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Maupertuis e o princípio mecânico de ação mínima: uma análise crítica

Maupertuis and the principle of least action in mechanics: a critical analysis

Resumos

Em seu artigo de 1746 Maupertuis apresentou o princípio de ação mínima como um princípio geral e universal que não só explicaria as leis dos movimentos como também a existência de Deus. Ele aplicou o princípio no caso de colisões entre corpos (elásticos e inelásticos) e no equilíbrio da alavanca, encontrando resultados corretos. Neste artigo analisamos em detalhe as demonstrações de Maupertuis e mostramos que havia diversos problemas graves nas mesmas. Suas falhas foram objeto de crítica de d'Alembert e d'Arcy logo após a publicação do artigo.

Pierre-Louis Moreau de Maupertuis; Jean le Rond d'Alembert; princípio de ação mínima; história da mecânica


In a paper presented in 1746 Maupertuis communicated the principle of least action as a general and universal principle. He claimed that it could not only explain the laws of motion but also prove the existence of God. He applied the principle to the study of the collision between elastic and inelastic bodies and to the equilibrium of a lever, finding correct results. In this article we present a detailed analysis of Maupertuis' demonstrations and we show that they had serious problems. His mistakes were criticized by d'Alembert and d'Arcy shortly after the publication of his work.

Pierre-Louis Moreau de Maupertuis; Jean le Rond d'Alembert; principle of least action; history of mechanics


HISTÓRIA DA FÍSICA E CIÊNCIAS AFINS

Maupertuis e o princípio mecânico de ação mínima: uma análise crítica

Maupertuis and the principle of least action in mechanics: a critical analysis

Ana Paula Bispo da SilvaI,1 1 E-mail: anabispo@ifi.unicamp.br. ; Roberto de Andrade MartinsII,2 2 E-mail: rmartins@ifi.unicamp.br.

IDepartamento de Física, Centro de Ciências Exatas, Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, PB, Brasil

IIGrupo de História e Teoria da Ciência, Departamento de Raios Cósmicos e Cronologia, Instituto de Física 'Gleb Wataghin', Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil

RESUMO

Em seu artigo de 1746 Maupertuis apresentou o princípio de ação mínima como um princípio geral e universal que não só explicaria as leis dos movimentos como também a existência de Deus. Ele aplicou o princípio no caso de colisões entre corpos (elásticos e inelásticos) e no equilíbrio da alavanca, encontrando resultados corretos. Neste artigo analisamos em detalhe as demonstrações de Maupertuis e mostramos que havia diversos problemas graves nas mesmas. Suas falhas foram objeto de crítica de d'Alembert e d'Arcy logo após a publicação do artigo.

Palavras-chave: Pierre-Louis Moreau de Maupertuis, Jean le Rond d'Alembert, princípio de ação mínima, história da mecânica.

ABSTRACT

In a paper presented in 1746 Maupertuis communicated the principle of least action as a general and universal principle. He claimed that it could not only explain the laws of motion but also prove the existence of God. He applied the principle to the study of the collision between elastic and inelastic bodies and to the equilibrium of a lever, finding correct results. In this article we present a detailed analysis of Maupertuis' demonstrations and we show that they had serious problems. His mistakes were criticized by d'Alembert and d'Arcy shortly after the publication of his work.

Keywords: Pierre-Louis Moreau de Maupertuis, Jean le Rond d'Alembert, principle of least action, history of mechanics.

1. Introdução

O princípio de ação mínima é a base da mecânica analítica. A ação é definida pela integral do lagrangiano, e sua minimização permite encontrar as "equações de Lagrange", que descrevem o movimento de um sistema entre dois estados, A e B.

Na sua forma atual, o princípio depende das energias cinética T e potencial V, expressas em função das coordenadas qi do sistema e suas derivadas em relação ao tempo. O lagrangiano L é definido como L = T - V, e é aplicado utilizando-se cálculo variacional e integral. De acordo com o princípio de ação mínima atual, supõe-se que são dados o estado inicial e o final do sistema, e que a ação total (integral do lagrangiano em função do tempo) é um mínimo. Essa condição, que pode ser expressa por

permite encontrar um conjunto de equações (as chamadas "equações de Lagrange") na forma

que fornecem as informações sobre o movimento. No entanto seu uso na mecânica teve uma origem muito diferente do que é apresentado nos livros-texto.

O desenvolvimento do princípio de ação mínima na mecânica se deu durante os séculos XVIII e XIX, estando associado aos nomes de Maupertuis, Euler, Lagrange, Hamilton e outros importantes autores. Tanto na óptica como na mecânica, Maupertuis costuma ser apresentado como o principal, quando não o primeiro, na explicação de fenômenos utilizando o princípio de ação mínima.

Na óptica, Maupertuis utilizou tal princípio para explicar a lei de refração em seu artigo de 1744. Esse trabalho já foi discutido pelos presentes autores, mostrando que sua contribuição inicial foi bastante elementar, partindo provavelmente do resultado ao qual ele queria chegar, e que havia problemas graves com o próprio princípio, quando aplicado à óptica [1].

O segundo trabalho de Maupertuis, de 1746, é o objeto de análise do presente artigo. Nele o autor procurou aplicar o princípio de ação mínima a três situações: colisão entre corpos elásticos; colisão de corpos não elásticos; e equilíbrio da alavanca. Trata-se de situações às quais, atualmente, não aplicaríamos o princípio de ação mínima. A análise desses exemplos, que será aqui apresentada mostra que suas idéias eram extremamente confusas e que Maupertuis modificava o significado atribuído ao princípio de ação mínima conforme a situação na qual o aplicava. Na verdade, percebe-se que em todos os casos o autor partiu de resultados que já eram bem conhecidos e adaptou a idéia de ação mínima para chegar a esses resultados.

O trabalho de Maupertuis só pode ser compreendido dentro do seu contexto histórico, em que vários autores procuravam aplicar à física a idéia de que tudo na natureza ocorre da forma mais simples possível - e que essa "economia da natureza" teria uma interpretação teológica, e envolveria também a física das causas finais, o que será abordado dentro do objetivo a que se propõe este artigo.

2. Os artigos de Maupertuis

Pierre-Louis Moreau de Maupertuis (1698-1759) apresentou à Academia de Ciências de Paris, em 1744, um artigo no qual propôs o princípio de ação mínima aplicando-o ao fenômeno da refração da luz (e não a fenômenos mecânicos). Há uma tradução para o português desse trabalho [2]. Publicamos recentemente uma análise crítica desse trabalho de Maupertuis [1].

Dois anos depois (1746) Maupertuis utilizou o princípio de ação mínima para deduzir a lei da colisão dos corpos (tanto elásticos quanto inelásticos) e para provar a lei do equilíbrio das alavancas. Em Les loix du mouvement et du repos déduites d'un principe metaphysique [3], apresentou sob uma forma mais desenvolvida o princípio de ação mínima, que ele considerou posteriormente (segundo Bentley Glas) como sua mais importante contribuição científica [4].

Nesse trabalho, Maupertuis propôs um princípio geral de que "quando ocorre qualquer mudança na natureza, a quantidade de ação necessária para essa mudança é a menor possível". Afirmou que o princípio de ação mínima seria universal, válido para choques de corpos elásticos e inelásticos e no caso do equilíbrio (alavanca), e que por isso não encontrava equivalente em nenhum dos princípios conhecidos até então. Posteriormente, Maupertuis publicou uma nova versão desse trabalho como parte de seu livro Essai de cosmologie [5], em 1750, porém não adicionou nada de importante, sob o ponto de vista científico, aos trabalhos anteriores.

Além dessa contribuição puramente científica, no nosso sentido atual, Maupertuis também estava preocupado com questões filosóficas. Em todos esses trabalhos, ele parece interessado não apenas nos aspectos físicos do seu princípio, mas também (e talvez principalmente) na sua aplicação filosófica, como prova da existência de Deus e de sua influência na natureza. Ele considerou que o princípio de ação mínima podia ser considerado um uso da idéia das causas finais; e que a existência desse tipo de princípio na natureza, associada a sua universalidade, poderia ser utilizada como uma prova da existência de Deus.

3. As causas finais e a física

A relação entre causas finais na física e filosofia estava presente em vários autores da época, que influenciaram Maupertuis. A idéia de causa final havia sido utilizada por Aristóteles, na Antiguidade. No caso dos objetos da natureza, correspondia a um fim ao qual um sistema tende (por exemplo, uma semente tende a se tornar uma árvore) e, no caso das ações humanas, incluía a idéia de finalidade intencional (objetivo). Na antiga concepção cosmológica aristotélica, a causa final do movimento de um corpo pesado seria chegar ao centro do universo. No pensamento de Aristóteles, a idéia de causas finais estava associada a um princípio de simplicidade ou economia: a natureza realiza seus fins da forma mais simples possível.

A física do século XVII criticou e abandonou o uso das causas finais. No entanto, o princípio de ação mínima (em qualquer de suas formas) pode ser descrito como se utilizasse, em certo sentido, a idéia de causas finais. Na sua forma atual, supõe-se que já se sabe o estado final do sistema (seu fim) e que o movimento seguido pelo sistema, do ponto de partida até o ponto de chegada já conhecido, torna a ação mínima. Descrevendo o princípio de modo antropomórfico (que, é claro, a física atual não aceita), o sistema "sabe" aonde quer chegar e "escolhe" o caminho que lhe permite "economizar" sua ação.

Ao contrário dos outros pensadores do século XVII, que atacaram as causas finais, Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) defendia a existência de dois modos independentes de se estudar a física: através das causas eficientes, analisando o modo como os efeitos são produzidos; ou através das causas finais. Para ele, a natureza segue os caminhos mais simples e econômicos, o que permitia associar a existência de máximos e mínimos às causas finais [6]. Na sua análise do choque entre corpos, Leibniz trata o assunto relacionando-o a uma causa final, porém considera uma ação que é conservada e não mínima, sendo quase equivalente à conservação da vis viva3 3 A vis viva era definida como o produto da massa pelo quadrado da velocidade e corresponde ao dobro da atual energia cinética. [7]. Para Leibniz, assim como para Descartes, a presença divina caracterizava-se pelas leis de conservação, e não pela influência direta nos acontecimentos da natureza.

O padre Nicolas Malebranche (1638-1715) também teve grande influência na defesa das causas finais na física e no desenvolvimento do conceito de ação mínima. Influenciado por Descartes, procurou elaborar uma filosofia que combinasse alguns aspectos da filosofia cartesiana - como seu racionalismo e a teoria corpuscular da matéria - com o pensamento religioso cristão. Para Malebranche, as leis básicas da física eram a lei da inércia e a conservação do movimento absoluto4 4 Malebranche não fala em quantidade de movimento como entendemos hoje, mas sim um "movimento absoluto", já que a quantidade de movimento não era vetorial. na colisão entre corpos. Essas duas leis, as mais simples que podiam ser concebidas, seriam o resultado direto da ação de Deus, que segundo ele sempre age da forma mais simples possível [8].

Um corpo, quando não colide com outros, move-se uniformemente em linha reta porque esse é o movimento mais simples possível e porque ele exige o mínimo de ação divina. Quando dois objetos materiais colidem, um não pode passar por dentro do outro por causa da impenetrabilidade dos corpos. De acordo com Malebranche, Deus é então obrigado a interferir diretamente nesses corpos e a mudar os seus movimentos, para impedir essa penetração. Para isso, Deus escolhe o modo mais simples e econômico possível, mudando os movimentos dos corpos pela menor quantidade que possa impedi-los de se penetrarem [8]. Assim, as leis fundamentais do movimento exigem a menor ação possível de Deus. A ação mencionada por Malebranche corresponde ao ato de Deus; ele não menciona a velocidade ou a massa dos corpos [9].

A influência de Malebranche sobre Maupertuis é muito clara. Assim como Malebranche, Maupertuis analisava o choque entre corpos como o efeito de uma intervenção divina, de forma que o resultado deveria ser tal que o ato (ação) para se chegar a ela fosse o mínimo possível. Porém, Maupertuis quis ir além de Malebranche, dando uma demonstração matemática do princípio de ação mínima e assim tentando provar a existência divina de maneira lógica.

Desta forma, devemos compreender o artigo de 1746 de Maupertuis como tendo o objetivo de estabelecer um princípio geral e universal que explicasse os fenômenos de colisão entre corpos elásticos e inelásticos e o equilíbrio da alavanca e também, como conseqüência da universalidade e finalidade, que justificasse a existência divina através de sua demonstração matemática.

4. Colisão de corpos não elásticos

No seu trabalho de 1746 (publicado em 1748) Maupertuis apresentou o princípio geral da ação mínima [3]:

Procuremos agora as leis segundo as quais o movimento se distribui entre dois corpos que se chocam, sejam esses corpos duros [não elásticos] ou elásticos.

Deduziremos essas leis de um só princípio, e desse mesmo princípio deduziremos as leis de seu repouso.

Princípio Geral

Quando ocorre qualquer mudança na natureza, a quantidade de ação necessária para essa mudança é a menor que seja possível.

A quantidade de ação é o produto da massa dos corpos por sua velocidade e pelo espaço que eles percorrem.

O primeiro problema ao qual Maupertuis aplicou esse princípio foi a colisão de corpos "duros" (que, na época, significava inelásticos). Vejamos como ele desenvolveu seu raciocínio [3]:

Sejam dois corpos duros, cujas massas são A e B, que se movem para o mesmo lado, com as velocidades a e b, mas A sendo mais veloz do que B, de modo que o atinge e se choca contra ele. Seja x a velocidade comum desses dois corpos, depois do choque, menor do que a e maior do que b. A mudança que ocorre no universo consiste em que o corpo A, que se movia com a velocidade a, e que em um certo tempo percorria um espaço5 5 É evidente que Maupertuis está aqui supondo um tempo unitário, por isso o espaço percorrido é (numericamente) igual à velocidade. = a, move-se apenas com a velocidade x e só percorre um espaço = x. O corpo B, que somente se movia com a velocidade b e apenas percorria um espaço = b, move-se com a velocidade x e percorre um espaço = x.

Antes de prosseguir com a descrição do trabalho do próprio Maupertuis, paremos para pensar o que esperaríamos que ele dissesse, logo depois disso. Utilizando a notação de Maupertuis, antes da colisão, a ação (por unidade de tempo) era Aa2 + Bb2; depois da colisão, a ação (por unidade de tempo) passa a ser (A + B)x2. A mudança que ocorreu é representada, portanto, pela variação da ação DS, que seria a ação final menos a ação inicial

DS = (A + B)x2 - (Aa2 + Bb2).

Essa variação da quantidade de ação deve ser mínima, de acordo com Maupertuis. Considerando que todas as grandezas são conhecidas, exceto a velocidade final x, a condição de que a variação de ação seja mínima implica que sua derivada em relação a x seja nula, ou seja

2(A + B)x = 0.

Portanto, a velocidade final dos dois corpos deve ser x = 0.

O resultado está errado, é claro. Talvez o raciocínio pudesse ser feito de outro modo. No trabalho de 1744 em que aplicou o princípio da ação mínima ao caso da luz, Maupertuis somou as ações antes da refração e depois da refração e afirmou que a ação total era um mínimo. Talvez devêssemos então utilizar a soma e não a diferença das ações antes e depois

S = (A + B)x2 + (Aa2 + Bb2).

Porém, se essa ação total deve ser um mínimo, então sua derivada em relação a x deve ser zero, e chegamos novamente ao mesmo resultado: 2(A + B)x=0, e a velocidade final dos dois corpos deveria ser x = 0.

É claro que essa conclusão é falsa e que não é isso o que Maupertuis queria concluir. Ele não publicou esse raciocínio, e sim um outro, que vamos reproduzir abaixo [3].

Essa mudança é portanto a mesma que ocorreria se enquanto o corpo A se movesse com a velocidade a, e percorresse o espaço = a, ele fosse transportado para trás sobre um plano imaterial, que fosse movido com uma velocidade a - x, por um espaço = a - x; e que enquanto o corpo B se movesse com a velocidade b, e percorresse o espaço = b, ele fosse transportado para a frente sobre um plano imaterial, que se movesse com uma velocidade x - b, por um espaço = x - b.

Ora, tanto se os corpos A e B se moverem com as velocidades próprias sobre os planos móveis, ou se eles estiverem aí em repouso, o movimento desses planos carregados de corpos sendo o mesmo, as quantidades de ação, produzidas na natureza, serão A(a - x)2, e B(x - b)2; portanto a soma deve ser a menor possível. Temos, portanto

Aa2 - 2Aax + Ax2 + Bx2 - 2Bbx + Bb2 = mínimo.

Em seguida, Maupertuis deriva essa expressão em relação a x e a iguala a zero, obtendo

-2Aa + 2Ax + 2Bx - 2Bb = 0.

Daí, Maupertuis obtém a velocidade dos dois corpos após o choque

Atualmente, chegamos ao mesmo resultado aplicando simplesmente a conservação da quantidade de movimento, ou seja, Aa + Bb = (A + B)x.

O resultado é correto e bem conhecido. O raciocínio utilizado por Maupertuis, porém, é difícil de entender. Vejamos, primeiramente, o que significa o "plano imaterial" utilizado por ele. É fácil perceber que se trata daquilo que atualmente chamamos de uma mudança de referencial. Se tivermos um referencial que se move no mesmo sentido que o movimento inicial dos dois corpos, com velocidade x, então a velocidade de A em relação a esse referencial será a - x, com um valor positivo (pois a é maior do que x) e a velocidade de B em relação a esse referencial será b - x, que terá um valor negativo (pois b é menor do que x), ou seja, seu módulo será x-b. Esse referencial é aquele no qual os dois corpos estão parados após a colisão e, atualmente, costuma ser chamado de "referencial de centro de massa". Podemos então dizer que, nesse referencial, em um tempo unitário, as ações dos dois corpos são A(a - x)2, e B(x - b)2. Até aí, o que Maupertuis afirmou faz sentido. Porém, como entender que a soma dessas duas ações deve ser mínima?

A soma A(a - x)2 + B(x - b)2 representa, evidentemente, a ação total antes do choque, em relação ao referencial de centro de massa. Depois do choque, a ação será nula, pois os dois corpos estarão parados em relação a esse referencial. Então, a ação total (soma das ações antes e depois do choque) será dada por A(a - x)2 + B(x - b)2 e essa é a grandeza que Maupertuis considerou como sendo mínima.

Bem, se Maupertuis tivesse pensado assim, o raciocínio teria sentido e levaria ao resultado desejado, mas haveria um problema: só se chega ao resultado correto se for utilizado o referencial de centro de massa para calcular a ação total e impor que essa ação total deve ser um mínimo. É fácil provar isso. Suponhamos que temos um referencial que, em vez da velocidade x, tem a velocidade w. Nesse caso, antes da colisão, as velocidades dos dois corpos serão a - w e b- w e, depois do choque, serão ambas iguais a x - w. Assim, as ações (em um tempo unitário) antes do choque serão A(a - w)2 e B(b - w)2; e depois do choque serão A(x - w)2 e B(x - w)2. A ação total será a soma dessas expressões

A(a - w)2 + B(b - w)2 + (A + B)(x - w)2.

Supondo que essa ação total é mínima, sua derivada em relação a x deve ser nula e, portanto, teríamos

2(A + B)(x - w) = 0.

A partir daí, concluiríamos que x = w, ou seja, que a velocidade final dos dois corpos é igual à velocidade do referencial arbitrário escolhido, o que é absurdo.

5. Colisão de corpos elásticos

Para tentar esclarecer melhor o raciocínio de Maupertuis, vejamos como ele aplicou o princípio de ação mínima no segundo exemplo que estudou, o da colisão de corpos perfeitamente elásticos [3].

Sejam dois corpos elásticos, cujas massas sejam A e B, que se movem para o mesmo lado, com as velocidades a e b; mas A sendo mais veloz do que B, de modo que o atinge e se choca com ele: e sejam a e b as velocidades dos dois corpos depois do choque: a soma ou a diferença dessas velocidades antes do choque é a mesma que antes.6 6 Maupertuis está aqui se referindo à propriedade de que a velocidade relativa dos dois corpos elásticos, antes e depois do choque, é a mesma.

A mudança que ocorre no universo consiste em que o corpo A, que se movia com a velocidade a, e que em um certo tempo percorria um espaço = a, move-se apenas com a velocidade a e só percorre um espaço = a. O corpo B, que somente se movia com a velocidade b e apenas percorria um espaço = b, move-se com a velocidade b e percorre um espaço = b.

Essa mudança é portanto a mesma que ocorreria se enquanto o corpo A se movesse com a velocidade a, e percorresse o espaço = a, ele fosse transportado para trás sobre um plano imaterial, que fosse movido com uma velocidade a - a, por um espaço = a - a; e que enquanto o corpo B se movesse com a velocidade b, e percorresse o espaço = b, ele fosse transportado para a frente sobre um plano imaterial, que se movesse com uma velocidade b-b, por um espaço = b-b.

Ora, tanto se os corpos A e B se moverem com as velocidades próprias sobre os planos móveis, ou se eles estiverem aí em repouso, o movimento desses planos carregados de corpos sendo o mesmo, as quantidade de ação, produzidas na natureza, serão A(a - a)2, e B(b - b)2; portanto a soma deve ser a menor possível. Temos, portanto

Aa2 -2Aaa + Aa2 + Bb2 - 2Bbb + Bb2 = mínimo,

ou

-2Aada + 2 Aada + 2Bbdb - 2Bbdb = 0.

Ora, para os corpos elásticos, como a velocidade respectiva [relativa] depois do choque é a mesma que tinham antes, temos b - a = a - b, ou b = a + a - b, e db = da: que sendo substituídos na equação precedente, dão para as velocidades

Comparando essa análise de Maupertuis para os corpos elásticos com a anterior, dos corpos "duros", vemos que há poucas diferenças. Os dois primeiros parágrafos são praticamente idênticos, nos dois casos. No terceiro parágrafo, no entanto, há uma diferença importante. Vimos que, no caso do choque de corpos não elásticos, o cálculo feito por Maupertuis eqüivalia a utilizar o referencial de centro de massa, ou o referencial no qual os dois corpos estão em repouso após a colisão. No caso dos corpos elásticos, cada um tem uma velocidade diferente depois da colisão, e Maupertuis utilizou dois referenciais auxiliares: um referencial em repouso em relação a cada um dos corpos depois da colisão. Como o corpo A tinha velocidade a antes da colisão e depois terá velocidade a, sua velocidade inicial em relação ao referencial final com velocidade a, seria a - a. Da mesma forma, para o segundo corpo, o módulo da velocidade antes da colisão em relação ao referencial em repouso em relação a B depois do choque será b - b. Depois da colisão, os dois corpos estão parados em relação a esses referenciais e, portanto, suas ações serão nulas; e, antes da colisão, em relação a esses referenciais, suas ações (em um tempo unitário) serão A(a - a)2 e B(b - b)2, como Maupertuis afirmou.

Depois, Maupertuis impõe que a ação total é mínima, utiliza a propriedade de que a velocidade relativa inicial é igual à velocidade relativa final, e pronto: acha as velocidades dos corpos.

Há, no entanto, um problema mais grave do que no caso dos corpos não elásticos, nessa segunda análise. Sabemos que não é válido somar grandezas medidas em relação a diferentes referenciais. Por isso, não faz sentido somar A(a - a)2 com B(b - b)2, pois cada uma dessas expressões é calculada em relação a um referencial diferente. Ou seja: Maupertuis chegou ao resultado correto, mas sua demonstração está errada, sob o ponto de vista físico.

Por que, então, o cálculo de Maupertuis deu certo? Basicamente, porque a equação de onde ele tirou os resultados, que é

-2Aada + 2Aada + 2Bbdb - 2Bbdb = 0,

corresponde à lei da conservação da quantidade de movimento. De fato, como da = db, e como todos os termos possuem o fator 2, a equação acima é equivalente a

-Aa + Aa + Bb - Bb = 0,

ou, mudando a ordem dos termos

Aa + Bb = Aa + Bb.

Isso é, simplesmente, a lei da conservação da quantidade de movimento. Por outro lado, a condição adicional que Maupertuis precisou utilizar, de que a velocidade relativa antes da colisão é igual à velocidade relativa depois da colisão, pode ser considerada como equivalente à lei da conservação da energia cinética (válida nos choques elásticos).

Assim, Maupertuis chegou ao resultado correto - que já era bem conhecido - mas utilizou um raciocínio incorreto. Note-se, além disso, que a interpretação que ele utilizou para o princípio da ação mínima, no caso das colisões, é diferente da interpretação que ele havia utilizado antes para a refração da luz. No caso da óptica, ele considerou que a ação total (soma da ação inicial com a ação final) era mínima; no caso da mecânica, considerou que a mudança da ação, calculada em relação a referenciais especiais, era mínima.

6. A lei das alavancas

O terceiro e último exemplo ao qual Maupertuis aplicou o seu princípio da ação mínima foi a obtenção da lei das alavancas (ou, como ele chamou, a "lei do repouso dos corpos") [3].

Considero aqui os corpos presos a uma alavanca: e para encontrar o ponto em torno do qual eles permanecerão em equilíbrio, procuro o ponto em torno do qual, se a alavanca tiver algum pequeno movimento, a quantidade de ação será a menor possível.

Seja c o comprimento da alavanca, que eu considero como imaterial, em cujas extremidades sejam colocados dois corpos, cujas massas são A e B. Seja z a distância do corpo A ao ponto procurado, e c - z a distância do corpo B: é evidente que, se a alavanca tiver um pequeno movimento qualquer, os corpos A e B descreverão pequenos arcos semelhantes entre si, e proporcionais às distâncias desses corpos ao ponto que se procura. Esses arcos serão portanto os espaços percorridos pelos corpos e representam ao mesmo tempo suas velocidades. A quantidade de ação será portanto proporcional ao produto de cada corpo pelo quadrado de seu arco; ou (já que os arcos são semelhantes) ao produto de cada corpo pelo quadrado de sua distância ao ponto em torno do qual gira a alavanca: quer dizer, a Az2 e B(c - z)2; cuja soma deve ser a menor possível. Temos portanto

Az2 + Bc2 - 2Bcz + Bz2 = mínimo,

ou

2Azdx - 2Bccz + 2Bzdz = 0,

de onde se tira

z = Bc/(A + B),

que é a proposição fundamental da estática.

A demonstração é simples e leva ao resultado correto. Há, porém, um problema grave. O princípio de ação mínima de Maupertuis deveria se aplicar a qualquer movimento e não apenas ao movimento da alavanca quando ela está em equilíbrio. Vamos, então, considerar que a alavanca não está em equilíbrio, e que ela gira. Nesse movimento, segundo o princípio, a ação será mínima. Vamos calcular a ação do mesmo modo como ele fez nesse seu exemplo. Todas as suposições que ele utilizou sobre a relação entre as velocidades e entre as distâncias percorridas continuam válidas, por isso, a ação total (em um certo tempo) será também dada pela relação

Az2 + Bc2 - 2Bcz + Bz2 = mínimo.

Porém, como Maupertuis provou, essa expressão só é mínima se z tiver o valor z = Bc/(A + B). Se z tiver qualquer outro valor, essa expressão não será mais mínima. Portanto, se a alavanca não estiver em equilíbrio e ela se mover, esse movimento não obedecerá ao princípio de ação mínima de Maupertuis; o que prova que esse princípio não é uma lei universal, ao contrário do que ele supôs.

7. Conclusão sobre o artigo de 1746

Fica claro nas demonstrações de Maupertuis, que o princípio de ação mínima é assumido como certo, para que o resultado alcançado seja aquele que já era conhecido. Ou seja, Maupertuis chega a resultados que poderiam ser demonstrados partindo da conservação da quantidade de movimento, da conservação da vis viva e da lei das alavancas. Além disso, a "universalidade" do princípio entra em conflito com as considerações feitas, tanto no caso da adoção de um "plano imaterial", na colisão, quanto no caso do equilíbrio para a alavanca: seriam necessárias condições especiais para que a aplicação do princípio levasse a um resultado correto. Ou seja, o princípio não é tão universal que possa ser a causa da existência de um ser divino, ou mesmo mais geral do que a conservação do momento ou da vis viva.

Durante o século XVIII surgiram várias críticas ao trabalho de Maupertuis envolvendo tanto as hipóteses e demonstrações quanto a sua originalidade. Quanto às demonstrações e hipóteses, um dos críticos do trabalho de Maupertuis foi d'Alembert.

Na Encyclopédie, publicada por Diderot e d'Alembert, no verbete Cosmologie, d'Alembert faz uma crítica detalhada da demonstração de Maupertuis para as colisões e para a alavanca. Segundo d'Alembert, na colisão entre corpos duros, a quantidade de ação que se opera na mudança que ocorre na natureza, seria dada por Aa2 - Ax2 + Bb2 - Bx2, ou seja, a soma das variações das quantidades de ações, como já mostramos, e não a diferença como faz Maupertuis. A partir daí, a conclusão seria que x = 0. D'Alembert também se opõe à hipótese assumida por Maupertuis de que o tempo é constante. A mudança (choque) ocorreria num instante indivisível, ou seja, t = 0, e portanto a ação seria nula. Portanto, a quantidade de ação a que Maupertuis se refere seria simplesmente a quantidade de força viva e não um novo conceito [10].

Para o equilíbrio da alavanca, Maupertuis supôs como condições iniciais que a velocidade é sempre proporcional a distância do ponto de apoio e que o tempo é constante, como para o caso do choque. D'Alembert argumenta que para qualquer outra condição que seja estabelecida, o princípio de ação mínima deixa de valer, o que mostra que não se trata de um princípio tão geral como quer Maupertuis.

Por exemplo: se considerarmos como incógnita o comprimento da alavanca y e considerarmos conhecida a distância k do corpo A até o ponto em torno do qual a alavanca gira, a ação seria (segundo o raciocínio de Maupertuis) Ak2 + B(y - k)2. Se essa ação deve ser a mínima possível, então, derivando em relação a y, teremos

2B(y - k) = 0,

e, portanto, o ponto em torno do qual a alavanca gira deveria coincidir com a posição do corpo B, o que está errado. Ou seja, Maupertuis só consegue chegar onde quer escolhendo como incógnita a distância entre o corpo A e o ponto de equilíbrio.

Podemos aplicar um raciocínio semelhante ao de d'Alembert ao caso da colisão entre corpos, e veremos que não se obtém mais o resultado correto se mudarmos a incógnita da equação.

Como vimos, Maupertuis obteve a velocidade final da colisão não-elástica supondo que A(a - x)2 + B(x - b)2 fosse um mínimo, onde a é a velocidade inicial do corpo A, b a velocidade inicial do corpo B, e x a velocidade final do conjunto. Suponhamos, no entanto, que conhecemos a velocidade final, que chamaremos de c, e queremos achar a velocidade inicial de A, que chamaremos de w. Teremos, segundo o raciocínio de Maupertuis, que A(w - c)2 + B(c - b)2 deve ser um mínimo. Derivando em relação a w e igualando a zero, temos 2A(w - c) = 0, portanto w = c. Ou seja, a velocidade inicial do corpo A deveria ser igual à velocidade final c do conjunto, o que é absurdo. Portanto, o raciocínio de Maupertuis só leva ao resultado correto com uma escolha particular de incógnita, ao contrário do que costuma ocorrer com as boas leis da física.

Outra crítica foi feita por d'Arcy no seu artigo Reflexions sur le principe de la moindre action de M de Maupertuis, de 1749 (portanto, logo depois da publicação do trabalho de Maupertuis).7 7 Em 1752 d'Arcy publicou outro trabalho em que criticava a aplicação do princípio de ação mínima de Maupertuis à óptica. D'Arcy mostrou, como foi feito neste artigo, que as demonstrações no caso da colisão entre corpos eram incoerentes. No caso do equilíbrio da alavanca, d'Arcy mostrou que a ação não seria mínima, mas que valeria algo muito próximo ao que hoje entendemos como conservação do momento angular [11].

Outras contestações estavam relacionadas com a autoria do princípio. Em 1751, Samuel König reproduziu, com o consentimento de Maupertuis, na Acta Eruditorum de Leipzig [12], uma carta de Leibniz a Herman de 1707 em que o princípio de ação mínima era aplicado ao movimento. A atitude de König gerou conflitos dentro da Academia de Berlim, levando à sua expulsão. Após ser expulso da Academia, König publicou o Apelo ao público em que se defendia das acusações e mostrava os problemas existentes no trabalho de Maupertuis. Uma carta de Daniel Bernoulli a Bouguer8 8 Carta de Daniel Bernoulli a Bouguer, de 10 de dezembro de 1752. indica que os Bernoulli também criticaram o trabalho de Maupertuis [13]:

Viste o apelo do Sr. König contra o Sr. de Maupertuis; o pobre Maupertuis me faz pena; seus aduladores o carregaram e ele não prestou suficiente atenção às coisas que eu lhe havia indicado e que deveriam pelo menos ser suspeitas; sua decisão sobre as leis do choque dos corpos perfeitamente duros [inelásticos] é quase ridícula e ele estava demasiadamente enamorado do resto.

Apesar de ter sido alvo de várias críticas, o princípio de ação mínima de Maupertuis teve um importante defensor: Leonhard Euler. Por motivos não muito claros, mas provavelmente pelo fato de Maupertuis ser o presidente da Academia de Berlim e Euler um dos secretários, logo após a controvérsia com König, Euler publicou um artigo em que defendia o princípio de Maupertuis. Em outro artigo, analisamos alguns aspectos extracientíficos da controvérsia sobre o princípio de ação mínima [14].

8. O princípio de Euler

Em 1744, Euler publicou um trabalho em que estudava as condições de máximos e mínimos de curvas [15]. Como apêndice desse trabalho, Euler analisou o movimento de um projétil em um meio não-resistivo, chegando à conclusão de que o movimento seria tal que a integral do produto da massa pela velocidade e pelo espaço seria mínima. Essa integral parece muito com o que entendemos hoje por ação, mas Euler não chamou esse produto de ação e não associou esse valor mínimo a uma causa final.

Em seu trabalho de 1746, Maupertuis afirmou que o trabalho de Euler era uma aplicação de seu princípio de ação mínima. Além de corroborar a afirmação de Maupertuis em trabalhos posteriores, Euler procurou explicar como o princípio de ação mínima vale para o caso das colisões, associando-o à impenetrabilidade dos corpos.

Nas suas Lettres a une princesse d'Allemagne sur divers sujets de physique et de philosophie, Euler escreveu uma carta "Sobre a origem e a natureza das forças" e outra "Sobre o mesmo assunto, e sobre o princípio da ação mínima". As duas cartas são datadas de novembro de 1760. Na primeira dessas cartas, Euler argumenta que a causa das forças que existem entre as partículas é a sua impenetrabilidade. Suponhamos que existem dois corpos A e B, dos quais A está parado e B está se movendo na direção de A. Pela lei da inércia, A tenderia a continuar parado, e B tenderia a continuar em movimento em linha reta com a mesma velocidade, mas isso não pode acontecer a menos que B atravesse o corpo A. Por causa da impenetrabilidade, B não pode atravessar A e, portanto, ou A vai ter que se mover, ou B vai mudar seu movimento, ou ambos vão alterar seus estados de repouso e movimento. "É, portanto, a impenetrabilidade dos corpos que contém a verdadeira origem das forças que mudam continuamente o estado dos corpos nesse mundo; e isso é o verdadeiro desvelamento do grande mistério que atormentou tantos filósofos" [16].

Euler continua, introduzindo o princípio de ação mínima [16]:

Deve-se notar bem que, em geral, os corpos não agem uns sobre os outros a não ser quando sua impenetrabilidade é atacada; e daí resulta uma força capaz de mudar o estado de cada corpo, exatamente o suficiente que é necessário para que não ocorra nenhuma penetração, de modo que uma força menor do que essa não seria suficiente para produzir esse efeito. [...] vê-se que daí resulta a menor força que ainda seja capaz de evitar a penetração.

[...] e essa ação é sempre a menor que seja capaz de impedir a penetração. É aqui, portanto, que Vossa Alteza encontrará, contrariamente ao que se esperaria, o fundamento do sistema do Sr. de Maupertuis, tão elogiado e contestado. Seu princípio é o da ação mínima, pelo qual ele assume que, em todas as mudanças que ocorrem na natureza, a ação que as realiza é sempre a menor possível. Da maneira como tive a honra de apresentar esse princípio a Vossa Alteza, é evidente que ele está perfeitamente fundamentado na própria natureza dos corpos, e que os que o negam cometem um grande erro, mas não tão grande quanto aqueles que zombam dele.

Essa apresentação do princípio de ação mínima é muito curiosa. Em primeiro lugar, porque ela é totalmente não-técnica e foge ao espírito tanto do trabalho de Maupertuis quanto das contribuições do próprio Euler, que são eminentemente quantitativas. Em segundo lugar, por tentar justificar o princípio da ação mínima a partir da impenetrabilidade dos corpos. É interessante notar também a semelhança entre a apresentação de Euler e as idéias de Malebranche - embora haja uma diferença fundamental, já que Malebranche introduziu considerações a respeito de Deus em todos os seus raciocínios, e Euler não fez considerações teológicas na análise apresentada acima.

9. Considerações finais

As críticas ao trabalho de Maupertuis mostram que ele não conseguiu atingir os objetivos a que se propunha: encontrar um princípio geral e demonstrar matematicamente a existência divina. Ainda assim, talvez pelos trabalhos que Euler publicou depois, em que tenta justificar o princípio de ação mínima, Maupertuis continua a ser considerado o primeiro a estabelecer tal princípio. A aplicação que Maupertuis faz do princípio de ação mínima ao caso dos choques e do equilíbrio da alavanca está muito mais voltada para a concepção metafísica e das causas finais do que para o significado científico, nos termos atuais. Sob o ponto de vista físico, suas deduções estavam repletas de problemas (que foram notados na época), sendo inválidas, apesar de chegar a resultados corretos.

O princípio de ação mínima só terá uma formulação mais parecida com a adotada atualmente depois dos trabalhos de Lagrange e Hamilton. Com a introdução do cálculo variacional e com uma conceituação puramente mecânica, o princípio de ação mínima passa da interpretação metafísica para a descrição do movimento.

Recebido em 11/7/2007; Aceito em 24/8/2007

  • [1] Roberto de Andrade Martins e Ana Paula Bispo da Silva, Revista Brasileira de Ensino de Física 29, 455 (2007).
  • [2] Ildeu de Castro Moreira, Revista Brasileira de Ensino de Física 21, 172 (1999).
  • [3] Pierre Louis Moreau Maupertuis, in Histoire de l'Academie Royale des Sciences et Belles Lettres de Berlin 267 (1746).9
  • [4] Bentley Glas, in Dictionary of Scientific Biography, editado por C.C. Gilliespie (Charles Scribner's Sons, New York, 1970), v. 8, p. 186-189.
  • [5] Pierre Louis Moreau Maupertuis, Essai de Cosmologie (1768) (Librairie Philosophique J. Vrin, Paris, 1984).
  • [6] Marcel Guéroult, Dynamique et Métaphysique Leibnizičnnes (Belles Lettres, Paris, 1934).
  • [7] G.W. Leibniz, Mathematische Schriften, org. por C.I. Gerhardt (Georg Olms, Nova Iorque, 1971), 7 v.
  • [8] Thomas L. Hankins, Journal of the History of Ideas 28, 193 (1967).
  • [9] Nicolas de Malebranche, De la Recherche de la Vérité (Henry Desbordes, Amsterdam, 1688), Nouvelle Edition Reveue, Corrigée & Augmentée.10
  • [10] Jean le Rond d'Alembert, Action, in D. Diderot e J.R. d'Alembert (eds), Encyclopédie ou Dictionnaire Raisonné des Sciences, des Arts et des Métiers, par une Societé de Gens de Lettres (Briasson, Paris, 1751-1782), v. 1, p. 119-120, 17+11 v.
  • [11] Patrick D'Arcy, Histoire de l'Académie Royale des Sciences avec les Mémoires de Mathématique et de Physique tirés des Resgistres de cette Academie 531 (1753).
  • [12] Samuel König, Nova Acta Eruditorum 125, 162 (1751).
  • [13] Patricia Radelet-De Grave, LLULL, Revista de la Sociedad Espanola de Historia de la Ciensas y las Tecnicas 21, 439 (1998).
  • [14] Roberto de Andrade Martins e Ana Paula Bispo da Silva, Filosofia Unisinos 8 146 (2007).
  • [15] Leonhard Euler, Methodus Inveniendi Lineas Curvas Maximi Minimive Proprietate Gaudentes, Sive Solutio Problematis Isoperimetrici Latissimo Sensu Accepti. (Marcum-Michaelem Bousquet & Socios, Lausanne & Genčve, 1744).
  • [16] Leonhard Euler, Lettres a une princesse d'Allemagne sur divers sujets de physique et de philosophie (Charpentier, Paris, 1843). Nouvelle Édition, avec une Introduction et des Notes par Émile Saisset.
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    vis viva era definida como o produto da massa pelo quadrado da velocidade e corresponde ao dobro da atual energia cinética.
  • 4
    Malebranche não fala em quantidade de movimento como entendemos hoje, mas sim um "movimento absoluto", já que a quantidade de movimento não era vetorial.
  • 5
    É evidente que Maupertuis está aqui supondo um tempo unitário, por isso o espaço percorrido é (numericamente) igual à velocidade.
  • 6
    Maupertuis está aqui se referindo à propriedade de que a velocidade relativa dos dois corpos elásticos, antes e depois do choque, é a mesma.
  • 7
    Em 1752 d'Arcy publicou outro trabalho em que criticava a aplicação do princípio de ação mínima de Maupertuis à óptica.
  • 8
    Carta de Daniel Bernoulli a Bouguer, de 10 de dezembro de 1752.
  • 9
    Publicado em 1748.
  • 10
    A primeira edição é de 1674.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      2007

    Histórico

    • Aceito
      24 Ago 2007
    • Recebido
      11 Jul 2007
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