröhlich, Theory of Dielectrics (Oxford at Clarendon Press, 1949), cap. II.
  • Endereço para correspondência

    G.F. Leal Ferreira
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jan 2005
    • Data do Fascículo
      2004

    Histórico

    • Aceito
      26 Maio 2004
    • Recebido
      07 Abr 2004
    Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: marcio@sbfisica.org.br