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Determinação de curvas de histerese

Determination of hysteresis curves

Resumos

Neste trabalho apresentamos uma discussão detalhada sobre as curvas de histerese obtidas no caso do mais simples sistema magnético, o modelo de Ising. As curvas de histerese são construídas através de estados estáveis e metaestáveis do sistema. A estabilidade de cada estado é determinada pela energia livre de Gibbs do sistema para cada valor de temperatura e campo magnético externo. Também discutimos o procedimento necessário para a determinação de curvas de histerese através do método de Monte Carlo, de forma a manter o sistema em seus estados metaestáveis durante as simulações.

modelo de Ising; histerese; propriedades magnéticas


In this work we present a detailed discussion concerning the hysteresis curves for the simplest magnetic system, the Ising model. The hysteresis curves are generated by passing along a set of stable and metastable states of the system. The stability of each state is determined by the Gibbs free energy of the system for each pair of values of temperature and field. We also discuss how we must proceed in determining hysteresis curves by the Monte Carlo method in order to keep the system in its metastable states during the simulation process.

Ising model; hysteresis; magnetic properties


ARTIGOS GERAIS

Determinação de curvas de histerese

Determination of hysteresis curves

Vanessa Souza Leite; Wagner Figueiredo1 1 E-mail: wagner@fisica.ufsc.br.

Departamento de Física, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil

RESUMO

Neste trabalho apresentamos uma discussão detalhada sobre as curvas de histerese obtidas no caso do mais simples sistema magnético, o modelo de Ising. As curvas de histerese são construídas através de estados estáveis e metaestáveis do sistema. A estabilidade de cada estado é determinada pela energia livre de Gibbs do sistema para cada valor de temperatura e campo magnético externo. Também discutimos o procedimento necessário para a determinação de curvas de histerese através do método de Monte Carlo, de forma a manter o sistema em seus estados metaestáveis durante as simulações.

Palavras-chave: modelo de Ising, histerese, propriedades magnéticas.

ABSTRACT

In this work we present a detailed discussion concerning the hysteresis curves for the simplest magnetic system, the Ising model. The hysteresis curves are generated by passing along a set of stable and metastable states of the system. The stability of each state is determined by the Gibbs free energy of the system for each pair of values of temperature and field. We also discuss how we must proceed in determining hysteresis curves by the Monte Carlo method in order to keep the system in its metastable states during the simulation process.

Keywords: Ising model, hysteresis, magnetic properties.

1. Introdução

Do ponto de vista experimental, as curvas de magnetização contra a intensidade do campo magnético informam sobre a dureza dos materiais magnéticos, que está relacionada com sua anisotropia cristalina. Quando um campo magnético é aplicado sobre um sistema magnético, como um pedaço de ferro, suas paredes de domínio se movimentam, aumentando a região de momentos magnéticos na mesma direção do campo e causando uma diminuição de sua energia interna. Para pequenos valores do campo este processo é reversível. Entretanto, quando o campo não é fraco, o processo torna-se irreversível, prevenindo o sistema de retornar à sua configuração inicial quando o campo é removido. Este é o bem conhecido fenômeno de histerese [1].

Qualquer material magnético que esteja num estado ordenado perde sua magnetização quando a temperatura torna-se maior que Tc, a chamada temperatura crítica do sistema. Por exemplo, para o ferro tem-se Tc = 1043 K. Esta temperatura representa uma propriedade muito importante tanto do ponto de vista tecnológico quanto teórico, uma vez que acima da temperatura crítica o fenômeno de histerese não pode mais ser observado [2].

O modelo de Ising [3], que é muito estudado na mecânica estatística, representa os materiais magnéticos que exibem uma alta anisotropia cristalina. O modelo de Ising é descrito pelo seguinte hamiltoniano

onde as variáveis si representam os momentos magnéticos do sistema e, por simplicidade, assumem os valores ±1. O primeiro termo dessa equação representa o acoplamento magnético entre os spins vizinhos mais próximos localizados nas posições i e j de uma estrutura cristalina. J é a magnitude da interação entre os spins e é conhecido como constante de troca. O segundo termo dessa equação acopla os momentos magnéticos ao campo magnético externo, H, e é conhecido como contribuição de Zeeman para a energia do sistema. N é o número de momentos magnéticos do sistema e q é o número de coordenação da rede, sendo que q = 6 no caso de uma estrutura cúbica simples.

Em uma dimensão o modelo de Ising é exatamente solúvel, não apresentando nenhuma transição de fase a temperatura finita. Entretanto, em duas dimensões, Onsager encontrou uma solução exata para o modelo de Ising na ausência de campo, com uma temperatura crítica finita [4].

Neste estudo, ilustramos o fenômeno da histerese através das curvas de magnetização determinadas para o modelo de Ising em função da temperatura e do campo magnético. Com a intenção de simplificar a discussão, consideramos apenas a solução mais simples para o problema, que é baseada na aproximação de campo médio [5]. Por exemplo, nessa aproximação, a magnetização de equilíbrio do sistema é dada pela seguinte equação:

e a energia livre de Gibbs por

onde b = 1/kBT, kB é a constante de Boltzmann e T é a temperatura absoluta.

A equação para a magnetização de equilíbrio do sistema pode também ser obtida através da equação mestra, considerando-se por exemplo, que o sistema evolui no tempo segundo o processo estocástico de Glauber [6]. A evolução temporal da magnetização média do sistema é dada por

onde t é o tempo de relaxação para a inversão de um único spin do sistema na presença do campo magnético externo. Essa última equação também é obtida na aproximação de um sítio, campo médio, considerando-se a taxa de evolução de Glauber para o sistema.

No estado estacionário temos que

e uma das soluções dessa equação coincide com aquela da Eq. 2. Esta solução, que minimiza G(T,H;m), representa o estado de equilíbrio do sistema.

A Eq. 4 pode ser usada para se obter as curvas de histerese do sistema. Neste caso, começamos com uma configuração dos spins que corresponde ao estado desmagnetizado (H = 0) e mudamos a magnitude do campo magnético externo enquanto o tempo passa. Para cada valor do campo, encontramos o estado estacionário do sistema, onde a Eq. 5 é satisfeita.

Na Fig. 1 apresentamos as curvas de magnetização quando variamos o campo numa taxa DH = 0,01 J por unidade de tempo. O tempo é medido em unidades de t. Assim, por exemplo, se tomarmos t = 1, toda vez que aumentarmos o tempo t de uma unidade, devemos incrementar o campo de DH = 0,01 J. Neste caso, essa é a velocidade de varredura escolhida para o campo magnético. As curvas são obtidas para T = 0,05 J/kB, T = 0,50 J/kB, T = 1,00 J/kB, T = 2,00 J/kB, T = 4,00 J/kB e T = 6,00 J/kB, onde Tc = 6,00 J/kB é a temperatura crítica do sistema na aproximação de campo médio. Como podemos verificar, há um ciclo de histerese nas curvas de magnetização para todas as temperaturas abaixo da temperatura crítica do sistema. A existência do ciclo indica que o sistema também passa por estados metaestáveis, ou seja, estados que não correspondem ao verdadeiro equilíbrio termodinâmico do sistema. Se a velocidade de varredura do campo magnético externo for bastante pequena, muito menor que aquela escolhida na construção da Fig. 1, o sistema sempre entrará num estado de equilíbrio. Por outro lado, se a taxa de variação é alta, o sistema pode permanecer num estado metaestável, que é determinado justamente pelos estados anteriores, ou seja, ele depende da história do sistema.


Para encontrar os estados de equilíbrio e metaestáveis do sistema para um dado conjunto de valores de temperatura e campo, devemos considerar as raízes da equação

Apresentamos na Fig. 2 os zeros dessa equação para os mesmos valores selecionados dos parâmetros usados na Fig. 1. Por exemplo, na Fig. 2(c), fazemos o gráfico das raízes desta equação para T = 1,0 J/kB. Como pode-se verificar, para magnitudes do campo entre -4,0 < H < 4,0 J encontramos três soluções distintas para a Eq. 6. Por outro lado, fora deste intervalo, apenas uma solução é obtida. Comparando-se as Figs. 1(c) e 2(c), percebe-se que apesar de obtermos três soluções estacionárias para a magnetização do sistema nos intervalos -4,0 < H < -2,5 J e 2,5 < H < 4,0 J na Fig. 2(c), a curva de histerese da Fig. 1(c) escolhe apenas um valor de m nesses intervalos para a taxa de varredura do campo considerada. O mesmo ocorre para todas as outras temperaturas abaixo da temperatura crítica. Para temperaturas acima da crítica, apenas uma única solução da Eq. 6 é obtida para cada valor do campo magnético externo.


Para determinar qual é a magnetização do sistema para um dado par de valores de H e T, devemos observar os valores de sua energia livre. A magnetização que corresponde ao mínimo global da energia livre do sistema é a sua magnetização de equilíbrio.

Nas Figs. 3 e 4 apresentamos, como ilustração, os valores da energia livre do sistema em função de sua magnetização para vários valores de H, quando T = 1,0 J/kB e T = 5,0 J/kB, respectivamente. Na Fig. 3 assumimos a mesma temperatura considerada nas Figs. 1(c) e 2(c). Observando essa figura podemos entender porque o sistema nunca escolhe a solução existente entre os valores m = -1,0 e m = 1,0: para esse ramo de valores de m, a energia livre de Gibbs sempre apresenta um máximo. Para a baixa temperatura considerada na Fig. 3, o mínimo global G ocorre para os estados m » -1,0 ou m » 1,0. Quando o campo é muito negativo, o único mínimo, o mínimo global da função G, ocorre para m » -1,0. Aumentando-se o campo até H = 0, o sistema permanece no ramo de estados estáveis m » -1,0, porém m » 1 representa um estado metaestável. Exatamente em H = 0,0, os mínimos locais, m » -1,0 e m » 1,0 tornam-se igualmente estáveis. Quando 0 H 2,5 J, o sistema permanece ainda no estado instável m » -1, apesar da Fig. 3 mostrar que a solução de equilíbrio estável é m » 1. Finalmente, para H 2,5 J, o campo é suficientemente forte para o sistema ultrapassar a barreira de energia entre os estados metaestáveis e estáveis do sistema, e a configuração de equilíbrio é alcançada. Por outro lado, quando reduzimos o campo a partir de seus valores positivos, o sistema permanece no estado metaestável apenas para -2,5 < H < 0 J.



Comparando-se as Figs. 3 e 4, notamos que ao aumentarmos a temperatura do sistema, diminuímos a barreira de energia entre os estados de mínima energia livre. Desta forma, a probabilidade do sistema ultrapassar a barreira torna-se maior em temperaturas mais altas, e o ciclo de histerese do sistema torna-se mais fechado. A largura do ciclo de histerese depende da temperatura do sistema e da velocidade de variação do campo magnético externo, como pode ser verificado na Fig. 5, onde três velocidades de varredura diferentes para o campo foram consideradas.


Um comentário final deve ser feito sobre a determinação de curvas de histerese através das simulações de Monte Carlo. Usualmente, no método de Monte Carlo, esperamos que o sistema evolua no tempo até que alcance seu estado de equilíbrio para então computarmos os valores das quantidades físicas de interesse. Assim, médias são realizadas considerando a evolução do sistema nas vizinhanças do estado de equilíbrio [7]. Obviamente, este procedimento não pode ser aplicado na obtenção das curvas de histerese. Para a obtenção dos estados metaestáveis do sistema durante a varredura do campo, devemos proibir que o sistema ultrapasse a barreira de energia em um tempo finito, entrando em um estado de equilíbrio. Desta forma, necessitamos escolher convenientemente a janela de tempo (intervalo de passos de Monte Carlo) durante a qual o sistema permanece em um estado de equilíbrio metaestável. Por exemplo, se consideramos um sistema que entre no estado de equilíbrio após um tempo típico de, digamos, 1.200 passos de Monte Carlo, podemos construir sua curva de histerese considerando os valores da magnetização do sistema entre os passos 300 e 800. Neste intervalo, os estados do sistema flutuam nos arredores de sua configuração metaestável. O mesmo tipo de procedimento é também empregado quando as simulações de Monte Carlo são aplicadas para investigar as transições de fase de sistemas fora do equilíbrio que apresentam estados absorventes, como por exemplo, o processo de contato e os modelos para catálise heterogênea. Nestes casos, monitoramos o sistema durante um dado intervalo de tempo, durante o qual ele permanece em um estado estacionário metaestável [8].

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio financeiro das agências de fomento CNPq e FAPESC.

Recebido em 20/6/2006; Aceito em 5/9/2006

  • [1] N.W. Ashcroft and N.D. Mermin, Solid State Physics (Saunders College, Nova Iorque, 1976).
  • [2] C. Kittel, Introduction to Solid State Physics (John Wiley and Sons, Nova Iorque, 1976), 5 ed.
  • [3] S.G. Brush, Rev. Mod. Phys. 39, 883 (1967).
  • [4] C. Domb, The Critical Point (Taylor and Francis, Nova Iorque, 1996).
  • [5] S.R. Salinas, Introduçăo ŕ Física Estatística (Edusp, Săo Paulo, 1999).
  • [6] T. Tomé e M. J. de Oliveira, Dinâmica Estocástica e Irreversibilidade (Edusp, Săo Paulo, 2001).
  • [7] D.P. Landau and K. Binder, A Guide to Monte Carlo Simulations in Statistical Physics (Cambridge University Press, Cambridge, 2000).
  • [8] J. Marro and R. Dickman, Nonequilibrium Phase Transitions in Lattice Models (Cambridge University Press, Cambridge, 1999).
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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jun 2007
    • Data do Fascículo
      2007

    Histórico

    • Aceito
      05 Set 2006
    • Recebido
      20 Jun 2006
    Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: marcio@sbfisica.org.br