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Os planos dos estudantes para resolver problemas práticos

Students' plans for solving practical problems

Resumos

Este trabalho apresenta e discute os resultados de uma investigação particular de um projeto de pesquisa sobre desenvolvimento de currículos. Examinamos planejamentos que estudantes elaboraram para identificar que fatores afetam a duração de dois eventos diferentes, definem estratégias para testá-los e para apurar de que maneira tais fatores afetam o tempo de duração de cada evento. Trabalhamos com planos de investigação individuais, apresentados por escrito, por 73 estudantes da 3ª série do Ensino Médio. Os planos individuais foram agrupados em quatro categorias, refletindo a 'Qualidade do Plano', que refinamos ao longo da análise. Apresentamos uma análise da distribuição de planos por essas categorias, segundo as classes de desempenho dos alunos nas avaliações bimestrais comuns a todos os estudantes da série.

ensino de Física; resolução de problemas práticos; planos de investigação


This paper reports part of a research programme on physics curriculum development. Here, we look at the ways students choose relevant factors in two practical problems; define strategies to test them; and plan data collection in the school laboratory. Individual written investigation plans provided data about 73 physics students from three classes at grade 11. We look at the relevant independent variables identified, explanations adopted by students and the quality of their plans. Analysis indicates that more than half of the students have satisfactory knowledge of how to control variables in the context of a simpler problem (P2). However, in a more complex situation (P1), this figure drops to about 1/3. We suggest that students need more teacher support in their efforts to develop their scientific reasoning. It becomes clear the importance of a balanced curriculum, based on traditional as well as on open practical activities.

Physics teaching; practical problem solving; investigation plans


PESQUISA EM ENSINO DE FÍSICA

Os planos dos estudantes para resolver problemas práticos

Students' plans for solving practical problems

A. Tarciso Borges1 1 E-mail: tarciso@coltec.ufmg.br. ; Oto Borges; Arnaldo Vaz

Setor de Física, Colégio Técnico, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

RESUMO

Este trabalho apresenta e discute os resultados de uma investigação particular de um projeto de pesquisa sobre desenvolvimento de currículos. Examinamos planejamentos que estudantes elaboraram para identificar que fatores afetam a duração de dois eventos diferentes, definem estratégias para testá-los e para apurar de que maneira tais fatores afetam o tempo de duração de cada evento. Trabalhamos com planos de investigação individuais, apresentados por escrito, por 73 estudantes da 3ª série do Ensino Médio. Os planos individuais foram agrupados em quatro categorias, refletindo a 'Qualidade do Plano', que refinamos ao longo da análise. Apresentamos uma análise da distribuição de planos por essas categorias, segundo as classes de desempenho dos alunos nas avaliações bimestrais comuns a todos os estudantes da série.

Palavras-chave: ensino de Física, resolução de problemas práticos, planos de investigação.

ABSTRACT

This paper reports part of a research programme on physics curriculum development. Here, we look at the ways students choose relevant factors in two practical problems; define strategies to test them; and plan data collection in the school laboratory. Individual written investigation plans provided data about 73 physics students from three classes at grade 11. We look at the relevant independent variables identified, explanations adopted by students and the quality of their plans. Analysis indicates that more than half of the students have satisfactory knowledge of how to control variables in the context of a simpler problem (P2). However, in a more complex situation (P1), this figure drops to about 1/3. We suggest that students need more teacher support in their efforts to develop their scientific reasoning. It becomes clear the importance of a balanced curriculum, based on traditional as well as on open practical activities.

Keywords: Physics teaching, practical problem solving, investigation plans.

1. Apresentação

Este trabalho discute resultados parciais de uma pesquisa que pretende nos ajudar a compreender melhor o que estudantes de Ensino Médio fazem para resolver um problema prático no laboratório escolar e como o fazem. O estudo foi conduzido em Belo Horizonte, numa escola do sistema federal de ensino, em que atividades práticas são desenvolvidas regularmente em várias disciplinas. Todos os estudantes da 3ª série do Ensino Médio de 2000 foram solicitados a analisar e apresentar, por escrito, os seus planejamentos para a solução de dois problemas, P1 e P2, ao longo de quatro sessões de laboratório. Neste trabalho analisamos os planejamentos de todos os alunos de três turmas, num total de 73 alunos. Examinamos os fatores que os alunos enumeraram como potencialmente relevantes para a solução dos dois problemas que lhes foram apresentados. Além disso, examinamos tanto as estratégias que eles definiram para testar suas hipóteses, quanto seus planos para coletar dados e chegar às conclusões que chegaram.

O trabalho se insere num programa de pesquisa que visa subsidiar o desenvolvimento de currículos de Ciências com ênfase em modelos e modelagem. Consideramos que as atividades práticas são centrais num currículo de Ciências dessa natureza, principalmente as atividades de investigação em que se busca solução prática para um problema aberto. Argumentamos que para se adquirir uma alfabetização científica e desenvolver o pensamento baseado em modelos é essencial promover o desenvolvimento de um entendimento de como planejar uma investigação, de como interpretar e avaliar os resultados obtidos e de como julgar a qualidade das afirmações derivadas desses resultados. Por outro lado, reconhecemos que isso é uma meta muito ambiciosa e de longo prazo.

2. Posicionamento e orientações pedagógicas e teóricas

No plano internacional, vivemos, desde a década de noventa, um ciclo de intensa reformulação curricular [1,2,3]. Neste período foi se disseminando a percepção da rapidez com que nossas perspectivas curriculares, nossas concepções e nossos compromissos educacionais se alteram. Esse fenômeno pode ser explicado tanto pelas mudanças de enfoque curricular ou educacional, quanto pelos desenvolvimentos das pesquisas sobre educação em ciências ou pela incorporação de novas tecnologias e produtos tecnológicos recentes. De qualquer maneira, a rapidez nas mudanças é tal que muitos dos esforços curriculares, ao se concretizarem, já são obsoletos. Com sua obsolescência nesse ritmo, torna-se necessário alterar o foco dos projetos de desenvolvimento curricular. Torna-se muito importante que esses projetos tenham, ab initio, a capacidade de assimilar inovações educacionais, que o currículo seja dotado de mecanismos de prospecção, seleção, difusão e incorporação de novidades.

Nossos estudos têm mostrado que um certo estupor educacional se instaura quando há difusão precoce de propostas curriculares ou quando se promove o debate acirrado entre partidários do currículo recém proposto e do currículo então em uso [1,3]; um estupor que se caracteriza pela coexistência de discursos avançados e práticas educacionais descomprometidas com as metas curriculares defendidas naqueles discursos. Conseqüentemente, nos convencemos que a tensão entre tradição e inovação é o mecanismo básico de renovação da prática educacional, inclusive no campo curricular. Assim, passamos a considerar que o progresso no ensino de ciências depende da persistente busca de coerência, ao mesmo tempo em que se aceita a necessidade de assimilar e acomodar as inovações e a existência de fricção nos processos escolares reais.

Como incorporamos a mudança progressiva do pensamento educacional e curricular em nossa perspectiva de ensino, nossa meta de longo prazo passou a ser um currículo que visa tornar mais científicos tanto o 'pensar', quanto o 'pensamento' dos alunos. Por 'conhecimento científico' dos estudantes nos referimos ao entendimento conceitual e ao uso dos principais modelos e idéias dos cientistas sobre o mundo - dentro, é claro, daqueles limites e possibilidades estabelecidos em cada nível educacional. Por desenvolvimento do 'pensar científico' nos referimos ao desenvolvimento de uma atitude inquiridora e investigativa, mas crítica e criativa frente ao novo. No que se refere ao pensamento científico, estamos completamente de acordo com propostas e argumentações influentes sobre o objetivo da educação em Ciências como as de Millar [4] e da Associação Norte Americana para o Progresso da Ciência [2]. No que se refere ao pensar científico, à atitude do aluno quando este visa construir um entendimento das situações e fenômenos com os quais se defronta a todo momento, nossa meta pode parecer muito ambiciosa, parecer uma meta fácil de propor, mas praticamente impossível de atingir. Não é assim que a vemos.

O objeto desse artigo é precisamente o 'pensamento em ação' do estudante, o momento em que seu entendimento conceitual de Física e seu entendimento sobre a relação entre experimentação na ciência escolar, sobre como coletar dados e como tratá-los, transformando-os em evidências se articula com o saber estratégico mobilizado por ele para planejar uma investigação. Isso é avaliado aqui através de um sistema de categorias que descreve a 'qualidade do planejamento'. Essa qualidade é julgada a partir de cinco parâmetros [5,6]:

  • As decisões do estudante sobre a seleção de variáveis a serem investigadas;

  • Seu entendimento da natureza das variáveis;

  • Distinção entre variáveis dependentes e independentes;

  • As decisões sobre as estratégias escolhidas para a obtenção de dados confiáveis;

  • Seu entendimento do que é evidência e de como a qualidade delas é afetada pelos dados obtidos.

Isso não implica, em nosso entendimento, num viés característico das ciências naturais, visto que mesmo nelas, diferentes estratégias precisam ser usadas. As variáveis nem sempre são contínuas, separáveis e mensuráveis, no sentido clássico do termo. O próprio sistema observado pode não ser controlável ou manipulável.

Desenvolver o pensar científico significa buscar desenvolver uma postura indagadora e crítica, um modo de ser, de sempre buscar tornar claro para nós mesmos o que já sabemos e o que precisamos ou queremos saber sobre uma situação, evento ou fenômeno, e como podemos buscar fazê-lo, sabendo que não há procedimentos especificados ou especificáveis para isso. Trata-se de desenvolver um entendimento sobre como modelar as situações, fenômenos e eventos com os quais deparamos. Trata-se de procurar entender que métodos foram utilizados nas atividades práticas escolares, para selecionar e coletar dados. Trata-se de explicar porque foram esses métodos e não outros. Trata-se de aprender como discutir a validade dos resultados obtidos. Trata-se de buscar conferir uma 'racionalidade' para o que fazemos ou deixamos de fazer, examinando como podemos argumentar ou aceitar os argumentos de outros sobre uma situação com que lidamos. Trata-se, enfim, de desenvolver um entendimento de como a ciência é feita e de como o conhecimento científico é produzido. O que é certamente uma busca de longo prazo, mas possível de ser alcançada, em um certo grau, especialmente se começamos a praticá-lo na educação básica.

Nesse contexto, é preciso frisar que o laboratório didático não se destaca como o melhor contexto para abordar os modelos substantivos de ciências. Contudo, julgamos que o laboratório escolar pode propiciar excelentes oportunidades para desenvolver o 'pensar científico' dos estudantes [2,4,7,8]. A sala de aula convencional, por outro lado, parece ser um local melhor para abordar os modelos e idéias importantes da ciência, embora não pareça ser o melhor local para se desenvolver o pensar científico. No entanto, em ambos os locais, podemos alterar as estratégias de ensino e progredirmos em direção às metas curriculares que elegemos.

Para realizar uma atividade de investigação compreendendo o que está fazendo e porquê, o estudante precisa aprender a planejar e a conduzir suas ações de acordo com o planejado. Dessa maneira, ao final da atividade ele poderá discutir e argumentar sobre a qualidade e confiabilidade das conclusões alcançadas. Obviamente, os estudantes podem realizar atividades práticas sem se preocupar com nada disso. É assim que os estudantes freqüentemente fazem, por exemplo, quando dispõem de um roteiro de atividades que prescreve o que devem fazer. Atividades deste tipo, no entanto, acabam tendo um caráter confirmatório de coisas que eles já sabem ou ilustrativo daquilo sobre o qual já ouviram falar ou já leram. Não parece uma boa alternativa para o desenvolvimento da autonomia e para o pensamento crítico e criativo. Acreditamos que tais objetivos precisam ser explicitamente trabalhadas no currículo de Ciências, iniciando-se bem antes dos estudantes ingressarem no Ensino Médio. Acreditamos que se deva perseguir esses objetivos de forma simples e progressiva ainda no ensino fundamental. As atividades promovidas nos laboratórios devem ser diversificadas e balanceadas, estimulando o desenvolvimento dos alunos. Acreditamos que as atividades de investigação têm o potencial de engajar e motivar os estudantes. Acreditamos, inclusive, que elas podem permitir a superação das deficiências das atividades práticas tradicionais, fazendo com que os estudantes tenham um papel mais ativo e autônomo no seu processo de aprendizagem. Para tanto, consideramos importante que essas atividades tenham vários níveis de complexidade e sejam propostas ora pelos próprios alunos, ora pelo professor. Segundo os pesquisadores que têm se dedicado ao estudo do laboratório escolar [7,8,9,10], atividades de investigação, que podem ser utilizados em quaisquer níveis de ensino, têm o potencial envolver mais os estudantes ao conferir-lhes uma maior responsabilidade na determinação do planejamento e condução da atividade. Dessa forma, a atividade requer, do estudante, uma articulação de habilidades e conhecimentos práticos e conceituais, desenvolvendo-os e integrando-os simultaneamente.

3. Procedimento de coleta de dados

Além de autores deste artigo, fomos os professores dos alunos estudados. A partir de agosto de 2000, conduzimos algumas atividades de investigação com todas turmas da terceira série da escola. Essas atividades visavam a solução de um problema experimental sem necessidade de apresentação de planos escritos. Os dados que apresentamos a seguir são de outras atividades. São dados coletados entre outubro e novembro de 2000, ao longo de quatro semanas. As atividades que geraram esses dados foram propostas como parte integrante da formação dos alunos, em continuidade às atividades que já estávamos desenvolvendo. Elas não foram propostas aos alunos como atividades especiais para pesquisa, mas eles consentiram que registrássemos as atividades relacionadas aos problemas P1 e P2 para análise futura. O tema geral do nosso projeto de pesquisa foi anunciado, mas não seu foco específico. Os alunos não estavam a par dos aspectos que analisaríamos. Solicitamos que eles respondessem a um questionário que tratava de vários aspectos, incluindo em que escolas haviam estudado o ensino fundamental e suas opiniões sobre o curso de Física, a escola atual e o ato de estudar. Como de praxe, foram dadas as necessárias garantias de anonimato bem como foi solicitado o consentimento dos alunos. Os dados do questionário não são analisados aqui.

As atividades envolveram os alunos na solução de dois problemas práticos, o problema do Tempo de Queda (P1) e o problema do Tempo de Escorregamento (P2). Seus enunciados estão no Quadro 1. Esses problemas foram escolhidos por razões distintas: por um lado, o primeiro foi escolhido por ser um problema mal definido, por outro, ele foi escolhido por se tratar de um problema bem distinto dos exercícios que os alunos estavam acostumados a fazer. Ele envolve o efeito do atrito viscoso. Este tópico não consta do currículo de Física para o Ensino Médio. Portanto não esperávamos que os estudantes conhecessem quais deveriam ser os resultados ou que fórmulas usar para obter a solução. O tópico de atrito viscoso havia sido brevemente discutido em uma atividade prática anterior, em que investigamos o amortecimento das oscilações de um pêndulo simples, associado à idéia de resistência do ar. O segundo problema foi escolhido por ser um problema algo mais simples, envolvendo um número pequeno de variáveis. Procuramos um problema em que os alunos tivessem chance de ter um entendimento conceitual mais desenvolvido sobre a situação. P2 foi definido após a avaliação de que P1 era um problema complexo e difícil, e que os alunos não deveriam ter conhecimento escolar estruturado sobre ele. Além disso, o número de possíveis variáveis que os alunos identificariam em P1 era elevado, e planejar a investigação de seus efeitos sobre o tempo de queda implicaria em dificuldades adicionais e provável insucesso. O planejamento da solução de P1 poderia não revelar muito sobre o que os estudantes faziam ao planejar sua investigação, em vista da complexidade do problema.


Esses problemas foram apresentados aos alunos na seguinte seqüência. Primeiro descrevemos o problema prático P1 e solicitamos que cada aluno elaborasse um plano para resolvê-lo. Os alunos levaram entre 20 e 30 minutos nessa tarefa. Coletamos então os planos individuais. Na atividade seguinte, os alunos formaram grupos de 3 ou 4, receberam os planos individuais e os leram para seus colegas de grupo. Após cada leitura, o grupo avaliou cada plano, julgando se ele permitiria ou não alguém obter todas as informações que o seu autor julgou importantes para resolver a questão. Para terminar, os alunos discutiram como eles manipulariam ou interpretariam tais informações caso tivessem acesso a elas.

Para completar, solicitamos que o grupo elaborasse um novo plano coletivo segundo um conjunto de orientações fornecidas na forma de questões: (i) que informações são importantes para solucionar o problema? (ii) Como elas podem ser coletadas? (iii) Como devem ser registradas? (iv) Como interpretar ou manipular as informações para solucionar o problema? (v) Que critérios podem ser usados para decidir se um fator influencia ou não a solução do problema? O grupo deveria apresentar uma descrição do plano de forma que pudesse ser executado independentemente por um outro grupo. Os alunos tiveram 100 minutos para realizar essa segunda atividade. Todas turmas de terceira série trabalharam conforme descrito, nos dando farto material para análise; tanto através dos planos individuais, quanto dos planos coletivos, que também recolhemos. Contudo, além deste material escrito, gravamos em áudio as discussões de três grupos - um de cada turma selecionada para estudo.

Um de nós monitorou o trabalho do grupo, interferindo em sua discussão, principalmente para esclarecer e registrar aspectos do pensamento dos alunos na gravação em áudio. O professor da turma acompanhou o trabalho dos demais grupos em classe, sem gravá-los. Os planos coletivos e as discussões nos grupos observados não são analisados aqui.

Na terceira atividade, também realizada em grupo, conjuntos de tabelas com dados experimentais, que obtivemos por meio de simulação computacional do problema P1, foram entregues aos alunos. Solicitamos que inspecionassem essas tabelas com 'resultados experimentais' e selecionassem aquelas que contivessem os dados que o grupo já havia planejado coletar. Caso algum dado desejado pelo grupo não estivesse entre os fornecidos, os alunos deveriam solicitá-lo ao professor. Este, então, informaria se seria viável ou não obter aquele dado. Propusemos que o grupo explicasse como transformar os dados conseguidos em evidências, a favor ou contra, suas hipóteses. Solicitamos, ainda, que cada grupo analisasse os dados e decidisse qual o grau de certeza que pode ser atribuído a cada uma de suas hipóteses. Nessa atividade, coletamos as análises elaboradas pelos estudantes.

Finalmente, na quarta atividade propusemos aos estudantes o problema P2, do tempo de escorregamento, solicitando que elaborassem individualmente um plano para resolvê-lo. As instruções foram similares àquelas fornecidas para o problema P1. Após elaborarem os planos individuais, eles deveriam elaborar um plano coletivo, novamente em pequenos grupos. Coletamos todos os planos elaborados.

Das sete turmas que participaram das atividades, selecionamos três para estudar. Cada um dos autores era professor de Física de uma das turmas. No total, 73 estudantes estiveram envolvidos em pelo menos uma das atividades, resultando em 66 planos para P1 e 64 planos para P2. No entanto, em função das ausências em uma das aulas, apenas 59 estudantes fizeram ambas as atividades, conforme ilustra a Tabela 1.

4. Análise dos resultados

4.1. Identificação e seleção de fatores

Neste trabalho, para benefício da objetividade, nós nos restringimos à análise das variáveis que os alunos identificaram como relevantes para a solução dos problemas e da qualidade dos planos individuais dos estudantes para cada um dos problemas. Nós esperávamos encontrar nos planos individuais elaborados pelos alunos, suas estratégias para coleta e tratamento de dados, além de critérios para decidir quais variáveis afetam a variável dependente, isto é, o tempo de queda ou o tempo de escorregamento. No entanto, poucos planos mencionaram explicitamente como produzir inferências válidas a partir dos dados coletados. Em geral, os planos especificam que fatores seus autores julgam relevantes, sugerem de que maneira o efeito desses fatores pode ser investigado e dão detalhes sobre as montagens e aparelhos utilizados para realizar as medições. Talvez em função do pouco tempo que os alunos tiveram, vários planos são muito detalhados quando se referem à investigação do primeiro fator, mas depois deterioram, referindo-se de maneira sumarizada aos outros fatores.

Assim, decidimos analisar como os alunos (1) selecionaram as variáveis relevantes para serem investigadas; (2) definiram estratégias para testá-las e (3) planejaram a coleta e a análise de dados. Especificamente neste trabalho, examinamos detalhadamente como os planos individuais dos estudantes tratam - em cada um dos problemas - das seguintes questões. Primeiro, que variáveis eles imaginam afetar o tempo de queda ou de escorregamento? Segundo, como os estudantes entendem a situação proposta? Terceiro, como era seu plano para coletar dados?

Os estudantes descreveram uma grande quantidade de fatores passíveis de afetar o tempo de queda. Inicialmente identificamos 24 subcategorias de fatores relevantes e distintos, que foram agrupados em oito categorias. Elas são identificadas pelos códigos C11 a C18 - o primeiro algarismo indica que o problema é P1, o segundo algarismo indica o número da categoria (veja Tabela 2). Destas categorias, sete referem-se a fatores que realmente afetam o tempo de queda. Algumas delas estão relacionadas às propriedades das esferas (densidade, dimensões e massa), outras às propriedades do líquido (densidade do líquido, temperatura) e as demais descrevem a interação esfera-líquido (atrito esfera-líquido, empuxo).

A última categoria de variáveis (C18) apresenta parâmetros fixos tratados como variáveis pelos estudantes; por exemplo, a aceleração da gravidade no local da experiência, a inclinação e tamanho do tubo, e outros. Dos planos analisados, um em cada quatro enumerava parâmetros constantes como fatores que poderiam afetar o tempo de queda. Isto sugere, por um lado, que os estudantes recorriam ao que tinham aprendido sobre o movimento de queda de um corpo, mas por outro lado, indica que uma fração razoável de alunos ao final de sua educação básica, não conseguia distinguir uma variável de uma constante. O currículo de Física se preocupa pouco com o ensino desse tópico, acreditando que os estudantes o aprendem nas aulas de Matemática.

A Tabela 2 também mostra como a identificação de fatores que afetam o tempo de queda se distribui. Deve-se notar que 28,70% dos planos mencionam o efeito do atrito entre o líquido e a esfera, mas são raros os planos que mencionaram a viscosidade do líquido como um fator a ser investigado. O que nos sugere que os estudantes raciocinam por analogia com o efeito da resistência do ar, sem no entanto saber como exatamente ela funciona e de que ela depende. Uma primeira pergunta que precisamos responder é se há algum padrão específico na identificação dos fatores, isso é, se o fato de um estudante identificar um fator aumenta a chance de identificar qualquer um dos demais fatores. Para responder esta pergunta, utilizamos oito variáveis categóricas nominais para determinar se o estudante identificou ou não cada um dos fatores listados na Tabela 2. Obviamente, cada uma dessas variáveis admite apenas dois valores: sim ou não. Para estudarmos as possíveis associações entre a identificação dos diversos fatores que afetam o tempo de queda, formamos tabelas de dupla entrada para todos os possíveis emparelhamentos dessas oito variáveis e utilizamos o teste exato do chi quadrado e do coeficiente de contingência de Pearson2 2 O coeficiente de contingência de Pearson é uma estatística que mede a intensidade da associacão entre as variáveis da tabela de contingência. Ele é um número entre 0 e 1, com 1 indicando uma associacão perfeita e 0 a completa ausência de associacão. Além disso, podemos determinar o valor de p, a probabilidade de que o valor do chi quadrado estimado seja obtido se a hipótese nula é válida. A hipótese nula testada é a que estabelece serem as classificacões dispostas nas linhas e colunas independentes umas das outras. Baixos valores de p indicam que a hipótese nula pode ser rejeitada, enquanto que valores altos indicam que ela deve ser considerada válida. .

Apenas o par C12-C16 parece ter uma associação significativa. Isso significa que não há padrões de identificação dos fatores que afetam o tempo de queda, exceto aquele existente entre a identificação do diâmetro da esfera e da temperatura do líquido como fatores que afetam o tempo de queda. Em seguida utilizamos o teste da estatística Tau de Goodman-Kruskal nas tabelas de contingência geradas. Essa estatística resulta em um número entre 0 e 1, interpretado como uma medida da percentagem da variação da resposta (a variável disposta nas linhas da tabela de contingência) que pode ser atribuída ao fator (a variável disposta nas colunas da tabela de contingência). Novamente, apenas o par C12-C16 indicou um resultado significativo. O valor do Tau estimado foi muito pequeno t = 0,0751, indicando que 7,5% da variação na identificação da temperatura como um fator que afeta o tempo de queda é explicada pela identificação do fator diâmetro da esfera. No entanto, o valor exato de p, determinado por métodos não paramétricos, que é p = 0,014, indica que o efeito é pequeno mas real: não se trata de um resultado advindo de erros amostrais. Refinando a análise e examinando os planos elaborados por estudantes que identificaram simultaneamente esse dois fatores, podemos perceber que eles estão ligando esses dois fatores através da dilatação da esfera devido à temperatura e ao empuxo exercido pelo líquido sobre a esfera. Ou seja, os alunos que estabeleceram esta associação estão se baseando no seu conhecimento de hidrostática e de termologia.

Podemos ainda estudar se a identificação de fatores está relacionada ao desempenho em Física ou ainda a uma característica específica do professor. Para construirmos esse indicador, denominado desempenho em Física, compusemos um escore total somando os resultados obtidos pelos alunos em avaliações de conhecimento aplicadas a todos e independentes da pesquisa. A seguir normalizamos esses escores para a faixa de 60 a 100, que corresponde aos desempenhos admissíveis de alunos aprovados e todos os alunos da amostra efetivamente foram aprovados naquele ano. Tal indicador de desempenho é razoável por se basear em instrumentos de avaliação de uso corrente na escola, sendo, portanto, ecologicamente válidos e socialmente aceitos, e ao mesmo tempo tem uma certa objetividade quanto aos efeitos das idiossincrasias e valores de cada professor, pois ele se baseia em avaliações que são independentes de efeitos de critérios pessoais de correção de cada professor. Uma análise ANOVA mostra que não há relação significativa entre o desempenho em Física e a turma, ou seja, não há um efeito devido ao professor ou a alguma característica específica da turma. No entanto, como temos uma amostra relativamente pequena, de apenas 59 estudantes que elaboraram planos tanto para P1 como para P2, resolvemos categorizar os alunos em dois grupos com igual número de membros, indicando desempenho 1 (baixo) e 2 (alto). Ao final de cada um dos quatro bimestres do ano letivo todos os alunos foram avaliados através de um teste aplicado simultaneamente para todas as turmas. Os testes envolviam tanto questões fechadas, quanto questões abertas - incluindo uma questão aberta sobre os conteúdos trabalhos no laboratório. Consideramos que esses testes fornecem uma base para compor um indicador de desempenho em Física.

A Fig. 1 mostra o escore total em cada classe de desempenho e cada turma. O retângulo representa os limites do primeiro e terceiro quartís. A linha destacada, representa a mediana. Os gráficos evidenciam que não há, de fato, efeitos de turma sobre a categorização de desempenho. A análise da possível associação entre a turma e a categoria de desempenho em Física em uma tabela de contingência, mostra que turma e classe de desempenho não estão associadas significativamente. De fato, a estatística do teste de Wallis-Kruskal, adequado para analisar tabelas de contingência em que uma das variáveis é naturalmente ordenada (no caso, a classe de desempenho em Física) e a outra não, é W(x) = 1,202 com p = 0,242, tendo sido utilizado um algoritmo exato para avaliar o valor de p. Com base nessa evidência, estamos aceitando a categoria de desempenho como um indicador ordinal, não enviesado, do conhecimento geral de Física de cada estudante.


Nossas análises indicam que não há associação entre a identificação de qualquer dos oito fatores que podem afetar o tempo de queda e a turma. Mas há uma associação significativa entre a identificação da temperatura como um fator (C16) que afeta o tempo de queda e a classe de desempenho em Física. Este resultado era, de certa forma, esperado. Concebemos P1 (tempo de queda) como um problema novo e diferente daqueles usualmente tratados nos livros e atividades práticas escolares usuais. Com isso, imaginávamos que seria mínima a influência do conhecimento escolar na identificação ou na escolha de fatores candidatos a influenciar no tempo de queda da esfera no líquido.

No entanto, como a Tabela 3 mostra, os alunos com desempenho melhor em Física tendem a identificar a temperatura como um fator de influência no tempo de queda. Esse fato sugere que o conhecimento de Física influencia a estruturação do problema. Contudo, podemos pensar que os alunos que têm bom desempenho em Física são aqueles que compreendem melhor a lógica da experimentação, lembram-se mais do que estudaram e dominam bem as estratégias de controle de variáveis, estando aptos a estruturar melhor suas investigações. Podemos, mas o teste de Kruskal-Wallis indica que o efeito é real. Utilizando um algoritmo não parametrizado exato, observamos que W(x) = 7,065 com p = 0,0148.

A análise da Tabela 3, mostra que as chances de um estudante de baixo desempenho identificar a temperatura como um fator que afeta o tempo de queda, independente de ter identificado ou não C12 como um fator é 5/28. Já para um estudante de alto desempenho a chance é 15/18, isto é, 4,66 vezes maior do que no caso dos alunos do grupo de baixo desempenho. Quando controlamos para a variável C12, que corresponde a identificar o diâmetro da esfera como um fator que afeta o tempo de queda, vemos que entre os estudantes que também identificaram C12 como um fator, as chances dos estudantes de alto desempenho identificar C16 são 3,125 vezes maiores do que as chances dos estudantes de baixo desempenho. Entre os estudantes que não identificaram o diâmetro da esfera como um fator que afeta o tempo de queda, os estudantes de alto desempenho em Física têm 9 vezes mais chances do que os estudantes de baixo desempenho de identificar a temperatura como um fator que afeta o tempo de queda, conforme podemos ver a partir da Tabela 3. O diâmetro da esfera e a temperatura dela ou do líquido podem afetar o tempo de queda por causa do atrito. No entanto, este tópico não era do conhecimento dos estudantes. Ao que tudo indica, eles raciocinaram em termos dos efeitos destas variáveis sobre o empuxo. Curiosamente, os estudantes de baixo desempenho em Física, que pouco identificam a temperatura como um fator relevante, estão provavelmente utilizando raciocínios de senso comum, por exemplo: quanto maior o corpo maior o atrito, que, nesse caso, é uma boa intuição. Outra possibilidade é que eles usam uma idéia mais recorrente de quanto maior o corpo, maior o seu peso e, portanto, menor o tempo de queda, uma concepção espontânea comum entre estudantes com dificuldades em mecânica.

No problema do tempo de escorregamento (P2), identificamos 18 subcategorias de fatores, agrupados em seis categorias, indicadas pelos códigos C21 a C26 (vide Tabela 4). A subcategoria C21 se refere à inclinação da rampa. As categorias C22 e C23 fazem referência às propriedades do bloco (peso e área de contato). C24 descreve a interação bloco-rampa (atrito). As outras duas se referem a fatores constantes que afetam o tempo de escorregamento: em C25 estão aqueles que foram considerados fatores fixos e em C26 o reverso disso, fatores que deveriam ter sido tomados como fixos mas foram considerados variáveis, por exemplo, o material de que é feito a superfície da rampa e a aceleração da gravidade. A Tabela 4 mostra o número de estudantes que identificou cada categoria de fatores. O plano para solucionar P2 foi elaborado por 64 estudantes. A grande maioria dos estudantes identificou corretamente que a inclinação da rampa e o atrito são fatores que afetam o tempo de escorregamento. Os fatores que descrevem a área de contacto entre bloco e rampa e o peso do bloco também foram selecionados como relevantes por mais da metade dos estudantes, revelando um relativo desconhecimento da solução do problema do plano inclinado.

Formamos as matrizes de contingência entre todos os possíveis emparelhamentos dessas seis variáveis categóricas e testamos a independência entre linhas e colunas. Para todos os emparelhamentos, tanto os testes com os coeficientes de contingência, quanto o teste com o coeficiente Tau de Goodman-Kruskal, indicam que não há qualquer associação significativa entre esses fatores, quando utilizamos métodos não-paramétricos exatos. No entanto, se usarmos os métodos assimptóticos para avaliar o valor da probabilidade p associada ao coeficiente de contingência ou ao coeficiente Tau de Goodman-Kruskal, o teste indica que há uma associação entre C25 e C26, conforme relatamos anteriormente [5]. Mas, esse resultado, face ao resultado exato, deve ser interpretado como sendo um artefato estatístico, devido às aproximações realizadas no cálculo do valor da probabilidade p pelo método assimptótico.

Em resumo, os estudantes tendem a identificar muitos potenciais fatores a influenciar tanto o tempo de queda, quanto o tempo de escorregamento. Estas hipóteses iniciais não parecem ser influenciadas pelo desempenho escolar em Física, mas são influenciados pelo conhecimento que mobilizam para entender a situação. A identificação de variáveis relevantes para a solução do Problema 2 sugere conclusões diferentes daquelas sugeridas pela identificação dos potencias fatores a influenciar a solução do Problema 1. A qualidade dos planos que examinamos a seguir nos leva a pensar que enquanto o Problema 1 funcionou como um problema autêntico gerando interesse e engajamento, especialmente para os alunos com melhor desempenho em Física, o segundo problema não satisfez as expectativas dos alunos em geral, produzindo desmobilização. Ressaltamos que tivemos o cuidado de apresentar os problemas em ordem diferente para diferentes turmas.

4.2. A qualidade dos planos

Além de analisar que variáveis os alunos identificam como relevantes para a solução dos problemas, nós também investigamos a qualidade dos planos. A partir dessa investigação, elaboramos um sistema de quatro categorias para classificar os planos. Ao fazermos a classificação observamos a capacidade do aluno de investigar se o potencial fator realmente influencia a variável dependente (tempo) em cada problema. Um aspecto determinante é o domínio de estratégias de controle de variáveis, de como coletar dados e o que fazer com eles para produzir uma solução. O Quadro 2 apresenta o sistema de categorias que usamos. Nele, QP (abreviatura de qualidade do plano) representa essas categorias.


Entendemos que tanto o plano orientado para a atividade (QP3) quanto os planos satisfatórios (QP4), indicam ambos, bom conhecimento de como planejar a investigação e de estratégias de controle de variáveis. Entretanto, QP3 é caracterizada pela proposta de se realizar montagens em paralelo - entre 3 e 5 montagens simultâneas - para medir o tempo, variando apenas um fator de uma montagem para outra. Esta categoria de qualidade de plano nos parece indicar uma orientação pragmática. Um fator é mudado de uma montagem para outra pelo contraste de situações. Parece que aqui os alunos queriam obter uma resposta para a questão colocada pelos problemas propostos. Esta estratégia produziria uma resposta aparentemente qualitativa, do tipo, este fator tem influência no tempo de queda ou escorregamento. Essa estratégia se observa, por exemplo, na forma de duas montagens iguais exceto por um fator tal como o líquido ou o diâmetro da esfera. Os alunos soltam duas esferas simultaneamente e comparam os resultados. Em princípio nem é necessário medir o tempo. Se as duas esferas chegam juntas ao fundo do tubo, os alunos concluem que aquele fator não tem influência.

É possível interpretar a intenção dos alunos de outra maneira. Por exemplo, o estudante poderia estar procurando por uma relação qualitativa entre determinado fator e o tempo, algo do tipo quanto maior (ou menor) o fator X, maior (ou menor) será o tempo. A estratégia também pode indicar o desejo de facilitar o processo de coleta de dados, ou de facilitar a repetição de toda a investigação. Não encontramos, nos planos, elementos que nos permitissem selecionar uma das interpretações, pois poucos deles sugerem de forma detalhada que pretendem coletar muitos dados para obter valores médios e fazer gráficos. O plano satisfatório, QP4, é caracterizado por uma estratégia seqüencial de coleta de dados, do tipo tradicionalmente feito em laboratório, com um valor determinado para cada um dos fatores, e então, mede-se o tempo. A seguir, repete-se todo o procedimento várias vezes, mudando o valor de um único fator de cada vez.

A Tabela 5 mostra a distribuição da qualidade do plano para P1 por classe de desempenho. Considerando os 66 alunos que prepararam um plano para resolver P1, a quantidade de bons planos (QP3 e QP4) é pequena, 33,3% do total de planos, para ambas as classes de desempenho. Este resultado não nos surpreende, em vista da complexidade do problema. O problema do tempo de queda relaciona-se a um tópico de Física sobre o qual os estudantes tinham pouco conhecimento escolar. De fato, para os estudantes este é um problema autêntico, no sentido discutido por vários autores (veja Borges [10] e as referências citadas ali). No entanto, nota-se uma diferença acentuada na qualidade dos planos, ao compará-los segundo as classes de desempenho dos alunos. O percentual de planos na categoria QP3 e QP4 para o grupo de estudantes com desempenho superior é expressivamente maior do que no grupo de desempenho inferior (22,7% contra 10,6%). Além disso, observando os resultados de bons planos nos dois grupos, há uma curiosa inversão na predominância entre qualidade do plano. Na classe de desempenho inferior 12,2% dos bons planos pertencem à categoria QP3, contra 9,0% de QP4, que correspondem a 6,1% e 4,5%, respectivamente do total de planos, conforme indicado na Tabela 5. Dentro da classe de desempenho superior, QP3 corresponde a 18,2% e QP4 a 27,2%, isto é, 9,1% e 13,6% do total. Este resultado sugere que a estratégia exploratória, implicada nos planos de QP3 é mais intuitiva e acessível do que a estratégia seqüencial implicada por QP4 de variar um fator de cada vez.

A qualidade dos planos é sensivelmente melhor no caso de P2, para todos os estudantes, independentemente da classe de desempenho (vide Tabela 6). Note-se, por exemplo, o que ocorre com os alunos de alto desempenho. Seus bons planos (QP3 e QP4) para o segundo problema representam 34,4% do total. Já seus bons planos para o primeiro problema representam 22,7% do total de planos para aquele problema. Em termos percentuais, é uma diferença de 51,5%. Mas, esse efeito é ainda maior entre os estudantes de classe de desempenho baixo. Estes estudantes fizeram 20,3% dos bons planos para P2 contra 10,6% para P1, uma diferença de 91,5%. Essa diferença entre os planos não nos surpreende.

O segundo problema é típico da Física no Ensino Médio, ora é apresentado como exercício, ora aparece como exemplo nos livros didáticos da disciplina. As variáveis que afetam o tempo de escorregamento são em menor número e conhecidas dos estudantes. Esperávamos, portanto, planos melhores para sua investigação. O que nos surpreende é aquilo que a Tabela 4 mostra. Mesmo após estudar o assunto, a maioria (61%) dos alunos continua acreditando que a força de atrito depende da área de contato entre um bloco sólido e a superfície sobre a qual ele se encontra!

Desempenho escolar e qualidade da investigação

Uma análise de associação de Jonkheere Terpstra considerando os 64 estudantes que produziram um plano para resolver P2, produz JT*(x) = 2,2563, p = 0,0258, o que indica uma forte associação entre a classe de desempenho em Física e a qualidade do plano elaborado. Este resultado indica que um fator importante para estruturar uma solução para problemas práticos é o conhecimento prévio de Física. Já no caso de P1, a mesma estatística de Jonkheere Terpstra, fornece JT*(x) = 2,0039, p = 0,00473, o que também indica que há uma associação significativa entre o desempenho do estudante em Física e a qualidade do plano. Esses dois resultados evidenciam que em ambos os casos, os estudantes de melhor desempenho tendem a produzir planos melhores. No entanto, a dependência da qualidade do plano em relação ao desempenho escolar é mais significativa no caso de P1, mesmo que a fração de bons planos seja de apenas 33,4%. A razão para isso está muito provavelmente relacionada ao fato de que P1 se mostra como um problema autêntico, desafiador e que promove o engajamento, diferentemente de P2, que se mostra um problema tipicamente escolar. No caso de P2, os estudantes tinham uma base conceitual - ainda que não isenta de concepções alternativas - para confiar, ao formular suas hipóteses sobre que fatores afetavam a variável dependente (tempo).

O exame da relação entre QP3 e QP4 para o problema do tempo de escorregamento, P2, mostra um leve predomínio de QP3 sobre QP4 para os estudantes com pior desempenho. Há, entretanto, um evidente incremento no número de planos QP4 sobre QP3 entre os estudantes com melhor desempenho (21,90% contra 12,50%). As relações entre planos QP3 e planos QP4, entre as classes de desempenho dos estudantes e entre os dois problemas podem ser interpretadas como advindo do caráter das estratégias adotadas. Ao nosso ver, QP3 aglutina planos orientados por uma estratégia de investigação em paralelo ou por contraste, isto é, uma busca de natureza qualitativa e exploratória dos fatores que influenciam a variável dependente. Essa estratégia de investigação permite contrastar testes com valores distintos para certos fatores e a rápida separação entre fatores causais e não-causais.

Por sua vez, QP4 é caracterizada por uma estratégia mais tradicional de variar um fator de cada vez, de forma a colecionar um conjunto de valores da variável dependente em função do fator mudado. É uma estratégia mais simples de se implementar num laboratório para obter tabelas e gráficos para uma análise quantitativa, desde que se tenha alguma confiança sobre que fatores são relevantes, principalmente se o número de fatores envolvidos é pequeno. No entanto, uma abordagem desse tipo em uma situação envolvendo um grande número de fatores ou em um problema sobre o qual temos pouco ou nenhum conhecimento, implica num processo longo, cansativo e demorado de investigação para distinguir fatores relevantes daqueles irrelevantes. Estratégias exploratórias, como parece ser o caso de QP3, podem permitir a reformulação das hipóteses iniciais pela redução de fatores relevantes ou por uma definição mais clara do problema.

Os dados examinados acima suportam essa interpretação, pois a estratégia exploratória é a preferida dos estudantes da classe de desempenho inferior (1). Mas esta preferência é mais acentuada em P2, mais simples e mais familiar. Já entre os estudantes da outra classe que formularam bons planos, preferem estratégias seqüenciais, característico da QP4, em ambos os problemas, mas mais acentuadamente em P2. Outras explicações possíveis podem ser derivadas das próprias características das duas classes de desempenho, tais como o engajamento e motivação em buscar compreender o desafio colocado por P1 e o aprendizado decorrente da experiência vivida, poderiam influenciar sua disposição de planejar a solução do problema P2.

Efeito de aprendizagem

Ainda nos interessa uma última questão: saber se há um efeito de aprendizagem entre o primeiro e o segundo plano. Discutimos nesta seção se os alunos tendem a melhorar ou a manter a qualidade dos planos elaborados.

Para analisar essa questão, criamos uma nova variável, a diferença no nível da qualidade dos planos para resolver P2 e P1. Essa variável pode assumir valores inteiros de -3 a 3. Valores negativos significam que a qualidade do plano para P2 está pior do que a qualidade do plano para P1. Para analisar se há efeito de aprendizagem, decidimos levar em conta a classe de desempenho em Física. Assim, a Tabela 7 contém a análise de cada classe de desempenho e uma análise global.

Em nossa amostra, 59 estudantes fizeram ambos os planos. A Tabela 7 mostra distribuição do progresso da qualidade dos planos elaborados pelos estudantes para resolver P2 e P1, em função das classes de qualidade do plano para resolver P1, controladas para a classe de desempenho. Nessa tabela, os percentuais apresentados nas células se referem à percentagem do total da linha, enquanto que os percentuais marginais se referem à percentagem relativa ao total do estrato. O teste para a estatística generalizada de Cochran-Mantel-Haenszel para a Tabela 7 fornece T(x) = -5,1046 com p < 0,0000, o que indica uma forte associação entre as duas variáveis ordinais que representam a qualidade do plano elaborado para resolver P1 e o progresso na qualidade do plano para resolver P2, medido a partir da qualidade do plano para resolver P1, nos dois estratos definidos pelas classes de desempenho em Física. Examinando a Tabela 7 percebemos que em ambos os estratos de desempenho em Física, os estudantes que haviam feito planos ruins (QP1 e QP2) são os que mais melhoram a qualidade do segundo plano em relação à qualidade do primeiro plano. Tal efeito pode ser entendido como uma decorrência tanto da maior familiaridade com a tarefa a executar como do baixo patamar de que partiam para melhorar seu plano.

5. Conclusões

Atividades práticas são pouco comuns na educação básica em ciências em nosso país e quando existem são atividades mais definidas e especificadas pelo professor ou pelo livro. Temos defendido, ensinado a professores e argumentado, desde os anos oitenta, que a estruturação das atividades no laboratório como problemas abertos para a investigação dos estudantes, tem o potencial de contribuir de forma mais eficaz e relevante para uma articulação do entendimento das idéias básicas da ciência e da apreciação do valor de aprendê-las [3,10]. No entanto, há apenas alguns anos temos nos dedicado a buscar evidências empíricas para isso, através da investigação mais sistemática e sustentada do que os estudantes fazem e aprendem ao realizar atividades práticas abertas, os desafios e dificuldades que enfrentam e seu entendimento sobre a relação entre os dados que obtêm e as afirmações que fazem a partir deles [3,11].

A pesquisa aqui relatada teve um caráter exploratório, pois tínhamos o propósito de refinar nossas hipóteses e melhor definir que questões são mais promissoras e factíveis de serem investigadas. A análise apresentada fornece evidências que suportam nossa crença no potencial de investigações abertas para a aprendizagem de Física e de Ciências e de que o desenvolvimento de um entendimento mais elaborado relacionado a evidências pode, e deve ser buscado para promover a 'alfabetização científica' para todos [4]. A análise que apresentamos indica que os estudantes participantes de nosso estudo têm um bom conhecimento de como planejar investigações de forma a obter informações sobre a influência ou não dos fatores relevantes, embora usem estratégias diferentes para fazê-lo, mesmo tendo tido poucas experiências disso em sua formação de Ensino Médio. Eles tendem a selecionar muitos fatores, como candidatos a influenciar tanto o tempo de queda, quanto o tempo de escorregamento. Mas as hipóteses que formulam para investigação do problema, explicitadas pelos fatores que identificam como passíveis de influenciarem a variável dependente, não parecem ser influenciadas pelo desempenho escolar em Física ou pela turma. Não significa que não recorram a conhecimentos situacionais, mas que se baseiam mais em concepções de senso comum do que naquilo que estudaram em Física.

Por outro lado, a qualidade dos planos desenvolvidos para testar as hipóteses depende do desempenho escolar em Física, embora uma fração de bons planos dependa fortemente da natureza do problema. Em um problema não escolar, novo e complexo para os estudantes que participaram do estudo, 22,7% deles pertencentes à classe de desempenho superior em Física apresentaram bons planos, contra 10,6 % dos estudantes de desempenho inferior. Num problema escolar típico, P2, a dependência da qualidade dos planos elaborados em relação ao desempenho em Física é menor. Acreditamos que isso se deve ao fato de que P1 se mostra um problema autêntico, desafiador e que promove o engajamento dos estudantes, diferentemente de P2.

Em ambas as classes de desempenho, os estudantes tendem a empregar sobretudo uma estratégia exploratória (QP3), mais adequada a situações de incerteza, do que a estratégia seqüencial típica dos laboratórios escolares (QP4) de variar um fator de cada vez, mantendo todos os outros constantes e medindo-se seu efeito sobre a variável dependente. No caso do problema mais familiar, sobre uma situação tratada na escola, 34,4% dos estudantes de melhor desempenho apresentam bons planos, com uma predominância maior de uma estratégia seqüencial de variar uma variável independente por vez, para determinar os efeitos sobre a variável dependente. Já os estudantes de baixo desempenho escolar, este número é de 20,3%, com predominância da estratégia seqüencial sobre a exploratória.

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio do CNPq.

Recebido em 30/9/2004; Aceito em 22/6/2005

  • [1] E.W. Jenkins, Research in Science Education in Europe: Retrospect and Prospect, edited by H. Behrendt, H. Dahncke, R. Duit, W. Gräber, M. Komorek, A. Kross and P. Reiska, Research in Science Education - Past, Present, and Future (Kluver, Dorderecht, 2001), p. 17-26.
  • [2] AAAS, Science for All Americans: Project 2001 (Oxford University Press, New York, 1990).
  • [3] A.T. Borges e O. Borges, Inovar - Currículos: Desenvolvendo o Pensar e o Pensamento Científico Projeto Integrado de Pesquisa, Apresentado Ao CNPq, julho de 2001.
  • [4] R. Millar, School Science Review 77, 7 (1996).
  • [5] A.T. Borges, A. Vaz e O.N. Borges, Comunicaçăo apresentada na III Conferęncia da ESERA, (Grécia, Thessaloniki, 2001a).
  • [6] A.T. Borges, O.N. Borges, e A. Vaz, Anais do III Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de Cięncias, editado por M.A. Moreira (Abrapec, Porto Alegre, 2001b), 1 CD.
  • [7] D. Hodson, Studies in Science Education 22, 85 (1993).
  • [8] R. White, International Journal of Science Education 18, 761 (1996).
  • [9] B. Woolnough, (ed.) Practical Science (Open University Press, Milton Keynes, 1991), 203 p.
  • [10] A.T. Borges, Caderno Catarinense de Ensino de Física 19, 291 (2002).
  • [11] A.T. Borges, O.N. Borges, A.D.T. Gomes e M.V.D. Silva, Atas do III Encontro Nacional de Pesquisa em Educaçăo em Cięncias ((Abrapec, Porto Alegre, 2001).
  • [12] A.T. Borges, Atas do I Encontro Nacional de Pesquisa em Educaçăo em Cięncias (Águas de Lindóia, SP, 1997), p. 2-11.
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    O coeficiente de contingência de Pearson é uma estatística que mede a intensidade da associacão entre as variáveis da tabela de contingência. Ele é um número entre 0 e 1, com 1 indicando uma associacão perfeita e 0 a completa ausência de associacão. Além disso, podemos determinar o valor de p, a probabilidade de que o valor do chi quadrado estimado seja obtido se a hipótese nula é válida. A hipótese nula testada é a que estabelece serem as classificacões dispostas nas linhas e colunas independentes umas das outras. Baixos valores de p indicam que a hipótese nula pode ser rejeitada, enquanto que valores altos indicam que ela deve ser considerada válida.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jan 2006
    • Data do Fascículo
      Set 2005

    Histórico

    • Aceito
      22 Jun 2005
    • Recebido
      30 Set 2004
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