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Einstein e a teoria de caos quântico

Einstein and the quantum chaos theory

Resumos

O trabalho de Einstein intitulado Sobre o teorema quântico de Sommerfeld e de Epstein [1,2], publicado em 1917, propõe uma generalização da regra de quantização de Bohr, Sommerfeld e Epstein para sistemas multidimensionais integráveis. Ao mesmo tempo, Einstein nota que sistemas não-integráveis não podem ser quantizados dessa maneira. Essa observação indica pela primeira vez a não trivialidade do limite semiclássico de sistemas caóticos, e pode ser considerado como pioneiro da teoria de caos quântico.

Einstein; regras de quantização; caos quântico


Einstein's paper On the quantum theorem of Sommerfeld and Epstein [1,2], published in 1917, proposes a generalization of the quantization rule of Bohr, Sommerfeld and Epstein for multi-dimensional integrable systems. Einstein also points out that non-integrable systems could not be quantized with such rules. This observation indicates for the first time the non-triviality of the semiclassical limit of chaotic systems and can be considered a pioneer in the theory of quantum chaos.

Einstein; quantization rules; quantum chaos


ARTIGOS DE EINSTEIN E ENSAIOS SOBRE SUA OBRA

Einstein e a teoria de caos quântico

Einstein and the quantum chaos theory

M.A.M. de Aguiar1 1 E-mail: aguiar@ifi.unicamp.br.

Instituto de Física 'Gleb Wataghin', Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil

RESUMO

O trabalho de Einstein intitulado Sobre o teorema quântico de Sommerfeld e de Epstein [1,2], publicado em 1917, propõe uma generalização da regra de quantização de Bohr, Sommerfeld e Epstein para sistemas multidimensionais integráveis. Ao mesmo tempo, Einstein nota que sistemas não-integráveis não podem ser quantizados dessa maneira. Essa observação indica pela primeira vez a não trivialidade do limite semiclássico de sistemas caóticos, e pode ser considerado como pioneiro da teoria de caos quântico.

Palavras-chave: Einstein, regras de quantização, caos quântico.

ABSTRACT

Einstein's paper On the quantum theorem of Sommerfeld and Epstein [1,2], published in 1917, proposes a generalization of the quantization rule of Bohr, Sommerfeld and Epstein for multi-dimensional integrable systems. Einstein also points out that non-integrable systems could not be quantized with such rules. This observation indicates for the first time the non-triviality of the semiclassical limit of chaotic systems and can be considered a pioneer in the theory of quantum chaos.

Keywords: Einstein, quantization rules, quantum chaos.

1. Introdução

Einstein é conhecido por ter dado contribuições fundamentais em várias áreas da Física. Dessas contribuições, sua participação na teoria de caos quântico, que praticamente nasce com esse trabalho de 1917 [1,2], permanece ainda razoavelmente desconhecida.

A percepção de Einstein sobre os problemas conceituais envolvidos na transição clássico-quântica de sistemas caóticos acontece antes da própria teoria quântica estar completa e muito antes da teoria clássica de sistemas caóticos ser reconhecida dentro da Física. A teoria moderna de caos quântico de fato só se consolidaria cerca de 50 anos após a publicação deste trabalho de Einstein, com a derivação da famosa fórmula do traço de Gutzwiller no início da década de 70 [3,4].

Para podermos apreciar a importância deste trabalho, temos que nos lembrar do contexto em que foi publicado. Antes da formulação da teoria quântica, buscavam-se maneiras de conciliar a mecânica clássica com a observação experimental da quantização dos níveis de energia dos átomos. As propostas de Bohr e Sommerfeld indicavam que os movimentos permitidos no mundo microscópico eram apenas aqueles onde a integral ò p dq sobre um período completo do movimento fosse um multiplo inteiro da constante de Planck. Essas 'regras de quantização' funcionavam bastante bem para o átomo de hidrogênio e para o oscilador harmônico, mas tinham uma restrição crítica: para aplicá-las, o movimento clássico deveria ser unidimensional ou multidimensional, mas separável em algum sistema de coordenadas.

Neste trabalho, Einstein dá duas contribuições importantes para a compreensão das regras de quantização. A primeira consiste em estendê-las para sistemas não separáveis, desde que esses tivessem tantas constantes de movimento independentes quantos fossem seus graus de liberdade. Atualmente esses sistemas são ditos integráveis. Nesse caso, Einstein mostrou que a integral a ser calculada é ò ·d, pois o integrando é um invariante canônico. A integral deveria ser feita sobre diferentes circuitos fechados e irredutíveis gk no espaço de fases, devendo seu valor ser um múltiplo inteiro da constante de Planck, nkh. A cada circuito deveria corresponder um número quântico nk distinto.

A segunda contribuição de Einstein é simplesmente observar que quando o sistema clássico não possui o número necessário de constantes de movimento (como Poincaré já havia apontado para o problema de três corpos), nem mesmo a sua regra de quantização se aplicaria e não se sabia como proceder para 'quantizar' o sistema.

Com o aparecimento da equação de Schrödinger e da interpretação de Copenhagen da mecânica quântica, a questão da quantização estava resolvida. A cada sistema associava-se um operador Hamiltoniano cujos autovalores eram as energias procuradas. A regra de Einstein, conhecida hoje como EBK - de Einstein, Brillouin e Keller [1,5,6,7] - poderia ser obtida formalmente da equação de Schrödinger no limite semiclássico, quando valores típicos da integral de ação, ò ·d, são muito maiores do que . Mostra-se que a regra EBK é exata para movimentos harmônicos e uma boa aproximação para os movimentos radiais e angulares do átomo de hidrogênio.

No entanto, nem tudo estava resolvido: se o limite semiclássico de um sistema integrável fornece as regras EBK, como ficaria o limite semiclássico de um sistema caótico? Se a resposta a essa pergunta fosse simples, com certeza Einstein a teria encontrado imediatamente! No entanto, com tantos outros problemas fascinantes movimentando a Física do início do século, essa questão ficou esquecida. Sua retomada aconteceu apenas com a percepção de que sistemas não-integráveis eram a maioria dentro da Física. Sistemas tão simples quanto um pêndulo duplo ou uma partícula movendo-se livremente dentro de fronteira com a forma de um estádio apresentavam movimentos caóticos [8].

O passo fundamental para a solução do problema vislumbrado por Einstein veio com Gutzwiller [3], que mostrou que, no limite semiclássico, a densidade quântica de níveis de energia está relacionada com o conjunto das órbitas periódicas do sistema clássico. Embora a conexão clássico-quântica de sistema caóticos não esteja ainda totalmente compreendida, muitos progressos e aplicações deste estudo, batizado de caos quântico, têm sido feitos desde então. E mais uma vez admiramos a intuição e a sabedoria de Albert Einstein, que soube enxergar a complexidade desta questão cinco décadas antes da comunidade dos físicos estar preparada para tratá-la.

  • [1] A. Einstein, Deutsche Physikalische Gesellschaft Verhandlungen 19, 82 (1917).
  • [2] A. Einstein, Rev. Bras. Ens. de Fís. 27, 103 (2005).
  • [3] M.C. Gutzwiller, J. Math Phys. 10, 1004 (1969); 11, 1791 (1970); 12, 343 (1971).
  • [4] M.C. Gutzwiller, Chaos in Classical and Quantum Physics (Springer, New York, 1990).
  • [5] L. Brillouin, J. Phys. Radium 7, 353 (1926).
  • [6] J.B. Keller, Ann. Phys. 4, 180 (1958).
  • [7] A.M. Ozorio de Almeida, Sistemas Hamiltonianos: Caos e Quantizaçăo (Editora da Unicamp, 1990), traduzido de Hamiltonian Systems: Chaos and Quantization (Cambridge University Press, 1989).
  • [8] M.V. Berry, in Chaotic Behavior of Deterministic Systems, editado por G. Ioss, R.G.H. Helleman e R. Stora, Les Houches, Session XXXVI, p. 171 (1983).
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jul 2005
    • Data do Fascículo
      Mar 2005
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