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O oscilador harmônico amortecido forçado revisitado

The forced damped harmonic oscillator revisited

Resumos

Neste artigo, pretendemos apresentar as aulas sobre o oscilador harmônico amortecido forçado, usando um método geral, para se obter as soluções de equações diferenciais de segunda ordem, não homogêneas. Desta forma, essa contribuição servirá como uma forma de modernizar o tratamento dado em textos conhecidos como os de Symon e Marion. Ele serve também como material didático para alunos do curso de Mecânica I, no segundo ano da graduação do curso de bacharelado em Física. Sugerimos aos alunos interessados que efetuem todos os cálculos passo a passo, para uma melhor compreensão deste trabalho.

oscilador harmonico; amortecimento; operadores classicos


In this article, we present ''lectures" about the well-know mechanics problem of a forced damped harmonic oscillator. We use the general method of solving second-order linear, non-homogenous, differential equation. In this fashion our contribuition here should serve to "modernize" the usual textbook treatments of this problem. These lectures can be presented to second year undergraduate students of physics. We suggest that the students go through all the steps used in the derivations.

harmonic oscillator; damping; classical operators


ARTIGOS GERAIS

O oscilador harmônico amortecido forçado revisitado

The forced damped harmonic oscillator revisited

A.C. Bertuola; M.S. Hussein1 1 E-mail: hussein@fma.if.usp.br. ; M.P. Pato

Instituto de Física, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

Neste artigo, pretendemos apresentar as aulas sobre o oscilador harmônico amortecido forçado, usando um método geral, para se obter as soluções de equações diferenciais de segunda ordem, não homogêneas. Desta forma, essa contribuição servirá como uma forma de modernizar o tratamento dado em textos conhecidos como os de Symon e Marion. Ele serve também como material didático para alunos do curso de Mecânica I, no segundo ano da graduação do curso de bacharelado em Física. Sugerimos aos alunos interessados que efetuem todos os cálculos passo a passo, para uma melhor compreensão deste trabalho.

Palavras-chave: oscilador harmonico, amortecimento, operadores classicos.

ABSTRACT

In this article, we present ''lectures" about the well-know mechanics problem of a forced damped harmonic oscillator. We use the general method of solving second-order linear, non-homogenous, differential equation. In this fashion our contribuition here should serve to "modernize" the usual textbook treatments of this problem. These lectures can be presented to second year undergraduate students of physics. We suggest that the students go through all the steps used in the derivations.

Keywords: harmonic oscillator, damping, classical operators.

1. Introdução

O oscilador harmônico amortecido e forçado é um problema popular e importante no curso de mecânica em nível de graduação. O tratamento encontrado nos textos comuns, como o de Symon [1], Marion [2] e Goldstein [3], mesmo ditos completos deixam algo a desejar. Em particular, ao método de Green é dado uma atenção marginal no livro de Symon. Durante os dois anos que ministramos este curso no IFUSP, procuramos dar uma atenção especial à parte matemática deste problema. O método de Green que desenvolvemos aqui, não utiliza a transformada de Fourier, cuja compreensão pelos alunos é em princípio mais difícil. Procuramos então usar os métodos usuais de solução das equações diferenciais ordinárias.

Usando a notação análoga ao livro texto do Symon, a equação de movimento de uma partícula de massa m, sujeita à força harmônica F = -kx (Lei de Hooke), à força de atrito F = -bv e a uma força externa F(t) é dada pela segunda Lei de Newton

que após divisão pela massa m da partícula, modifica-se para

na qual g (g = ) é o parâmetro que indica a intensidade do amortecimento do movimento, enquanto é a freqüência do oscilador não amortecido. A Eq. (2) é uma equação diferencial ordinária de segunda ordem, não homogênea. A seguir apresentaremos as soluções da equação diferencial de segunda ordem, não homogênea, obtidas por meio de operadores diferenciais.

2. Método dos operadores

Para determinar a solução geral desta equação, introduzimos o operador de diferenciação D º , tal que a Eq. (2) assuma a seguinte forma

Facilmente a Eq. (3) pode ser reescrita na forma fatorada

em que P+ e P– são coeficientes constantes (em geral números complexos) que satisfazem duas condições. A primeira condição é que a soma desses coeficientes é o próprio parâmetro de amortecimento,

e a segunda condição é que o produto dos coeficientes é igual ao quadrado da frequência natural de oscilação,

As Eqs. (5) e (6) podem ser reconhecidas como um sistema de duas equações e duas incógnitas. Portanto os coeficientes P+ e P– podem ser obtidos explicitamente e os resultado são

e

Existem três possibilidades para considerar: a) o amortecimento crítico se g2 = ; b) o amortecimento subcrítico (ou subamortecimento) se g2 < e c) o amortecimento supercrítico(ou superamortecimento) se g2 > . No caso (a) os coeficientes P+ e P– obedecem à condição P+ = P–. Nesse caso teremos que procurar uma outra solução homogênea a fim de satisfazer às condições inicais: x(0) = x0 e (0) = v0. Faremos isso em seguida. No caso (b) os coeficientes P+ e P– são números complexos e conjugados P+ = . No caso (c) P+ e P– são números reais e distintos entre si.

Para achar a solução geral da Eq. (4), introduzimos uma nova variável Z–, definida por

que é uma combinação linear da velocidade e da posição da partícula em um determinado instante de tempo, como mostra a última igualdade de (9). Usando Z–(t) , a Eq. (4) fica

que é uma equação diferencial ordinária, não homogênea, de primeira ordem cuja solução pode ser obtida explicitamente. De fato, usando o fator integrante e algumas manipulações algébricas, chegamos à solução

onde a constante de integração A– é determinada pela condição inicial A– = Z–(0) = v0 - P–x0.

Usando a simetria da equação de movimento nos coeficientes P+ e P– podemos, de maneira análoga ao que foi feito acima, reescrevê-la como uma equação de primeira ordem da forma

na qual introduzimos a função Z+(t) = (D - P+) x = - P+x = v(t) - P+x(t).

A solução da Eq. (12) é determinada da mesma maneira que foi feito para a Eq. (10), bastando somente trocar P+ por P– e A– por A+, na Eq. (11). A forma analítica para Z+(t) é dada por

em que a constante de integração A+ também é fixada pelas condições iniciais do sistema A+ = Z+(0) = v(0) - P+x(0) = v0 - P+x0.

Usando as duas soluções de Z–(t) e Z+(t) , determinamos a posição e a velocidade da partícula em qualquer instante de tempo. Por exemplo, a velocidade da partícula é dada por:

enquanto que a posição em qualquer instante de tempo é calculada por meio da igualdade

Substituindo os valores de Z+ e Z–, calculados por intermédio das Eqs. (11) e (13), na Eq. (15), obtemos o seguinte resultado:

que é a solução desejada da equação diferencial (2). Note que o primeiro termo xh na Eq. (16) é a solução da equação homogênea associada. O segundo termo xp é uma solução particular, que de maneira reduzida pode ser escrita na forma

A conhecida função de Green emerge naturalmente através da identificação

na qual estendemos os limites de integração de -¥ até +¥, supondo que a força atua a partir de um instante t = 0.

Definindo o novo parâmetro , a solução homogênea xh assume um aspecto mais simplificado

Nesse caso, a função de Green também pode ser convenientemente modificada, para outra expressão matemática mais conhecida [1]

No caso do oscilador criticamente amortecido, o limite ® 0, leva à solução homogênea

com a respectiva função de Green (20) assumindo a forma

Para o oscilador subamortecido, o parâmetro passa a ser um número imaginário puro ( = iw1) . Quando esse valor é substituído na equação do movimento (19), as funções hiperbólicas se transformam nas funções trigonométricas e a equação de movimento fica

A respectiva função de Green, nesse regime de subamortecimento é dada explicitamente por

3. Energia e pseudo-energia

Multiplicadas pela própria massa da partícula, as funções Z– e Z+, dadas pela combinação linear da velocidade e da posição, definem as duas novas funções auxiliares

e

Os parâmetros w– e w+ estão relacionados com P– e P+, por meio das duas igualdades P– = imw– e P+ = -imw+. O produto entre as duas funções auxiliares é dado por

Agora definimos a pseudo-energia N(t) por meio do produto das funções auxiliares:

É interessante considerar a questão da conservação (ou não) da energia do sistema, definida pela soma da energia cinética mais a energia potencial

O oscilador recebe energia da força externa à qual está submetido e dissipa uma quantidade de energia devido à existência da força de atrito. Nota-se que a energia total do sistema é diferente da pseudo-energia N(t) , definida na Eq. (28), pelo fato da existência de um termo que é proporcional ao produto da posição e da velocidade da partícula. Essa afirmação fica evidente, tendo em vista as Eqs. (27), (28) e (29). Após algumas manipulações algébrica determinamos que

A variação da energia E(t) em relação ao tempo é dada por

que é a generalização da fórmula que define a potência da força. Por outro lado, a variação temporal da pseudo-energia N(t) , calculada derivando a Eq. (28) em relação ao tempo, é dada por

ou escrita de forma explícita:

ou mesmo

Introduzindo o próprio valor da pseudo-energia N(t) no segundo membro da Eq. (34), resultando na igualdade

Levando em consideração que P+ + P– = -2g e multiplicando ambos membros da igualdade (35) por , essa equação pode ser modificada para outra igualdade:

A equação acima é mais conveniente para discutir a variação temporal, já que a+ e a– são as funções auxiliares conhecidas. Essas funções auxiliares, também podem ser reconhecidas pelas suas formas matemáticas. Por exemplo,

e de maneira análoga para a–(t)

De fato, integrando a Eq. (36) em relação ao tempo, temos como resultado:

Usando as formas analíticas explícitas de a+ e a– definidas em (37) e (38) na Eq. (39), definimos convenientemente duas funções R+ e R– da seguinte maneira:

e também

As funções R+(t) e R–(t) podem ser calculadas de forma analítica ou numérica pelas Eqs. (40) e (41). Dessa maneira podemos também obter o valor da pseudo-energia em termos dessas novas funções R+(t) e R–(t) , em qualquer instante de tempo por meio da igualdade

Para uma situação particular em que a partícula está inicialmente em repouso na origem das posições, temos que A– = A+ = N(0) = 0, isto é, o sistema satisfaz as condições iniciais v(0) = x(0) = 0. Então temos uma expressão matemática bem mais simples para a pseudo-energia:

Observando também que a pseudo-energia N(t) , estabelecida na Eq. (39), possui uma dependência simples no tempo, se a força externa for nula em todos os instantes de tempo, ou seja F(t) = 0:

Podemos identificar N(t) com uma soma entre a energia cinética e a energia potencial do oscilador. Tanto a força de atrito representada pelo parâmetro g, quanto a força externa F(t) , de maneira geral conspiram para que a energia total do sistema não se mantenha conservada durante o movimento. Para o caso em que não há dissipação de energia e g = 0, temos um oscilador harmônico forçado:

Por outro lado, se idealmente não existir a força dissipativa (g = 0) e a força externa for nula em todo instante (F(t) = 0), a pseudo-energia se modifica para uma expressão matemática mais simples:

também conhecida como função hamiltoniana [3, 4] para um sistema livre. Na presença da força externa, H ou E varia com o tempo.

A energia do sistema pode ser obtida por meio da igualdade (30). Para o caso supercrítico, considerando uma força F(t) = f0cos(wt + d) , a energia é calculada explícitamente pela igualdade

Construimos alguns gráficos desta pseudo-energia em função do tempo, considerando uma partícula inicialmente em repouso na origem e os regimes de amortecimento discutidos anteriormente.

Por outro lado, o gráfico da energia pode ser construído mediante o valor de N(t) e a igualdade (47).

Observamos na Fig. 2 que a energia introduzida no sistema pela força externa (energia positiva) é dissipada pelo oscilador devida a força de atrito (energia negativa).


4. A mecânica clássica e a mecânica quântica

É interessante considerar o problema do oscilador harmônico em mecânica quântica (MQ). O momento p e a posição x da partícula são os operadores e , respectivamente. Esses operadores, por sua vez, não comutam:

com e h a famosa constante de Planck. Classicamente sempre tivemos xp = px, ou seja x e p são funções que comutam. Portanto a hamiltoniana no caso quântico do oscilador harmônico é escrita da seguinte forma:

que também pode ser escrita usando uma representação por meio dos números complexos:

Usando a igualdade (48) na Eq. (50), a hamiltoniana quântica assume o seguinte aspecto:

ou então

A energia de origem puramente quântica é chamada de energia do ponto zero. Está relacionada com o princípio da incerteza de Heisenberg. É claro que as funções a+(t) e a–(t) das Eqs. (25) e (26) possuem operadores correspondentes em MQ.

Introduzimos os operadores quânticos

e também

Fica claro a convergência

e

As hamiltonianas são formalmente escritas em termos dos operadores. A hamiltoniana clássica assume a seguinte forma

com

No caso quântico, a hamiltoniana do sistema também pode ser apresentada pelos operadores:

em que os operadores a+ e a satisfazem a relação

As Eqs. (58) e (60) indicam a essência matemática da diferença entre a MC e a MQ.

5. Conclusão

O método matemático apresentado acima, para tratar o oscilador amortecido e forçado é uma aplicação simples, da teoria das equações diferenciais ordinárias. Por outro lado, a utilização das funções auxiliares Z+(t) e Z–(t) , que são obtidas após uma integração simples é realmente algo novo. Lembrando que na teoria quântica, no caso do oscilador harmônico, uma combinação linear dos operadores momento e posição é usada para definir os conhecidos operadores de criação e aniquilação[5]. Nesse sentido, as soluções Z+(t) e Z–(t) , correspondem as versões clássicas desses operadores, em um contexto mais geral que envolva a dissipação da energia. Desse modo, acreditamos que, em relação aos alunos que conseguiram acompanhar todos os cálculos efetuados neste trabalho, estejam neste momento mais familiarizados com uma técnica matemática moderna, amplamente utilizada em MQ e agora também aplicada à MC. Para reforçar ainda mais o uso dessa técnica, estamos pretendendo num futuro próximo, divulgar as atuais investigações sobre um possível tratamento da teoria das perturbações clássicas, com esse formalismo dos operadores.

Agradecimentos

Agradecemos à FAPESP, ao CNPq e ao Instituto de Informação Quântica-MCT, pelo suporte financeiro.

Recebido em 11/2/2005; Aceito em 13/4/2005

  • [1] K.R. Symon, Mecânica (Editora Campus, São Paulo, 1982), 5ª ed.
  • [2] S.T. Thornton and J.B. Marion, Classical Dynamics of Particles and Systems (Academic Press, New York, 2004), 5th ed.
  • [3] H. Goldstein, Classical Mechanics (Addison-Wesley, Reading, Massachusetts, 1980), 2nd ed.
  • [4] N.A. Lemos, Mecânica Analítica (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2004), 1ª ed.
  • [5] A.F.R. de Toledo Piza, Mecânica Quântica (Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003).
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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Dez 2005
    • Data do Fascículo
      Set 2005

    Histórico

    • Recebido
      11 Fev 2005
    • Aceito
      13 Abr 2005
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