Acessibilidade / Reportar erro

Análise de cabos coaxiais cilíndricos usando a técnica dos elementos finitos

Analysis of cylindrical coaxial cables using the finite element technique

Resumos

A nova geração de simuladores de campos eletromagnéticos pode ser usada no ensino de eletromagnetismo sem que o usuário conheça com profundidade a metodologia usada no desenvolvimento desses programas computacionais. A teoria da linha coaxial cilíndrica é usada para ilustrar a aplicação desses programas como ferramenta de ensino. A solução analítica do problema é usada para avaliar a precisão numérica dos resultados obtidos utilizando diferentes subdivisões das malhas de elementos finitos. A relação entre minimalidade energética e distribuição de potenciais elétricos é usada para explicar como diferentes discretizações do modelo afetam o cálculo das grandezas eletromagnéticas. A definição de um problema exterior para modelar a estrutura coaxial permite a análise dos campos dispersos nas extremidades e aumenta a precisão do cálculo da capacitância.

axissimetria; campos elétricos; método dos elementos finitos; método variacional


The new generation of electromagnetic field simulators can be used for teaching electromagnetism with no user's deep knowledge about the methodology used to develop these computer programs. The theory of the cylindrical coaxial line is used to illustrate the application of these programs as teaching tools. The analytical solution of the problem is used to assess the accuracy of the numerical results produced by different subdivisions of the finite element meshes. The relationship between energy minimality and distribution of electric potentials is used to explain how different discretizations of the model affect the computation of the electromagnetic variables. The definition of an exterior problem to model the coaxial structure allows the analysis of leakage fields at the end-zone and improves the accuracy of capacitance calculation.

axisymmetry; electric fields; finite element methods; variational methods


ARTIGOS GERAIS

Análise de cabos coaxiais cilíndricos usando a técnica dos elementos finitos

Analysis of cylindrical coaxial cables using the finite element technique

Antônio Flavio Licarião Nogueira1 1 E-mail: antonioflavio@ieee.org.

Departamento de Engenharia Elétrica, Universidade do Estado de Santa Catarina, Joinville, SC, Brasil

RESUMO

A nova geração de simuladores de campos eletromagnéticos pode ser usada no ensino de eletromagnetismo sem que o usuário conheça com profundidade a metodologia usada no desenvolvimento desses programas computacionais. A teoria da linha coaxial cilíndrica é usada para ilustrar a aplicação desses programas como ferramenta de ensino. A solução analítica do problema é usada para avaliar a precisão numérica dos resultados obtidos utilizando diferentes subdivisões das malhas de elementos finitos. A relação entre minimalidade energética e distribuição de potenciais elétricos é usada para explicar como diferentes discretizações do modelo afetam o cálculo das grandezas eletromagnéticas. A definição de um problema exterior para modelar a estrutura coaxial permite a análise dos campos dispersos nas extremidades e aumenta a precisão do cálculo da capacitância.

Palavras-chave: axissimetria, campos elétricos, método dos elementos finitos, método variacional.

ABSTRACT

The new generation of electromagnetic field simulators can be used for teaching electromagnetism with no user's deep knowledge about the methodology used to develop these computer programs. The theory of the cylindrical coaxial line is used to illustrate the application of these programs as teaching tools. The analytical solution of the problem is used to assess the accuracy of the numerical results produced by different subdivisions of the finite element meshes. The relationship between energy minimality and distribution of electric potentials is used to explain how different discretizations of the model affect the computation of the electromagnetic variables. The definition of an exterior problem to model the coaxial structure allows the analysis of leakage fields at the end-zone and improves the accuracy of capacitance calculation.

Keywords: axisymmetry, electric fields, finite element methods, variational methods.

1. Introdução

O método dos elementos finitos tem por base a idéia de subdividir o domínio original do problema, o continuum, em um conjunto de subdomínios, conhecidos como elementos. Uma formulação numérica, baseada na teoria das interpolações, é então aplicada a esses elementos de forma a satisfazer a um dado critério de otimização e produzir uma solução numérica. Trata-se, na verdade, de uma técnica numérica para a solução, em grande escala, de problemas de alta complexidade utilizando uma estrutura de dados que é, ao mesmo tempo, simples e flexível. Os elementos finitos são definidos com base em sua forma geométrica e no grau da função de aproximação. Essa função é, na maioria dos casos, polinomial e define a forma como a variável primária de cálculo, normalmente um potencial, comporta-se no minúsculo subespaço delimitado por cada elemento finito. Muitas formas geométricas podem ser utilizadas; o elemento triangular é o mais usado. Também, na maioria das aplicações, funções interpolantes de primeiro grau são suficientes para atender ao compromisso entre a precisão numérica requerida e as demandas em termos de esforço computacional e tempo de processamento.

A utilização conjunta da técnica dos elementos finitos com o método variacional foi apresentada à comunidade científica em 1970, através de um artigo de Silvester e Chari que abordava a questão da saturação magnética em transformadores [1]. A formulação proposta formou a base de cálculo dos primeiros sistemas informáticos para o desenvolvimento de projetos e otimização de equipamentos elétricos que surgiram na época. Apesar de um número expressivo de sistemas informáticos utilizar a técnica dos elementos finitos em conjunto com o método residual de Galerkin, alguns sistemas desenvolvidos recentemente continuam a empregar a primeira formulação. É o caso da suíte de programas utilizada neste trabalho, conhecida como FEMM [2] e distribuída gratuitamente na Internet desde 2002.

O presente trabalho procura mostrar que os programas de simulação de campos podem ser usados como instrumento didático no ensino de eletromagnetismo. A utilização dessas ferramentas de simulação requer a interferência do usuário ao longo de todo o processo. Na fase de definição do problema, o usuário precisa fazer uma série de escolhas de parâmetros relacionados, por exemplo, com o nível, maior ou menor, de discretização do domínio. Na fase final, quando a solução numérica já está disponível, a utilização dos recursos para cálculo e visualização das grandezas de interesse também exige a participação do usuário; as séries numéricas que representam as variações dos campos magnético e elétrico, podem ser manipuladas tanto na forma de distribuições discretas e constantes quanto na forma de superfícies suavizadas.

A questão da interatividade entre usuário e sistema informático, considerada por alguns educadores como o aspecto mais valioso da utilização dos simuladores de campo, é discutida neste trabalho ao longo da análise de um problema eletrostático. O problema avalia os parâmetros elétricos de um cabo coaxial e cilíndrico, energizado por uma diferença de potencial conhecida. Trata-se de um problema abordado em muitos livros de física e eletromagnetismo e que possui uma série de vantagens tais como uma solução analítica que é bem conhecida e que pode ser comparada com os valores calculados numericamente [3-4]. Outra vantagem é relacionada à simetria da estrutura; o problema pode ser analisado como estrutura plana, bidimensional ou como estrutura axissimétrica, tridimensional.

A exploração da simetria translacional, em coordenadas cartesianas, tem a familiaridade como principal vantagem, mas carrega consigo as limitações inerentes à análise bidimensional; não permite, por exemplo, avaliar o comportamento do campo elétrico nas extremidades do dispositivo. De acordo com Silvester e Ferrari [5], o problema da linha coaxial cilíndrica, além de ser facilmente modelado como estrutura axissimétrica, é ideal para a análise de desempenho do processo de aproximações numéricas utilizando diferentes níveis de subdivisões do domínio.

2. A estrutura coaxial cilíndrica

O equacionamento dos problemas que envolvem fronteiras cilíndricas é mais simples em situações onde o comprimento axial da estrutura é grande em relação ao raio [3]. Nesse caso, os potenciais e campos da linha coaxial são considerados aproximadamente independentes do comprimento z. Se adicionalmente, a estrutura apresenta simetria circular, as distribuições de potenciais e campos elétricos não apresentam variações na direção circunferencial, f, e podem ser expressas em função da variação do raio r. A Fig. 1 mostra os principais elementos de uma linha coaxial. São eles: o raio interno Ri, o raio externo Re e o comprimento axial h. A solução analítica é formulada em termos desses parâmetros e da variação do raio r. Se Vo denota o potencial elétrico na superfície cilíndrica interna de raio Ri, e a superfície externa de raio Re é submetida a um potencial de zero volt, a variação do potencial elétrico no espaço entre os condutores, em volts, é


A variação do campo elétrico radial, também no espaço entre os condutores, em volts por metro, é

O cálculo analítico da capacitância é feito a partir das dimensões geométricas e das propriedades do meio material que ocupa o espaço entre os condutores. A capacitância do cabo coaxial, em farads, é

onde er é a permissividade relativa do meio dielétrico e e0 = 8,854187817 × 10-12 F/m é a permissividade elétrica do vácuo.

As equações acima foram desenvolvidas para a linha coaxial longa, mas podem ser utilizadas na análise de linhas ou cabos curtos, em quase toda a extensão do dispositivo. A questão da dispersão do campo elétrico em torno das extremidades requer o modelamento de uma região que envolve a estrutura, e isso é discutido mais adiante.

2.1. Problema de teste

A teoria da linha coaxial cilíndrica é usada no estudo de um pequeno cabo elétrico. Os raios, interno e externo das superfícies cilíndricas que formam o cabo, Ri e Re, medem 1,0 e 5,0 cm, respectivamente. A altura h das superfícies é 20,0 cm e o espaço entre elas é preenchido pelo ar, um meio isolante cuja permissividade elétrica relativa, er, é próxima da unidade. A superfície condutora interna é submetida a um potencial elétrico de 1000 V, enquanto a superfície externa é submetida a um potencial nulo, resultado de um processo de aterramento.

Para esse dispositivo, em particular, as variações do potencial e campo elétrico no espaço entre os condutores em função do raio r em centímetros, são

2.2. Modelo numérico simplificado

A Fig. 2 mostra os componentes de uma estrutura axissimétrica bastante simples e cujas fronteiras coincidem com os limites geométricos do dispositivo em estudo. As duas superfícies cilíndricas são modeladas utilizando-se dois segmentos de reta verticais de 20 cm de altura, distantes 1,0 e 5,0 cm do eixo axial z, respectivamente. Nos dois segmentos verticais da estrutura retangular, o valor do potencial elétrico é imposto como condição de contorno. Tal condição é conhecida como condição de Dirichlet ou condição de contorno principal. Nesse problema, os valores atribuídos aos potenciais das superfícies condutoras, interna e externa, são 1000 V e 0 V, respectivamente. Os dois segmentos indicados como FN e que unem as extremidades dos segmentos verticais são fronteiras do tipo Neumann, homogêneas, também conhecidas como condições de contorno naturais. A condição de contorno homogênea de Neumann é expressa matematicamente por

onde n representa o vetor unitário normal à fronteira e ¶V/¶n a taxa de variação do potencial ao longo da direção normal à região externa da fronteira. Diferentemente das condições de fronteira Dirichlet que são rigidamente impostas, nenhuma restrição matemática é imposta aos contornos ou segmentos associados às condições homogêneas de Neumann, que são satisfeitas com alto nível de precisão por se tratar de condição "natural" do método dos elementos finitos. Assim sendo, o processo de cálculo produz uma distribuição de potenciais que exibe um alto nível de ortogonalidade entre as superfícies de mesmo potencial, as eqüipotenciais, e as fronteiras homogêneas de Neumann.


Para mostrar que a discretização do domínio tem influência diferenciada no cálculo das diversas grandezas, duas configurações do modelo numérico são utilizadas. As configurações diferem somente no que diz respeito à malha de elementos finitos. Ambas as malhas mostradas na Fig. 3 são formadas por elementos triangulares com geometria aproximadamente equilateral e apresentam uma certa regularidade em sua "granulação". Vale observar que a malha com uma única camada de 12 elementos é muito grosseira e, por isso, não reflete o nível de subdivisões de domínios utilizado na prática. Essa malha foi escolhida pelo seu valor didático; o erro numérico da solução produzida por essa malha é bastante elevado na porção central da estrutura; por outro lado, o erro numérico é nulo em todos os pontos nodais dessa malha, pois todos se situam nos segmentos verticais da fronteira retangular que modela a linha coaxial, exatamente onde as condições de contorno Dirichlet são definidas e satisfeitas com exatidão. Trata-se de uma configuração que realça os melhoramentos conseguidos nas aproximações feitas com outras malhas mais refinadas.


3. Minimização de energia e potenciais incógnitos

A comparação de valores produzidos pelas diferentes soluções é feita com base na formulação matemática empregada no sistema informático FEMM [2], discutida brevemente nesta seção. O método variacional por elementos finitos utiliza um processo de minimização de energia para determinar, de forma indireta, os potenciais incógnitos do problema [6]. Para problemas como este, descritos pela equação de Poisson, a distribuição de potenciais elétricos que satisfaz a essa equação, também minimiza a energia armazenada no sistema, e vice-versa. Os potenciais incógnitos são interconectados por uma equação matricial que impõe restrições às correções ou ajustes efetuados nos valores dos potenciais ao longo do processo iterativo. As referidas restrições, devido à sua natureza global, não levam em conta variações localizadas da energia. Em decorrência, as soluções produzidas dessa maneira são otimizadas de uma forma global, mas podem conter erros localizados de magnitude considerável.

Com base nessas considerações, é de se esperar que alterações na discretização do domínio tenham uma influência menor nos valores de determinadas grandezas. É o caso da energia elétrica total armazenada cujo valor é, inclusive, utilizado como condição de convergência do processo. Por outro lado, variações na discretização do domínio podem ter efeitos bastante pronunciados na forma como potenciais e, principalmente, campos elétricos se distribuem no espaço analisado.

4. Resultados numéricos

4.1. Energia elétrica armazenada

Informações relativas à energia elétrica armazenada no cabo coaxial energizado são resumidas na Tabela 1. Além do tipo de simetria explorada na análise, são indicados na segunda e terceira colunas da tabela o número de elementos Ne e número de pontos nodais Np de cada malha. Nessa tabela, constam informações relativas às duas malhas mostradas anteriormente e cujos elementos são distribuídos em camadas regulares. Também são incluídas informações relativas a uma terceira malha com 900 elementos, obtida a partir da análise do cabo como estrutura plana. Essa malha aparece na ilustração da Fig. 4, superpondo-se ao mapeamento sombreado do potencial elétrico. A legenda, presente na ilustração, associa tons mais acentuados da cor cinza às regiões de potenciais mais elevados.


No processo de minimização com restrições, a energia mínima não trivial do sistema é aproximada por diferentes combinações ou distribuições dos potenciais elétricos. Os resultados da Tabela 1 mostram que, para as configurações associadas às malhas com 900 e 151 elementos, os valores das energias armazenadas são muito próximos, em torno dos 3,508 µJ. Vale aqui ressaltar que esses dois mínimos energéticos foram obtidos por processos de cálculo diferentes; em problemas com simetria plana ou translacional a minimização é efetuada em termos de energia/profundidade, enquanto que em problemas axissimétricos o que é minimizado é a energia/radiano.

Já no caso da malha com uma única camada de 12 elementos, o valor da energia armazenada é 18% maior que aqueles das outras configurações. Esse percentual deve ser tomado como um indicativo de erros numéricos expressivos na distribuição dos potenciais elétricos na região entre as superfícies condutoras, como mostrado na seção que se segue.

4.2. Distribuição de potenciais e campos

O contorno utilizado para extração dos valores de potenciais e campos é dirigido radialmente, ao longo do eixo horizontal do plano r-z. Trata-se do segmento retilíneo i-f indicado na Fig. 3. Essa escolha do contorno de inspeção, aliada à simetria da estrutura, permite que campos e potenciais sejam calculados e interpretados a partir de uma simples análise unidimensional. Os resultados da análise devem ser, então, estendidos para a estrutura completa, tridimensional.

O gráfico da Fig. 5 apresenta a comparação das distribuições de potenciais produzidas pelas duas configurações numéricas do problema. Nesse gráfico, o eixo horizontal representa a distância até o condutor interno. Cada configuração está associada a uma das malhas mostradas na Fig. 3. Essas distribuições de potenciais são apresentadas junto à curva suave que representa a solução analítica, descrita pela Eq. (4) e indicada por Va. A série V1, representada por "o" está associada à malha mais grosseira, formada por uma única camada de elementos finitos. A característica linear por partes representa a série V4 e está associada à malha formada por quatro camadas de elementos, mais refinada que a primeira.


O gráfico da Fig. 5 mostra que ambas as características obtidas numericamente possuem o mesmo valor nos extremos do intervalo. No entanto, a forma como o potencial se distribui ao longo do percurso é diferente em cada caso. Na primeira distribuição de valores, indicada por V1, os pontos extremos estão unidos diretamente, através de um único segmento retilíneo. No caso da distribuição de potenciais V4, associada à malha com quatro camadas, a aproximação é linear por partes e a variação do potencial é ditada por quatro funções lineares diferentes, uma para cada trecho representando um quarto do percurso total. Isso ajuda a explicar o desvio existente entre as duas características. Esse desvio aumenta à medida que os pontos de inspeção se afastam dos extremos do intervalo em direção à sua porção central. A característica V1 tem valores iniciais especificados unicamente nos pontos extremos do intervalo. A característica V4 também tem seus pontos extremos bem definidos, mas o processo de minimização impõe três restrições adicionais de valores, em três posições equidistantes e que dividem o contorno em quatro seções.

A observação atenta do gráfico da Fig. 5 mostra que, ao contrário da característica V1, a característica V4 apresenta variações sucessivas em sua inclinação. Considerando que a distribuição do campo elétrico é calculada pela diferenciação dos potenciais em relação a deslocamentos posicionais, fica claro que as distribuições de campo elétrico associadas a cada uma das configurações do problema devem apresentar diferenças consideráveis [7].

A comparação de diferentes distribuições do campo elétrico é apresentada na Fig. 6. Cada característica mostra a variação do campo elétrico ao longo do contorno de inspeção. Por extensão, essas distribuições representam a variação do campo elétrico radial, desde a base até o topo da estrutura. No caso da malha com quatro camadas de elementos, o campo elétrico é constante em cada trecho representando um quarto do percurso. A média aritmética dos valores da série E4 é 250,0 V/cm, exatamente o valor constante da série E1 ao longo de todo o percurso.


Os degraus da série E4 se constituem em uma representação discreta e aproximada da característica Ea que representa a solução analítica, expressa pela Eq. (5). O grau de descontinuidade da característica numérica, calculado pelo quociente entre a média aritmética das alturas dos degraus e a diferença entre os valores máximo e mínimo da série decrescente, pode ser usado como critério para se conseguir melhores aproximações. No caso da série E4, o grau de descontinuidade é 33%, um valor muito alto, indicativo de uma aproximação que precisa ser melhorada.

O melhoramento dessa aproximação numérica pode ser conseguido através de um processo de refinamento localizado na malha de elementos finitos, como ilustra a Fig. 7. Nesse processo, a estrutura retangular original mostrada na Fig. 2 é dividida em 10 blocos ou regiões, também retangulares, e são impostas restrições ao comprimento máximo das arestas dos elementos triangulares de cada região. A Fig. 7 mostra cinco regiões, indicadas por R1,..., R5 e que compõem a metade superior do cabo coaxial. No processo de restrição utilizado, escolhe-se primeiramente o valor que se deseja para o comprimento dos lados dos triângulos que vão formar cada região. O gerador de malhas "Triangle" [8] procura preencher a região com triângulos aproximadamente equilaterais e cujos lados possuem um comprimento próximo ao valor especificado. A observação da porção mais à direita da Fig. 7 mostra que as condições impostas ao gerador de malhas resultam em uma malha bem mais densa nas proximidades do contorno onde se faz a inspeção do potencial e campo elétrico. Esse contorno, agora, passa a ser formado pela união de 64 arestas, ao invés de quatro.


A série numérica indicada por Erl na Fig. 8 mostra a distribuição do campo radial associada a essa malha com refinamento localizado e que contém 2799 elementos, ao todo. No caso, a média aritmética dos valores da série é, também, 250,0 V/cm, mas o grau de descontinuidade é praticamente nulo. Esses resultados mostram como obter uma seqüência convergente de aproximações numéricas, cada vez mais precisas à medida que a malha é refinada.


4.3. Modelo numérico com fronteira exterior

A avaliação do comportamento das variáveis eletromagnéticas no volume externo que circunda um dado dispositivo é um problema de grande importância e de difícil abordagem por métodos analíticos. Como o método dos elementos finitos produz uma solução em um domínio fechado e finito, técnicas especiais devem ser usadas no estudo de problemas que representam campos eletromagnéticos que não são confinados a um domínio finito. Para tal, deve-se estabelecer uma fronteira exterior, também fechada, e situada a uma distância finita do dispositivo em estudo. Essa fronteira exterior permite simular um problema que, de fato, possui uma distribuição de potenciais e campos em um domínio aberto. Em muitas aplicações do eletromagnetismo, a região externa é modelada com o objetivo de aumentar a precisão numérica do cálculo das variáveis eletromagnéticas na própria região interna, ocupada pelo dispositivo em estudo. Já para um outro grupo de aplicações, que incluem os estudos de blindagem e interferência eletromagnética, a estimativa precisa das variáveis eletromagnéticas em posições distantes do dispositivo é mais importante que a avaliação da distribuição dessas variáveis na região ocupada pelo dispositivo [9].

O modelo numérico simplificado, proposto inicialmente para o cabo coaxial energizado, possui fronteiras que coincidem com os limites geométricos do dispositivo e, por isso, é caracterizado como um problema interior. Para tornar possível a inclusão de estudos como o de campos dispersos nas extremidades do cabo e aumentar a precisão numérica do cálculo de parâmetros como a capacitância, o problema precisa ser modelado como um problema exterior. Nesse tipo de problema o domínio é expandido e analisado a partir de duas porções, de forma que a porção ou região interior contém as partes estruturais e campos de maior interesse. A região exterior se estende até uma fronteira artificial, fechada e situada a uma distância finita do dispositivo. A introdução dessa fronteira representa efetivamente a conversão de um domínio aberto em um fechado. Vários são os métodos para solução de problemas exteriores e a literatura técnica na área é extensa. Felizmente, existem excelentes revisões de literatura que podem facilitar a escolha da técnica mais adequada a uma determinada aplicação [10-12].

Para modelar o problema de teste do cabo coaxial como um problema exterior, a técnica de trucamento de fronteiras exteriores é aqui utilizada. Trata-se de uma técnica de fácil entendimento e que pode ser implementada em qualquer simulador de campos. Baseia-se na suposição de que, em uma fronteira suficientemente distante do dispositivo em estudo, a derivada normal do potencial - elétrico ou magnético - tende a se anular ou, o próprio potencial é que tende a zero. As regras para a localização da fronteira exterior são empíricas e baseiam-se na suposição de que o dispositivo em estudo deve parecer pontual em relação ao volume total modelado. A necessidade de modelar uma porção adicional do espaço até uma posição distante para se conseguir um aumento na precisão dos cálculos é considerada a principal desvantagem da técnica. Uma outra solução para a questão da localização da fronteira exterior consiste em resolver o problema duas vezes, utilizando condições de contorno homogêneas de Dirichlet e Neumann na fronteira exterior. A maior ou menor variação nos parâmetros da solução, de uma simulação para outra, é usada para indicar se a localização da fronteira exterior é suficientemente distante ou não. Essa última metodologia foi utilizada para definir a localização da fronteira exterior do problema de teste do cabo coaxial.

A Fig. 9 mostra as diferentes regiões do problema exterior. O domínio de análise, agora subdividido em 4412 elementos, estende-se até os limites de uma fronteira semicircular cujo raio mede 30,0 cm. As regiões retangulares Rt e Rb, que aparecem na figura, são fronteiras materiais artificiais criadas com o objetivo de avaliar, separadamente, a quantidade de energia armazenada nos campos dispersos do topo e base do dispositivo. Como se pode observar na ilustração, a fronteira exterior não está muito distante das extremidades do cabo coaxial, como recomendam as regras empíricas. No entanto, as soluções do problema utilizando os dois tipos de condições de contorno na fronteira exterior produziram valores computacionalmente equivalentes para os diversos parâmetros, o que mostra que a extensão do espaço exterior modelado é suficiente. A Tabela 2 registra os valores de grandezas de caráter global - energias e cargas elétricas -, obtidos a partir da simulação baseada nas condições de contorno homogêneas de Dirichlet.


O mapeamento do campo elétrico da estrutura coaxial é mostrado na Fig. 10. A porção mais à esquerda da figura é uma vista ampliada da metade superior do cabo coaxial e do espaço que envolve sua extremidade. São apresentados dois recursos para visualização: mapeamento sombreado da intensidade de campo e traçado de setas. Nesse último, a direção das setas indica a direção do campo e o comprimento das mesmas é proporcional à intensidade do campo. Na ilustração observa-se que, ao longo de quase toda extensão do cabo coaxial, a distribuição do campo elétrico é homogênea, com o campo confinado ao espaço entre as superfícies condutoras e dirigido radialmente. A distribuição do campo começa a se desviar dessa configuração a uns poucos centímetros da borda superior; torna-se visível a não homogeneidade da distribuição, com aumento contínuo da concentração do campo - e correspondente energia armazenada - nas proximidades da superfície condutora interna. Os campos elétricos mais intensos ocorrem na borda interna e em suas imediações. Trata-se da região mais susceptível à ocorrência de descargas elétricas e onde o cálculo preciso da distribuição de campo requer um nível mais elevado de refinamento da malha.


Para Lowther e Silvester [13], o efeito da dispersão de campo nas extremidades equivale a um aumento efetivo do comprimento do dispositivo, ou seja, o campo disperso representa armazenamento de energia em regiões externas, que envolvem as partes estruturais do dispositivo. Nesse problema de teste, a energia dos campos dispersos representa 11,8% da energia total armazenada.

A abordagem analítica tradicional para cálculo de capacitância tende a produzir valores subestimados para esse parâmetro, pois o equacionamento é baseado nas dimensões geométricas das partes ativas da estrutura e não leva em consideração o efeito da dispersão nas extremidades. O resultado da inclusão dessa energia armazenada externamente no cálculo é o aumento do valor da capacitância, como se pode observar nos dados da Tabela 3. Os valores calculados numericamente são baseados no método da energia [7]. O primeiro cálculo utiliza somente a energia armazenada no espaço entre as superfícies condutoras e produz uma estimativa bem próxima daquela calculada analiticamente pela Eq. (3); no caso, o desvio entre as duas estimativas é de apenas 1,3%. O segundo cálculo inclui a energia dos campos dispersos e produz um valor de capacitância consideravelmente maior. O desvio entre as duas estimativas calculadas numericamente é de 11,8%, exatamente o percentual da energia dos campos dispersos em relação à energia total armazenada.

Conclusões

O artigo discute a possível utilização dos modernos simuladores de campos eletromagnéticos no ensino de graduação. Trata-se de um investimento pedagógico em um grupo de disciplinas que inclui, além do eletromagnetismo, princípios de telecomunicações e conversão de energia. Essas disciplinas, ao longo dos anos, têm sido consideradas as mais abstratas e difíceis dos cursos de engenharia. A criação de um laboratório de simulação significa um investimento inicial elevado para a instituição, pois os bons resultados da atividade dependem de um curso preparatório e as sessões de laboratório precisam ser bem planejadas e monitoradas. A experiência e atitude do instrutor são fatores determinantes para os bons resultados das aulas de simulação, pois os sistemas informáticos para cálculo de campos exigem um alto grau de interferência do usuário.

Partindo-se de uma estrutura axissimétrica bastante simples que modela um cabo coaxial energizado, a discussão procura explicitar a relação causa-efeito entre subdivisão do domínio e valor calculado para diferentes grandezas eletromagnéticas. No caso, percebe-se que mudanças na discretização têm efeito diferenciado no valor calculado para energias, potenciais e campos elétricos. Em qualquer solução de campos, os menores erros numéricos são associados às grandezas energéticas como energias armazenadas e potências dissipadas. Os erros nas grandezas energéticas são sempre menores que aqueles presentes nas distribuições de potenciais. Os erros presentes nas distribuições de potenciais, por sua vez, são amplificados no processo de diferenciação numérica usado para calcular os campos elétricos.

Os resultados numéricos mostram como implementar um processo de melhoria sucessiva da solução numérica do problema do cabo coaxial. Parte-se da configuração baseada na malha com 12 elementos, que gera erros elevados em todas as grandezas, inclusive na energia total armazenada. A mudança para a malha com 151 elementos representa um melhoramento no processo; a precisão numérica da aproximação para o mínimo energético do sistema é elevada e os potenciais elétricos são próximos daqueles calculados analiticamente. No entanto, a característica descontínua, calculada para a distribuição de campo elétrico, ainda está longe de representar a curva correta que é contínua e diferenciável. Através de um processo de refinamento da malha anterior, chega-se a uma malha axissimétrica com 2799 elementos e se consegue, a partir da mesma, uma aproximação numérica satisfatória para energias, bem como para distribuições de potenciais e campos.

Para contornar as limitações do modelo numérico, definido inicialmente como um problema interior, a estrutura coaxial passa a ser definida como um problema exterior, utilizando-se para tal a técnica de truncamento de fronteiras exteriores. Isso possibilitou a análise dos campos dispersos nas extremidades da estrutura e um cálculo mais preciso da capacitância da estrutura coaxial.

Agradecimentos

O autor gostaria de expressar sua gratidão aos professores Benedito Antonio Luciano e Edson Guedes da Costa, Universidade Federal de Campina Grande, pelo apoio recebido durante o Simpósio Brasileiro de Sistemas Elétricos, SBSE 2006. Também, quer registrar seus agradecimentos a Jonathan Richard Shewchuk (jrs@cs.berkeley.edu), autor do gerador de malhas Triangle, empregado neste trabalho e compartilhado por uma comunidade cada vez maior de estudantes e pesquisadores. Este trabalho é parte do Projeto UDESC n. DAPE 027/2006.

Recebido em 15/12/2006; Revisado em 21/9/2007; Aceito em 26/9/2007

  • [1] P. Silvester and M.V.K. Chari, Finite element solution of saturable magnetic field problems, IEEE Trans. on power apparatus and systems, PAS-89, 1642 (1970).
  • [2] D. Meeker, FEMM 4.0 Magnetics and Electrostatics, Reference manual, (2006). Disponível em http://femm.foster-miller.net/wiki/HomePage
  • [3] D.K. Cheng, Field and Wave Electromagnetics, (Addison-Wesley Publishing Co., USA, 1989), 2nd ed, p. 183.
  • [4] The Electromagnetics Problem Solver, (Research and Education Association, Nova Iorque, 1987), p. 277.
  • [5] P.P. Silvester and R.L. Ferrari, Finite Elements for Electrical Engineers, (Cambridge University Press, Cambridge, 1990), 2a ed, p. 123.
  • [6] J.P.A. Bastos, Eletromagnetismo e Cálculo de Campos (Editora da UFSC, Florianópolis, 1992), 2Ş ed, p. 231.
  • [7] A.F. Licariăo Nogueira, Revista Brasileira de Ensino de Física 28, 445 (2006).
  • [8] J.R. Shewchuk, Computational Geometry: Theory and Applications, 22, 21 (2002). Disponível em http://www.cs.cmu.edu/%7Equake/triangle.html
  • [9] D.A. Lowther, E.M. Freeman and B. Forghani, IEEE Trans. Magn. 25, 2810 (1989).
  • [10] C.R.I. Emson, Proc. IEE, Pt. A. 135, 151 (1988).
  • [11] P. Bettess, IEEE Trans. Magn. 24, 238 (1988).
  • [12] Q. Chen and A. Konrad, IEEE Trans. Magn. 33, 663 (1997).
  • [13] D.A. Lowther and P.P. Silvester, Computer-Aided Design in Magnetics (Springer-Verlag, Nova Iorque, 1986), p. 155.
  • 1
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      2007

    Histórico

    • Recebido
      15 Dez 2006
    • Revisado
      21 Set 2007
    • Aceito
      26 Set 2007
    Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: marcio@sbfisica.org.br