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Por que, apesar do grande avanço da pesquisa acadêmica sobre ensino de Física no Brasil, ainda há pouca aplicação dos resultados em sala de aula?

CARTA AO EDITOR

Por que, apesar do grande avanço da pesquisa acadêmica sobre ensino de Física no Brasil, ainda há pouca aplicação dos resultados em sala de aula?

Segundo Moreira [1], a questão da aprendizagem no ensino de Física começou a emergir no Brasil na década de setenta, logo após o período dos projetos curriculares para o Ensino Médio que envolviam diretamente ou indiretamente o ensino de Física, período classificado por ele como paradigma dos projetos. Para ele, o motivo da passagem relativamente efêmera deste paradigma parece que foi a falta de uma concepção de aprendizagem destes projetos, ou seja, eles foram muito claros em dizer como se deveria ensinar a Física, mas nada ou pouco disseram sobre como aprender Física. Conforme Moreira [1], a pesquisa sobre como aprender Física (a questão da aprendizagem) consolidou-se na década de oitenta com as investigações sobre concepções espontâneas, e hoje, se encontra em pleno vigor com um grande número de trabalhos e pesquisas bastante diversificadas: concepções espontâneas, mudança conceitual, resolução de problemas, representações mentais dos alunos, formação inicial e permanente de professores, etc.

Ainda na década de setenta, surgiram o Simpósio Nacional de Ensino de Física - SNEF (1970), as primeiras dissertações e teses em ensino de Física no Brasil (1972) e a Revista de Ensino de Física (1979), hoje (desde 1992), Revista Brasileira de Ensino de Física (RBEF), que se tornou um dos grandes veículos de divulgação e de publicação de trabalhos científicos e didáticos relativos ao ensino de Física; até então, não havia uma revista especializada na área (Pena e Freire Jr. [2]).

Nos anos oitenta surgiram o Caderno Catarinense de Ensino de Física (1984), hoje (desde 2002), Caderno Brasileiro de Ensino de Física (CBEF) - que também se tornou um dos grandes desaguadores e referências para a pesquisa em ensino de Física no Brasil - e o Encontro de Pesquisa em Ensino de Física - EPEF (1986).

Mais tarde, a partir da década de noventa, nasceram a Revista Ciência & Educação (1995), Revista Investigações em Ensino de Ciências (1996), o Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências - ENPEC (1997) e as revistas Ensaio - Pesquisa em Educação em Ciências (1999), a Física na Escola (2000) e ABRAPEC (2001). Periódicos e evento que, juntamente com RBEF, CBEF e as atas do SNEF e EPEFs, vêm sendo os principais disseminadores dos resultados da pesquisa em ensino de Física no Brasil.

Apesar do grande avanço da pesquisa acadêmica sobre ensino de Física no Brasil, no sentido da compreensão dos problemas relativos ao ensino dessa Ciência, e da existência de um sistema de divulgação (periódicos, eventos, dissertações, teses, cursos de pós-graduação etc), ainda há pouca aplicação desses resultados em sala de aula. Isto pode ser observado no trabalho de Marandino [3] quando coloca que mesmo com a crescente produção da pesquisa em ensino de Ciências e apesar da ampliação do número de experiências que incorporam os resultados das pesquisas do campo educacional, tais resultados ainda encontram resistências à sua aplicação na prática pedagógica, visto que a prática concreta dos professores na área ainda é marcada por perspectivas tradicionais de ensino e aprendizagem, seja por motivos políticos e econômicos da própria educação, seja por problemas na própria formação do professor de Ciências.

Megid e Pacheco [4] antecipam a colocação de Marandino [3] quando dizem que não basta simplesmente transferir os resultados da pesquisa para o professor, que é preciso que o professor circunstancie e transforme tais resultados frente a sua realidade escolar, a realidade de seus alunos, as suas convicções metodológicas, políticas e ideológicas, caso não tenha participado efetivamente da produção e análise desses resultados. Questão já sinalizada no trabalho de Mortimer [5] - quando diz que um tipo de problema que vem sendo apontado nas estratégias de ensino construtivista é a dificuldade na preparação de professores para atuar segundo essa perspectiva, e que a aplicação dessas estratégias em sala de aula tem resultado numa relação de custo-benefício altamente desfavorável, gastando-se muito tempo com poucos conceitos, e muitas vezes não resultando na construção de conceitos científicos, mas na reafirmação do senso comum - e no trabalho de Carvalho e Vannuchi [6] quando chamam a atenção sobre a assimetria encontrada entre a significativa incidência de proposições no sentido do uso da história e filosofia da ciência no ensino de Ciências, e o pequeno número de experiências de sala de aula com essa abordagem.

Para Rosa [7] parece necessário o desenvolvimento de pesquisas que nos indiquem que conhecimentos a pesquisa em ensino de Ciências conseguiu gerar até momento, e que podem ser traduzidos na forma de instruções para o ensino das diversas Ciências.

Moreira [1] alerta que não se pode esperar que a pesquisa em ensino de Física aponte soluções milagrosas, ou panacéias, para o ensino em sala de aula, alegando que boa parte da pesquisa em ensino de Física é básica e não visa aplicabilidade imediata em sala de aula.

Studart [8] discute o tema realçando pontos como a definição de critérios que permitam ao docente avaliar a utilidade e o possível impacto da pesquisa na melhoria da qualidade do processo de ensino/aprendizagem; a diferença entre pesquisa em ensino de Física e pesquisa em Física; e o preconceito, por parte dos não pesquisadores em ensino de Física, contra qualquer mudança substancial no ensino.

Delizoicov [9] enfatiza a necessidade de se conceber a pesquisa em ensino de Ciências como Ciências humanas aplicadas. Para ele isto significa, dentre outros aspectos, considerar o impacto dos resultados de pesquisa em ensino de Ciências no âmbito da educação escolar. Ou seja, responder a seguinte questão: qual é o retorno, em termos de usos e aplicações, dos resultados de pesquisa em ensino de Ciências para alterações significativas das práticas educativas na escola?

Segundo Delizoicov [9], para o exame desse problema, três aspectos, pelo menos, precisam ser analisados: o teor das pesquisas; o uso dos resultados das pesquisas nos cursos de formação, tanto enquanto subsídios para a atuação do docente formador de professores, como conteúdo a ser incluído no currículo de formação; e o uso dos resultados em cursos de formação continuada de professores. Ele crê que o possível anacronismo de docentes formadores relativos à produção em ensino de Ciências não se deve a simples rejeição ou preconceitos em relação à área, ainda que eles existam, e pensa que uma pesquisa, tendo como foco o impacto da produção da área na atuação do docente formador, forneceria elementos elucidativos da importância da pesquisa em ensino de Ciências.

Relativamente à formação continuada, Delizoicov [9] coloca que nos últimos anos tem havido múltiplas iniciativas, bem como alguma discussão sobre a temática, mas que resta avaliar o que elas têm significado em termos de modificação da prática docente e da incorporação pelos envolvidos no processo de formação dos resultados de pesquisa em ensino de Ciências, eventualmente empregados, e que tais cursos, quando não planejados juntamente com o professor e desconsiderando as condições em que está atuando na escola, têm pouca influência na implantação de novas práticas na perspectiva de almejar mudanças. Ele ainda diz que é preciso tratar com alguma parcimônia as críticas ao problema do débil retorno dos resultados da pesquisa em ensino de Ciências para a sala de aula. Primeiro, porque o pesquisador está sujeito, de alguma forma, dependendo do seu engajamento em processos de intervenção nas duas instâncias formadoras, a um contexto sobre o qual não tem controle. Segundo, porque o impacto dos resultados de pesquisa em ensino de Ciências em práticas educativas no interior da escola ou de redes de ensino é bastante diferenciado, não tendo um único padrão como referência, isto é, que qualquer tipo de pesquisa possa estar mantendo essa distância. Por último, que o teor das pesquisas de algum modo tem relação com esse problema.

Por um lado, fica claro que a pesquisa em ensino de Física avançou bastante na identificação de muitos dos problemas que assolam o ensino de Física e na apresentação de propostas de intervenção e subsídios para ação pedagógica do professor em sala de aula com vista à formulação de tentativas de superação desses problemas (Megid e Pacheco [4]). Por outro lado, pouco avançou na questão da aplicação dos resultados de pesquisa em sala de aula.

Portanto, faz-se necessário - para responder a pergunta intitulada neste texto - identificar os resultados de pesquisa em ensino de Física que vêm sendo aplicados em sala de aula, bem como investigar o que favorece e o que dificulta a aplicação de tais resultados.

Fábio Luís Alves Pena - IF/UFBA

Referências

[1] M. Moreira, Rev. Bras. Ens. Fis. 22, 1 (2000).

[2] F.L.A. Pena e Freire Jr, in 4o Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, CD - ROM, Bauru, SP (2003).

[3] M. Marandino, Cad. Bras. Ens. Fis. 20, 2 (2003).

[4] J. Megid Neto e D. Pacheco, in: Pesquisas sobre o ensino de Física do 2º grau no Brasil - concepção e tratamento de problemas em teses e dissertações. Roberto Nardi (org.), Pesquisas em Ensino de Física (Escrituras, São Paulo, 1998).

[5] E.F. Mortimer, Rev. Inv. Ens. Cien. 1, 1 (1996).

[6] A.M.P. Carvalho e A. Vannuchi, Rev. Inv. Ens. Cien. 1, 1 (1996).

[7] P.R.S. Rosa, Cad. Bras. Ens. Fis. 16, 2 (1996).

[8] Editorial, Rev. Bras. Ens. Fis. 23, 3 (2001).

[9] D. Delizoicov, Cad. Bras. Ens. Fis. 21, 2 (2004).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Abr 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 2004
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