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Sobre o limiar para a produção de pares e localização de partículas sem spin

On the threshold for the pair production and localization of spinless particles

Resumos

A equação de Klein-Gordon em uma dimensão espacial é investigada com a mais geral estrutura de Lorentz para os potenciais externos. A análise do espalhamento de partículas em um potencial degrau com uma mistura arbitrária de acoplamentos vetorial e escalar revela que o acoplamento escalar contribui para aumentar o limiar da energia de produção de pares. Mostra-se ainda que a produção de pares torna-se factível somente quando o acoplamento vetorial excede o acoplamento escalar. Um aparente paradoxo relacionado com a localização de uma partícula em uma região do espaço arbitrariamente pequena, devido à presença do potencial escalar, é resolvido com a introdução do conceito de comprimento de onda Compton efetivo.

equação de Klein-Gordon; paradoxo de Klein; produção de pares; localização; comprimento de onda Compton


The one-dimensional Klein-Gordon equation is investigated with the most general Lorentz structure for the external potentials. The analysis of the scattering of particles in a step potential with an arbitrary mixing of vector and scalar couplings reveals that the scalar coupling contributes for increasing the threshold energy for the particle-antiparticle pair production. Furthermore, it is shown that the pair production is only feasible whether the vector coupling exceeds the scalar one. An apparent paradox concerning the localization of a particle in an arbitrarily small region of space, due to the presence of the scalar coupling, is solved by introducing the concept of effective Compton wavelength.

Klein-Gordon equation; Klein's paradox; pair production; localization; Compton wavelength


ARTIGOS GERAIS

Sobre o limiar para a produção de pares e localização de partículas sem spin

On the threshold for the pair production and localization of spinless particles

Tatiana R. Cardoso; Antonio S. de Castro1 1 E-mail: castro@pesquisador.cnpq.br

Departamento de Física e Química, Universidade Estadual Paulista, Guaratinguetá, SP, Brasil

RESUMO

A equação de Klein-Gordon em uma dimensão espacial é investigada com a mais geral estrutura de Lorentz para os potenciais externos. A análise do espalhamento de partículas em um potencial degrau com uma mistura arbitrária de acoplamentos vetorial e escalar revela que o acoplamento escalar contribui para aumentar o limiar da energia de produção de pares. Mostra-se ainda que a produção de pares torna-se factível somente quando o acoplamento vetorial excede o acoplamento escalar. Um aparente paradoxo relacionado com a localização de uma partícula em uma região do espaço arbitrariamente pequena, devido à presença do potencial escalar, é resolvido com a introdução do conceito de comprimento de onda Compton efetivo.

Palavras-chave: equação de Klein-Gordon, paradoxo de Klein, produção de pares, localização, comprimento de onda Compton.

ABSTRACT

The one-dimensional Klein-Gordon equation is investigated with the most general Lorentz structure for the external potentials. The analysis of the scattering of particles in a step potential with an arbitrary mixing of vector and scalar couplings reveals that the scalar coupling contributes for increasing the threshold energy for the particle-antiparticle pair production. Furthermore, it is shown that the pair production is only feasible whether the vector coupling exceeds the scalar one. An apparent paradox concerning the localization of a particle in an arbitrarily small region of space, due to the presence of the scalar coupling, is solved by introducing the concept of effective Compton wavelength.

Keywords: Klein-Gordon equation, Klein's paradox, pair production, localization, Compton wavelength.

1. Introdução

A generalização da mecânica quântica que inclui a relatividade especial é necessária para a descrição de fenômenos em altas energias e também para a descrição de fenômenos em escalas de comprimentos que são menores ou comparáveis com o comprimento de onda Compton da partícula (l = /(mc)). A generalização não é uma tarefa trivial e novos e peculiares fenômenos surgem na mecânica quântica relativística (doravante denominada MQR). Entre tais fenômenos estão a produção espontânea de pares matéria-antimatéria e a limitação para a localização de partículas. Essa limitação pode ser estimada pela observação que a máxima incerteza para o momento da partícula Dp = mc conduz, via princípio da incerteza de Heisenberg, à incerteza mínima na posição Dx = l/2, [1, 2]. Embora a MQR como modelo de partícula única, referida como formalismo de primeira quantização, não possa dar conta da completa descrição da criação de pares, ela pavimenta o caminho para o desenvolvimento da teoria quântica de campos.

As mais simples equações da MQR são a equação de Klein-Gordon (EKG)2 2 A EKG descreve o comportamento de bósons de spin 0. Píons e káons, por exemplo. e a equação de Dirac3 3 A equacão de Dirac descreve o comportamento de férmions de spin 1/2, tais como o elétron, o neutrino, o quark, o próton e o nêutron. . O spin é uma complicação adicional na MQR e, naturalmente, a EKG permite que certos aspectos da MQR possam ser analisados com um formalismo matemático mais simples e percebidos com maior transparência. A solução da equação de Dirac para o espalhamento de partículas em um potencial degrau, considerado como o componente temporal de um potencial vetorial, é bem conhecida e cristalizada em livros-texto [1-5]. Neste problema surge o célebre paradoxo de Klein [6] para potenciais suficientemente intensos, um fenômeno em que o coeficiente de reflexão excede a unidade e é interpretado como sendo devido à criação de pares na interface do potencial. A análise do problema consoante a EKG não foi esquecida, [5, 7-11].

Neste trabalho analisamos a EKG unidimensional com interações externas com a mais geral estrutura de Lorentz, i.e., consideramos potenciais com estrutura vetorial, com componentes espacial e temporal, acrescido de uma estrutura escalar. Em seguida exploramos as soluções para o espalhamento de partículas em um potencial degrau com acoplamento geral, por assim dizer, com uma mistura arbitrária de acoplamentos vetorial e escalar. Verificamos que tal mistura de acoplamentos conduz a resultados surpreendentes. Para além de aumentar o limiar de energia para a produção espontânea de pares, podendo até mesmo frustrar a produção ainda que os potenciais sejam extremamente fortes, a presença de um acoplamento escalar permite que uma partícula possa ser localizada em uma região do espaço arbitrariamente pequena sem ameaçar a interpretação de partícula única da EKG. A aparente violação do princípio da incerteza é remediada com a introdução do conceito de comprimento de onda Compton efetivo.

Apesar da originalidade e generalidade, este trabalho é acessível aos estudantes de graduação em física que tenham freqüentado alguns poucos meses de um curso introdutório de mecânica quântica. Dessa forma permite-se o acesso precoce de estudantes a alguns dos mais interessantes fenômenos da MQR.

2. A equação de Klein-Gordon

A EKG unidimensional para uma partícula livre de massa de repouso m corresponde à relação energia-momento relativística E2 = c2p2 + m2c4, onde a energia E e o momento p tornam-se operadores, i¶/¶t e -i¶/¶x respectivamente, atuando sobre a função de onda F(x,t). Aqui, c é a velocidade da luz e é a constante de Planck ( = h/(2p)).

Na presença de potenciais externos a relação energia-momento torna-se

onde os subscritos nos termos dos potenciais denotam suas propriedades com respeito às transformações de Lorentz: t e e para os componentes temporal e espacial de um potencial vetorial4 4 A energia e o momento são os componentes temporal e espacial, respectivamente, da quantidade ( E/c , p), a qual se comporta, segundo as transformacões de Lorentz, como um vetor. O potencial vetorial, com componentes ( Vt , Ve), é acoplado à partícula de acordo com o princípio do acoplamento mínimo, também chamado de princípio da substituicão mínima, E ® E - Vt e p ® p - Ve/c, como é habitual no caso da interacão eletromagnética. , e s para um potencial escalar5 5 A massa de repouso é uma quantidade invariante de Lorentz, i.e., uma quantidade escalar. O potencial escalar foi acoplado à partícula em (1) de acordo com o princípio do acoplamento mínimo m ® m + Vs/c 2. Esta prescricão fornece o limite não-relativístico apropriado da EKG, conforme veremos adiante, em contraste com a regra m 2 ® m 2 + empregada na Ref. [1]. .

A equação da continuidade para a EKG

é satisfeita com r e J definidos como

Vale a pena observar o modo que os componentes do potencial vetorial participam da densidade r e da corrente J, tanto quanto a ausência do potencial escalar. Observa-se também que a densidade envolve derivadas temporais, um fato relacionado com a derivada temporal de segunda ordem na EKG, e pode admitir valores negativos mesmo no caso de uma partícula livre. Assim sendo r não pode ser interpretada como uma densidade de probabilidade. Contudo, Pauli e Weisskopf [12] mostraram que não há dificuldade com a interpretação da densidade e da corrente da EKG se essas grandezas forem interpretadas como densidade e corrente de carga, ao invés de densidade e corrente de probabilidade. A carga não deve ser pensada necessariamente como carga elétrica, mas como carga generalizada que satisfaz uma lei de conservação aditiva, por assim dizer que a carga de um sistema é a soma das cargas de suas partes constituintes.

Para potenciais externos independentes do tempo, a EKG admite soluções da forma

onde f obedece a uma equação similar em forma à equação de Schrödinger

com L(x) = òxdy Ve(y)/(c). A eliminação do componente espacial do potencial vetorial é equivalente a uma redefinição do operador momento. Realmente,

É agora importante perceber que há soluções de energia positiva tanto quanto soluções de energia negativa6 6 As solucões de energia positiva e negativa são assossiadas com partículas e antipartículas, respectivamente. e que os dois possíveis sinais para E implicam em duas possibilidades para a evolução temporal da função de onda. Seja como for, a energia é uma quantidade conservada. A forma da equação de autovalor (5) é preservada sob as transformações simultâneas E ® -E e Vt ® -Vt, e isto implica que partículas e antipartículas estão sujeitas a componentes temporais de um potencial vetorial com sinais dissimilares. Como conseqüência imediata dessa covariância tem-se que, por mais estranho que possa parecer, partículas e antipartículas compartilham exatamente a mesma autofunção no caso de um potencial puramente escalar e que o espectro é disposto simetricamente em torno de E = 0. Cargas positivas e negativas estão sujeitas a acoplamentos vetoriais (componentes temporais) de sinais contrários e igual acoplamento escalar. A interação escalar é independente da carga e assim age indiscriminadamente sobre partículas e antipartículas. Diz-se então que o potencial vetorial acopla com a carga da partícula e que o potencial escalar acopla com a massa da partícula. A densidade e a corrente correspondentes à solução expressa pela Eq. (4) tornam-se

Em virtude de r e J serem independentes do tempo, a solução (4) é dita descrever um estado estacionário. Nota-se que a densidade torna-se negativa em regiões do espaço onde Vt > E e que o componente espacial do potencial vetorial não mais intervém na corrente.

Ademais, deve-se mencionar que a EKG reduz-se à equação de Schrödinger no limite não-relativístico (E ~ mc2 e energias potenciais pequenas comparadas com mc2) com f obedecendo à equação

No limite não-relativístico as naturezas de Lorentz dos potenciais não sofrem quaisquer distinções, e a densidade e a corrente reduzem-se exatamente aos valores da teoria não-relativística.

3. A solução para um potencial degrau

Vamos agora considerar a EKG com os potenciais externos independentes do tempo na forma de um degrau de potencial. Consideramos Ve = 0, haja vista que o componente espacial do potencial vetorial contribui apenas com um fator de fase local para F(x,t) e não contribui para a densidade nem para a corrente. O potencial degrau é expresso como

onde V0 > 0. Os potenciais vetorial e escalar são escritos como Vt(x) = gtV(x) e Vs(x) = gsV(x) de tal forma que as constantes de acoplamento estão sujeitas ao vínculo gt + gs = 1, com gt > 0 e gs > 0.

Para x < 0, a EKG apresenta soluções na forma de uma soma de autofunções do operador momento escrita como

onde

Para |E| > mc2, a solução expressa por (10) reverte-se em ondas planas propagando-se em ambos os sentidos do eixo X com velocidade de grupo7 7 Veja, e.g., Refs. [1] e [5].

igual à velocidade clássica da partícula. Se escolhermos partículas incidindo sobre a barreira de potencial (E > mc2) teremos que A+ e+ikx descreve partículas incidentes (vg = c2

k/E > 0), enquanto A- e-ikx descreve partículas refletidas (vg = -c2
k/E < 0). A corrente nesta região do espaço, correspondendo a f dada por (10), é expressa por

Observe que a relação J = rvg mantém-se tanto para a onda incidente quanto para a onda refletida, pois

Por outro lado, para x > 0 devemos ter vg > 0 de forma que a solução nesta região do espaço descreve uma onda evanescente ou uma onda progressiva que se afasta da interface do potencial. A solução geral tem a forma

onde

Por causa da dupla possibilidade de sinais para a energia de um estado estacionário, a solução B- e-ikx não pode ser descartada a priori. De fato, pode-se depreender da Eq. (4) que esta parcela pode vir a descrever uma onda progressiva com energia negativa e velocidade de fase vf = |E|/(k) > 0. Percebe-se claramente que podemos segregar três classes distintas de soluções:

  • Classe A. Para

    V

    0 <

    E - mc

    2 temos que k Î

    e a solução que descreve ondas planas propagando-se no sentido positivo do eixo

    X com velocidade de grupo

é possível somente se B- = 0. Neste caso, a densidade e a corrente são dadas por

  • Classe B. Para

    E - mc

    2 <

    V

    0 <

    Vc, onde

temos que k = i|k| de forma que a Eq. (15), com B- = 0,8 8 A condicão B - = 0 é necessária para que a densidade seja finita quando x ® +¥. descreve uma onda evanescente. Neste caso

  • Classe C.

    V

    0 >

    Vc, com

    Vc concebido na classe B, surge mais uma vez a possibilidade de propagação no sentido positivo do eixo

    X, desta feita com

    B

    + = 0, com velocidade de grupo

Nesta circunstância em que o acoplamento vetorial excede o acoplamento escalar nos defrontamos com um caso bizarro, pois tanto a densidade quanto a corrente são quantidades negativas, viz

A mantença da relação J = rvg, contudo, é uma licença para interpretar B- e-ikx a descrever a propagação, no sentido positivo do eixo X, de partículas com carga de sinal contrário ao das partículas incidentes. Esta interpretação é consistente se as partículas propagando-se nessa região têm energia -E e estão sob a influência de um potencial vetorial -gtV0. Quer dizer, então, que a onda progressiva descreve, de fato, a propagação de antipartículas no sentido positivo do eixo X.9 9 Note que partícula e antipartícula têm massas iguais.

3.1. Os coeficientes de reflexão e transmissão

Não obstante a descontinuidade do potencial em x = 0, a autofunção e sua derivada primeira são funções contínuas.10 10 Esta conclusão, válida para potenciais com descontinuidades finitas, pode ser obtida pela integracão da Eq. (5) entre -e e +e no limite e ® 0. Pode-se verificar, pelo mesmo procedimento, que apenas as autofuncões são contínuas quando as descontinuidades dos potenciais são infinitas. A demanda por continuidade de f e df/dx fixa as amplitudes de onda em termos da amplitude da onda incidente A+, viz

Agora focalizamos nossa atenção na determinação dos coeficientes de reflexão R e transmissão T. O coeficiente de reflexão (transmissão) é definido como a razão entre as correntes refletida (transmitida) e incidente. Haja vista que ¶r/¶t = 0 para estados estacionários, temos que a corrente é independente de x. Usando este fato obtemos prontamente que

Em todas as classes temos que R + T = 1, como deve ser. Entretanto, a classe C apresenta R > 1, o aludido paradoxo de Klein, implicando que mais partículas são refletidas na barreira de potencial que aquelas incidentes. Deve ser assim porque, conforme vimos anteriormente, o componente vetorial da barreira de potencial estimula a produção de antipartículas em x = 0. Em virtude da conservação da carga há, em verdade, a criação de pares partícula-antipartícula e, como o potencial vetorial em x > 0 é repulsivo para partículas, elas serão necessariamente refletidas. Não apenas a carga é conservada. Visto que os pares produzidos em x = 0 têm energias de sinais contrários, conclui-se que a energia também é uma quantidade conservada no processo de criação de pares.

3.2. O limiar para a produção de pares

Da discussão relacionada com as classes B e C, observa-se que o limiar para a produção de pares é dado por Vc. Donde torna-se evidente que o acoplamento escalar resulta no aumento da energia mínima necessária para a criação de pares partícula-antipartícula. O valor mínimo do limiar (V0 = 2mc2) ocorre quando o acoplamento é puramente vetorial (gt = 1). A adição de um contaminante escalar contribui para aumentar o valor do limiar, o qual, surpreendentemente, torna-se infinito já para uma mistura meio a meio de acoplamentos. Deste modo, a produção de pares não é factível se o acoplamento vetorial não exceder o acoplamento escalar, ainda que o potencial V0 seja extremamente forte.

Pode-se interpretar a possibilidade de propagação de antipartículas além da barreira de potencial como sendo devido ao fato que cada antipartícula está sujeita a um potencial efetivo dado por (gs - gt)V0, destarte se gt > 1/2 a antipartícula terá uma energia disponível (energia de repouso mais energia cinética) expressa por (2gt - 1)V0 - E, donde se conclui sobre a energia do limiar da produção de pares. Pode-se afirmar ainda que as partículas estão sob a influência de um potencial degrau ascendente de altura V0 = (gs + gt)V0, e que as antipartículas estão sujeitas a um potencial degrau efetivo de altura (gs - gt)V0, um degrau ascendente (repulsivo) se gt < 1/2 e descendente (atrativo) se gt > 1/2.

3.3. A penetração na região classicamente proibida

Investigamos agora o efeito da onda evanescente em x > 0, relacionado com a classe B. Neste caso, o estado estacionário além da barreira de potencial é descrito pela autofunção f = B+ e-|k|x, de modo que a incerteza na posição, estimada como sendo o valor de x que torna a densidade igual a 1/e de seu valor em x = 0, redunda em Dx = 1/(2|k|), como acontece na teoria quântica não-relativística. Entretanto, contrariamente à previsão da teoria não-relativística, Dx apresenta o valor mínimo

quando V0 torna-se igual a

Por meio desta última expressão vemos que (Dx)min = l/2 no caso de um potencial vetorial puro (gs = 0), em harmonia com o príncipio da incerteza. Contudo, podemos concluir que (Dx)min < l/2 no caso de um potencial vetorial contaminado com algum acoplamento escalar. À primeira vista isto parece um resultado desatroso por violar o princípio da incerteza de Heisenberg. Liberta-se desta danação considerando-se que o componente escalar do potencial contribui para alterar a massa da partícula. Realmente, definindo a massa efetiva como mef = m + gsV0/c2 segue-se imediatamente que (Dx)min = lef/2 e (Dp)max = mefc, onde o comprimento de onda Compton efetivo é definido como lef = /(mefc).

4. Conclusão

Exploramos a EKG em uma dimensão espacial por motivos de simplicidade. Consideramos potenciais externos com a mais geral estrutura de Lorentz e mostramos que, se a interação escalar é acoplada adequadamente, a EKG independente do tempo reduz-se à equação de Schrödinger independente do tempo no limite não-relativístico.

A análise do potencial degrau com uma mistura arbitrária de acoplamentos vetorial e escalar mostrou-se muito profícua. Três classes de soluções foram discernidas. Em todas essas três classes, o acoplamento escalar não desempenha papel explícito na determinação da velocidade de grupo, e nenhum papel na determinação da densidade e da corrente.

A mistura arbitrária de acoplamentos no potencial degrau desvelou a inexeqüibilidade do mecanismo da produção espontânea de pares no caso em que gt < 1/2, tanto quanto o aumento do limiar da energia de produção no caso em que gt > 1/2. Outrossim, a presença de um acoplamento escalar revelou a possibilidade de localizar partículas em regiões do espaço arbitrariamente pequenas. Com efeito, a presença de um acoplamento escalar, por menor que seja, conduz a (Dx)min ® 0 quando V0 ® ¥ sem que haja qualquer chance para a produção de pares na interface dos potenciais. Isto dito tendo em vista que Vm, o potencial que minimiza a incerteza na posição, é sempre menor que Vc, o potencial do limiar da produção espontânea de pares.

O limite não-relativístico da EKG expresso pela Eq. (8), ou seja a equação de Schrödinger com energia de ligação E-mc2, não diferencia o acoplamento vetorial do acoplamento escalar e pressupõe que V0 << mc2. Portanto, conclui-se seguramente que não há produção de pares ((Vc)min = 2mc2) nem incerteza mínima na posição ((Vm)min = mc2) no regime não-relativístico da EKG, como é esperado.

Naturalmente, os coeficientes de reflexão e transmissão para a classe de soluções que envolve a criação de pares foram determinados de maneira aproximada, porquanto descuidou-se da interação interna entre partículas e antipartículas.

Finalmente, ainda que haja interações externas extremamente fortes, a inviabilidade do mecanismo de produção de pares no caso em que o acoplamento escalar excede o acoplamento vetorial parece preservar a interpretação do modelo de partícula única da EKG. Entretanto, quando as condições favoráveis ao mecanismo de produção de pares entram em cena, já não se pode mais esperar que o formalismo de primeira quantização seja satisfatório. Ainda que tais condições não se manifestem, resta perguntar qual o papel dos estados associados com as antipartículas. Mesmo na ausência de potenciais externos, qual o mecanismo que evita que haja transições entre o estados de energia positiva pertencentes ao continuum entre +mc2 e +¥, e os estados de energia negativa pertencentes ao continuum entre -mc2 e -¥? Eis aqui exemplos de perguntas que encontram respostas satisfatórias somente no formalismo da segunda quantização da teoria.

Agradecimentos:

Os autores são gratos ao CNPq e à FAPESP pelo apoio financeiro.

Recebido em 16/10/2006; Aceito em 13/2/2007

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  • 1
    E-mail:
  • 2
    A EKG descreve o comportamento de bósons de spin 0. Píons e káons, por exemplo.
  • 3
    A equacão de Dirac descreve o comportamento de férmions de spin 1/2, tais como o elétron, o neutrino, o quark, o próton e o nêutron.
  • 4
    A energia e o momento são os componentes temporal e espacial, respectivamente, da quantidade (
    E/c , p), a qual se comporta, segundo as transformacões de Lorentz, como um vetor. O potencial vetorial, com componentes (
    Vt , Ve), é acoplado à partícula de acordo com o
    princípio do acoplamento mínimo, também chamado de
    princípio da substituicão mínima,
    E ®
    E - Vt e
    p ®
    p - Ve/c, como é habitual no caso da interacão eletromagnética.
  • 5
    A massa de repouso é uma quantidade invariante de Lorentz,
    i.e., uma quantidade escalar. O potencial escalar foi acoplado à partícula em (1) de acordo com o
    princípio do acoplamento mínimo m ®
    m + Vs/c
    2. Esta prescricão fornece o limite não-relativístico apropriado da EKG, conforme veremos adiante, em contraste com a regra
    m
    2 ®
    m
    2 +
    empregada na Ref. [1].
  • 6
    As solucões de energia positiva e negativa são assossiadas com partículas e antipartículas, respectivamente.
  • 7
    Veja,
    e.g., Refs. [1] e [5].
  • 8
    A condicão
    B
    - = 0 é necessária para que a densidade seja finita quando
    x ® +¥.
  • 9
    Note que partícula e antipartícula têm massas iguais.
  • 10
    Esta conclusão, válida para potenciais com descontinuidades finitas, pode ser obtida pela integracão da Eq. (5) entre -e e +e no limite e ® 0. Pode-se verificar, pelo mesmo procedimento, que apenas as autofuncões são contínuas quando as descontinuidades dos potenciais são infinitas.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Set 2007
    • Data do Fascículo
      2007

    Histórico

    • Aceito
      13 Fev 2007
    • Recebido
      16 Out 2006
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