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Deformações geométricas e velocidade superluminal aparentes em objetos em movimento relativístico

Apparent geometrical deformations and superluminal velocity on objects in relativistic motion

Resumos

Neste trabalho, como continuação do trabalho de Ostermann e Ricci (Caderno Catarinense de Ensino de Física 19, 176 (2002)), analisamos as deformações geométricas aparentes de três objetos em movimento relativístico: uma barra retilínea, um aro circular e uma esfera. Os livros didáticos de Física normalmente induzem o leitor a pensar que objetos em movimento relativístico em relação a um certo observador são vistos, por esse observador, contraídos na direção do movimento. Isso na verdade é o que seria medido por esse observador e não o que seria visto. É destacada neste trabalho a diferença entre medir e ver, já apontada no artigo anterior. Mostramos também que a velocidade aparente de alguns pontos do objeto pode ser superluminal quando o mesmo se aproxima do observador, confirmando resultados anteriores (Am. J. Phys. 73, 663 (2005)).

relatividade; movimento relativístico; deformações aparentes; velocidade superluminal


In this work, continuing the previous one of Ostermann and Ricci (Caderno Catarinense de Ensino de Física 19, 176 (2002)), we analyze some apparent geometrical deformations of three objects in relativistic motion: straight rod, circular wire and a sphere. Physics textbooks usually lead the reader assume, erroneously, that objects relativistically moving in respect to a certain observer are seen, by this observer, contracted in the direction of its motion. Actually, this is that would be measured by the observer, different from that he sees. In this work we stress the difference between measuring and observing, as pointed out in previous work. We also show that the apparent speed of some points of the object can be superluminal when it approaches the observer, confirming previous results (Am. J. Phys. 73, 663 (2005)).

relativity; relativistic motion; apparent deformations; superluminal velocity


ARTIGOS GERAIS

Deformações geométricas e velocidade superluminal aparentes em objetos em movimento relativístico

Apparent geometrical deformations and superluminal velocity on objects in relativistic motion

Cláudio José de Holanda Cavalcanti1 1 E-mail: claudio.cavalcanti@ufrgs.br. ; Fernanda Ostermann

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

RESUMO

Neste trabalho, como continuação do trabalho de Ostermann e Ricci (Caderno Catarinense de Ensino de Física 19, 176 (2002)), analisamos as deformações geométricas aparentes de três objetos em movimento relativístico: uma barra retilínea, um aro circular e uma esfera. Os livros didáticos de Física normalmente induzem o leitor a pensar que objetos em movimento relativístico em relação a um certo observador são vistos, por esse observador, contraídos na direção do movimento. Isso na verdade é o que seria medido por esse observador e não o que seria visto. É destacada neste trabalho a diferença entre medir e ver, já apontada no artigo anterior. Mostramos também que a velocidade aparente de alguns pontos do objeto pode ser superluminal quando o mesmo se aproxima do observador, confirmando resultados anteriores (Am. J. Phys. 73, 663 (2005)).

Palavras-chave: relatividade, movimento relativístico, deformações aparentes, velocidade superluminal.

ABSTRACT

In this work, continuing the previous one of Ostermann and Ricci (Caderno Catarinense de Ensino de Física 19, 176 (2002)), we analyze some apparent geometrical deformations of three objects in relativistic motion: straight rod, circular wire and a sphere. Physics textbooks usually lead the reader assume, erroneously, that objects relativistically moving in respect to a certain observer are seen, by this observer, contracted in the direction of its motion. Actually, this is that would be measured by the observer, different from that he sees. In this work we stress the difference between measuring and observing, as pointed out in previous work. We also show that the apparent speed of some points of the object can be superluminal when it approaches the observer, confirming previous results (Am. J. Phys. 73, 663 (2005)).

Keywords: relativity, relativistic motion, apparent deformations, superluminal velocity.

1. Introdução

A relatividade restrita é, salvo algumas exceções, abordada de forma muito superficial nos livros didáticos de física geral de ensino superior (ao menos nos de nível introdutório) e ensino médio. Normalmente, são apresentadas as transformações de Lorentz, sem demonstração ou discussão, para então deduzir a partir delas os conhecidos efeitos de dilatação temporal, contração de comprimento, transformação de velocidades e momento linear e, a partir do último, a energia cinética relativística. É possível também encontrar na literatura abordagens desses tópicos sem uso direto das transformações de Lorentz [1]. No entanto, é justamente das transformações de Lorentz que surge o cerne da relatividade restrita: a relatividade das medidas de comprimento e tempo, por exemplo. Essa tendência de abordar a relatividade restrita sem uso direto das transformações de Lorentz, embora pareça atraente, pode não levar ao entendimento mais profundo daquilo que ela realmente trata. É comum existirem erros conceituais, às vezes sutis, sobre relatividade restrita em livros didáticos. Por exemplo, em relação ao momento linear relativístico, é comum, nos livros, aparecer o conceito de massa relativística [2]. fruto de uma interpretação equivocada da transformação do momento linear [3, 4]. Dois trabalhos de Ostermann e Ricci [4, 5], relativamente recentes, analisaram alguns livros didáticos de ensino médio e encontraram diversos erros conceituais sobre relatividade restrita, que podem levar estudantes e professores a desenvolver concepções errôneas sobre o assunto. O presente artigo vem complementar o trabalho de 2002 [5] que abordou o tema da visualização de objetos em movimento relativístico.

A relatividade restrita vem recebendo especial atenção da comunidade de pesquisadores da área de ensino de física. Deseja-se que os alunos consigam atingir uma evolução conceitual de forma que eles compreendam tudo o que a relatividade restrita traz de novo, o que envolve sua aplicabilidade em diversos problemas. Ao mesmo tempo, deseja-se que reconheçam o campo de validade da relatividade galileana, bastante mais intuitiva por estar presente no nosso dia-a-dia. Há trabalhos que mostram que essa evolução conceitual é difícil de ser atingida e concepções errôneas sobre esse tema aparecem tanto em alunos como em professores de nível médio [7-9]. Todas as pessoas, professores e estudantes em especial, apresentam concepções prévias a respeito de conceitos científicos, ou seja, não podem ser encarados como tábula-rasa [9]. Desde a década de 70 há uma preocupação da comunidade científica em relação a essas idéias apresentadas pelos estudantes a respeito dos conceitos científicos ministrados nas escolas. Foi no final dessa década que se abriu um programa de pesquisa chamado movimento das concepções alternativas2 2 Também chamadas concepcões contextualmente errôneas. [10, 11]. Estudos nesse programa mostraram que as idéias que os estudantes apresentavam a respeito dos conceitos científicos eram, além de influenciadas por uma série de fatores (visão pessoal, contexto), bastante resistentes a mudanças. Em outras palavras, uma concepção alternativa sobre um determinado conceito científico não é facilmente substituída pela concepção correta desse conceito. Alguns aspectos das chamadas concepções alternativas podem ser destacados. São eles [13]:

  • Parecem dotadas de certa coerência interna;

  • São comuns a estudantes de diferentes ambientes e idades. Apresentam uma certa semelhança com concepções que estiveram vigentes ao longo da historia do pensamento;

  • São persistentes, ou seja, não se modificam facilmente mediante o ensino habitual.

Um exemplo clássico de concepções alternativas são aquelas normalmente apresentadas por alunos a respeito de força e movimento. Não raramente os alunos possuem concepções semelhantes àquelas de Aristóteles e de vários cientistas medievais: não há movimento se não houver força. Concepções errôneas a respeito de conceitos científicos podem ser apresentadas até mesmo por professores ou encontradas em livros didáticos, o que ajudaria a disseminá-las ainda mais entre os estudantes. Críticas recentes afirmam que as estruturas cognitivas dos alunos e dos cientistas possuem diferenças fundamentais, o que torna esse paralelo entre os alunos e os cientistas sujeito a objeções. Segundo Mortimer [13], o mundo científico é bastante distinto do mundo cotidiano, e um processo de mudança conceitual em um contexto permeado pela cultura científica não pode ser simplesmente transposto para a sala de aula pois, ao contrário do que acontece no mundo científico, os estudantes não se deparam com as fronteiras do conhecimento. Ao contrário, estão ainda vivenciando um processo de ''enculturação''. Um dos modelos de mudança conceitual que mais influenciou as estratégias de mudança conceitual adotadas por alguns pesquisadores foi o da teoria das revoluções científicas de Kuhn [14]. Nessa abordagem, períodos de ''ciência normal'', ou seja, são intercalados períodos em que há um consenso na comunidade científica a respeito de sua estrutura teórica, com períodos de revolução científica, nos quais algumas teorias sofrem contestações bem fundamentadas. A relatividade especial é tida como um exemplo de revolução Kuhniana por alguns autores, já que rompeu com conceitos tidos como sagrados na física como espaço e tempo absolutos, por exemplo. Há críticas quanto à adoção desse modelo, tanto pelo modelo em si quanto pelas já citadas diferenças entre o mundo científico e o ambiente escolar vivenciado pelos alunos [13].

A modificação conceitual pode se estabelecer quando há desconforto da pessoa com sua própria concepção, causando um desequilíbrio que pode levar à sofisticação ou refinamento das suas teorias. No entanto, existem pesquisas que apontam que esse desequilíbrio não é suficiente para uma mudança conceitual, mostrando que há outros aspectos importantes que devem ser considerados [9, 15]. Mortimer [13] aponta que os alunos enfrentam dificuldade em ''reconhecer e vivenciar conflitos''. Segundo ele, os estudantes ''tenderiam a desenvolver cinturões protetores'' [16, 17] em torno do núcleo central de suas idéias em vez de ''tentarem superar possíveis conflitos''. A perturbação de uma concepção não necessariamente implica uma conseqüente superação da mesma pois ''os alunos podem não reconhecer uma perturbação e, no caso de reconhecerem, poderiam criar hipóteses extras adaptando a velha concepção à perturbação'' [13]. Não haveria assim uma mudança conceitual, mesmo havendo o citado desequilíbrio. Em resumo, ''a discrepância empírica não é condição suficiente para que ela assim seja observada como tal'' [9]. Sendo assim, as estratégias baseadas nos conflitos cognitivos podem não apresentar bons resultados, já que os alunos podem se proteger desses conflitos de várias formas. Em suma, a inserção da relatividade restrita no ensino médio é importante de fato, já que pode causar o citado desequilíbrio nas concepções de estudantes e professores. No entanto, o problema reside em como promover a mudança conceitual.

Este trabalho não pretende abordar formas de promover mudança conceitual envolvendo a teoria da relatividade restrita ou formas de inserí-la no ensino médio. O leitor que estiver interessado nesse tópico pode consultar, por exemplo, os trabalhos de Ireson [18], Villani e Arruda [7], Berenguer e Selles [8], Berenguer [6], Scherr [19] ou Scher et al. [20, 21].

Pretende-se aqui, abordar uma questão bastante interessante e pouco explorada nos livros didáticos, que reside na aparência geométrica de corpos em movimento relativístico com velocidade constante. Quando é indagado como seria visto um objeto nessas condições, é comum se esperar que a resposta seja dada em termos da contração de comprimento [5], ou seja, seria de se esperar que o objeto fosse visto achatado na direção paralela à sua velocidade. No entanto, isso é uma concepção errônea. Se o observador estiver posicionado a uma distância grande o suficiente do objeto em movimento,3 3 Distâncias bem maiores do que as dimensões do objeto. o objeto visto pelo observador é bem diferente daquilo que é previsto pela relatividade restrita,4 4 No caso, pelas transformacões de Lorentz. como estudado inicialmente por Lampa [22] e mais tarde por Terrel [23] e Penrose [24].

Ou seja, esse aspecto da relatividade, aparentemente ignorado pela maioria dos livros texto de física, vem sendo abordado há bastante tempo na literatura, sendo hoje ainda motivo de discussão [5,25-27]. O que é visto, por exemplo em uma fotografia de um objeto tridimensional, não corresponde a rigor com a posição real de cada ponto desse mesmo objeto no espaço [26]. Pode-se inclusive derivar equações que transformam a projeção bidimensional das coordenadas de um objeto em movimento relativístico em um referencial que se move junto com ele, na projeção bidimensional das coordenadas aparentes do mesmo objeto, visto por um observador estacionário. Esse tipo de transformação pode ser usada para estimar como seriam as deformações geométricas de objetos em movimento relativístico, caso fosse possível obter uma fotografia desses objetos. Um interessante artigo que aborda esse aspecto e obtém essas equações de transformação é o artigo de Deissler [25].

As transformações de fotografias obtidas do ponto de vista de um observador estacionário e de um observador em movimento são outro aspecto interessante da visualização de objetos em movimento relativístico e foram abordadas nos trabalhos de Weiskopf e Kobras [28] e Weiskopf [29], focalizados na pesquisa na área de Computação Gráfica, onde aparecem fotografias de objetos e lugares reais tanto do ponto de vista de um observador estacionário quanto de um em movimento. O mesmo autor desenvolveu também um sistema imersivo (realidade virtual) para visualizar os efeitos relativísticos na aparência dos objetos [29]. Há ainda o trabalho de Rubio-Hernández et al. [30] que analisa a forma aparente de uma esfera em movimento relativístico através de dois programas chamados OBJETIVA e APARENTE.

Um trabalho publicado no Brasil por Ostermann e Ricci [5] discute esse tema através da análise de livros didáticos de física. Neste trabalho, os autores constatam que os livros induzem o leitor a confundir medir com ver, fotografar ou observar. Além disso, induzem também o leitor a pensar que as transformações de Lorentz indicam que há uma deformação material dos objetos em movimento relativístico (contração do comprimento). Os autores discutem ainda qual seria a forma geométrica de alguns objetos em movimento (uniforme) relativístico que seria vista ou observada (diferente da que seria medida) por um observador fixo em relação a um referencial inercial.

Apesar desses vários trabalhos publicados na literatura discutirem detalhadamente o tema, poucos desenvolvem matematicamente o problema, não raramente se resumindo apenas a uma discussão qualitativa com visualização do fenômeno através de figuras. Os trabalhos que apresentam desenvolvimento matemático mais detalhado se concentram em visualizar projeções de objetos tridimensionais em movimento relativístico em planos (por exemplo, na película de um filme fotográfico de uma hipotética câmera fotográfica ultra-rápida), a exemplo dos trabalhos de Deissler [25] e Manoukian e Sukkhasena [26]. Tal tratamento matemático, embora não seja complicado, envolve conceitos de geometria analítica que provavelmente não fez parte da formação da maioria dos professores de nível médio.

Neste trabalho serão utilizadas basicamente as transformações de Lorentz em conjunto com o fato de que a velocidade da luz é finita e, a partir desse dois aspectos, serão estudadas as deformações geométricas que objetos em movimento relativístico podem sofrer do ponto de vista de um observador fixo. Isso permite visualizar as deformações do objeto de diversos pontos de vista, ou seja, pode-se visualizar também como se deformam as regiões do objeto que são ocultas ao observador fixo. Será estudada também a velocidade aparente dos pontos dos objetos.

2. Distorções na aparência dos objetos em movimento relativístico

2.1. As transformações de Lorentz

As transformações de Lorentz relacionam as coordenadas espaço-temporais (r,t) de um evento em um referencial inercial S com as coordenadas (r',t') do mesmo evento, mas observado a partir de outro referencial inercial S' que se move com velocidade v em relação a S.

Se, como mostrado na Fig. 1, essa velocidade for ao longo da direção x e se, no instante t = t' = 05 5 Suponha, por exemplo, que dois relógios localizados um em S e outro em S', estejam inicialmente sincronizados. as origens O e O' coincidem (ou seja, r(t = 0) = r'(t' = 0)), as transformações de Lorentz se reduzem a ([31, 32])


onde g = 1/, sendo b = v/c e c o módulo da velocidade da luz no vácuo. Note que, como há movimento relativo entre S e S' apenas na direção x, temos y' = y e z' = z. No entanto, x' difere de x e ambos se relacionam através da relação (1a).

A situação mais geral é aquela em que a velocidade relativa entre os referenciais S e S' possui uma direção arbitrária, como mostrado na Fig. 2. Nesse caso, pode-se mostrar que as transformações de Lorentz são dadas por ([32])


onde r|| = ( r·) e r^ = r-( r·) são, respectivamente, as componentes do vetor posição r paralela e perpendicular à velocidade v. O vetor r é definido como r = (x, y, z), o vetor v como v = (vx, vy, vz) e seu módulo como v = . O produto escalar r· v é definido da forma usual r· v = x vx + y vy + zvz. Como r = r||+ r^ e r' = r||'+r^', pode-se mostrar que

Pode-se generalizar as transformações de Lorentz para o caso em que as origens de S e S' não coincidam em t = t' = 0. Se definimos a origem O do sistema S (fixo) no ponto (0, 0, 0) em t = t' = 0 e, no mesmo instante de tempo, a origem O' do sistema S' estiver definida, segundo um observador em S, em r0º (x0, y0, z0), teremos

no caso de uma transformação S ® S ' e

no caso de uma transformação S ' S. Nesta última, supõe-se que, segundo um observador fixo no sistema S', a origem do sistema S está em r0' = (x0', y0', z0') em t = t' = 0. Se um evento acontece em uma posição r e em um instante t para um observador em S, as transformações dadas pelas Eqs. (4a) e (4b) dirão em qual posição r e instante t o mesmo evento será registrado por um observador em S. As transformações dadas pelas Eqs. (4a) e (4b) fazem o caminho inverso: dado um evento que ocorre na posição r' e instante t' para um observador em S ', essas transformações fornecem a posição r e o instante t em que esse mesmo evento será registrado por um observador em S.

A partir daqui, nos concentraremos em uma das conseqüências das transformações de Lorentz, que é a chamada contração do comprimento. É comum associar esse efeito do movimento relativístico como uma deformação geométrica dos corpos em movimento relativístico, em repouso em relação a S ', que seria vista por um observador fixo em S. Há livros didáticos que, apesar de desenvolverem muito bem o tópico relatividade restrita [33], apresentam figuras que mostram objetos em movimento relativístico achatados na direção do movimento, induzindo o leitor a acreditar que essa seria a visão que um observador fixo em S teria do objeto. Nesse caso, estaria se negligenciando os efeitos ópticos do movimento relativístico, que podem inclusive mascarar o efeito de contração do comprimento [23, 24].

2.2. A contração do comprimento

Imagine uma barra, de comprimento L0, em movimento uniforme com velocidade v em relação a um referencial inercial S.

Como mostra a Fig. 3, para um observador fixo em S', devemos ter | r2' - r1' | = L0. Para que um observador em S ' obtenha uma medida do comprimento da barra, ele deve obrigatoriamente medir as posições dos extremos da barra, r2' e r1', ambas no mesmo instante de tempo em seu referencial. Ou seja, para realmente se certificar de que se está medindo de fato o comprimento da barra, um observador em S ' deve medir r1' no instante t1' e r2' no mesmo instante, ou seja, t2' = t1'. O valor de L0 é então obtido calculando-se |r2' -r1'| e é chamado de comprimento próprio da barra, que é o comprimento medido por um observador em repouso em relação a ela.


Denotemos por L||0 = e L^0 = , respectivamente, como a projeção do comprimento (próprio) da barra nas direções paralela e perpendicular à velocidade v, como mostra a Fig. 4. A velocidade v aponta na direção do segmento e, segundo as transformações dadas pelas Eqs. (2a) a (2c), apenas a projeção paralela do comprimento da barra será modificada, quando observada por um observador fixo em S.


Pela Fig. 4, fica claro que o comprimento próprio L0 da barra é dado por L0 = . A questão a responder é como será o comprimento da barra quando observado por um observador fixo em S, o qual denotaremos como L. Temos que L = , onde L|| = | r||2 - r||1 | e L^ = | r^2 - r^1 |. Segundo a Eq. (2b), temos

L^ = = |r^2 - r^1| = L^0,

ou seja, L^ = L^0. Logo, a projeção na direção perpendicular à velocidade v do comprimento L0 independe do movimento relativo entre os referenciais S e S'. Uma medida do seu valor resultaria em um mesmo valor para um observador fixo em S e para um observador fixo em S '.

A projeção paralela L|| se relaciona com a projeção paralela L||0 através das equações de transformação (2a) e (2c). Para que um observador fixo em S obtenha uma medida de L||, ele deve medir r||1 em t = t1 e r||2 em t = t2 de forma que essas medidas sejam simultâneas, ou seja, t2 = t1. Assim, da Eq. (2a)

= g [(r ||2 - r||1) - v (t2 - t1)].

Como devemos ter que t2 = t1, segue que

= g [(r ||2 - r||1).

Tomando-se o módulo em ambos os lados da equação acima, obtemos que L||0 = = g|r||2 - r||1| = gL||. Ou seja

onde g > 1. Logo, o comprimento da barra na direção paralela a v que o observador fixo no sistema S mede (L||) está comprimido por um fator g em relação ao comprimento da mesma barra medido por um observador fixo em S' (L||0). É importante notar que essa deformação não é uma deformação material da barra. As transformações de Lorentz não relacionam as coordenadas de objetos materiais em dois sistemas inerciais, e sim, coordenadas de eventos que ocorrem nesses dois sistemas. Como o ato de medir implica necessariamente uma série de eventos, a medição do comprimento da barra difere para dois observadores fixos, um em S e outro em S'.

É importante ainda fazer a distinção entre medir e observar (ou ver). Por exemplo, no caso da barra acima, o que o observador fixo em S mede é que a projeção do comprimento da barra na direção paralela ao seu movimento é reduzido por um fator g, enquanto a projeção do mesmo na direção perpendicular ao movimento se mantém inalterada. No entanto, isso não corresponde ao que seria visto pelo mesmo observador. O ato de ver ou fotografar, implica a detecção de sinais luminosos refletidos por todos os pontos da barra, que atingem ou a retina do olho ou um sensor de uma hipotética máquina fotográfica (película de filme, no caso das máquinas analógicas).

Os pontos da barra não estão situados todos a uma mesma distância do detector (retina do olho ou sensor da máquina), fazendo com que a luz refletida em pontos da barra mais distantes do observador levem um tempo maior para serem detectados do que a luz refletida em pontos da barra mais próximos. Resumindo, a luz que atinge o detector em um dado instante de tempo tv, se originou de reflexões na barra em instantes de tempos anteriores distintos t = tv - t, onde t é o tempo que a luz leva para percorrer a distância entre um dado ponto da barra e o detector. O tempo t é, portanto, maior para pontos da barra mais distantes do observador do que para pontos mais próximos dele.

Esse aspecto não está incluído nas transformações de Lorentz, já que as coordenadas espaço-temporais que lá aparecem são as coordenadas medidas e não as observadas ou vistas. Denominaremos esse fenômeno de efeitos ópticos do movimento relativístico, que só é notado quando o objeto sofre um deslocamento apreciável durante o tempo t, o que só acontece para velocidades muito elevadas. Isso será melhor detalhado na seção 2.3.

2.3. Efeitos ópticos no movimento relativístico

Na Fig. 5, está mostrado o movimento (suposto uniforme) de um objeto puntiforme, situado na origem do sistema S'. Tanto o objeto quanto o sistema S' movem-se com velocidade v e o movimento começa a ser observado a partir da posição r0 (rotulada por ). Na posição rotulada por , a luz emitida por uma fonte (não mostrada) reflete no objeto e percorre a distância D até os olhos da observadora. A reflexão da luz no objeto é um evento que, segundo a observadora fixa em S, possui coordenadas espaço-temporais (rv,t). Em outras palavras, ele ocorre na posição rv (posição em que ela o referido ponto do objeto) e no tempo t.


Note que o tempo t em que ocorreu o evento de reflexão da luz não corresponde ao tempo em que a observadora visualiza o objeto. A observadora só irá ver o objeto no instante t + t, sendo t o tempo que a luz leva para se propagar do ponto onde ocorreu o evento de reflexão (rv) até a posição do detector, no caso os olhos da observadora (rOBS). Ou seja, o objeto só será visto por ela em um instante posterior ao instante em que se deu o evento de reflexão da luz no objeto pois, como a luz possui velocidade finita de propagação, o tempo t = D/c = | rOBS - rv|/c não é nulo.

Assim, a posição onde a observadora o não corresponde à posição r onde ele realmente está, rotulada por na Fig. 5, pois o objeto se desloca uma distância vt durante o tempo t que a luz leva para percorrer a distância D. Essa distância que o objeto percorre no tempo t será desprezível em velocidades pequenas comparadas com a velocidade da luz já que t é pequeno se o objeto estiver suficientemente próximo da observadora. No entanto, o mesmo não ocorre se o objeto estiver próximo da observadora e em movimento relativístico, ou se estiver em movimento não relativístico mas muito afastado da observadora.

A posição r é a posição medida do objeto, diferente da posição vista rv. Nesse sentido é que ver difere de medir, já que o valor medido da posição do objeto deve fornecer as três coordenadas espaciais da posição real do mesmo, dada por r, que é diferente da posição vista rv.

Se considerarmos um objeto não puntiforme (extenso) como um conjunto infinito de pontos, a luz que reflete nos pontos do objeto mais distantes da observadora levará um tempo maior para ser detectada por ela do que a luz que reflete em pontos mais próximos dela. Isso fará com que a forma desse objeto pareça distorcida para a observadora. Esse é o efeito óptico que aparece em objetos em movimento relativístico. Ressalta-se, novamente, que esse efeito seria detectável também em objetos em movimento não relativístico desde que o tempo que a luz leve para percorrer a distância até os olhos da observadora seja grande o suficiente para que, nesse tempo, o objeto percorra uma distância apreciável. Isso pode acontecer para objetos muito distantes dela (casos onde vt = | rOBS - rv|b não seja desprezível).

A relação entre a posição vista e a posição medida dos pontos de um objeto extenso é dada por (ver Fig. 5)

Suponhamos que esse objeto esteja em repouso em relação a S'. Ele terá todos os seus pontos descritos pelo vetor r', o qual supõe-se que seja conhecido por um observador fixo nesse referencial. Já um observador em S não vê a posição medida de cada um desses pontos, e sim a posição rv de um tempo t anterior. A posição vista pelo observador se relaciona com a posição real através da relação (7). Substituindo a Eq. (7) na Eq. (5a), obtém-se

Eliminando t' através da substituição da Eq. (4b) na Eq. (8) e usando-se novamente a Eq. (7), obtém-se

Rearranjando os termos que incluem a posição vista para o lado esquerdo da igualdade, chega-se a

Na obtenção da equação acima foi usada a relação g2b2 = g2 - 1. É mais conveniente expressar essa equação em termos de b = v/c. Substituindo-se nela v por cb, obtém-se

O mesmo procedimento pode ser realizado para obter uma relação entre r e r'. Substituindo-se a Eq. (4b) na Eq. (5a), obtém-se

A Eq. (11) fornece uma relação da posição observada ou vista pela observadora da Fig. 5 (fixa em S) em função do tempo t (tempo medido por ela, em S) e da posição r' dos pontos de um objeto em movimento relativístico, segundo um observador fixo em S', que está em movimento solidário com o objeto (relembrando: o objeto está em repouso segundo S').

A Eq. (12) fornece uma relação entre a posição medida r em função do tempo t e de r'. Se for possível descrever matematicamente os pontos do objeto no sistema S', através do vetor r', as relações (11) e (12) tornam possíveis a descrição matemática tanto da posição medida pela observadora fixa no sistema S quanto da posição vista pela mesma observadora.

Note ainda que a posição vista rv se reduz à posição medida r quando t ® 0 (ou c ® ¥), ou seja, quando se supõe que a luz que reflete em todos os pontos do objeto chega instantaneamente aos olhos do observador. Normalmente, alguns livros didáticos de física induzem a pensar que o que é visto é o que é medido [5], ou seja, rvº r, o que é incorreto.

Em uma situação geral, com objetos de forma geométrica complexa se movendo com uma velocidade constante v arbitrária e relativística, encontrar as coordenadas vistas rv = (xv, yv, zv) em função das coordenadas supostamente conhecidas r' = (x', y', z') do objeto em S' pode ser uma tarefa matematicamente complicada. Neste caso, a Eq. (11) é um sistema de três equações não lineares nas incógnitas xv, yv e zv e para a obtenção de sua solução pode ser necessário tratamento numérico. Neste trabalho pretende-se aplicar a Eq. (11) a situações onde a solução possa ser encontrada analiticamente. Para tornar isso claro, as Eqs. (11) e (12) serão aplicadas a seguir em situações simples a objetos de geometria também simples, mostrando que pode haver uma grande diferença entre ver e medir para objetos em movimento relativístico.

3. Visualização de alguns objetos em movimento relativístico

Nessa seção, serão analisados alguns exemplos de objetos de geometria simples que estejam em movimento relativístico. Será então possível visualizar os efeitos ópticos citados e também notar que a contração de Lorentz pode ser invisível, como previu Terrell [23] em 1959 e, independentemente, Penrose [24] no mesmo ano.

3.1. Um exemplo unidimensional: barra fina retilí nea em movimento relativístico

Nesse primeiro exemplo, imagine uma barra de espessura desprezível em relação ao seu comprimento L, fixa no sistema S' e orientada ao longo do eixo x ', se movendo na direção do eixo y, como mostra a Fig. 6. Sendo assim, teremos que v = (0, v, 0) = c (0, b, 0) = cb.


Suponhamos que, em t = t' = 0 as origens dos sistemas S e S' coincidam, ou seja, teremos r0 = r0' = 0 e neste instante todos os pontos da barra passam pela ordenada y = 0, como medido por um observador em S.6 6 Isso pode facilmente ser demonstrado a partir da Eq. (7). Assim, para t < 0 a barra estará com os valores medidos de y negativo e para t > 0 estará com y positivo. A intenção é tomar um instantâneo de uma imagem vista por um observador situado no ponto rOBS = (0, 0, h) para t = 0, momento em que a posição medida dos pontos da barra indica que y = y ' = 0. As extremidades da barra estão situadas em x = x' = d e x = x' = d + L. Como não há movimento relativo entre S e S ' na direção x, temos x = x', para qualquer instante t.

A posição medida r pode ser calculada através da relação (12). Escrevendo-se a Eq. (12) para cada componente x, y e z do vetor r e sabendo-se que os pontos da barra para um observador fixo em S ' são dados por d x' d + L, y' = 0 e z' = 0, pode-se mostrar que

Ou seja, o que um observador fixo em S mediria é que os pontos da reta se moveriam na direção y com velocidade v = cb. No instante t = 0, uma medição feita por ele registra que todos os pontos x = x' da barra possuem ordenada y = 0. Ou seja, a equação que define a posição medida dos pontos da barra é y = 0, para d x d + L. O que ele veria seria bem distinto, como se pode demonstrar a partir da Eq. (11). Como rOBS = (0, 0, h), o tempo t será dado por

Portanto, escrevendo-se a Eq. (11) para cada componente xv = x, yv = y - vt e zv = z do vetor rv, obtém-se

A intenção é obter um instantâneo da posição que seria vista pelo observador fixo em S para t = 0, instante no qual a posição medida pelo mesmo observador de todos os pontos x = x' da barra passam pela ordenada y = 0. Para t = 0, a Eq. (14b) se reduz a

Obtém-se então

ou seja, a barra é vista pelo observador fixo em S em pontos tais que yv é negativo, como era de se esperar, já que o observador um ponto da barra em uma posição onde ele estava em um tempo t anterior à reflexão da luz nesse mesmo ponto. Elevando ao quadrado a Eq. (16) e isolando-se yv

Sabendo-se que yv < 0 (Eq. (16)), obtém-se finalmente

sendo d x d + L.

Assim, a ordenada vista yv depende da posição x de cada ponto da barra. A Eq. (18) é a equação de uma hipérbole. Assim, o observador fixo em S não uma linha reta passando por y = 0 no instante t = 0 e sim uma hipérbole localizada na região y negativo. Esse resultado foi demonstrado por Scott e Viner [34]: retas orientadas na direção perpendicular à direção do movimento são vistas como hipérboles por um observador fixo em S, para h ¹ 0.

Na Fig. 7 estão mostrados os instantâneos t = 0 s da posição vista dos pontos da barra para quatro valores de velocidade correspondentes a b = 0,2, 0,4, 0,6 e 0,8. Para a obtenção dessa figura foram considerados os seguintes valores para os parâmetros mostrados na Fig. 6: d = 0, L = 2 m e h = 1 m. É mostrada também a posição medida dos pontos da barra.


A forma hiperbólica é facilmente notada quando se aumenta a velocidade e, como era de se esperar, a posição vista dos pontos da barra estão atrás da posição medida dos mesmos. Como o observador está na posição rOBS = (0, 0, 1) e os pontos da barra não são eqüidistantes dele, pontos da barra mais afastados do observador serão vistos com maior atraso. Quanto maior o valor de h, maior será esse atraso. Por outro lado, quanto maior o valor de b, maior será a distância percorrida por um ponto da barra entre o instante em que a luz refletiu nele e foi detectada pelo observador. Por essas razões ocorre a distorção aparente.

Um caso particular interessante ocorre quando a barra está muito afastada do observador, por exemplo, quando d » h. Nesse caso, os pontos x' = x da barra também obedecem a mesma condição (x' = x » h) e pode-se aproximar a Eq. (18) como

Nesse caso, o observador verá uma reta inclinada, como mostra a Fig. 8. O observador a barra como se ela tivesse sofrido uma rotação aparente de um ângulo tal que sen q = bgL/ = b (ver Fig. 8), ou seja, q = arcsen (v/c) = arcsen b. Essa rotação aparente sofrida por objetos distantes do observador, que estão em movimento relativístico, é denominada rotação de Terrell. Esse efeito do movimento relativístico foi demonstrado por Terrel [23].


3.2. Um exemplo bidimensional: aro circular em movimento relativístico

O exemplo que será visto agora é o aro circular em movimento relativístico. A exemplo da barra retilínea da Sec. 3.1, supõe-se que o movimento se dê apenas na direção y com velocidade v = (0, v, 0) e que o aro esteja contido inteiramente no plano xy, ou seja, z' = 0 (sua espessura é desprezível).

Supõe-se também que o centro do aro esteja fixo na origem do sistema S' e que, para um observador fixo nesse sistema, o raio do aro seja R', como mostra a Fig. 9. Supõe-se ainda que, para t = t' = 0, as origens do sistema S e S' coincidam (o sistema S' está em movimento solidário com o aro).


Para um observador fixo em S', os pontos do aro serão descritos pelo vetor r' = (R' cos q', R' sen q', 0), ou seja

onde 0 q' 2p. A posição medida dos pontos do aro circular é obtida pela Eq. (12). Aplicando-a ao aro da Fig. 9, obtém-se

Logo, o que um observador fixo em S mediria é que os pontos do aro se moveriam na direção y positivo com velocidade v = cb e o mesmo não seria circular, e sim elíptico. Pelas Eqs. (21a) a (21c), vê-se que o aro seria medido como achatado por um fator g na direção do movimento (y). De fato, as Eqs. (21a) a (21c) para t = 0 são as equações paramétricas de uma elipse, centrada na origem, com semi-eixo maior de comprimento R', orientado ao longo da direção x, e semi-eixo menor R'/g, orientado ao longo da direção y.

A posição vista dos pontos do aro pode ser obtida através da Eq. (11) e fornece o seguinte, para t = 0

Inicialmente, como no caso da barra retilínea, a intenção é obter um instantâneo do aro para t = 0. Fazendo t = 0 na Eq. (22b)

Temos então

Elevando-se ao quadrado ambos os lados da equação acima, obtém-se uma equação de segundo grau na variável yv, que admite duas soluções (uma delas não física). São elas

A solução é não física pois, como a imagem vista do aro é do passado, a posição yv de um dado ponto do aro que o observador fixo em S vê está atrás da posição y que ele mede para esse mesmo ponto. Logo, deve-se ter que yv < y para qualquer ângulo q'. Essa condição é obedecida pela solução dada pela Eq. (25b), mas não pela Eq. (25a). Usando a Eq. (25b) para t = 0 e a Eq. (24), a condição yv < y deve ser satisfeita para qualquer valor de q'.

Logo

Essa desigualdade leva a

que obviamente é verdadeira, já que b < 1 e | sen q'| 1.

Assim, as coordenadas do aro vistas pelo observador fixo em S, para t = 0 são dadas por:

Na Fig. 10 estão mostradas as posições medidas e vistas do aro circular com R' = 6 m, para b = 0,2, 0,4, 0,6 e 0,8, todas tomadas em t = 0. Nota-se que, como era de se esperar, a posição medida para os pontos do aro mostram que ele está contraído por um fator g na direção y (contração de comprimento) e seu centro está na origem do sistema de coordenadas. O que é visto pelo observador fixo em S é bem distinto. Pela Eq. (27b), o que o observador é uma circunferência dilatada na direção y por um fator g, ao invés de contraída (ou seja , uma elipse).


Além disso, seu centro não está na origem, mas no ponto (0, -gb, 0), ou seja, atrás da origem como era de se esperar. Assim, a contração de Lorentz é completamente mascarada pelos efeitos ópticos nesse instante: ao invés do observador ver o aro contraído na direção do movimento ele o dilatado (e atrasado) na direção do movimento. Ou seja, o contrário do que ele mede. O quanto o observador o centro do aro atrás da origem depende da altura h, da velocidade e do raio do aro.

É interessante ainda visualizar as deformações aparentes sofridas pelo aro ao longo do tempo t, ou seja, como o observador fixo em S veria o aro enquanto ele se move. Pode-se com isso, ter uma idéia da complexidade das deformações vistas por esse observador enquanto o objeto se move. Para t ¹ 0, yv- tem a seguinte forma

Em conjunto com as Eqs. (21a) a (21c), (27a) e (27c), pode-se construir as posições medida e vista do aro com o passar do tempo, segundo um observador fixo em S. Na Fig. 11, estão mostradas as posições vistas e medidas de um aro circular idêntico ao da Fig. 10 para seis instantes de tempo a partir de t = 0 s. Note que a posição medida dos pontos do aro também varia ao longo do tempo, mas essas posições movem-se todas com a mesma velocidade v = 0.8 c, que é a velocidade medida desses pontos. A posição vista do aro revela uma deformação interessante, mais complexa do que a dilatação aparente vista no instante t = 0. Há uma concavidade que surge na parte traseira do aro, e que vai desaparecendo na medida em que o tempo transcorre. Isso mostra um outro efeito visual interessante: a velocidade aparente (a que é vista e não a que é medida) não é a mesma, em um mesmo instante de tempo, para todos os pontos do aro. Isso será detalhado um pouco mais adiante, na Sec. 4.


3.3. Um exemplo tridimensional: esfera em movimento relativístico

O exemplo a ser estudado aqui será de uma esfera em movimento relativístico na direção y, como nos exemplos anteriores. A origem da esfera está fixa no sistema S' e, para um observador fixo nesse sistema, o raio da esfera é R', como mostra a Fig. 12. Para este observador, os pontos do aro serão descritos pelo vetor r' = (R' cos j' cos q', R' sen j' cos q', R' cos q'), ou seja


Na figura estão mostradas as coordenadas angulares esféricas q' e j', que abrangem os intervalos 0 q' p e 0 j' 2p. Para as coordenadas medidas, obtém-se

Para as coordenadas vistas, obtém-se, para cada instante t em S

A Eq. (31b) fornece as soluções

Pelo mesmo raciocínio utilizado para selecionar a solução física entre as soluções dadas pelas Eqs. (25a) e (25b) (yv < y), pode-se facilmente mostrar que a solução física para a coordenada vista yv para a esfera é a dada pela Eq. (32b).

Na Fig. 13 estão mostrados seis instantâneos do movimento na direção y de uma esfera relativística de raio R' = 2 m. O observador, em S, está posicionado a uma altura h = 2.2 m, ou seja, a esfera passa logo abaixo dele no instante t = 0. O hemisfério superior da esfera (0 q' p) foi colorizado com branco e o inferior (p q' p/2) com cinza. É possível então, que o observador consiga visualizar o hemisfério inferior da esfera durante o movimento, como indica a figura. Além disso, para instantes tais que t > 0, o observador pode ver uma concavidade na parte traseira da esfera, durante parte do movimento. Esse efeito é bastante acentuado para 0 < h R', desaparecendo para valores grandes de h (h » R'). Este resultado confirma o que foi obtido por Suffern [35] em 1988 e, posteriormente, por Rubio-Hernández [30] em 1995. Nota-se ainda que o perfil da esfera continua sendo circular, ocultando, às vezes totalmente, a contração do comprimento. Esse efeito foi demonstrado pela primeira vez por Penrose [24] em 1959.


A Fig. 11 mostra, com boa aproximação, o que o observador (que lá está posicionado em h = 2 m) veria. Foi suposto que o aro tem espessura desprezível em relação ao seu raio, ou seja, naquele caso o objeto estava completamente contido no plano xy. Porém, não se pode dizer o mesmo em relação à Fig. 13 pois, obviamente, a esfera não está completamente contida no plano xy. Em outras palavras, a Fig. 13 fornece uma boa visualização das distorções que o observador teoricamente poderia ver mas não necessariamente fornece exatamente o que o observador .

A razão para isso é que várias partes da esfera estariam ocultas do observador. Isso fica claro na Fig. 14, que mostra a distorção em relação ao observador (mostrado na figura), situado em zOBS = h = 2,2 m. Nessa situação o observador, ao contrário do que indica a Fig. 13, não consegue ver o hemisfério inferior da esfera, pois o mesmo está fora de seu campo de visão. Mas existem situações distintas onde isso pode ocorrer, como mostra a Fig. 15.



Nessa figura zOBS = h = 8 m e são mostrados dois instantâneos de uma visão lateral das posições vistas e medidas da esfera, segundo o observador. Fica claro aqui a superposição dos efeitos ópticos com a contração do comprimento. Quando o observador está mais afastado da esfera, fica claro que a mesma sofre uma rotação aparente (a já citada rotação de Terrell) além da contração do comprimento. Além disso, fica claro também que o hemisfério inferior da esfera pode ser visto pelo observador no instante em que sua imagem fosse vista logo abaixo dele (t » 2,5 × 10-8 s), como mostra a parte (b) da Fig. 15.

Além das deformações aparentes visualizadas em corpos em movimento relativístico, como já citado ao fim da Sec. 3.2, pode-se estudar como é o perfil de velocidade dos pontos do objeto enquanto ele se move. Mostra-se que a velocidade vista (ou aparente) é diferente para cada ponto do corpo. Isso é o que será feito na próxima seção.

4. Velocidades medida e vista para objetos em movimento relativístico

Um dos aspectos interessantes no movimento relativístico de um objeto é o estudo da velocidade aparente dos pontos desse objeto. A velocidade real de um ponto do aro, medida por um observador fixo em S é definida por

e a velocidade aparente, vista pelo mesmo observador, é definida por

Para um objeto qualquer, fixo no sistema S', que tem seus pontos descritos nesse sistema por r' = (x', y', z')7 7 Note que r ' não depende nem de t nem de t' pois, por hipótese, o objeto está fixo em S'. e que se movimenta na direção com velocidade v = (0, bc, 0) em relação a um observador fixo em S e posicionado em rOBS = (0,0,h), pode-se mostrar da Eq. (11) que

onde, pelo fato do movimento se dar apenas na direção y, x' = x e z' = z. A velocidade aparente, ao contrário da velocidade medida, é diferente para cada ponto do objeto, já que depende de r'. Isso faz com que se tenha um perfil de velocidades aparentes ao longo de todo o objeto.

Considere que nos instantes anteriores ao instante em que as origens do sistema S e S' coincidem,8 8 Instante em que a origem de S' está logo abaixo do observador, situado em r OBS = (0,0, h). o que por hipótese ocorre em t = 0, o objeto já estava em movimento. Assim, os instantes t < 0 são aqueles em que a posição medida da origem de S' está atrás da origem de S e os instantes t > 0 são aqueles em que a posição medida da origem já está além da origem de S. Para instantes muito anteriores do que o instante t = 0, muito antes do objeto passar abaixo do observador, define-se a velocidade aparente assintótica º uv(t ® -¥) como a velocidade aparente dos pontos do objeto quando o mesmo está muito distante do observador, mas se aproximando dele. Analogamente, º uv(t ® + ¥) é a velocidade aparente dos pontos do objeto para instantes muito posteriores ao instante em que o objeto passa por baixo do observador, ou seja, quando o objeto está muito distante do observador, mas se afastando dele. Logo, da Eq. (35) [25]

Assim, para instantes de tempo tais que o objeto esteja bastante afastado do observador e se aproximando dele, os pontos do objeto apresentam a mesma velocidade aparente e ela é superluminal, ou seja, maior do que a velocidade da luz. Não há nenhuma contradição com a relatividade restrita, uma vez que se trata de uma velocidade aparente e não uma velocidade medida. Note que essas velocidades-limite aparentes não dependem de nenhuma propriedade geométrica do objeto, pois valem para instantes de tempo em que o mesmo se encontra muito distante do observador. Nessa situação, o objeto pode ser considerado puntiforme.

Pode-se obter expressões para a velocidade aparente nos três casos estudados na seção anterior, onde os objetos se movem com velocidade v = (0, bc, 0) e o observador está fixo na posição rOBS = (0,0,h). Nesse caso a velocidade aparente dos pontos do objeto será dada por uv = (0, uv, 0). Logo, obtém-se

  • Para a barra retilínea (x' = x)

  • Para o aro circular

  • Para a esfera

Na Fig. 16 estão mostrados os valores de velocidade aparente em função da posição x e do tempo t ao longo da barra retilínea (à esquerda), e também uma visão superior das duas regiões distintas que se deseja destacar: pontos onde a velocidade aparente uv é maior do que a velocidade da luz (cor cinza) e pontos onde ela é menor (cor branca). A linha divisória entre as duas regiões corresponde aos pontos da barra onde uv = c.


Note que apenas para t > 0, ou seja, quando a origem de S' já passou pela origem de S, os pontos da barra passam a ter velocidade aparente menor do que a velocidade da luz. Para quaisquer instantes anteriores ao instante em que as origens de S e S' coincidem (t < 0) a velocidade aparente de todos os pontos da barra é superluminal. Na medida em que o tempo passa, após as origens de S e S' coincidirem, apenas os pontos da extremidade da barra mais longe do observador apresentam velocidade aparente uv > c.

Obviamente, há um momento tc > 0 em que nenhum ponto da barra (que tem comprimento finito) apresentará velocidade aparente superluminal. Quanto maior o comprimento da barra maior será tc. As velocidades aparentes limite para b = 0,8 são = 4c e » 0,44c.

Na Fig. 17 está mostrada a velocidade aparente dos pontos do aro circular, em função de q' e t. Novamente se revela que regiões do aro apresentam velocidade superluminal. Na figura estão assinalados alguns pontos do aro que, pelas condições de simetria, apresentam mesma velocidade c.


O ponto q' = 0 (obviamente, q' = 2p representa o mesmo ponto) atinge a velocidade aparente c em um instante t0 que, para b = 0,8, R' = 6 m e h = 2 m, vale aproximadamente 1,497 × 10-8 s. Nesse mesmo instante, o ponto q' = p atinge a mesma velocidade aparente. Essa simetria ocorre para qualquer instante de tempo. Se o observador não estivesse sobre o eixo z ou se a velocidade do aro não estivesse apenas na direção y, essa simetria não seria observada.

Para a esfera, as figuras foram preparadas de forma distinta. Foram escolhidos dois instantes de tempo específicos, t = 0 e t = 0,8 × 10-8 s, com os quais foram plotados os perfis de velocidade aparente em função de q' e j'. Na Fig. 18 mostra-se o perfil de velocidade aparente uv sobre os pontos da esfera, para b = 0,8, h = 2,2 m e R' = 2 m, no instante t = 0.


Apenas uma pequena região da esfera apresenta velocidade aparente menor do que a velocidade da luz (região branca). A grande maioria dos pontos têm velocidade aparente superluminal. Na Fig. 19 é mostrado o perfil de velocidades aparentes dos pontos da esfera com os mesmos parâmetros usados na Fig. 18. Nota-se a esperada redução da velocidade aparente em cada ponto, como prevêem as Eqs. (36a) e (36b), além do crescimento da região onde a velocidade aparente não é superluminal.


5. Conclusão

A visualização de objetos em movimento relativístico é ainda um tema pouco explorado pelos livros didáticos no Brasil, tanto em nível médio como em nível superior. Embora na literatura este tópico venha sendo abordado, isso tem sido feito na área de computação gráfica. Mesmo trabalhos na literatura ou livros didáticos que abordam esse assunto, muitas vezes o fazem sem uma discussão muito aprofundada dos principais conceitos envolvidos. Para que se compreenda como ocorre a visualização de objetos em movimento relativístico é necessário entender bem a diferença entre medir e ver ou observar. Essa distinção aparece de forma confusa, em geral, nos livros didáticos de física [5]. Espera-se que este artigo ajude a compreender a fundamental diferença entre ver e medir, pois boa parte do mau entendimento da relatividade restrita já reside nisso. E um mau entendimento da relatividade restrita pode, com certeza, levar a um mau entendimento de vários outros tópicos de física moderna e contemporânea.

Agradecimentos

Agradecemos ao professor Trieste Freire Ricci pelos comentários e sugestões que em muito auxiliaram a elaboração deste trabalho. A autora Fernanda Ostermann agradece o apoio parcial do CNPq.

Recebido em 19/2/2007; Aceito 31/7/2007

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  • 1
    E-mail:
  • 2
    Também chamadas
    concepcões contextualmente errôneas.
  • 3
    Distâncias bem maiores do que as dimensões do objeto.
  • 4
    No caso, pelas
    transformacões de Lorentz.
  • 5
    Suponha, por exemplo, que dois relógios localizados um em
    S e outro em
    S', estejam inicialmente sincronizados.
  • 6
    Isso pode facilmente ser demonstrado a partir da Eq. (7).
  • 7
    Note que
    r
    ' não depende nem de
    t nem de
    t' pois, por hipótese, o objeto está fixo em
    S'.
  • 8
    Instante em que a origem de
    S' está logo abaixo do observador, situado em
    r
    OBS = (0,0,
    h).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Dez 2007
    • Data do Fascículo
      2007

    Histórico

    • Recebido
      19 Fev 2007
    • Aceito
      31 Jul 2007
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