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Físicos, mésons e política: a dinâmica da ciência na sociedade

Physicists, mesons and polities: science dynamics in the social context

RESENHAS

Físicos, mésons e política: a dinâmica da ciência na sociedade

Physicists, mesons and polities: science dynamics in the social context

Fábio Luís Alves Pena1 1 E-mail: fabiopena@cefetba.br.

Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia, CEFET, BA, Brasil

Físicos, Mésons e Política: A Dinâmica da Ciência na Sociedade, por Ana Maria Ribeiro de Andrade (Editora Hucitec, Museu de Astronomia e Ciências Afins, São Paulo, 1999), 261 p.

Não foi à toa que Humberto Tanure [1] colocou que César Lattes [2], devido à descoberta dos mésons pi [3], é considerado o mais importante físico brasileiro do século 20; o cientista brasileiro mais conhecido no exterior e, talvez, o único cujo nome é lembrado pelo povo; teve participação decisiva na criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio, e do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) [4]. Também não foi por acaso que o jornalista Cássio Leite Vieira [5] escreveu que Lattes é o nosso herói da era nuclear. Informações e atribuições que são devidamente respaldadas pelo livro Físicos, Mésons e Política: A Dinâmica da Ciência na Sociedade, da historiadora Ana Maria Ribeiro de Andrade [6].

O presente livro foi dividido em quatro capítulos, além da introdução e das fontes (primárias e secundárias): quadros, artigos, informativos, gráficos, fotos, arquivos, cartas, entrevistas, obras citadas e consultadas, etc. O primeiro, Lattes e os mésons, e os seguintes: CBPF, o espaço protegido; A arena dos embates: CNPq; A interação forte entre ciência e política.

A narrativa transcorre em um momento particular da história do Brasil, entre 1945 e 1956 [7], quando os físicos brasileiros deram relevantes contribuições à ciência (p. 17). Um período de transformações provocadas pela Segunda Guerra Mundial na sociedade e no trabalho científico; seja interrompendo linhas de investigação - entre as quais, as pesquisas em radiação cósmica [8] - para o desenvolvimento da tecnologia militar; seja interferindo nas relações entre a ciência e outros "setores" (militares, política, opinião pública, ética, ensino, economia, tecnologia); ou "favorecendo" o encontro de três físicos [9]: Giuseppe Occhialini, italiano, Cecil Frank Powell, inglês, e Lattes, que prosseguiram na produção do conhecimento de raios cósmicos.

A autora narra que no pós-guerra (guerra fria) o conhecimento científico e a energia nuclear foram além do fortalecimento do poder político-militar, passaram a ser usados como uma forma de acelerar o ritmo da economia (a big science) dos países industrializados (da América do Norte e da Europa) e superar o atraso dos não industrializados. Diante disso, era preciso estimular no Brasil o desenvolvimento da pesquisa nas diversas áreas do conhecimento científico e controlar as atividades referentes ao aproveitamento da energia nuclear, criar um conselho nacional de pesquisas. Sendo o CBPF - por trabalhar com pesquisas em matemática, em física nuclear (na época, a ciência-guia), das partículas e dos raios cósmicos, e devido ao prestígio pessoal de Lattes e de membros do CBPF - o maior beneficiado.

Portanto, para discorrer sobre as questões político-financeiras da criação, fundação (1949), instalação, construção da sede própria (1951) e expansão do CBPF, os impasses entre CBPF/USP e a subordinação do CBPF ao CNPq, existentes na época, - bem como relatar o início da história do CNPq: sua criação (1951), às diferenças ideológicas, favorecimentos e interesses - Ana Maria precisou entender e mesclar o conteúdo e o contexto envoltos na descoberta [10] do méson pi (1947): "protagonistas" e "coadjuvantes" (nacionais e estrangeiros [11]), métodos para detectá-lo; os primeiros experimentos[12] com raios cósmicos; a competição científica entre laboratórios; a controvérsia em torno da interpretação do fenômeno; a detecção dos mésons artificiais (1948) [13]; a era dos aceleradores de partículas.

Merece destaque a iconografia que mostra a perigosa aproximação entre políticos, militares e cientistas, assim como o começo, meio e fim do fracassado projeto de montagem e construção dos sincrociclotrons no Brasil.

Em linhas gerais, trata-se de uma publicação destinada aos leitores interessados em história da ciência, em sociologia da ciência e na relação entre história da ciência e sociologia da ciência, em particular, na confluência entre a investigação das práticas humanas que levaram à descoberta do méson pi, criação e consolidação do CBPF e CNPq, e os fatores sociais, políticos e culturais envolvidos nessas práticas.

Referências e notas

[1] H.S.R Tanure, Jornal da Ciência, edição digital 2730 (2005).

[2] César Lattes, cujo nome verdadeiro é Cesare Mansueto Giulio Lattes, graduou-se em física e matemática pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de SP em 1943. (L. Sugimoto e E. Gomes, Jornal da Unicamp, 25/10/2004).

[3] Partículas subnucleares de massa (em repouso) entre a do elétron e a do próton. São instáveis e formam-se em reações nucleares que envolvem energias elevadas. Os mésons pi (píons), m (míons) e K podem ser produzidos natural e artificialmente.

[4] Hoje, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

[5] C.L. Vieira, Física na Escola 6(2), 44 (2005).

[6] Pesquisadora do Museu de Astronomia e Ciências Afins - MAST/CNPq; mestre em história do Brasil pela UFRJ e doutora em história pela UFF; desde 1985 tem se dedicado à história da ciência.

[7] Fim do Estado Novo (1945), começo do governo de Juscelino Kubitschek (1956).

[8] Radiação esta que consiste no bombardeio permanente de partículas energéticas vindas do espaço e que são bloqueadas pela atmosfera terrestre, de modo que são melhor detectadas no alto das montanhas [1].

[9] A aliança, em Bristol, entre a persistência de Powell, na utilização da emulsão fotográfica em física nuclear, as qualidades de Occhialini, na física de raios cósmicos, e a clareza de pensamento e dedicação de Lattes ao estudo dos mésons (p. 39). Os três descobriram o méson pi em 1947.

[10] A descoberta de novas partículas significava maior compreensão das forças nucleares, possibilidades de retorno político-militar para os países promotores e expectativas favoráveis para os acionistas envolvidos diretamente com a aplicação da ciência (p. 35)

[11] Entre eles, Niels Bohr.

[12] As chapas fotográficas espessas (emulsões nucleares) foram expostas à radiação cósmica, inicialmente nos Pirineus Franceses (descoberta do méson pi) e, mais tarde, no monte Chacaltaya (confirmação da descoberta), nos Andes bolivianos [1].

[13] Neste ano, Lattes estava trabalhando em Berkeley com o físico norte-americano Eugene Gardner. Gardner conhecia o desempenho do sincrociclotron (acelerador de partículas) e Lattes tinha o domínio das emulsões nucleares, como citado no livro aqui resenhado.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Set 2007
    • Data do Fascículo
      2007
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