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O fenômeno do speckle como introdução à metrologia óptica no laboratório didático

The speckle phenomenon as introduction to optical metrology in educational laboratory

Resumos

Neste trabalho apresentamos a medida do coeficiente linear de dilatação térmica do alumínio, usando o interferograma obtido a partir da transformada de Fourier sobre a soma de duas imagens de speckle deslocadas. O resultado alcançado está em bom acordo com o tabelado e os equipamentos necessários têm custo acessível, tornando o experimento uma alternativa interessante para introdução da metrologia óptica no laboratório didático ou um projeto a ser desenvolvido em disciplinas experimentais.

speckle; metrologia; interferometria


In this work we present the measurement of the linear coefficient of thermal dilatation of aluminium, using the obtained interferogram from Fourier transform over the sum of two displaced speckle images. The achieved result is in good agreement with tabled value and the required components have an accessible cost, turning the experiment an interesting alternative for introduction of optical metrology in teaching laboratory or a project to be developed in experimental subjects.

speckle; metrology; interferometry


PRODUTOS E MATERIAIS DIDÁTICOS

O fenômeno do speckle como introdução à metrologia óptica no laboratório didático

The speckle phenomenon as introduction to optical metrology in educational laboratory

Emerson Rodrigo da Silva1 1 E-mail: ersilva@if.usp.br ; Mikiya Muramatsu

Laboratório de Óptica, Instituto de Física, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

Neste trabalho apresentamos a medida do coeficiente linear de dilatação térmica do alumínio, usando o interferograma obtido a partir da transformada de Fourier sobre a soma de duas imagens de speckle deslocadas. O resultado alcançado está em bom acordo com o tabelado e os equipamentos necessários têm custo acessível, tornando o experimento uma alternativa interessante para introdução da metrologia óptica no laboratório didático ou um projeto a ser desenvolvido em disciplinas experimentais.

Palavras-chave:speckle, metrologia, interferometria.

ABSTRACT

In this work we present the measurement of the linear coefficient of thermal dilatation of aluminium, using the obtained interferogram from Fourier transform over the sum of two displaced speckle images. The achieved result is in good agreement with tabled value and the required components have an accessible cost, turning the experiment an interesting alternative for introduction of optical metrology in teaching laboratory or a project to be developed in experimental subjects.

Keywords:speckle, metrology, interferometry.

1. Introdução

Quando um feixe de luz coerente é transmitido ou espalhado por uma superfície com rugosidades da ordem do comprimento de onda incidente ocorre a formação de uma estrutura granular no espaço livre à qual é dado o nome de speckle. Trata-se de um fenômeno de interferência, tipicamente ondulatório, observável não apenas no visível, mas também em outras partes do espectro eletromagnético e na acústica. Objetos iluminados com laser geralmente se apresentam cobertos por essa estrutura granular. Esse efeito é devido ao fato de, na escala microscópica, grande parte das superfícies mostrarem-se extremamente rugosas.

O interesse nesse tipo de fenômeno não é recente. Estudos pioneiros na área datam do século XIX. Em 1887, Exner [1] descreveu a estrutura fibrosa observada quando a luz de uma lâmpada de mercúrio atravessava uma placa de vidro onde condensara vapor de sua respiração. Nas primeiras décadas do século XX, vários trabalhos teóricos foram produzidos abordando o tema, [2]. No entanto, foi a construção do primeiro laser nos anos 1960 que deu novo impulso às pesquisas, pois a alta coerência provocava o surgimento do speckle. A princípio, o fenômeno foi visto apenas como ruído óptico, indesejável em processos holográficos, [3]. Todavia, logo se percebeu que o granulado era portador de informações sobre o objeto espalhador, tais como perfil de rugosidade, distância entre este e o ponto de observação e área iluminada sobre a amostra, [4]. Atualmente, técnicas relacionadas ao speckle são aplicadas nos mais diversos ramos da atividade humana, da biologia (Ref. [5]) à astronomia (Ref. [6]), da indústria à medicina, [7]. Dentre as diversas aplicações destaca-se a metrologia, com a medida de pequenos deslocamentos e deformações, [8, 9].

O uso da interferometria nos laboratórios didáticos dos cursos de física ou engenharia normalmente é restrito às experiências de Young, difração por fendas ou obstáculos e, quando muito, ao interferômetro de Michelson. Nesse contexto, propomos o uso deste fenômeno, bastante comum na óptica coerente, porém pouco abordado em livros universitários, como uma forma de apresentar uma aplicação de técnicas interferométricas. Além disso, a montagem não necessita de grande estabilidade mecânica, seu alinhamento não é crítico, nem controle de temperatura é requerido, simplificando sua execução frente a métodos holográficos. Por outro lado, os componentes utilizados são relativamente comuns em laboratórios de óptica, sendo uma câmera CCD comum o dispositivo mais caro. Todavia, como alternativa de baixo custo, pode-se utilizar filmes fotográficos branco e preto, tendo apenas o inconveniente de envolver o processamento químico de revelação.

1.1. O fenômeno do speckle

De acordo com o princípio de Huygens-Fresnel, quando um raio de luz atinge uma superfície cada ponto desta atua como um emissor de pequenas ondas secundárias. No caso em que tal superfície é opticamente rugosa, com os centros espalhadores distribuídos ao acaso, estas pequenas ondas são espalhadas com fases iniciais variando aleatoriamente. Em um plano de observação qualquer, a superposição coerente de ondas originadas em pontos distintos da superfície dá origem a um padrão de interferência cujas intensidades também variam ao acaso. Nos pontos de interferência construtiva ou destrutiva ocorre a formação de grãos claros e escuros, respectivamente. Essas características fazem com que a descrição do granulado óptico seja feita em termos estatísticos, seguindo tratamento semelhante ao dado para o passeio aleatório no plano complexo. A Fig. 1 mostra o esquema de uma configuração típica para observação do speckle no plano de Fraunhofer. Maiores detalhes a respeito de sua origem e de seu tratamento estatístico podem ser encontrados na Ref. [10].


O tamanho dos grãos do speckle depende, basicamente, de três fatores: comprimento de onda (l), distância entre o ponto de observação e o objeto espalhador (Z), e diâmetro da área iluminada do difusor (D). Fazendo-se aproximações geométricas convenientes, Ref. [11], obtém-se a Eq. 1 para a determinação do raio médio dos grãos constituintes do padrão, onde rs corresponde ao raio do disco de Airy. Na Fig. 2, vê-se a distinção nos tamanhos dos grãos de dois padrões espalhados a partir da mesma superfície, porém observados a distâncias diferentes


1.2. Aplicação à medida de microdeslocamentos

O uso de padrões speckle aplicados a medidas de microdeslocamentos é baseado na técnica fotográfica de dupla-exposição, [11]. Quando o sistema de registro é um filme fotográfico, essa técnica consiste na superposição de dois padrões deslocados sobre a mesma película. Fazendo-se passar um feixe laser através do filme revelado, forma-se um padrão de franjas igualmente espaçadas (Fig. 3).


Quando o registro é feito através de uma câmera CCD, a determinação de microdeslocamento é baseada na gravação do padrão com a amostra em duas posições distintas. Em seguida, essas imagens são somadas e calculando a transformada de Fourier sobre a superposição, obtém-se um padrão de franjas paralelas igualmente espaçadas, como mostrado na Fig. 4.


Este interferograma é análogo ao obtido no experimento de Young, onde, a partir da distância entre as franjas, é possível determinar a separação entre as fendas. Em nosso sistema, com o deslocamento da superfície difusora, há superposição de dois padrões quase idênticos, de forma que criamos um dispositivo semelhante a uma rede de difração bastante complexa. Medindo-se a distância entre as franjas do interferograma obtido no computador, consegue-se determinar o deslocamento entre os dois padrões somados e, conseqüentemente, o deslocamento sofrido pela amostra, [11].

2. Procedimento experimental

A variação do comprimento de uma barra metálica em função da variação de temperatura é descrita pela Eq. (2), onde DL é a variação do comprimento da barra, a é o coeficiente linear de dilatação térmica do material, L0 é o comprimento da barra a temperatura ambiente e DT é a variação de temperatura. A partir da curva da variação do comprimento em função da variação de temperatura, o coeficiente (as0) é determinado através de

Nossa montagem experimental consistiu de um laser He-Ne, 10 mW, uma câmera CCD, sem lente objetiva, ligada a um micro computador, uma barra delgada de alumínio de 28 cm presa a um suporte isolado por manta térmica, um termopar e um difusor (porta slide com papel vegetal) preso à extremidade da barra (Fig. 5). Um difusor acoplado a um microdeslocador mecânico também foi necessário.


Um parâmetro relevante a ser considerado no arranjo experimental é a distância entre o plano de registro e o difusor. Essa distância é relacionada ao tamanho do pixel da câmera, pois os grãos do speckle devem ser maiores que os pixels do sensor. O experimento foi realizado com uma câmera de pixels cujas dimensões eram de 13 µm × 11 µm. Através da Eq. (1), verificou-se que uma distância Z de poucos centímetros era suficiente para que os grãos fossem maiores que os pixels da câmera. Diante disso, posicionamos o sensor CCD à distância de aproximadamente 10 cm da superfície espalhadora.

Antes de iniciarmos as medidas da dilatação do alumínio, um difusor acoplado a um sistema mecânico, dotado de um parafuso micrométrico, foi colocado no mesmo plano em que seria posicionado o difusor da barra. Uma série de dez microdeslocamentos, com passos de 10 µm, foi realizada e os respectivos padrões speckle registrados. O objetivo foi estabelecer uma relação entre a distância em pixels no interferograma final e a distância em µm no plano da barra.

Com auxílio de um bico de Bunsen, a barra foi aquecida até a temperatura de 120 ºC. Desligada a fonte de calor, incidimos o feixe laser sobre o difusor e esperamos a barra esfriar até 64 ºC, quando a temperatura passou a diminuir mais lentamente. Os padrões speckle foram registrados a intervalos de temperatura de aproximadamente 1,5 ºC até a barra atingir 40 ºC. Optamos por fazer os registros durante o resfriamento porque era necessária temperatura homogênea em toda a barra. O alumínio tem alta condutividade térmica (237 W/mK) comparado ao ar (0,03 W/mK), de modo que a distribuição de calor na barra ocorre mais rapidamente que a troca de energia entre esta e o ambiente.

3. Resultados

As medidas de microdeslocamentos foram baseadas na técnica conhecida como DSPI (Digital Speckle Pattern Interferometry). A primeira imagem registrada foi tomada como referência e cada uma das demais foi somada a ela e a respectiva transformada de Fourier foi calculada, obtendo-se um interferograma para cada par. Neste trabalho, utilizamos o software Global Lab, da Data Translation, todavia, existem outros programas comerciais ou softwares livres que permitem esse tipo de análise, [12]. A Fig. 6 mostra quatro exemplos do padrão de franjas obtidos durante a medição de diversos valores de DT. Verifica-se que, à medida que aumenta a diferença de temperatura, maior é a dilatação da barra, diminuindo o espaçamento entre as franjas.


Para a realização da medida do deslocamento entre cada par de imagens, mediu-se a distância, em pixels, entre o centro das franjas dos interferogramas. Para isso, utilizamos uma ferramenta do software que consistia em traçar uma linha sobre o padrão de franjas e verificar seu perfil de intensidades. Esse processo foi realizado previamente com as imagens registradas com o microdeslocador, de forma que obtivemos a correspondência entre a distância em pixels no interferograma e a distância em µm no plano da barra. Assim, obtivemos a calibração que permitiu a medida dos deslocamentos sofridos durante a dilatação.

A curva dos deslocamentos em função da temperatura (Fig. 7) mostrou o caráter linear da dilatação térmica (na faixa entre 40 ºC e 64 ºC) e, a partir da inclinação da reta ajustada, determinamos o coeficiente linear de dilatação térmica com boa precisão.


Esse resultado apresenta boa concordância com o tabelado na literatura (23 µm/ºC), com desvio relativo inferior a 2%.

4. Conclusões

Através desse trabalho mostramos as potencialidades do fenômeno do speckle, especialmente ligadas à metrologia. Por meio da técnica de dupla exposição foi possível determinar o coeficiente linear de dilatação térmica do alumínio, obtendo-se valor com desvio relativo inferior a 2% comparado ao tabelado na literatura. Uma característica da técnica reside no fato de não ser destrutiva, nem necessitar de contato com o objeto de medida, tornando-a vantajosa frente a métodos mecânicos tradicionais. Uma vez que a estabilidade mecânica não é crítica, nem alta resolução é necessária para o dispositivo CCD, os custos da montagem são acessíveis a grande parte de nossas universidades, transformando-a em uma alternativa interessante para introdução da metrologia óptica no laboratório didático ou um projeto a ser desenvolvido por alunos de graduação em disciplinas experimentais.

Agradecimentos

Aos alunos da disciplina de Física Experimental IV (2º semestre de 2004), do Instituto de Física da USP, por aceitarem o desafio de realizar o experimento aqui proposto e ao árbitro anônimo pelas valiosas sugestões e correções na revisão deste trabalho.

Recebido em 7/8/2006; Revisado em 11/12/2006; Aceito em 28/2/2007

  • [1] K. Exner and Sitzungsbericht Kaiserl, Acad. Wiss. 76, 522 (1877).
  • [2] M. von Laue, Sitzungsbericht Acad. Wiss. 44, 1144 (1914).
  • [3] A.E. Ennos, Physics Education 31, 138 (1996).
  • [4] D. Garbor, Nobel Lecture, (1971).
  • [5] Z. Xu, C. Joenathan and B. Khorana, Op. Eng. 34, 5 (1995).
  • [6] A.W. Lohmann, G. Weigelt and B. Wirnitzer, Ap. Op. 22, 24 (1983).
  • [7] J.D. Briers, Op. Eng. 32, 2 (1993).
  • [8] M. Vannoni and Giuseppe Molesini, Am. J. Phys. 72, 7 (2004).
  • [9] T.R. Moore, Am. J. Phys. 72, 11 (2004).
  • [10] J.W. Goodman, in Laser Speckle and Related Phenomena, edited by J.C. Dainty (Springer-Verlag, Berlin, 1984), chapter 2, p. 9-75.
  • [11] R.K. Erf, Speckle Metrology (Academic, Nova Iorque, 1978).
  • [12] ImageJ, elaborado por Wayne Rasband, National Institutes of Health, USA. Disponível em http://rsb.info.nih.gov/ij Acesso em 12/2006.
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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Set 2007
    • Data do Fascículo
      2007

    Histórico

    • Recebido
      07 Ago 2006
    • Revisado
      11 Dez 2006
    • Aceito
      28 Fev 2007
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