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Análise do processo cognitivo na construção das figuras de Lissajous

Analyses of the cognitive process in the construction of the Lissajous figures

Resumos

Fazemos uma breve análise da hierarquia de objetivos educacionais no domínio cognitivo seguindo a taxonomia sugerida por Bloom. Por outro lado, usamos a computação algébrica para construir as figuras de Lissajous e as comparamos com as já existentes na literatura. Classificamos a comparação das figuras obtidas com as já existentes como um processo ao terceiro nível da taxonomia de Bloom, o de aplicação.

processo cognitivo; figuras de Lissajous


We make a brief analysis of the hierarchy of the educational objectives following the Bloom taxonomy. On other hand, we use algebric computation to obtain the Lissajous figures and compare our results with those from the literature. We classify the comparation of our results with the figures in the literature as the application level in the Bloom's taxonomy.

cognitive process; Lissajous figures


ARTIGOS ORIGINAIS

Análise do processo cognitivo na construção das figuras de Lissajous

Analyses of the cognitive process in the construction of the Lissajous figures

D. Andrade1 1 E-mail: campos@dfis.ufrr.br. ; M. de Campos

Departamento de Física, Universidade Federal de Roraima, Boa Vista, RR, Brasil

RESUMO

Fazemos uma breve análise da hierarquia de objetivos educacionais no domínio cognitivo seguindo a taxonomia sugerida por Bloom. Por outro lado, usamos a computação algébrica para construir as figuras de Lissajous e as comparamos com as já existentes na literatura. Classificamos a comparação das figuras obtidas com as já existentes como um processo ao terceiro nível da taxonomia de Bloom, o de aplicação.

Palavras-chave: processo cognitivo, figuras de Lissajous.

ABSTRACT

We make a brief analysis of the hierarchy of the educational objectives following the Bloom taxonomy. On other hand, we use algebric computation to obtain the Lissajous figures and compare our results with those from the literature. We classify the comparation of our results with the figures in the literature as the application level in the Bloom's taxonomy.

Keywords: cognitive process, Lissajous figures.

1. Complexidade de metas no domínio cognitivo

Podemos definir cognição como o processo de formação do conhecimento, de tal modo que, podemos associar o desenvolvimento do processo cognitivo aos vários estágios pelos quais desenvolvemos a capacidade de correlacionar abstrações.

No ano de 1948, um grupo de educadores procurou dar forma a uma classificação hierárquica destes estágios atribuindo objetivos a serem alcançados. Estes eram distribuídos em três domínios: o cognitivo, o afetivo e o psicomotor.

Naturalmente, o uso de computação algébrica, como ferramenta que intervém no processo ensino-aprendizagem, atua mais propriamente no domínio cognitivo.

Segundo a taxonomia de objetivos educacionais de Bloom [1], as etapas de desenvolvimento do domínio cognitivo podem ser colocadas em ordem crescente de complexidade em seis níveis: conhecimento, compreensão, aplicação, análise, síntese e avaliação. De modo breve, podemos dizer que o primeiro nível está intimamente relacionado com o uso da memória, enquanto o nível dois já solicita a interpretação do contexto. Consequentemente, é neste nível que as abstrações serão construídas. O nível de aplicação é alcançado quando os princípios apreendidos nos dois primeiros níveis ganham direção e uso em um problema específico. O nível de aplicação ganha qualidade, passando ao de análise, quando a estrutura que se observa tem que ser classificada e relatada através de hipóteses e suposições. Nos dois níveis finais, configura-se a integração das várias hipóteses em uma nova estrutura, surgindo a crítica baseada na nova estrutura, ou seja, uma crítica criteriosa.

O receio de um educador, quando um aluno faz uso de computação algébrica em um problema específico, que geralmente envolve soluções de equações algébricas ou diferenciais, diferenciação, integração, confecção de gráficos e etc, é a interferência danosa que eventualmente possa acontecer nos dois primeiros níveis do desenvolvimento no domínio cognitivo. Evitar esse dano, pelo menos no caso que iremos examinar, pode ser um processo relativamente simples de ser obtido.

Assegurando-se que o aluno possui mestria nos objetivos de conhecimento e compreensão relativos ao movimento do oscilador harmônico e suas equações, bem como dos aplicativos básicos de computação algébrica, já é o suficiente para alcançar o nível de aplicação no processo de obtenção das figuras de Lissajous e comparação dos resultados com os já existentes na literatura.

Do mesmo modo que as demais classes referentes a capacidades e habilidades no domínio cognitivo, o nível de aplicação obedece a uma ordem de hierarquia em relação as classes inferiores.

A diferença do nível de aplicação com o nível imediatamente inferior fica evidenciada na solução de um problema novo onde as abstrações formadas no nível de compreensão sejam aplicadas.

Referente ao uso de computação algébrica para a exibição das figuras de Lissajous, esta ação pode ser classificada tanto ao nível de compreensão bem como no nível de aplicação. O fator decisivo pela classificação correta dos objetivos a serem alcançados, relaciona-se com a aparição de novos elementos, onde queremos dizer, novos em relação à situação em que o problema foi enfocado no nível anterior, o de compreensão.

Voltando à obtenção das figuras de Lissajous e comparando as figuras obtidas com as já existentes na literatura, notamos discrepâncias. A comparação entre as figuras obtidas e as já existentes configura um elemento novo em relação ao nível de compreensão, principalmente quando decidimos qual conjunto é correto.

Podemos repetir o que escrevemos acima de um modo mais conciso e por vezes mais esclarecedor: a verificação da aplicação de princípios que forem compreendidos não pode ser efetivada caso o problema a ser feito pelo aluno possua em sua própria formulação indicações a respeito da solução.

O objeto de nosso estudo refere-se à obtenção das figuras de Lissajous usando computação algébrica e à comparação das figuras obtidas com as já pré-existentes na literatura. Aproveitamos a oportunidade para ressaltar a classificação deste processo de comparação no terceiro nível da taxonomia de objetivos educacionais no domínio cognitivo, feita por Bloom [1].

2. Obtenção das figuras de Lissajous

Jules Lissajous interessava-se cientificamente por métodos ópticos aplicados ao estudo de vibrações [2]. As figuras que levam seu nome foram obtidas fazendo sucessivas reflexões em espelhos colocados convenientemente em hastes posicionadas em ângulo reto e vibrando.

Mesmo em um modesto laboratório que tenha um gerador de sinais e um osciloscópio, ou dois osciloscópios, podemos obter as figuras de Lissajous aplicando voltagens relacionadas harmônicamente. O perfil das figuras permite-nos a comparação de fases e freqüências de dois movimentos oscilatórios.

Uma aplicação interessante é considerar o análogo das figuras de Lissajous que ocorrem quando se estudam as oscilações radiais de pequenas amplitudes em torno de órbitas circulares para potenciais centrais que permitem órbitas fechadas em primeira aproximação [3], ou ainda redefinindo o potencial do oscilador usando uma transformação canônica [4]. As trajetórias resultantes podem representar a trajetória orbital de uma massa em uma galáxia, por exemplo.

Em algumas ocasiões as figuras de Lissajous que estão publicadas na literatura não estão corretas, o que naturalmente pode gerar alguma confusão [5],[6]. Em muitos casos podemos notar se a figura está correta ou não apenas verificando que a curva passe pela origem do plano XY. Outro modo, é usando o método das projeções [5]. Neste breve estudo obteremos as figuras de Lissajous usando o software de computação algébrica maple. Veremos que a correção feita por Wu e Tsai está correta e várias figuras que aparecem na literatura, como por exemplo, no livro de M. Alonso e E. Finn [7], estão incorretas (Fig. 2).



Vamos considerar dois osciladores harmônicos simples cujas as expressões para as coordenadas x e y do movimento oscilatório são dadas por:

onde A1 e A2 são as amplitudes, w1 e w2 as freqüências angulares e q1 e q2 as fases iniciais. As figuras de Lissajous são feitas no plano OXY, utilizando-se as Eqs. (1) e (2).

Para obtermos o gráfico da trajetória do movimento resultante usaremos o pacote ''plots", que está inserido dentro do maple nas versões mais recentes. Em primeiro lugar, é necessário usar o comando ''with" para compilar o pacote. Assim, o leitor deverá começar sua sessão no maple com >with(plots):. Note que todos os comandos no Maple terminam com : ou ;, pois o mesmo é programado usando a linguagem C, na grande maioria de seus aplicativos. Em seguida, podemos obter a trajetória resultante do acoplamento de dois osciladores usando os seguintes comandos:

>x:=A1*sin(omega1*t);

>y:=A2*sin(omega2*t+delta);

>x1:=subs(A1=1,omega1=3,x);

>y1:=subs(A2=1,omega2=2,delta=Pi/2,y);

>plot([x1,y1],t=0..2*Pi);

Na primeira e segunda linhas atribuímos a x e y as respectivas expressões de cada oscilador. Na terceira e quarta linhas fazemos a substituição das amplitudes, freqüências angulares e fases iniciais. Por fim, o gráfico do plano bi-dimensional é obtido. Na Fig. 1 colocamos as figuras corretas para diversas fases e freqüências que obtivemos usando o maple. Na Fig. 2 reproduzimos as figuras de Lissajous, usando computação algébrica, que estão publicadas no livro de Alonso e Finn [7]. Comparando as Figs. 1 e 2, notam-se discrepâncias entre os conjuntos de figuras. Usando-se a passagem pela origem podemos, em alguns casos, decidir pela figura correta. Considerando o caso em que a relação entre as freqüências dos osciladores acoplados seja de 1:2 e que as fases iniciais sejam nulas, forçosamente teremos uma passagem pela origem, o que não se observa na Fig. 2.

3. Conclusões

A introdução de qualquer ferramenta que influencie o processo ensino-aprendizagem deve possuir ação bem definida e explicitada em termos de objetivos a serem alcançados. Assim, a avaliação do processo pode ser realizada com precisão. Na taxonomia de metas feita por Bloom e co-autores a classificação de objetivos é colocada em ordem crescente de complexidade.

Podemos considerar o uso da computação algébrica nos cursos de graduação como uma melhoria no processo de ensino-aprendizagem, desde que certos cuidados sejam tomados. O ganho de qualidade deve ser avaliado com precisão, e o uso desta ferramenta de hipermídia não deve gerar uma ação que acentue dificuldades já existentes ou até crie novas. Neste caso, podemos minimizar muito qualquer prejuízo do processo ensino-aprendizagem, desde que os objetivos a serem alcançados em uma ação sejam devidamente classificados. Naturalmente, podemos estender o que dissemos acima para qualquer ferramenta de hipermídia.

Ao fazermos a análise das figuras de Lissajous usando computação algébrica, e ao mesmo tempo nos preocupando com a classificação da ação, usando a taxonomia de objetivos educacionais segundo Bloom [1], estamos eliminando substancialmente as chances do uso de computação algébrica gerar uma involução do processo de aprendizagem.

De um modo geral, quando alguma objeção referente ao uso de computação algébrica em um problema determinado aparece, esta objeção relaciona-se aos objetivos dos níveis de conhecimento e compreensão. Eliminando-se esta interferência, os níveis mais elevados de objetivos podem ser explorados. Uma das vantagens do uso da ferramenta de hipermídia é fornecer o tempo necessário para cada indivíduo fazer a retenção dos novos conhecimentos.

Por outro lado, comparando as figuras que obtivemos usando computação algébrica com as existentes na literatura, acoplando com essa ação a decisão a respeito do conjunto correto de figuras, o terceiro nível da taxonomia de Bloom é alcançado. Pois, uma ferramenta nova, aplicada a uma situação diferente da análoga durante o nível de compreensão e formação de abstrações referentes ao acoplamento de osciladores foi usada.

Em relação a comparação das figuras de Lissajous obtidas usando computação algébrica e as publicadas na literatura, chamamos a atenção da correção efetuada. Naturalmente, podendo ser extendida a outras situações e disciplinas. Em resumo, temos uma ferramenta que pode ser útil, desde que, não seja utilizada de forma isolada em relação ao conjunto do processo de ensino-aprendizagem.

Recebido em 7/6/2005; Revisado em 10/8/2005; Aceito em 17/10/2005

  • [1] B. Bloom et al., Taxonomia de Objetivos Educacionais. Domínio Cognitivo (Ed. Globo, Porto Alegre, 1974).
  • [2] J. Lissajous, Annals de Chimie et de Phisique 51, 3 Ş série, 140 (1849).
  • [3] C. Farina, Am. J. Phys. 53, 9 (1985).
  • [4] A. Ollongren, Astrophys. J. 72, 436 (1967).
  • [5] M. Wu and W. Tsai, Am. J. Phys. 52, 657 (1984).
  • [6] W. Herreman, Velewe 24, 21 (1980).
  • [7] M. Alonso e E. Finn, Física: Um Curso Universitário (Editora Edgard Blucher, Săo Paulo, 1972), v. I.
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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Recebido
      07 Jun 2005
    • Revisado
      10 Ago 2005
    • Aceito
      17 Out 2005
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