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Como o potencial vetor deve ser interpretado para revelar analogias entre grandezas magnéticas e elétricas

How the vector potential is to be interpreted in order to reveal analogies between magnetic and electric quantities

Resumos

Mostra-se a partir dos potenciais de Liénard-Wiechert que o potencial vetor pode, em geral, ser expresso como produto do potencial escalar e da velocidade da carga que o cria, constituindo-se como se fosse uma espécie de vento de potencial. Mostra-se daí como uma certa analogia existente entre grandezas magnéticas e elétricas pode ser entendida.

potencial vetor; potencial escalar; potenciais de Liénard-Wiechert; relação entre potenciais elétricos


Starting from the Liénard-Wiechert potentials, it is shown that the vector potential can always be expressed as a product of the scalar potential and the velocity of the charge creating it, looking like a kind of potential wind. From that, it is shown how a certain existing similarity between magnetic and electric quantities may be understood.

vector potential; scalar potential; Liénard-Wiechert potentials; relation between electrical potentials


ARTIGOS GERAIS

Como o potencial vetor deve ser interpretado para revelar analogias entre grandezas magnéticas e elétricas

How the vector potential is to be interpreted in order to reveal analogies between magnetic and electric quantities

G.F. Leal Ferreira

Instituto de Física de São Carlos, São Carlos, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência G.F. Leal Ferreira E-mail: guilherm@if.sc.usp.br.

RESUMO

Mostra-se a partir dos potenciais de Liénard-Wiechert que o potencial vetor pode, em geral, ser expresso como produto do potencial escalar e da velocidade da carga que o cria, constituindo-se como se fosse uma espécie de vento de potencial. Mostra-se daí como uma certa analogia existente entre grandezas magnéticas e elétricas pode ser entendida.

Palavras-chave: potencial vetor, potencial escalar, potenciais de Liénard-Wiechert, relação entre potenciais elétricos.

ABSTRACT

Starting from the Liénard-Wiechert potentials, it is shown that the vector potential can always be expressed as a product of the scalar potential and the velocity of the charge creating it, looking like a kind of potential wind. From that, it is shown how a certain existing similarity between magnetic and electric quantities may be understood.

Keywords: vector potential, scalar potential, Liénard-Wiechert potentials, relation between electrical potentials.

1. Introdução

Embora a Eletrostática se inicie pelo estudo da carga pontual, as distribuições de carga são logo popularizadas afim de se ter acesso a várias situações de interesse. E quando os fenômenos não estacionários são depois abordados, as expressões dos potenciais de distribuições volumétricas são tomadas como ponto de partida, convenientemente generalizadas para incluir o efeito de retardo, gerando os potenciais retardados nos quais se toma em conta o tempo de propagação da ação do elemento de carga ao ponto considerado, com a velocidade da luz. Dos potenciais retardados, por um processo limite, chega-se aos potenciais de uma carga pontual em movimento -os potenciais de Liénard-Wiechert (L-W) -, que não são simplismente os potenciais contados a partir da posição retardada da carga, pois devem ser corrigidos por uma fator bem conhecido, que chamamos de paralaxe cinética, [1-4] (ver seção 3).

Propuzemos há pouco [5] obter os potenciais de L-W diretamente da consideração da carga em movimento. Os potenciais desta seriam naturalmente os potenciais devido à posição retardada da carga, justificando o fator de paralaxe cinética acima mencionado por setem os potenciais grandezas propagadas e, como tais, sujeitas a efeito do tipo Doppler, devido ao movimento da carga em relação ao ponto do espaço em consideração.

Aquí, propomos voltar a considerar, como elemento básico de análise de um sistema dinâmico de cargas, as cargas pontuais em movimento (e não as densidades de carga e corrente). Acontecerá então algo bastante interessante nesta descrição a partir das cargas. Enquanto que na linguagem dos potenciais retardados o potencial vetor parace ter um papel primordial via a chamada condição de Lorentz, o oposto ocorrerá aquí, na qual o potencial vetor será visto como uma grandeza satélite do potencial escalar - como uma espécie de vento do potencial escalar -, e permitirá mostrar a velada semelhança entre as grandezas elétricas e magnéticas, o que é muito relevante didaticamente.

2. A condição de Lorentz

É bem conhecido [1-4,6] que os potenciais retardados, escalar F(, t) e vetorial (, t), estão relacionados pela condição de Lorentz, sendo c a velocidade da luz,

relação essa cuja origem pode ser traçada à equação da continuidade existente entre suas fontes, as densidades de corrente e de carga [2]. Como curiosidade histórica, mencionamos que B. Riemann deduziu, no contexto de sua teoria, uma equação como a Eq. 1, interpretando-a com os conceitos da época da seguinte maneira [7]: como uma equação de continuidade, em que F representaria a densidade de éter e c sua densidade de corrente.

3. Os potenciais de Liénard-Wiechert

Os potenciais F(, t) e (, t) de uma carga pontual q, com velocidade ,os potenciais de Liénard-Wiechert, são

ou seja, podemos escrever

em que = – , sendo a posição da carga q, e [ ]ret indicando que as grandezas no interior do colchete devem ser calculadas na posição e tempo retardados. f(, t) na Eq. 4 é o potencial por unidade de carga,

A Eq. 4 mostra claramente haver uma relação direta entre F = qf e , o potencial vetor sendo uma espécie de vento de potencial escalar, com sua velocidade medida em termos da velocidade da luz. Isto exploraremos no que segue. Note-se que f(, t) na Eq. 4 inclui no retardo o termo de paralaxe, isto é, não é puramente do tipo coulombiano.Como já foi dito, propusemos em [5] atribuir os potenciais L-W, Eqs. 2 e 3, diretamente à posição retardada da carga, corrigida por efeito do tipo Doppler, e paralaxe cinétrica, devido ao movimento da carga em relação ao ponto do espaço em questão, mas o que fazemos a seguir depende somente da aceitação das Eqs. 2-4 .

É bastante trabalhoso mostrar diretamente que os potenciais nas Eqs. 2 e 3 satisfazem a Eq. 1, devido em especial à dependência de em e t. Embora as expressões desenvolvidas em [8] ajudem nessa tarefa, preferimos evitá-la e para isto preparamos o terreno na próxima e na seção 5 voltaremos a esse ponto

4. Os potenciais instantâneos e a condição de Lorentz

Tomemos agora os potenciais instantâneos, Fi(, t) que definimos das Eqs. 2 e 3 desprovendo-as do retardo (mas mantendo o termo de paralaxe),

Mostraremos que a condição de Lorentz, Eq. 1, se torna uma identidade para este caso. Para os potenciais instantâneos, Fi(, t) e i(, t), sendo Fi, e naturalmente fi, funções de - (t)), podemos escrever a Eq. 4 como

ou definindo (, t)

Em primeiro lugar achemos a divergência de (, t) = qfi(, t)(t). Ela é

Por outro lado a derivada parcial em relação ao tempo de fi(, t) é

tornando a condição de Lorentz uma identidade para os potenciais instantâneos, válida para todos os pontos e todos os tempos t. Note-se que nos potenciais instantâneos, o retardo foi desprezado mas o efeito de paralaxe foi mantido. Pode-se obter uma aproximação em que ambos os efeitos são considerados e válida até a ordem de v2/c2 e de ar/c2, sendo a aceleração da carga e r a distância à carga, [8-10] (ver seção 8).

5. A validade da condição de Lorentz para os potenciais L-W no tempo atual

Retomemos o caso da validade da Eq. 1 para o tempo atual dos potenciais L-W, Eqs. 2 e 3. Na Fig. 1, (tret) é a posição retardada em relação ao ponto P, de posição . Os potenciais instantâneos que seriam criados pela carga q quando situada em (tret) satisfariam as Eqs. 10 e 11 para todos os pontos do espaço no tempo tret, inclusive no ponto P. Isto nos permite concluir que os potenciais L-W também satisfazem a Eq. 1 no tempo t, embora cada posição requera uma posição retardada (tret) diferente. Na maioria dos casos práticos o retardo também pode ser desprezado, e a Eq. 5 se simplifica para


em que fc é do tipo coulombiano.

6. Sistema de cargas e correntes

Se várias cargas qj com diferentes velocidades j agem no ponto ,com potenciais unitários fj, o potencial vetor total será a soma dos potenciais vetores de cada carga,

omitindo-se por brevidade a dependência em e t. No caso de distribuições estacionárias de corrente, em que uma carga é a todo instante substituida por outra de igual velocidade em cada ponto, pode-se prescindir de acompanhar seu movimento em relação ao ponto considerado, e os potenciais fj serão os potenciais unitários de pontos da distribuição em relação àquele ponto. Usualmente o retardo e a paralaxe podem ser ignorados, Eq. 12, e a Eq. 13 vai na expressão usual do potencial vetor

em que r e são a densidade carga móvel e de corrente. Note-se que a relação entre o potencial escalar e vetorial de cada carga móvel continua valendo, como indica a passagem intermediária, mas esta identificação detalhada perde visibilidde na expressão usual à direita na Eq. 14. Note-se também que no caso de distribuição de correntes neutras, o potencial escalar se cancela pela presença de cargas positivas imóveis neutralizando as negativas móveis, deixando como única ação a do vento de potencial.

Como é sabido, a Eq. 14 gera a Lei de Biot-Savart e a velada semelhança entre ela e a Lei de Coulomb é compreendida.

7. O campo de indução magnética

Voltemos à carga em movimento e calculemos primeiramente a induçã o magnética instantânea,

i(, t). Ela, pela Eq. 8, será

em que Ù simboliza o produto vetorial. Se agora o retardo é considerado, teremos, por argumento semelhante ao usado na seção V, justificando a validade da condição de Lorentz para os potenciais L-W, o seguinte. Pode-se ver, Fig. 1, que com a carga em (tret), a Eq. 15 valeria para todos os pontos do espaço em torno de (tret) no tempo retardado tret, inclusive no ponto P.

Concluimos então que podemos escrever para o valor atual da indução, B(, t), de uma carga em movimento, em geral,

Na aproximação usual em que o retardo e a paralaxe são desprezados valerá

com generalização imediata para o caso de circuitos, na lei de Biot-Savart.

8. A indução eletromagnética

Para se ter acesso ao estudo da indução eletromagnética é necessário usar a aproximação mencionada no fim da seção IV, na qual resulta o potencial vetor ser ainda dado pela Eq. 12 [8-10]. Concluimos então que a indução eletromagnética, ~ – ¶t, criada por um circuito no qual a corrente é variável, é causada pela aceleração de suas cargas móveis [11].

9. Considerações finais

Muitos consideram o Eletromagnetismo Clássico como obra terminada. Isto seria literalmente verdadeiro se nada restasse para ser entendido. Mas esse não é caso, na nossa opinião. Há em primeiro lugar o problema da precedência entre os campos de força, elétrico e magnético, e seus potenciais [10]. Acontece que estes últimos obedecem a leis causais de propagação o que os torna mais confiáveis fisicamente. Mas por que o calibre de Coulomb [11] funciona às vezes tão bem? Há também a questão de o sistema gaussiano de unidades parecer ser o sistema mais apropriado para expressar as relações eletromagnéticas, evitando o uso das permitividades elétrica e magnética do vácuo, que não se sabe exatamente o que significam (apesar da popularidade do sistema MKS). Mas o papel que c, velocidade da luz, joga no sistema gaussiano também não é claro. Às vezes se diz que a Teoria da Relatividade explica a sua presença, mas note-se que o fator c aparece em cada sistema de coordenadas. Na formulação do Eletromagnetismo pela Álgebra Geométrica [12, 13], formulação esta extremamente compacta, aparece o operador ( + ), indicando uma correlação fundamental entre o espaço e o tempo no interior de um único sistema de coordenadas.

No século XIX chegou-se a pensar que para se compreender realmente a Natureza, as teorias físicas destinadas a explicá-la deviam ser susceptíveis de uma interpretação mecânica, garantidora de sua inteligibilidade. Com o advento da Teoria da Relatividade, quando as tensões do éter desapareceram, houve um movimento em sentido oposto, procurando-se evitar qualquer traço de explicação mecanicista. Quanto à relação entre os potenciais vetorial e escalar explicitada aquí, -aquele uma espécie de 'vento' deste-, esperamos que, embora 'the limits to allowable heterodoxy in science are soon reached' (talvez mais em Física), [14], não se considere que a estreita zona tenha sido ultrapassada aqui. Afinal, com ela, conseguiu-se diminuir o número de grandezas eletromagnéticas independentes e revelar semelhanças entre grandezas magnéticas e elétricas.

O autor agradece à colega, Profa. Mariangela T. de Figueiredo, o suporte na preparação deste e ao árbitro convidado pela RBEF pela crítica de que a versão original não realçava o avanço didático que o texto permite fazer.

[9] Referência [6], seção 64.

[14] Em [8], p. 500, faz-se referência à frase de Sir A. Schuster da qual retiramos o trecho citado.

Recebido em 07/08/2004; Revisado em 17/11/2004; Aceito em 18/11/2004

  • [1] R.P. Feynman, R.B. Leighton e M. Sands, The Feynman Lectures (Addison-Wesley, 1966), v. II, cap. 1.
  • [2] E.V. Bohn, Introduction to Electromagnetic Fields and Waves (Addison-Wesley, 1968), cap. 11.
  • [3] J.D. Jackson, Classical Electrodynamics (John Wiley & Sons, 1962), cap. 14.
  • [4] J. Marion, Classical Electromagnetic Radiation (Academic Press, 1967), cap. 8.
  • [5] G.F. Leal Ferreira, Rev. Bras. Ens. Fis. 26, 287 (2004).
  • [6] É interessante mencionar que o texto dos famosos autores, L. Landau e E. Lifchitz, Théorie du Champ (Éditions MIR, 1966), năo deduz a condiçăo de Lorentz, antes a infere por generalizaçă o năo convincente, cap. VIII, Eq. 62.3.
  • [7] Sir Edmund Whittaker, A History of the Theories of Aether and Electricity (Humanities Press, 1973), cap. VIII.
  • [8] A. O'Rahilly, Electromagnetic Theory, A Critical Examination of Fundamentals (Dover, 1965), cap. VI.
  • [10] G.F. Leal Ferreira, Rev. Bras. Ens. Fis. 26, 27 (2004).
  • [11] G.F. Leal Ferreira, Rev. Bras. Ens. Fis. 23, 395 (2001). Neste trabalho usou-se o calibre de Coulomb.
  • [12] Jayme Vaz Jr., Rev. Bras. Ens. Fis. 19, 234 (1997), seçăo IV.
  • [13] B. Jancewicz, Multivectors and Clifford Algebra in Electrodynamics (World Scientific, 1989).
  • Endereço para correspondência
    G.F. Leal Ferreira
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Abr 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Recebido
      07 Ago 2004
    • Revisado
      17 Nov 2004
    • Aceito
      18 Nov 2004
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