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Relatividades no ensino médio: o debate em sala de aula

Relativities in secondary school: classroom debate

Resumos

A impossibilidade de detecção experimental do movimento uniforme absoluto, também conhecida como princípio da relatividade, não tem sido suficientemente abordada nas aulas de física do ensino médio. Neste trabalho, apresentamos parte de uma seqüência didática que objetivou abordar tópicos da teoria da relatividade restrita com estudantes do primeiro ano do ensino médio. Nesta, foi promovida uma discussão ampla sobre o princípio da relatividade, uma vez que o mesmo é fundamental para a teoria de Einstein, e pode-se perceber a sua falta de plausibilidade para os estudantes. A abordagem da relatividade de Galileu pode contribuir para uma ênfase nos aspectos conceituais da física e servir também como uma porta de entrada para o tratamento de tópicos da relatividade. A análise de episódios de ensino recortados das aulas e das respostas dos alunos a um questionário aplicado nos permitiu concluir sobre a proficuidade das estratégias adotadas, pela constatação da assimilação dos conceitos trabalhados. Os resultados foram expressivos: com exceção de um aluno, todos os demais assinalaram a opção correta e a justificaram mencionando o princípio da relatividade, o que nos permite aferir que as atividades desenvolvidas foram bem sucedidas em relação às respostas manifestadas no pré-teste, aplicado no início das atividades.

física moderna no ensino médio; princípio da relatividade; relatividade restrita


The impossibility of experimental detection of uniform and absolute motion, also known as the principle of relativity, has not been well discussed in Physics Secondary School classes. In this paper, we present part of a didactical sequence in which topics of Special Relativity are presented to first year students. The discussion of Galilean relativity allowed us to emphasize conceptual aspects of physics and introduce topics of special relativity. The analysis of teaching episodes, extracted from recordings made in class, and the students's answers to a post - test presented at the end of the teaching sequence, allowed us to infer that we had achieved our goals. The results were excellent, since, but for one student, all the others answered correctly, mentioning as expected the relativity principle so confirming the efficiency of our methodology.

modern physics in secondary school; principle of relativity; special relativity


PESQUISA EM ENSINO DE FÍSICA

Relatividades no ensino médio: o debate em sala de aula

Relativities in secondary school: classroom debate

Ricardo Avelar Sotomaior KaramI; Sonia Maria S.C. de Souza CruzI; Débora CoimbraII,1 1 E-mail: deboracoimbra@terra.com.br.

IDepartamento de Física, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil

IIDepartamento de Física, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil

RESUMO

A impossibilidade de detecção experimental do movimento uniforme absoluto, também conhecida como princípio da relatividade, não tem sido suficientemente abordada nas aulas de física do ensino médio. Neste trabalho, apresentamos parte de uma seqüência didática que objetivou abordar tópicos da teoria da relatividade restrita com estudantes do primeiro ano do ensino médio. Nesta, foi promovida uma discussão ampla sobre o princípio da relatividade, uma vez que o mesmo é fundamental para a teoria de Einstein, e pode-se perceber a sua falta de plausibilidade para os estudantes. A abordagem da relatividade de Galileu pode contribuir para uma ênfase nos aspectos conceituais da física e servir também como uma porta de entrada para o tratamento de tópicos da relatividade. A análise de episódios de ensino recortados das aulas e das respostas dos alunos a um questionário aplicado nos permitiu concluir sobre a proficuidade das estratégias adotadas, pela constatação da assimilação dos conceitos trabalhados. Os resultados foram expressivos: com exceção de um aluno, todos os demais assinalaram a opção correta e a justificaram mencionando o princípio da relatividade, o que nos permite aferir que as atividades desenvolvidas foram bem sucedidas em relação às respostas manifestadas no pré-teste, aplicado no início das atividades.

Palavras-chave: física moderna no ensino médio, princípio da relatividade, relatividade restrita.

ABSTRACT

The impossibility of experimental detection of uniform and absolute motion, also known as the principle of relativity, has not been well discussed in Physics Secondary School classes. In this paper, we present part of a didactical sequence in which topics of Special Relativity are presented to first year students. The discussion of Galilean relativity allowed us to emphasize conceptual aspects of physics and introduce topics of special relativity. The analysis of teaching episodes, extracted from recordings made in class, and the students's answers to a post - test presented at the end of the teaching sequence, allowed us to infer that we had achieved our goals. The results were excellent, since, but for one student, all the others answered correctly, mentioning as expected the relativity principle so confirming the efficiency of our methodology.

Keywords: modern physics in secondary school, principle of relativity, special relativity.

La donna è mobile

Qual piuma al vento

Muta d' accento

e di pensiero

Giuseppi Verdi, in Rigoletto (1851)* * Ópera em Três Atos e Quatro Cenas, Maria Callas, soprano; Guiseppe Di Stefano, tenor; Tito Gobbi, barítono. Org. e coro do Teatro de Scala de Milão. 2 discos sonoros (116 min).

1. Introdução

No terceiro ato da ópera Rigoletto, cortejando a irmã do taberneiro, o personagem Duque de Mântua exaspera e desilude Gilda (a filha de Rigoletto), a qual o observa às escondidas. Como em La donna è mobile na qual a inconstância da personagem intriga o Duque, o movimento, do latim movere [1], é um dos fenômenos fundamentais que têm intrigado recorrentemente o pensamento humano. Têm a mesma origem etimológica motione (ato de mover), mobile (móvel) e motore (que põe em movimento). Em seu Discursos e Demonstrações Matemáticas sobre Duas Novas Ciências, Galileu Galilei anuncia seu propósito de expor uma ciência muito nova, tratando de um tema muito antigo: o movimento.2 2 Ver Ref. [2], p. 153. Este trabalho talvez represente a mais célebre reflexão sobre o que é um movimento no espaço e sobre a possibilidade de demonstrar sua existência a partir de uma experiência sensível. A preocupação com a caracterização do estado de movimento e de suas causas esteve presente desde os pré-socráticos. Zenão de Eléia pretendeu demonstrar que o movimento é uma impossibilidade lógica, em seu paradoxo dos bastões3 3 O paradoxo dos bastões considera o movimento de dois bastões idênticos, movendo com mesma velocidade em sentidos opostos em relacão a um referencial fixo e a diferenca de deslocamentos observados num mesmo intervalo de tempo, por diferentes observadores leva Zenão à sua conclusão. Analisando também uma corrida entre o famoso guerreiro grego Aquiles e uma tartaruga, considerando uma seqüência de estados em cada um dos quais a distância entre Aquiles e a tartaruga é reduzida à metade daquela verificada no estado anterior, constitui outro paradoxo. Entre um estado e outro, decorre algum intervalo de tempo. Uma vez que a seqüência é infinita, segundo Zenão, o tempo que Aquiles gastará para alcancar a tartaruga é uma soma infinita de intervalos de tempo. O equívoco está em concluir a não-convergência da série geométrica. Em outro famoso sofisma, Zenão pretendia demonstrar que uma flecha não poderia se mover, pois, a cada instante, sua extremidade ocupa uma posicão bem definida, não parecendo possível, segundo o pensador, que algo com posicão bem definida pudesse ter velocidade diferente de zero [4]. [3].

Aristóteles classificava os movimentos como natural (não-assistido4 4 Movimento na ausência de manutencão por um agente externo. ) ou violento. O movimento natural seria dividido em dois tipos: celeste (uniforme, circular e perpétuo) e terrestre (retilíneo, para cima ou para baixo e finito); o movimento violento dependeria da ação de uma força. Sua lei para este tipo de movimento pode ser expressa por v = k(F/R), sendo v a velocidade do corpo, F a força que provoca o movimento e R a resistência oferecida pelo meio. Aristóteles acreditava que o movimento natural terrestre devia-se ao fato de que cada coisa era constituída pelos quatro elementos (terra, fogo, água e ar) e buscavam seu lugar natural. Assim, sem a ação de uma força, a tendência natural dos corpos terrestres seria o estado de repouso [5]. Em seu Matter and Motion, Maxwell aponta a precariedade na distinção entre repouso e movimento enquanto estado do corpo em si,uma vez que estas definições só têm sentido com referência a algum outro corpo.5 5 Ver Ref. [6], p. 22.

Muitas das idéias de Aristóteles foram questionadas por Giordano Bruno e Galileu Galilei,6 6 Este salto de aproximadamente 2000 anos de história da ciência é intencional. Entretanto, as idéias de Aristóteles foram gradativamente sendo questionadas por diversos pensadores, principalmente durante a Idade Média, os quais certamente influenciaram as teorias de Galileu. Para a compreensão da evolucão do pensamento aristotélico ao galileano ver [7, 8]. dentre elas a noção de que o movimento requer força. Para Galileu, o principal responsável pelo conceito de inércia, o qual é fundamental para a formulação das leis de Newton, não existe distinção entre o estado de repouso e o de movimento retilíneo e uniforme. Assim, um corpo livre da ação de forças está ou em repouso ou em movimento retilíneo e uniforme, dependendo do referencial. Um exemplo das diferentes interpretações dadas por estas duas teorias é discutido no livro de Galileu Diálogos sobre os Dois Principais Sistemas do Mundo. A queda de uma pedra do alto do mastro de um barco que se desloca com velocidade constante, situação parafraseada da obra de Giordano Bruno, seria explicada por Simplício, personagem que representa as idéias aristotélicas, como uma linha reta para um observador parado em relação à Terra. Logo, para ele, quando a bola atingisse o soalho do barco, sua posição seria distante da base do mastro. Porém, Sagredo, personagem representante das idéias galileanas, argumentaria que não seria possível determinar se o barco está em movimento uniforme, por qualquer alteração nas leis da física em seu interior, assim, sendo desprezada a resistência do ar, a pedra deveria cair na base do mastro independente da velocidade do barco7 7 O próprio Galileu, segundo Bassalo [3], nunca realizou essa experiência, mas a mesma foi realizada por outros. Dentre eles, Jean Gallé, em 1624, no mar Adriático, e Jean-Baptiste Morin, em 1634, no rio Sena. A série de filmes didáticos Universo Mecânico (Annenberg/CPB Project, 1985), apresenta a realizacão da mesma no episódio denominado Inércia. [9]. Esta impossibilidade de se detectar o movimento uniforme, ou seja, a não-existência de um referencial privilegiado para distinguir os estados de movimento e repouso, ficou conhecida à época como princípio da relatividade do movimento ou princípio da independência dos movimentos e, atualmente, como princípio da relatividade ou lei de composição de velocidades de Galileu.

O paradigma newtoniano, postulando a descrição da natureza em termos de equações de movimento é, talvez, a mais bem sucedida criação da história do pensamento humano. Com a formulação da mecânica de Newton, no século XVII, e de suas leis universais, foi possível prever, com grande precisão, o movimento dos corpos celestes. O tratamento teórico e os dados observacionais da órbita de Urano apresentavam pequenas diferenças, as quais permitiram a previsão da existência de um novo planeta, Netuno, resultado cuja constatação experimental foi considerada um verdadeiro triunfo para a mecânica clássica [9]. A introdução da idéia de força suscita a necessidade prática de especificar a prescrição da velocidade e sua razão de variação [10]. A proposição de Newton de espaço e tempo absolutos,8 8 O espaco absoluto é concebido como aquele que se mantém sempre similar a ele mesmo e imóvel. Tempo absoluto e matemático é concebido como aquele que flui uniformemente a uma razão constante, não afetado pelo movimento das coisas materiais, Ref. [5], p. 11-12. implicada na definição de um sistema de referência padrão, em relação ao qual qualquer movimento uniforme de translação não altera a descrição das forças, o que significa dizer que as leis da mecânica são invariantes por transformações de Galileu, representou uma questão abstrata e aberta no final do século XIX, pela incompatibilidade entre esta e a teoria eletromagnética sintetizada por Maxwell. A famosa experiência realizada por Michelson e Morley (no período compreendido entre 1881 e 1887) corroborou a observação da não-existência de um referencial privilegiado [4]. Por outro lado, a não-invariância das equações de Maxwell por uma transformação de Galileu indicava uma assimetria nas mesmas, a qual, para Einstein, não fazia sentido e, segundo ele,9 9 Na realidade, a autoria do princípio da relatividade foi corroborada por Poincaré e Larmor. Para mais detalhes sobre a evolucão da teoria da relatividade e as diferencas entre esta e a teoria desenvolvida por Lorentz e Poincaré, ver Refs. [8], [11], e [12]. o princípio da relatividade deveria ser válido para todas as leis da física. No artigo no qual são apresentadas pela primeira vez as idéias da teoria que seria posteriormente conhecida como Teoria da relatividade restrita, Einstein externa essa preocupação:

Como é bem conhecido, a eletrodinâmica de Maxwell - tal como usualmente entendida no momento - quando aplicada a corpos em movimento, produz assimetrias que não parecem ser inerentes ao fenômeno [...] Exemplos desse tipo - em conjunto com tentativas malsucedidas de detectar um movimento da Terra relativo ao "meio luminífero" - levam à conjectura de que não apenas os fenômenos da mecânica, mas também os da eletrodinâmica não têm propriedades que correspondam ao conceito de repouso absoluto. Ao contrário, as mesmas leis da eletrodinâmica e da óptica serão válidas para todos os sistemas de coordenadas nos quais valem as equações da mecânica.10 10 Ver Ref. [13], p. 143-144.

Formulando seus dois postulados, Einstein pode determinar as transformações lineares compatíveis, oriundas da homogeneidade do espaço e do tempo, as quais já haviam sido obtidas por Lorentz [3]. Os postulados de Einstein referem-se exclusivamente ao movimento e são axiomas cinemáticos. Têm como conseqüências a contração do espaço, a dilatação do tempo e a relação massa-energia. Quanto à forma, a teoria da relatividade restrita foi simplificada por Hermann Minkowski [14], exprimindo as equações básicas em termos de um espaço-tempo geométrico quadridimensional (três dimensões espaciais e uma temporal). A linha de universo11 11 Uma linha de universo é o equivalente quadridimensional à trajetória no espaco tridimensional. de uma partícula no espaço tempo é uma geodésica. Renunciando à propriedade do espaço plano, deve-se a Einstein também uma generalização ainda mais abrangente, de que todos os sistemas de referência (não somente os inerciais) são equivalentes para a formulação das leis da física. Esta exigência implica que o espaço seja localmente curvo e, essa curvatura depende da densidade de matéria nesse local. A ação gravitacional da matéria, segundo a teoria da relatividade geral, determina a forma do espaço-tempo, obedecendo a geometria riemanniana. A superioridade dessa teoria foi demonstrada por Schwarzschild, em 1916, calculando a linha do universo dos planetas no espaço-tempo curvado pelo Sol (especialmente de Mercúrio, cuja precessão do periélio, de 43 segundos por século era conhecida desde 1859).12 12 Na mecânica newtoniana, essa precessão era explicada como uma perturbacão do problema de dois corpos. O valor calculado (43,11±0,45 segundos de arco por século) apresentava uma pequena discrepância em relacão à precessão observada, diferentemente da predicão relativística (43, 03' por século), em excelente acordo com a experiência. Segundo a métrica de Schwarzschild, a órbita não é mais elíptica, sendo, em geral, uma rosácea, Ref. [9], p. 236.

Como no desfecho da ópera, podemos, enfim, resumir alguns passos da história do movimento relativo: Zenão o interpretava como paradoxal e ininteligível; Galileu e Newton o consideravam óbvio e trivial e, finalmente, Einstein corrigiu um equívoco fundamental na análise do óbvio, suprimindo do espaço e do tempo seu caráter absoluto [4].

Devido à relevância do tema para a física e objetivando uma inserção de temas modernos e contemporâneos, acreditamos que o princípio da relatividade mereça uma discussão mais ampla nas aulas de física do ensino médio. Tradicionalmente, os livros didáticos destinados a este nível13 13 Foram consultados os seguintes livros destinados ao ensino médio: Alvarenga e Máximo [15], Gaspar [16], Paraná [17], Bonjourno et al. [18], GREF [19], Carron e Guimarães [20] e Goncalves e Toscano [21]. contemplam uma abordagem sobre os conceitos de movimento e repouso, destacando a importância da definição de um referencial para esta classificação:

o movimento de um corpo, visto por um observador, depende do referencial no qual o observador está situado.14 14 Ver Ref. [15], p. 46.

[...] movimento é sempre um conceito relativo, só faz sentido falar em movimento de um corpo em relação a outro corpo. Um passageiro sentado num ônibus que percorre uma estrada está em movimento em relação a uma árvore junto à estrada, mas está parado em relação ao ônibus. [...] em outras palavras, um corpo está em movimento quando sua posição, em relação a um determinado corpo de referência, varia com o decorrer do tempo.15 15 Ver Ref. [16], p. 38.

Esta necessidade do estabelecimento de um referencial para julgar o estado de movimento ou repouso costuma ser encarada como algo de simples assimilação, implementando-se na seqüência o tratamento matemático: o cálculo da velocidade média, a aplicação das equações de movimento, bem como suas representações gráficas. A patente disparidade entre o tempo destinado às questões de ordem conceitual e o dedicado à abordagem matemática, além de contribuir para um distanciamento das discussões mais importantes, tem suprimido o interesse dos estudantes pela física.16 16 Vale destacar as excecões como o livro do GREF [19] e Goncalves e Toscano [21], os quais não supervalorizam o tratamento matemático da cinemática, iniciando pela discussão do conceito de forca, quantidade de movimento e sua conservacão. Entretanto, mesmo nestes, a impossibilidade de se detectar experimentalmente o movimento absoluto não é satisfatoriamente discutida. Posteriormente, quando se inicia o tratamento da dinâmica, os livros contemplam uma abordagem das leis de Newton e discutem o conceito de inércia. A maioria recorre à história da ciência e menciona a visão aristotélica de que movimento requer força como paradigma do erro, as idéias de Galileu e finalizam a discussão enunciando a primeira lei de Newton de forma muito semelhante: "Todo corpo tende a manter seu estado de repouso ou de movimento retilíneo e uniforme, a menos que forças externas provoquem variação nesse movimento".17 17 Ver Ref. [17], p. 111. Entretanto, não encontramos em nenhum dos livros analisados uma menção explícita ao princípio da relatividade nem uma discussão sobre a impossibilidade de se detectar experimentalmente o movimento uniforme.18 18 Gaspar [16] se diferencia das outras obras por apresentar uma definicão de referencial inercial, uma discussão sobre forcas fictícias e a não-validade das leis de Newton em referenciais não-inerciais.

Diversos estudos sobre as concepções prévias dos educandos têm revelado uma dificuldade de assimilação do princípio da relatividade e demonstrado uma estreita analogia entre as explicações dos estudantes e as premissas da teoria desenvolvida por Aristóteles [22-25]. Com o objetivo de verificar a utilização deste princípio por alunos de um curso de graduação em física, Pietrocola e Zylbersztajn [26] propuseram diversas situações idealizadas aos mesmos. Os estudantes deveriam se imaginar no interior de um trem e responder sobre as eventuais mudanças no comportamento dos fenômenos em virtude do movimento do mesmo. As situações propostas envolviam dinâmica dos corpos, hidrostática, termologia, eletricidade, magnetismo, óptica e som. Segundo os autores,

[...] o resultado que mais surpreendeu nessa pesquisa foi a ausência de menção explícita ao princípio de relatividade nas respostas. Não foi possível detectar em nenhuma delas argumentos relativísticos que explicassem a inexistência de mudanças nos fenômenos apresentados.19 19 Ver Ref. [26], p. 274.

Em um estudo recente [27], discutimos a pertinência de estratégias didáticas e analisamos a evolução conceitual promovida pela aplicação de uma proposta abordando tópicos da teoria da relatividade restrita com alunos do primeiro ano do ensino médio, partindo de conceitos da mecânica, imediatamente após o ensino da cinemática clássica, numa escola pública da cidade de Florianópolis, SC. Neste trabalho, descrevemos algumas atividades conduzidas promovendo momentos de discussão sobre o princípio da relatividade de Galileu. Relatamos os posicionamentos dos alunos frente às situações propostas, evidenciamos a resistência dos mesmos em aceitar este princípio, manifestada em diversos momentos da seqüência, e analisamos a adequação de nossas estratégias para uma assimilação propícia do primeiro postulado da relatividade restrita, a partir das respostas dos alunos aos questionários aplicados no início e no final do módulo.

2. Aspectos metodológicos

Adotando a proposta didática dos três momentos pedagógicos [28], destinamos as duas aulas iniciais para uma discussão mais detalhada sobre o princípio da relatividade de Galileu. A problematização inicial se baseou na seguinte situação hipotética: um caminhão (com uma grande caçamba) se desloca com velocidade constante de 10 m/s em uma estrada retilínea e plana. Em cima deste caminhão, está uma pessoa e uma caixa, fora dele uma outra pessoa o observa. Questionamos os alunos sobre as noções de movimento e repouso absolutos e sobre a necessidade do estabelecimento de um referencial. Propusemos situações envolvendo a adição galileana de velocidades e em seguida, perguntamos se seria possível para a pessoa dentro do caminhão, concluir se está ou não em movimento sem olhar para fora. Diversas situações que ocorreriam na carroceria foram aventadas, como a queda de objetos e jogos esportivos. Os estudantes externaram suas concepções, o professor não fornecendo nenhuma resposta e se limitando a ouvir as argumentações dos estudantes ou reformular mais claramente as perguntas. Com o objetivo de promover um conflito cognitivo, o professor realizou uma experiência análoga à situação proposta, abandonando um pedaço de papel molhado de um skate em movimento. Muitos alunos, baseados em suas concepções intuitivas, forneceram argumentos para explicar o resultado da experiência, o qual contrariou suas expectativas. A leitura e posterior discussão do texto "Em absoluto!",20 20 Ver Ref. [29], p. 22-35. o qual discute o princípio da relatividade de Galileu de uma maneira lúdica e com uma linguagem extremamente apropriada para essa faixa etária, possibilitou a organização do conhecimento.

Outros exemplos, como experiências feitas no interior de aviões e o debate entre os sistemas geocêntrico e heliocêntrico, foram abordados como aplicação do conhecimento. Em um momento posterior de nossa intervenção, abordamos o primeiro postulado da relatividade restrita, apresentando-o como uma generalização do princípio da relatividade galileano a todas as leis da física. Ao apresentarmos o segundo postulado, mencionamos duas experiências de pensamento,21 21 Uma pessoa está no interior de um trem que se desloca com a velocidade da luz. Se ela olhar para trás, veria alguma coisa? Se existe um espelho a sua frente, ela veria a sua própria imagem refletida no mesmo? Situacões extraídas respectivamente de Goldsmith [29] p. 36, e de Hey e Walters [30], p. 68-69. , análogas às idealizadas por Einstein anos antes da publicação do artigo sobre a relatividade, as quais propiciaram uma a relatividade, as quais propiciaram uma associação entre o segundo e o primeiro postulados.

Na seqüência, apresentamos alguns episódios de ensino,22 22 Segundo Carvalho e Goncalves [31], episódio de ensino é um recorte de uma aula, naquele momento em que fica evidente a situacão que queremos investigar. Pode ser a aprendizagem de um conceito, a situacão dos alunos levantando hipóteses num problema aberto, as falas dos alunos após uma pergunta desestruturadora. A característica fundamental é que seja um ciclo completo, no processo de interacão entre sujeitos, mediado pelo objeto do conhecimento e/ou pelo professor. estrategicamente recortados das gravações das aulas, nos quais relatamos a condução das atividades descritas, destacamos a resistência dos alunos à aceitação dos princípios da relatividade, manifestada durante todas as atividades realizadas em sala de aula.

3. Descrevendo o processo: Episódios de ensino

Inicialmente, relatamos as manifestações dos alunos frente à situação hipotética proposta no primeiro encontro, a qual tinha como objetivo promover a problematização inicial e levantar as concepções dos estudantes acerca do assunto.

Episódio 1 - A queda do celular

Legenda: P - o autor e professor

An - alunos

P: Suponham que eu estou de pé em cima de uma carroceria de um caminhão que esteja se deslocando em linha reta, em uma estrada perfeitamente lisa e horizontal e que sua velocidade permaneça constante durante o movimento. [...] imaginem que, por um descuido qualquer, eu deixe cair um celular da minha mão. Como é que eu vejo esta queda? Onde irá cair meu celular?

A12: A gente está considerando a resistência do ar? Eu só te respondo onde ele vai cair se você me disser isso.

A17: Mas mesmo desprezando a resistência ele vai cair num lugar diferente de onde ele foi solto. Ele solta o celular, o caminhão continua se movimentando e o celular acaba ficando para trás.

A7: Ele vai cair pra frente em relação ao caminhão, mas se não tiver ar, ele vai cair reto.

P: Reformulando a pergunta: Se eu soltar o celular, ele vai cair em um ponto, logo abaixo, em cima do meu pé, na frente do meu pé, ou atrás do mesmo?

A1: Na frente.

A25: Com aquele movimento do caminhão, atrás do seu pé.

A11: Com a resistência do ar ele cai para trás e sem a resistência ele cai reto, no seu pé.

A17: Ah, também depende do referencial. [...] Outras opiniões diversas foram aparecendo. Neste momento, grande parte da turma estava envolvida na discussão, dando suas próprias opiniões e contrapondo as dos colegas. O professor quase não interferia.

A7: O celular está em movimento, só quando ele está na sua mão. Depois, ele não está mais em movimento. Por isso ele cai para trás.

P: Imaginem que possamos desprezar os efeitos da resistência do ar, e agora?

A1: Depende, se ele for um bem leve ou um daqueles antigos mais pesados.

A12: Suponha que você tem uma pena na mão. Você pode aplicar a lei da inércia, que diz que um corpo tende a manter-se em movimento. Assim, se você soltar a pena ela vai cair reta.

A3: Não tem problema ficar em pé quando o caminhão está em movimento. O problema é quando ele pisa no freio ou faz uma curva.

Percebemos, nesse episódio, a implementação do primeiro momento pedagógico. O professor propõe uma situação sem fornecer nenhuma explicação e os estudantes vão manifestando suas concepções. A importância de se considerar ou não a resistência do ar foi levantada como uma questão relevante por A12, denotando que este aluno distingue experiências reais de idealizadas, caracterizando uma capacidade de abstração. Comumente, é solicitado que os alunos desprezem os efeitos da resistência do ar, porém muitos não conseguem se desvencilhar de situações concretas.

A concepção aristotélica de que o movimento natural seja retilíneo e para baixo e que o violento requer força, fica evidente nas manifestações de A17, A7 e A25 quando os mesmos supõem que o caminhão continua andando, mas o celular não. A17, ao afirmar que também depende do referencial, apresenta uma resposta pronta (típica de avaliações tradicionais), sem evidenciar entendimento do seu significado. A1 demonstra crer que esta queda dependerá da massa do objeto, A12 menciona corretamente o princípio da inércia, como justificativa para sua posição, enquanto A3 parece compreender as diferenças entre sistemas de referência inerciais e não-inerciais. A análise de fenômenos do universo escolar aponta para a importância da diversidade de opiniões dos estudantes, evidente nesta descrição. Segundo a teoria sócio-interacionista de Vygotsky, explicitada por Rego (1995), a heterogeneidade, característica presente em qualquer grupo humano, passa a ser vista como fator imprescindível para as interações na sala de aula. Os diferentes ritmos, comportamentos, experiências, trajetórias pessoais, contextos familiares, valores e níveis de conhecimento de cada criança (e do professor) imprimem ao cotidiano escolar a possibilidade de troca de repertórios, de visão de mundo, confrontos, ajuda mútua e conseqüente ampliação das capacidades individuais.23 23 Ver Ref. [32], p. 110.

Ampliando a discussão da situação proposta, o professor sugeriu a prática de esportes em cima da caçamba e os estudantes se posicionaram quanto à dificuldade da mesma, como descrito no Episódio 2.

Episódio 2 - Basquete na caçamba

Legenda: P - o autor e professor

An - alunos

P: Suponham que esta caçamba seja bem grande. São colocadas duas tabelas de basquete, uma na parte da frente e outra na parte de trás da caçamba. Eu e meu amigo resolvemos disputar uma partida de basquete. Teríamos algum problema para jogar esta partida?

A10: A bola vai chegar bem mais rápido na cesta que está na parte de trás do caminhão, já quem tiver que marcar na cesta da frente, terá que fazer muito mais força.

A12: Se o professor jogar a bola da direita para a esquerda, ela vai chegar mais rápido.

P: Qual das duas será mais fácil de fazer a cesta?

Todos concordam: Na de trás.

P: E se eu jogasse a bola verticalmente para cima, arrisca ela cair na cesta de trás?

A11: Com a resistência do ar sim.

A17: Quando a bola está no ar, o caminhão continua em movimento. Daí quando ela cai, o caminhão já percorreu certa distância e pode ser que ela caia na cesta de trás.

P: Todos concordam com a opinião de A17?

A15: Eu acho que não. Se o caminhão estiver sempre indo na mesma, a bola vai cair no mesmo lugar que foi lançada. Já se o caminhão acelerar ou frear, daí pode ser que ela caia em outro ponto.

A25: Se o caminhão não estiver acelerando, nem freando daí cai na cesta de trás.

A1: E se não fizer uma curva também

A partir deste relato, podemos perceber que a situação se torna mais complexa quando envolve movimentos que têm a mesma direção do caminhão. A10 parece querer somar ou subtrair a velocidade do caminhão com a da bola, como se quisesse aplicar uma espécie de transformação galileana de velocidades e A12, mesmo se posicionando corretamente no episódio anterior, recorre às suas pré-concepções e aplica o mesmo raciocínio que A10. Todos os alunos concordam que será mais fácil fazer a sexta na tabela de trás, A11 menciona a resistência do ar como fator relevante e A17 manifesta, em concordância com as idéias aristotélicas, a mesma opinião que emitiu no Episódio 1. A15 discorda da maioria dando indício de reconhecer o caminhão como um referencial inercial, enquanto A25 e A1 demonstram crer que qualquer aceleração poderá desviar a bola lançada verticalmente de seu caminho natural (a cesta de trás).

Segundo o princípio da relatividade, é impossível detectar experimentalmente o movimento uniforme absoluto. Para discutir sobre esta impossibilidade, pedimos aos estudantes que mencionassem algumas experiências a serem feitas no caminhão e em um avião, a fim de comprovar que os mesmos estavam em movimento. Descrevemos estas sugestões no terceiro episódio.

Episódio 3 - Experiências para detectar o movimento

Legenda: P - o autor e professor

An - alunos

P: Imaginem que tampamos a caçamba para que não seja possível ver nada lá fora. Lembrem-se que o caminhão está a uma velocidade constante de 10 m/s em uma estrada retinha perfeitamente lisa, horizontal e o caminhão não faz nenhum barulho. Você teria como provar para um amigo seu que também está dentro deste caminhão, que vocês estão em movimento? Como?

A25: Põe uma bolinha no chão, se ela rolar significa que você está em movimento.

A3: Não. Se não houver diferença de velocidade não.

A17: Eu acho que eu ia sentir que estava em movimento.

A1: Eu também acho que tem como sentir. É só você fechar o olho dentro de um ônibus em movimento para você ver que tem como sentir. [...]

P: Tem como provar se o avião está em movimento?

A25: É só jogar uma bolinha para cima.

P: Se ela cair na mão dele de volta, o avião está parado?

A17: Ah, mas acho que dentro do avião não tem nada de vento, assim... Ah acho que agora eu não sei...

P: Qual é a velocidade de um avião, mais ou menos?

A17: Nossa, muito alta! É mesmo, se fosse assim, a bola teria que ir voando muito rápido para trás!

P: Exatamente, vocês já imaginaram isso? Sua velocidade é próxima de 1000 km/h. Imaginem se uma pessoa que está lá na frente do avião resolve soltar uma bolinha de gude. Se estiver certa a opinião de alguns, as pessoas de trás terão que tomar muito cuidado, não? Essa bolinha de gude poderia até matar!!!! (Risos).

Ao solicitar aos estudantes que sugerissem experiências que permitam detectar o movimento uniforme, fica evidente a estreita relação entre as suas concepções e as experiências vivenciadas por eles cotidianamente. A25 sugere colocar uma bolinha no chão enquanto A17 e A1 garantem que sentiriam o movimento reportando-se a situações experimentadas no interior de um ônibus. Estas colocações evidenciam a dificuldade de compreensão do próprio movimento uniforme, uma vez que movimentos acelerados são mais cotidianos. Cabe, também, um destaque à colocação final do professor, pois o mesmo aproveita a sugestão de A25 para discutir sua não-plausibilidade, acessando assim a zona de desenvolvimento proximal definida por Vygotsky [33]. Buscando promover um conflito cognitivo com algumas concepções externadas, o professor realizou uma experiência em sala de aula. Em cima de um skate em repouso em relação ao solo, abandonou um pedaço de papel molhado e pediu que os estudantes observassem onde ele caíra. Depois, dando um empurrão no skate, ele abandonou-o novamente e o mesmo caiu no mesmo ponto. Os contra-argumentos dos alunos, frente a uma evidência experimental, são transcritos no quarto episódio.

Episódio 4 - Experimento do Skate

Legenda: P - o autor e professor

An - alunos

A7: É que aqui na sala tem ar...

P: Verdade A7, mas nós podemos considerar desprezível o efeito da resistência do ar sobre a bola de papel molhado nessa situação.

A18: Mas a velocidade do caminhão é muito maior que a do skate, professor.

P: Qual será a velocidade do skate A18? Você pode estimar um valor? Aproximadamente quantos metros ele percorre durante um segundo de movimento?

Neste momento o professor deu mais um impulso no skate.

A21: Ah professor, acho que uns dois metros.

P: Certo, vamos considerar que sua velocidade seja de 2 m/s. Quanto tempo, aproximadamente, o papel leva para cair? Alguém tem um relógio para cronometrarmos? [...]

A7: Foi muito rápido, menos de um segundo!

P: Então vamos considerar, para facilitar nossas contas, que o papel demorou meio segundo para cair, ok? Agora me diga, quantos metros o skate percorre em meio segundo?

A7: Um metro.

P: Então o papel deveria cair um metro atrás do meu pé, não é? Poxa, o skate deve ter uns 80 cm! Além do mais vocês viram que o papel caiu praticamente junto ao meu pé.

A7: É mesmo...

A14: A velocidade do skate não é uniforme.

P: Realmente, talvez ela diminua um pouco, mas durante a queda sua velocidade é praticamente constante. Vou andar de novo em cima do skate e peço que vocês reparem no barulho feito quando as rodas passam pelos azulejos. Se a freqüência do som for constante, isso significa que a velocidade do mesmo também é.

Depois de realizada a experiência por mais algumas vezes, os alunos concordaram que a velocidade do skate não estava variando consideravelmente. Os argumentos dos estudantes estão de acordo com o comportamento alfa previsto na teoria de Piaget [34]. A primeira atitude frente a uma aparente perturbação é rejeitá-la e buscar argumentos que expliquem os fatos observados baseados em suas estruturas cognitivas. O professor procura contra-argumentar, fazendo estimativas de tempo de queda e comprimento do skate para que os alunos percebam a impossibilidade de descartar a perturbação e propiciando que os mesmos atinjam a fase beta. Poucos instantes do final desta aula, alunos ainda insistiam em argumentos apriorísticos para preservar suas concepções prévias, como nas colocações de A13: Tudo bem professor, mas e se você estivesse dentro de um navio que se desloca em movimento retilíneo e uniforme e algo caísse de um lugar bem alto como de uma torre de dez metros? Daí ele não cairia reto, não é? ou de A20: E se fosse algo bem leve, como uma bexiga dessas de aniversário, daí ela não cairia reto também, certo? Na aprendizagem significativa, a estrutura teórica como um todo tem que se modificar. É pouco provável que isso ocorra em função de um único exemplo mal sucedido no meio de muitos outros que, até o momento, contribuíram mais para confirmar e construir a teoria espontânea, em conformidade com o apontado por Garrido [35].

A não-assimilação do princípio da relatividade foi manifestada em vários outros momentos. Em uma atividade, na qual analisávamos o efeito relativístico da dilatação temporal, ao imaginar uma nave voando com uma velocidade próxima a da luz, um aluno menciona que um tripulante não suportaria tal viagem e o referido princípio foi novamente discutido, como mostra o Episódio 5, na seqüência.

Episódio 5 - Perto da velocidade da luz

Legenda: P - o autor e professor

An - alunos

A14: Não tinha nem como né? Uma pessoa entrar dentro de uma nave e andar nessa velocidade? Tipo, a pessoa não estaria confortável dentro de uma nave que voe nessa velocidade.

P: Eu concordo com você que a pessoa não estaria confortável no período em que ela estivesse acelerando.

A14: Tá, mas eu acho que se ela tiver andando na velocidade da luz, nem um corpo vai enjoar, vai sentir?

P: O que que vocês acham?

A9: Não sente.

A14: Mas a velocidade da luz é muito muito muito..., se saísse da Terra do nada, e já saísse a essa velocidade.

Alunos falam simultaneamente. A2 explica para A14 o conceito de aceleração e diz que um corpo não pode atingir a velocidade da luz imediatamente.

A2: Ela não pode estar vindo do zero até a velocidade da luz [...] A aceleração é progressiva. [...] É igual ao lançamento de um foguete ou à decolagem de um avião, a aceleração é progressiva, depois que atinge.

A14: Mas como professor?

P: Olha só, a gente está parado ou a gente está em movimento? Nós aqui na Terra?

A14: Referente a que?

P: Então, a gente tá parado em relação à Terra, mas a gente tá, olha a nossa velocidade de translação, 108000 km/h, nós estamos dentro de um veículo que se desloca com uma velocidade de 108000 km/h em relação ao Sol e a gente não percebe. A gente solta alguma coisa, ela cai na nossa mão, tudo que a gente faz aqui na Terra, é exatamente a mesma coisa como se a Terra estivesse parada, ou seja, estar parado ou estar em MRU é a mesma coisa. É só uma questão de referência.

A14: Tá, e não muda no corpo, uma pessoa que está acostumada na Terra, nesta velocidade, de repente vai pro espaço e voa na velocidade da luz, não muda a cabeça da pessoa, nada, nada?

A10 e A9 contrapõem A14 simultaneamente.

A9: Não muda...

A10: Até um piloto não consegue perceber isso num avião!

P: Pelo princípio da relatividade não.

A9: Senão a gente se incomodava dentro de um avião que tem velocidade menor.

A1: Pela física não,

A14: É, pela física não, mas...

A1: Tem dúvida

A14: Pela física você não sente nada, nada, né?

A1: É, pela física, mas pela experiência digamos...

A14 demonstra não aceitar a validade do princípio da relatividade para velocidades próximas a da luz, resultado semelhante ao encontrado por Pietrocola e Zylbersztajn [26]. A2 tenta explicar que o piloto sentiria alguma alteração apenas durante o período de aceleração e outros alunos relembram exemplos citados anteriormente como a análise de situações dentro de um avião. O professor lembra que a Terra se desloca com uma velocidade altíssima, que seu movimento é praticamente uniforme, e mesmo assim não o percebemos. Independente dos argumentos, A14 e A1 demonstram discordar da validade do princípio da relatividade afirmando que pela física pode ser, mas que na realidade isso não acontece, denotando mais uma vez a dificuldade de se desvencilharem de suas experiências reais.

Na última aula do módulo didático, discutimos os efeitos da dilatação temporal e contração do comprimento. Durante a exemplificação deste último, a pergunta de um aluno fez com que retomássemos o primeiro postulado da relatividade restrita a qual é relatada no último episódio.

Episódio 6 - Percepção de efeitos relativísticos

Legenda: P - o autor e professor

An - alunos

A10: Professor? Então, teoricamente, a gente ficaria menor, nosso corpo ficaria muito menor?

P: Você fez uma boa pergunta! Será que vocês se perceberiam ficando mais magros? Olha só, você está dentro de uma nave e olhando um relógio. E, em relação à Terra, você está a uma velocidade de 0,99...

A4: Não

A9: Atrasando não.

A14: Com certeza.

A8: Acho que não

P: Por que?

A14: Como ele tá na velocidade da luz...

A8: Porque ele tá na mesma velocidade, né?

A4: Porque tu também ta atrasando.

A9: Porque tudo ali tá na mesma velocidade e... Não importa...

Confusão de vozes

P: Ou ainda, [...] eu tô andando nessa direção e nesse sentido com uma velocidade de 99

A8, A9: Não

P: Por que não?

Confusão de vozes

A2: Uma pessoa parada vai te ver mais fino dependendo da velocidade agora...

P: Agora, eu não!

A8: Não tem importância não. Se o cara tá na velocidade da luz e se medir, vai ser a mesma... mesmo comprimento que se ele estiver parado. Não é isso?

Um dos aspectos mais importantes da relatividade restrita é que os conceitos de tempo e espaço, tidos como absolutos na mecânica newtoniana, passam a ser relativos na mecânica relativística, ou seja, dependem do referencial e de seu estado de movimento. Dessa forma, umas das confusões mais comuns entre os estudantes é a previsão da percepção de alterações nos próprios observadores. Essa dificuldade fica evidente na pergunta de A10. Porém, pelas respostas de A4, A9, A2 e A8 podemos perceber uma correta aplicação do primeiro postulado da relatividade para justificarem o porquê da não percepção dessas diferenças.

4. Resultados sintetizados e algumas conclusões

Uma análise criteriosa da evolução histórica dos estudos sobre o movimento e suas causas, aponta para a necessidade de uma abordagem mais adequada do assunto nas aulas de física. Conforme apontam Almeida et al.,24 24 Ver Ref. [36], p. 195. é fato, e qualquer levantamento dos currículos, ou visitas às aulas de física no ensino médio comprova que a cinemática é o tema com que a maioria dos professores iniciam seus cursos, e nela permanecem, às vezes, por mais de um ano, não ultrapassando, frequentemente, os exercícios pensados com a finalidade de fazerem os alunos praticarem as equações do movimento uniforme e uniformemente variado. É fato, também, o desinteresse que a maioria dos estudantes mostram nessas aulas, com muitos deles considerando-se, inclusive, incapazes de resolver os "problemas" cobrados nas provas, quase sempre os mesmos exercícios das aulas com valores numéricos diferentes.

Cientes da necessidade de mudar esse quadro, implementamos uma seqüência didática, na qual tratamos especificamente a construção do princípio da relatividade, logo após a abordagem de cinemática, numa turma de primeiro ano do ensino médio de uma escola pública da cidade de Florianópolis, SC. Este assunto dificilmente é abordado nas aulas e nos livros didáticos destinados ao ensino médio. Ao expor os alunos a diversas situações conflitantes com suas concepções iniciais e oportunizar momentos de debate em sala de aula, pudemos perceber que o referido princípio foi muito questionado e gradativamente assimilado pelos educandos sem que houvesse uma postura de imposição por parte do professor. Esta opção metodológica favoreceu também uma melhor assimilação do primeiro postulado da relatividade restrita, uma vez que se trata do princípio da relatividade generalizado a todas as leis da física.

Objetivando constatar a assimilação dos conceitos trabalhados, aplicamos, no final da seqüência didática, um pós-teste. A primeira questão do mesmo, continha uma situação envolvendo fenômenos que aconteciam no interior de uma nave em alta velocidade e questionava sobre as possíveis alterações observadas por uma pessoa em seu interior. O resultado foi expressivo: com exceção de um aluno, todos os demais assinalaram a opção correta e a justificaram mencionando o princípio da relatividade, o que nos permite aferir que as atividades desenvolvidas foram bem sucedidas em relação às repostas manifestadas no pré-teste, aplicado no início das atividades, e também pelas manifestações dos estudantes durante as aulas. Alguns alunos procuraram justificar sua opção com suas próprias palavras como A6: "Não saberia, pois não tem como saber se algo está se movendo (somente em MRU) ou está parado, pois não há nenhum fator que se altere sob essas circunstâncias". Outros podem ter assimilado apenas o princípio da relatividade galileano, como nas palavras de A5: "[...] pois se você não sente nenhum impacto e não pode ver nada fora do avião, você não vai saber se você está em movimento ou não" e de A10: "Não há como sentir, pois dentro da nave e nas condições que a questão aborda, não existem forças atuando no corpo". Entretanto, algumas respostas, baseadas em enunciados prontos apresentados durante as aulas - como a de A9: "Porque as leis da natureza são as mesmas parado ou em um corpo fechado em MRU" - ou vinculadas a uma lei ou princípio geral - como a de A4: "Porque há uma lei que diz: nada que você fizer dentro de um corpo em movimento retilíneo comprovará que você está realmente em movimento retilíneo" - podem indicar que os alunos estejam apenas cumprindo o contrato didático e respondendo o que o professor espera.

Muitos pesquisadores têm se dedicado a analisar as possibilidades de se inserir temas de física moderna e Contemporânea no currículo do ensino médio, há um bom tempo. Dentre estes, Resnick [37] e Terrazzan [38] têm defendido que a mesma não deve ser feita apenas no final do terceiro ano, após o eletromagnetismo, mas sim organicamente incorporada à apresentação e ao desenvolvimento das teorias clássicas.25 25 Ver Ref. [38], p. 71. Dessa forma, uma discussão mais ampla sobre o princípio da relatividade de Galileu, enfatizando a impossibilidade de se detectar experimentalmente o movimento uniforme absoluto, pode contribuir para uma ênfase nos aspectos conceituais da física e servir também como uma porta de entrada para e abordagem de tópicos da relatividade.

Referências

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[36] M.J.P.M. Almeida, H.C. Silva e C.C. Babichak, Rev. Bras. Ens. Fis. 21, 195 (1999).

[37] R. Resnick, in Proceedings of the Conference on the Teaching of Modern Physics held at the Fermi National Accelerator Laboratory (American Association of Physics Teachers, College Park, 1987).

[38] E.A. Terrazzan, Perspectivas para a Inserção de Física Moderna na Escola Média. Tese de Doutorado em Educação, Universidade de São Paulo, 1994.

Recebido em 24/4/2006; Aceito em 29/12/2006

  • [1] J.P. Machado, Dicionário Etimológico de Língua Portuguesa (Editora Confluęncia, Lisboa, 1959).
  • [2] G. Galilei, Dialogues Concerning Two New Sciences (Dover Publications, INC., Nova Iorque, 1954).
  • [3] J.M.A. Bassalo, Rev. Bras. Ens. Fis. 19, 180 (1997).
  • [4] A. Chaves, Física (Reichmann Affonso Ed., Rio de Janeiro, 2001).
  • [5] A. Hobson, Physics: Concepts and Connections (Prentice-Hall Inc, New Jersey, 1999), 2Ş ed.
  • [6] J.C. Maxwell, Matter and Motion (1877) (Dover Publications, Inc., Nova Iorque, 1952).
  • [7] A. Franklin, The Physics Teacher 16, 201 (1978).
  • [8] R.A. Martins, Rev. Bras. Ens. Fis. 23 113 (2001);
  • Rev. Bras. Ens. Fis. 27, 11 (2005).
  • [9] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica (Edgard Blücher, Săo Paulo, 2002).
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  • [12] J. Renn, Rev. Bras. Ens. Fis. 27, 27 (2005).
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  • [35] E. Garrido, in Formaçăo de Professores: Um Desafio (Editora da Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 1996).
  • [36] M.J.P.M. Almeida, H.C. Silva e C.C. Babichak, Rev. Bras. Ens. Fis. 21, 195 (1999).
  • [37] R. Resnick, in Proceedings of the Conference on the Teaching of Modern Physics held at the Fermi National Accelerator Laboratory (American Association of Physics Teachers, College Park, 1987).
  • [38] E.A. Terrazzan, Perspectivas para a Inserçăo de Física Moderna na Escola Média Tese de Doutorado em Educaçăo, Universidade de Săo Paulo, 1994.
  • *
    Ópera em Três Atos e Quatro Cenas, Maria Callas, soprano; Guiseppe Di Stefano, tenor; Tito Gobbi, barítono. Org. e coro do Teatro de Scala de Milão. 2 discos sonoros (116 min).
  • 1
    E-mail:
  • 2
    Ver Ref. [2], p. 153.
  • 3
    O paradoxo dos bastões considera o movimento de dois bastões idênticos, movendo com mesma velocidade em sentidos opostos em relacão a um referencial fixo e a diferenca de deslocamentos observados num mesmo intervalo de tempo, por diferentes observadores leva Zenão à sua conclusão. Analisando também uma corrida entre o famoso guerreiro grego Aquiles e uma tartaruga, considerando uma seqüência de estados em cada um dos quais a distância entre Aquiles e a tartaruga é reduzida à metade daquela verificada no estado anterior, constitui outro paradoxo. Entre um estado e outro, decorre algum intervalo de tempo. Uma vez que a seqüência é infinita, segundo Zenão, o tempo que Aquiles gastará para alcancar a tartaruga é uma soma infinita de intervalos de tempo. O equívoco está em concluir a não-convergência da série geométrica. Em outro famoso sofisma, Zenão pretendia demonstrar que uma flecha não poderia se mover, pois, a cada instante, sua extremidade ocupa uma posicão bem definida, não parecendo possível, segundo o pensador, que algo com posicão bem definida pudesse ter velocidade diferente de zero [4].
  • 4
    Movimento na ausência de manutencão por um agente externo.
  • 5
    Ver Ref. [6], p. 22.
  • 6
    Este salto de aproximadamente 2000 anos de história da ciência é intencional. Entretanto, as idéias de Aristóteles foram gradativamente sendo questionadas por diversos pensadores, principalmente durante a Idade Média, os quais certamente influenciaram as teorias de Galileu. Para a compreensão da evolucão do pensamento aristotélico ao galileano ver [7, 8].
  • 7
    O próprio Galileu, segundo Bassalo [3], nunca realizou essa experiência, mas a mesma foi realizada por outros. Dentre eles, Jean Gallé, em 1624, no mar Adriático, e Jean-Baptiste Morin, em 1634, no rio Sena. A série de filmes didáticos
    Universo Mecânico (Annenberg/CPB Project, 1985), apresenta a realizacão da mesma no episódio denominado Inércia.
  • 8
    O espaco absoluto é concebido como aquele que se mantém sempre similar a ele mesmo e imóvel. Tempo absoluto e matemático é concebido como aquele que flui uniformemente a uma razão constante, não afetado pelo movimento das coisas materiais, Ref. [5], p. 11-12.
  • 9
    Na realidade, a autoria do princípio da relatividade foi corroborada por Poincaré e Larmor. Para mais detalhes sobre a evolucão da teoria da relatividade e as diferencas entre esta e a teoria desenvolvida por Lorentz e Poincaré, ver Refs. [8], [11], e [12].
  • 10
    Ver Ref. [13], p. 143-144.
  • 11
    Uma linha de universo é o equivalente quadridimensional à trajetória no espaco tridimensional.
  • 12
    Na mecânica newtoniana, essa precessão era explicada como uma perturbacão do problema de dois corpos. O valor calculado (43,11±0,45 segundos de arco por século) apresentava uma pequena discrepância em relacão à precessão observada, diferentemente da predicão relativística (43, 03' por século), em excelente acordo com a experiência. Segundo a métrica de Schwarzschild, a órbita não é mais elíptica, sendo, em geral, uma rosácea, Ref. [9], p. 236.
  • 13
    Foram consultados os seguintes livros destinados ao ensino médio: Alvarenga e Máximo [15], Gaspar [16], Paraná [17], Bonjourno
    et al. [18], GREF [19], Carron e Guimarães [20] e Goncalves e Toscano [21].
  • 14
    Ver Ref. [15], p. 46.
  • 15
    Ver Ref. [16], p. 38.
  • 16
    Vale destacar as excecões como o livro do GREF [19] e Goncalves e Toscano [21], os quais não supervalorizam o tratamento matemático da cinemática, iniciando pela discussão do conceito de forca, quantidade de movimento e sua conservacão. Entretanto, mesmo nestes, a impossibilidade de se detectar experimentalmente o movimento absoluto não é satisfatoriamente discutida.
  • 17
    Ver Ref. [17], p. 111.
  • 18
    Gaspar [16] se diferencia das outras obras por apresentar uma definicão de referencial inercial, uma discussão sobre forcas fictícias e a não-validade das leis de Newton em referenciais não-inerciais.
  • 19
    Ver Ref. [26], p. 274.
  • 20
    Ver Ref. [29], p. 22-35.
  • 21
    Uma pessoa está no interior de um trem que se desloca com a velocidade da luz. Se ela olhar para trás, veria alguma coisa? Se existe um espelho a sua frente, ela veria a sua própria imagem refletida no mesmo? Situacões extraídas respectivamente de Goldsmith [29] p. 36, e de Hey e Walters [30], p. 68-69.
  • 22
    Segundo Carvalho e Goncalves [31], episódio de ensino é um recorte de uma aula, naquele momento em que fica evidente a situacão que queremos investigar. Pode ser a aprendizagem de um conceito, a situacão dos alunos levantando hipóteses num problema aberto, as falas dos alunos após uma pergunta desestruturadora. A característica fundamental é que seja um ciclo completo, no processo de interacão entre sujeitos, mediado pelo objeto do conhecimento e/ou pelo professor.
  • 23
    Ver Ref. [32], p. 110.
  • 24
    Ver Ref. [36], p. 195.
  • 25
    Ver Ref. [38], p. 71.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jun 2007
    • Data do Fascículo
      2007

    Histórico

    • Recebido
      24 Abr 2006
    • Aceito
      29 Dez 2006
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