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Entropia, reversibilidade, irreversibilidade, equação de transporte e teorema H de Boltzmann e o teorema do retorno de Poincaré

Entropy, reversibility, irreversibility, the transport equation and H theorem of Boltzmann and the Poincaré's recurrence theorem

Resumos

Neste trabalho analisamos as conexões entre entropia, reversibilidade, irreversibilidade, teorema H e equação de transporte de Boltzmann e o teorema de retorno de Poincaré. Estes tópicos são estudados separadamente em muitos artigos e livros, mas não são em geral analisados em conjunto mostrando as relações entre eles como fizemos aqui. Procuramos redigir o artigo didaticamente seguindo um caminho que achamos ser o mais simples possível a fim de tornar o conteúdo acessível aos alunos de graduação de física.

reversibilidade; irreversibilidade; teorema H de Boltzmann; teorema do retorno de Poincaré; equação de transporte


In this paper we have analyzed the connections between entropy, reversibility, irreversibility, the H theorem and transport equation of Boltzmann and the Poincaré's recurrence theorem. These topics are usually studied separatelly in many papers and books, but they are not analyzed globally in order to obtain the connections between them as we have done here. We have written the paper following a simple and didactic approach in order to have a readable text to undergraduate physics students.

reversibility; irreversibility; Boltzmann's H-theorem; Poincaré's recurrence theorem; transport equation


ARTIGOS GERAIS

Entropia, reversibilidade, irreversibilidade, equação de transporte e teorema H de Boltzmann e o teorema do retorno de Poincaré

Entropy, reversibility, irreversibility, the transport equation and H theorem of Boltzmann and the Poincaré's recurrence theorem

M. CattaniI,1 1 E-mail: mcattani@if.usp.br. ; J.M.F. BassaloII

IInstituto de Física, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

IIFundação Minerva, Belém, Pará, Brasil

RESUMO

Neste trabalho analisamos as conexões entre entropia, reversibilidade, irreversibilidade, teorema H e equação de transporte de Boltzmann e o teorema de retorno de Poincaré. Estes tópicos são estudados separadamente em muitos artigos e livros, mas não são em geral analisados em conjunto mostrando as relações entre eles como fizemos aqui. Procuramos redigir o artigo didaticamente seguindo um caminho que achamos ser o mais simples possível a fim de tornar o conteúdo acessível aos alunos de graduação de física.

Palavras-chave: reversibilidade, irreversibilidade, teorema H de Boltzmann, teorema do retorno de Poincaré, equação de transporte.

ABSTRACT

In this paper we have analyzed the connections between entropy, reversibility, irreversibility, the H theorem and transport equation of Boltzmann and the Poincaré's recurrence theorem. These topics are usually studied separatelly in many papers and books, but they are not analyzed globally in order to obtain the connections between them as we have done here. We have written the paper following a simple and didactic approach in order to have a readable text to undergraduate physics students.

Keywords: reversibility, irreversibility, Boltzmann's H-theorem, Poincaré's recurrence theorem, transport equation.

1. Introdução

O principal motivo que nos levou a escrever o presente trabalho é o de não termos encontrado na literatura nenhum artigo em ensino de física ou livros de termodinâmica e de mecânica estatística onde fossem analisadas resumidamente as propriedades essenciais e as várias conexões existentes entre entropia, reversibilidade, irreversibilidade, teorema H e a equação de transporte de Boltzmann e o teorema de retorno de Poincaré. Esses temas são em geral estudados de modo extenso e separadamente em muitos artigos e livros sem a preocupação de se obter uma visão de conjunto dos mesmos como fizemos aqui. Apresentamos os aspectos fundamentais desses tópicos de um modo mais simples possível relacionando-os didaticamente a fim de tornar o conteúdo acessível aos alunos de graduação de física.

Na seção 2 fazemos uma rápida recapitulação dos conceitos básicos da termodinâmica e analisaremos entropia termodinâmica, reversibilidade e irreversibilidade. Na seção 3 abordamos a função entropia em mecânica estatística. Na seção 4 apresentamos a equação de transporte e o teorema H de Boltzmann. Na seção 5 comparamos as funções entropia em termodinâmica e em mecânica estatística. Finalmente, na seção 6 analisamos o teorema de retorno de Poincaré.

2. Entropia termodinâmica, reversibilidade e irreversibilidade

Antes de tudo pressupomos que o leitor esteja familiarizado com conceitos básicos da termodinâmica. Mesmo assim faremos uma rápida recordação dos mesmos baseando-nos, por exemplo, no Capítulo 1 do livro Statistical Mechanics de Huang [1].

Definimos sistema termodinâmico como sendo qualquer sistema macroscópico. Parâmetros ou variáveis termodinâmicas são quantidades macroscópicas mensuráveis associadas com o sistema termodinâmico tais como a pressão P, o volume V, a temperatura T e o campo magnético B. O estado termodinâmico é especificado por um conjunto de valores de todos os parâmetros termodinâmicos necessários para a completa descrição do sistema.

equilíbrio termodinâmico quando o estado termodinâmico não varia com o tempo. A equação de estado é uma relação funcional entre as variáveis ou parâmetros termodinâmicos para um sistema em equilíbrio. Assim, se P, V e T são as variáveis termodinâmicas do sistema, a equação de estado é dada por uma função f(P, V, T) = 0. O estado do sistema é representado por um ponto no espaço 3-dim {P, V, T}. A equação de estado define uma superfície nesse espaço. Cada ponto que está sobre a superfície representa um estado de equilíbrio. Dizemos que um sistema é termicamente isolado ou, simplesmente isolado, quando não pode ocorrer nenhuma troca de calor entre ele e o mundo exterior.

Uma transformação termodinâmica é uma mudança de estado. Se o estado inicial é um estado de equilíbrio, uma mudança do mesmo só pode ser feita através de perturbações externas ao sistema. Consideremos dois estados de equilíbrio, inicial I e final F. A transformação I → F é denominada de quase-estática se as mudanças provocadas se realizam tão lentamente de tal modo que em cada instante o sistema está aproximadamente em equilíbrio. É dita reversível (TR) se ela volta pelo mesmo caminho no tempo quando as mudanças externas também voltam pelo mesmo caminho no tempo. Uma TR pode ser representada por uma curva na superfície descrita pela equação de estado. Uma TR é necessariamente quase-estática. Porém, uma quase-estática não é necessariamente reversível, como é o caso de um gás que se expande lentamente no vácuo.

Se na transformação I → F os estados intermediários não são de equilíbrio as variáveis P, V e T ficam indefinidas e não é possível representar a transformação por pontos no espaço {P, V, T} e conseqüentemente não pode ser descrita por uma curva nesse espaço. Essa transformação é denominada de transformação irreversível (TI) pois é praticamente impossível fazer o sistema percorrer exatamente o caminho inverso F → I devido à indefinição das variáveis termodinâmicas.

Na termodinâmica a função entropia, S, é definida, para estados de equilíbrio, através da equação dSQ/T. De acordo com a segunda lei da termodinâmica pode-se mostrar que em uma transformação I → F, onde I e F são estados de equilíbrio, vale a seguinte desigualdade [1,2]

onde a igualdade vale para uma TR e a desigualdade para uma TI.2 2 É oportuno chamar a atenção para o fato de que dQ na expressão (II.1) não é uma diferencial exata. Para um tratamento matemático em termos de formas diferenciais da termodinâmica, ver J.M.F. Bassalo, M.D.D. Cattani e A.B. Nassar, Aspectos Contemporâneos da Física (EDUFPA, 2000). No caso particular de um sistema isolado, como đQ = 0 obtemos da Eq. (2)

Ou seja, "para qualquer transformação ocorrendo em um sistema isolado, a entropia do estado final nunca pode ser menor do que a entropia do estado inicial". Só há igualdade no caso de uma TR. No caso de uma TI, ou seja, uma transformação passando por estados de não-equilíbrio, a entropia no estado final SF será sempre maior do que a do estado inicial SI. Em outras palavras, S nunca decresce atingindo um valor máximo no estado final.

É importante salientarmos que no presente artigo analisaremos somente sistemas isolados (fechados), portanto com energia E = constante e com um número N = constante de partículas. Assim, consideremos dois exemplos clássicos de TI em sistemas isolados: (1) expansão livre de um gás ideal com estados inicial e final, (PI, VI, TI) e (PF, VF, TF), respectivamente. Como sabemos [3], ΔS = SF - SI = nR ln(VF/VI), mostrando que ΔS > 0, pois VF > VI. (2) Mistura de m kg de água a 373 K com m kg de água a 273 K dando 2 m kg de água a 323 K. Neste caso ΔS = SF - SI = mc ln[(323 × 323)/(273 × 373)] ≈ 0.024 mc > 0, onde c é calor específico da água.

A experiência mostra que é praticamente impossível, pelo menos nunca se observou (mesmo após um tempo de observação muito longo) o gás voltar ao seu estado comprimido inicial e nem as massas de água se separarem em duas partes iguais voltando a ter temperaturas, respectivamente, de 373 K e 273 K.

Assim, de modo geral, as transformações irreversíveis (TI) em sistemas fechados nunca são espontaneamente reversíveis(ER) e sempre obedecem à condição ΔS > 0. Por que um fenômeno macroscópico em um sistema fechado não é ER se a dinâmica molecular é governada por leis que são invariantes por uma reflexão temporal? Seria possível deduzir a relação ΔS 0 a partir de uma teoria microscópica? Será que depois de decorrido um tempo T, talvez muito longo, o sistema voltaria ao seu estado inicial? Será que S cresce durante um certo tempo até SF e depois decresce retornando ao valor inicial SI?

O principal objetivo do nosso artigo é o de responder as perguntas feitas acima. Para conseguirmos isso teremos de levar em conta o relacionamento entre alguns tópicos fundamentais em termodinâmica e mecânica estatística que serão analisados nas próximas seções: (3) A entropia σ em mecânica estatística, (4) a equação de transporte e o teorema H de Boltzmann e, finalmente, (5) o teorema de retorno de Poincaré.

3. A entropia σ em mecânica estatística

Em mecânica estatística a função entropia de um sistema isolado num estado de equilíbrio será representada pela letra σ. Usando um formalismo clássico [1, 3-8] temos a função entropia clássica σc definida por

onde f(N)(p, q) é a densidade de probabilidade de um sistema ser encontrado num ponto com coordenadas (p, q) ={pj, qj}j = 1,...,3N. de um espaço de fase que será indicado por {p, q} com 6N-dim.

Usando o formalismo quântico [1, 3-8] temos a função entropia quântica σq definida por

onde fν é a probabilidade de encontrar num ensemble um sistema num estado quântico øν onde νν1, ν2,..., νn.

Num ensemble canônico [1,3] as funções de distribuição f, numa representação clássica e quântica são dadas, respectivamente, por

f(N)(p, q) = exp[- H(p, q)/kT)]/Q

ou

onde k é constante de Boltzmann, C e Q são constantes de normalização.

A função de distribuição no caso quântico pode também ser representada pelo operador matriz densidade = exp(/kT)/C onde é o operador Hamiltoniano do sistema [4, 6-8]. Nesse caso a entropia σq é dada por

onde Tr{...} indica o traço do operador dentro do parênteses.

Como as Eqs. (3)-(6) são definidas para casos de equilíbrio ou seja σσ (t), temos dσ /dt = 0. Poderíamos estender as definições dessas funções entropia para obter σ(t) para casos de não-equilíbrio introduzindo funções de distribuições dependentes do tempo, (t) ou f(N)(p, q; t). Se fizermos isso, no caso clássico a variação temporal dσc(t)/dt seria dada por

Porém, levando em conta que df(N)(p, q; t)/dt = 0, conforme o Teorema de Liouville [1, 3-8], obtemos usando a Eq. (7)

Como na representação quântica o operador de evolução temporal U(t) é dado por U(t) = exp(-i

t/h), teremos (t) = U(t)U*(t), onde = (0). Assim, a entropia σq(t), segundo a Eq. (III.4), seria dada por

Como os operadores U e comutam, ou seja, [U, ] = 0 vemos, de acordo com a Eq. (9), que σq(t) = σq(0) = constante. Assim, de modo semelhante ao caso clássico, teríamos

Notemos que no cálculo de σ usamos uma função de distribuição ( ou f(N)) que é denominada de fine grained (grão fino) [4, 7]. Esse nome deve-se ao fato dela depender do conhecimento do Hamiltoniano do sistema que em princípio permitiria dar uma descrição exata (clássica ou quântica) dos estados das N ~ 1023 partículas do sistema. Isto significa que se fôssemos capazes de determinar exatamente a evolução temporal dos estados das N partículas poderíamos calcular com precisão as funções σ(t) (clássica ou quântica) obtendo σ(t) = constante.

A entropia σc definida pelas Eqs. (3) é uma função de variáveis (p, q) em num espaço de fase {p, q} de 6N-dim. Por outro lado, a entropia S dada por dS = đQ/T é uma função de variáveis termodinâmicas macroscópicas mensuráveis, tais como P, V, T, etc... Usando estas grandezas podemos calcular S para estados de equilíbrio, lembrando que não sabemos medir S, ou seja, não existe um "entropiômetro".

De acordo com o que vimos acima há três tipos de funções entropia:

1. A entropia termodinâmica S definida através da equação dS = đQ/T que é função de variáveis macroscópicas P, V, T, etc...

2. A entropia σc que é uma função de variáveis (p, q) que são as coordenadas num espaço de fase {p, q} com 6N-dim.

3. A entropia σq que é uma função de estados quânticos øν com energias Eν onde νν1, ν2,..., νn.

Tanto nos casos clássico como no quântico as grandezas {p, q} e øν, respectivamente, são determinadas a partir de uma dinâmica de interação molecular reversível no tempo.

Será que seria possível obter a entropia termodinâmica S a partir das entropias σc ou σq definidas pela mecânica estatística?

Conforme mostramos acima o cálculo da entropia σ(t) usando uma função de distribuição ( ou f(N)) denominada de fine grained (grão fino) não consegue explicar a entropia S pois, de acordo como as Eqs. (8) e (10) teríamos sempre dσ(t)/dt = 0. Como não consegue explicar desse modo a entropia S uma outra tentativa foi feita definindo funções de distribuições médias ou coarse-grained (grão-grosso) [4, 8] que descreveriam o comportamento médio da evolução dos estados de um sistema.

Assim, no caso clássico o espaço de fase é dividido em pequenas células de igual volume ω e constrói-se a densidade de probabilidades coarse-grained F(p, q; t) através de uma média no volume ω dada por

onde a primeira integral com índice ω indica uma integração no pequeno volume ω do espaço de fase {p, q} e a segunda integral é sobre todo e espaço de fase {p,q}. A partir da função F define-se uma função Hc(t) e uma correspondente entropia σc(t) = - k Hc(t) dadas por

De modo análogo no caso quântico define-se uma matriz densidade de probabilidades coarse-grained P. Ela é obtida dividindo-se os níveis de energia em grupos, de acordo com o nosso limitado conhecimento do sistema. Se gi é o número de níveis do ith grupo, então

onde a somatória é sobre todos os estados m no ith grupo. Neste caso são definidas uma função Hq(t) e uma entropia σq(t) = - k Hq(t) dadas por

Verifica-se [4, 8] que para ambas as funções entropia, σc e σq, a condição Δσ 0 é obedecida. A igualdade vale para uma situação de equilíbrio e a desigualdade para uma situação de não-equilíbrio. Pelo menos a desigualdade Δσ 0 concorda com ΔS 0 porém, nenhuma dessas tentativas coarse-grained teve completo sucesso [4, 8] para descrever S.

Na próxima seção apresentaremos um modelo do tipo coarse-grained denominado de equação de transporte de Boltzmann [1] para calcular a função de distribuição f(p, q; t).

4. Equação de transporte e teorema H de Boltzmann

O modelo do tipo coarse-grained de maior sucesso que é utilizado para estudar sistemas fora do equilíbrio em todas as áreas da física é conhecido como equação de transporte de Boltzmann (ETB) [1]. O objetivo primordial de uma equação de transporte é o de determinar a variação temporal da função de distribuição f(p, q; t). Nela as grandezas macroscópicas de um sistema termodinâmico são calculadas em função do tempo a partir das interações moleculares. Assume-se que o sistema é um gás diluído formado por N partículas idênticas e que a densidade de probabilidades f(1)(pi, qi; t) para uma iésima partícula é dada por [5]

O efeito das interações entre a ith molécula e todas as demais moléculas são levadas em conta na integral definida pela Eq. (15). A função f(1)(pi, qi; t) obedece à seguinte condição de normalização

Numa primeira, mas muito boa aproximação a determinação da função f(1)(pi, qi; t) pode ser feita usando as seguintes quatro hipóteses [1]:

1. As colisões entre as partículas são binárias e elásticas. Num formalismo quântico as seções de choque dessas colisões são calculadas numa aproximação de Born de primeira ordem. Esta hipótese é conhecida como "Stosszahlanzatz", ou seja, "hipótese sobre o número de colisões".

2. O efeito das paredes do gás é desprezado.

3. O efeito de forças externas sobre a seção de choque de colisão é ignorado.

4. Não há nenhuma correlação entre a velocidade e a posição de uma partícula.

Esta última hipótese conhecida como hipótese de caos molecular que foi introduzida por uma conveniência matemática é uma possível condição para um gás mas, não é claro que seja válida de um modo geral.

Seguindo as hipóteses feitas acima se obtém [1] uma equação integro-diferencial denominada de equação de transporte de Boltzmann (ETB) através da qual podemos calcular a função f(1)(pi, qi; t). No caso em que f(1) = f(r, v, t) a ETB é dada por [1]

onde Ω é o ângulo sólido no espalhamento elástico (v1, v2) → (v'1, v'2) entre as partículas 1 e 2, Σ(Ω) é a seção de choque diferencial da colisão elástica, |v1 - v2| = |v'1 - v'2|, f1 = f(r, v1, t), f2 = f(r, v2, t), f'1 = f(r, v'1, t) e f'2 = f(r, v'2, t).

Num estado de equilíbrio quando a força externa é nula (F = 0) e f não depende nem do tempo t nem da posição r a ETB, conforme a Eq. (17), se reduz a ∂f/∂t = (∂f/∂t)coll = 0. Resolvendo esta equação obtemos uma função f = fo(r, v), onde fo(r, v) é a distribuição de Maxwell-Boltzmann [1].

Se o sistema no estado inicial está numa situação de não-equilíbrio pode-se mostrar [1, 3] que no caso mais simples, ou seja, quando ∂f/∂t = (∂f/∂t)coll que f(r, v, t) ≈ fo + (fi - fo) exp(-t/tR). Nesta equação fi é a função de distribuição no estado inicial e tR é o tempo de relaxamento que é da ordem do tempo livre médio τ entre duas colisões moleculares. Como para um gás nas CNTP temos tipicamente τ ~ 10-11 s vemos que o sistema fora do equilíbrio vai rapidamente para o estado de equilíbrio. Além disso, o decaimento exponencial mostra que há uma direção privilegiada de evolução temporal. Esta quebra de simetria temporal ocorre porque na dedução da ETB foram feitas as seguintes aproximações: (1) adotou-se uma partícula média representada por f(1)(pi, qi; t), (2) fez-se a hipótese de "caos molecular" que não é comprovada e (3) a seção de choque de colisão Σ(Ω) é calculada usando probabilidades de transições quânticas e o balanço detalhado [8]. Desse modo perde-se a descrição exata (fine-grained) da evolução do sistema como ocorre quando usamos, por exemplo, o operador U(t) = exp(-i

t/h). O procedimento adotado para a obtenção da ETB gera uma descrição coarse-grained da evolução temporal do sistema. Como sabemos a dinâmica molecular é invariante por uma inversão temporal. Entretanto, a ETB que é deduzida de modo aproximado a partir da dinâmica molecular não é invariante por uma inversão temporal. Assim, a ETB não é uma conseqüência rigorosa da dinâmica molecular. Apesar das aproximações que foram introduzidas a ETB descreve muito bem o fenômeno de transporte quando os estados do sistema são muito próximos do equilíbrio [1].

É importante salientarmos que, como a dedução da Eq. (17) não é rigorosa, inúmeros trabalhos foram feitos analisando as suas limitações e quão rigorosas são algumas de suas previsões; conseqüentemente, muitas outras equações de transporte foram e estão sendo propostas visando calcular com maior precisão a evolução temporal de f(p, q, t) [9, 10].

Escrevendo por simplicidade f(1) = f vamos definir a função H(t) conhecida como função H(t) de Boltzmann [11]

Assim

Pode-se mostrar [1] que se f(p, q; t) é solução da ETB a função dH(t)/dt dada pela Eq. (19) obedece à condição [1, 4-8]

Este resultado é conhecido como o teorema H de Boltzmann (THB). A hipótese de caos molecular desempenha um papel fundamental na demonstração do referido teorema [1].

Definindo a entropia por K(t) = - k H(t) temos, conseqüentemente

que estaria de acordo com o que se espera para a entropia termodinâmica.

É muito importante salientarmos que a relação dH(t)/dt 0 foi obtida assumindo que função f(p, q; t) é solução da ETB. Entretanto, Loschmidt3 3 J. Loschmidt, Wien. Ber. 73, 139 (1876); 75, 67 (1877). É interessante registrar que a invariância da inversão temporal observada nesse trabalho de Loschmidt ficou conhecida como o paradoxo de Loschmidt. Sobre esse paradoxo, veja a Ref. [12]. levando em conta somente o fato de que a função f(p, q; t) deve ser invariante por uma inversão temporal mostrou que a condição dH(t)/dt > 0 também deve ser obedecida. Esta análise é vista em detalhes no livro do Huang [1]. Zermelo [13] chegou a essa mesma conclusão baseando-se em argumentos usados por Poincaré [14], conforme veremos na seção 6.

Como vimos acima, a função f(p, q; t) obtida resolvendo a ETB não é invariante por uma inversão temporal e que usando essa função resulta dH(t)/dt 0, conforme o THB. Desse modo como f(p, q; t) determinada pela ETB não é exata pois ela não é invariante por uma reflexão temporal, o THB também não é exato pois não prevê que dH(t)/dt > 0.

Analisemos essas derivadas temporais dH(t)/dt quando temos um gás num estado de equilíbrio. No equilíbrio, conforme vimos acima, o sistema é descrito por uma função independente do tempo f = fo(r, v) conhecida como distribuição de Maxwell-Boltzmann. Ela é obtida resolvendo a equação ∂f/∂t = (∂f/∂t)coll = 0. Assim num estado de equilíbrio, de acordo com a Eq. (19), temos dH(t)/dt = 0.

Entretanto, mesmo em estados de equilíbrio, ocorrem inevitáveis flutuações (ou ruídos) de densidade, temperatura, pressão, etc. Levando em conta esses ruídos vemos na Fig. 1 uma ilustração de como deve ser H(t) em função do tempo para um gás ideal que estaria em equilíbrio (vide Fig. 4.6 de Huang [1]). Nos pontos onde dH(t)/dt = 0 , ou seja, onde H(t) assume valores mínimos, temos estados de equilíbrio que são descritos pela distribuição de Maxwell-Boltzmann fo(r, v). Na Fig. 1 vemos os picos de ruídos em torno dos quais temos dH(t)/dt > 0 e dH(t)/dt < 0. Esses picos têm durações muito curtas com tempos da ordem de τ. A grande maioria dos picos de ruído (noise) está contida numa faixa entre duas linhas horizontais separadas por uma distância δ denominada de noise range. Na linha horizontal inferior tracejada estão localizados os valores mínimos de H(t). As flutuações em geral são muito pequenas; as muito maiores do que δ também ocorrem, mas são muito raras(vide pico a) e quase nunca ocorrem espontaneamente. Assim, a descrição do estado de equilíbrio de um gás pela função fo(r, v) não é exata sendo válida apenas dentro de um noise range δ. Gostaríamos de lembrar que flutuações de densidade num gás geram efeitos observáveis tais como, por exemplo, o efeito browniano e o espalhamento da luz azul na atmosfera.


Analisemos o que ocorre na formação dos picos. Suponhamos que num dado instante t o sistema esteja em equilíbrio termodinâmico. Isto implica que nesse instante dH(t)/dt = 0 e H(t) assume um valor mínimo. A partir desse instante H(t) começa a crescer até atingir valor máximo no cume do pico. No intervalo de tempo que vai do valor mínimo até o valor máximo de H(t) temos dH(t)/dt > 0. Nesse período as colisões moleculares destroem o equilíbrio do sistema levando-o a um estado de caos molecular que é atingido plenamente no cume do pico. Em seguida H(t) começa a diminuir tendendo para o estado de equilíbrio. Neste intervalo de tempo temos dH(t)/dt < 0. Nesse período as colisões moleculares agem de modo a destruir o caos molecular e restabelecer o equilíbrio termodinâmico. É interessante observarmos que as colisões moleculares têm um duplo papel pois, geram tanto o equilíbrio termodinâmico como o caos molecular.

Suponhamos agora que um gás seja colocado num estado inicial fi fora do equilíbrio termodinâmico. A evolução temporal de H(t) vai depender do modo como calculamos a função f(r, v, t). Uma ilustração de H(t) em função do tempo pode ser vista na Fig. 2 (vide Fig. 4.7 do livro de Huang [1]). Nessa figura a curva sólida denteada por ruídos mostraria o comportamento de H(t) se calculássemos exatamente a função f(r, v, t) usando, por exemplo, simulações numéricas muito precisas feitas com computador. Se ao invés do cálculo "exato" determinássemos f(r, v, t) resolvendo a ETB veríamos que ela tenderia assintoticamente para o estado de equilíbrio segundo uma função exp(-t/tR) onde tR ~ τ e H(t) teria um comportamento temporal semelhante. Na Fig. 1 a função H(t) obtida desse modo é representada por uma curva tracejada. Para esta curva a condição dH(t)/dt 0 é obedecida para todos os tempos t de acordo com o THB. Os cálculos "exatos" dão também um decaimento do tipo exponencial denteado pelas flutuações ("ruídos").


Em torno dos picos de ruído de H(t) temos dH(t)/dt < 0 e dH(t)/dt > 0. Nos cumes dos picos onde dH(t)/dt ≠ 0 ocorre uma descontinuidade de dH(t)/dt onde o gás se encontraria num estado de caos molecular. Vemos que a ETB prevê somente um comportamento monótono onde dH(t)/dt 0. Ela não descreve rigorosamente o processo de relaxamento pois não prevê, por exemplo, os picos de ruído. Enfim, a ETB daria uma descrição média do relaxamento [1,4,7].

5. Comentários sobre as funções entropia σ e S

No espaço de fase clássico {p(t), q(t)} de 6-N dim o estado de um sistema, ou seja, o ponto ξ(t) =(p(t), q(t)) descreve uma trajetória Γ1 que vai de I → F que pode ser sempre obtida, em princípio, resolvendo as equações de movimento das N partículas. A trajetória Γ1 no espaço {p, q} pode sempre ser determinada independentemente do tipo de transformação de tivermos no espaço termodinâmico {P, V, T} de 3-dim. Isto é, a transformação em {P, V, T} pode ser através de estados de equilíbrio ou não. Se os estados intermediários forem de equilíbrio podemos construir uma trajetória γ1 em {P, V, T} e estabelecer uma correspondência entre os pontos de Γ1 e γ1. Se os estados não são de equilíbrio eles não podem ser representados em {P, V, T} e obviamente não temos uma curva ligando os pontos I e F neste espaço. Assim, no caso geral, não há, necessariamente, correlação funcional entre variações de entropia Δσ e ΔS.

Para um sistema isolado (dE = dQ = 0) a previsão dada pela função entropia σ, para qualquer tipo de processo em I → F é sempre σ = constante resultando Δσ = 0. Quando em {P, V, T} a transformação se efetua através de estados de equilíbrio temos ΔS=0, como é o caso, por exemplo, de uma transformação adiabática quase-estática de um gás ideal 4 4 Vale o mesmo comentário da nota de rodapé 2. . Para os estados de equilíbrio em {P, V, T} podemos fazer uma correspondência ponto a ponto entre a curva Γ1 em {p, q} e uma curva γ1 em {P, V, T}. Assim, para sistemas em equilíbrio devemos esperar que a função σ possa ser identificada, mediante uma aproximação coarse-grained, com a função termodinâmica S. Usando função entropia definida por σ = k ln(W), onde W é o número de micro-estados do sistema [3], essa identificação para um gás ideal é demonstrada em detalhes, por exemplo, nos livros de Huang [1] ou de Morse [3]. Através desse procedimento deduz-se a função de distribuição de Maxwell-Boltzmann fo(r, v) e verifica-se [1, 3] que

Mencionamos no nosso artigo dois métodos diferentes para deduzir a função fo(r, v). No primeiro ela é obtida como solução da ETB (vide seção 4) e agora quando é feita a identificação de S com σ. É importante ressaltarmos que nenhuma das duas deduções usadas para obter fo(r, v) é rigorosa [1].

Antes de prosseguirmos gostaríamos de chamar a atenção para um fato histórico extremamente importante: Boltzmann definiu a entropia S como sendo [15] S = k ln(W) e não σ = k ln(W) como propusemos acima. Procedendo desta maneira verificamos que a definição de Boltzmann é correta pois, como vimos acima, pode-se mostrar [1, 3] que realmente S = σ. Devido a esse fato notável a equação S = k ln(W) que está gravada no memorial de Boltzmann no cemitério central de Viena é conhecida como o princípio de Boltzmann[15].

Quando temos estados de não-equilíbrio não podemos definir pontos em {P, V, T} o que torna impossível definir uma curva no espaço {P, V, T} ligando I e F em correspondência com Γ1 em {p, q}. Deixa de existir uma conexão entre os espaços {p, q} e {P, V, T}. Em {p, q} temos Δσ = 0 e em {P, V, T} temos ΔS > 0. Como a função σ não é capaz de descrever a transformação no espaço {P, V, T} é necessário usarmos as aproximações coarse-grained vistas nas seções 3 e 4 para calcular S.

Nas nossas análises os resultados foram obtidos considerando o espaço termodinâmico {P, V, T} de 3-dim de um gás ideal, mas os mesmos resultados valem para qualquer espaço termodinâmico {X, Y, Z,...}.

6. VI. Teorema de retorno de Poincaré

Consideremos um sistema isolado contido num volume V com um número muito grande N constante de partículas e com energia total H(p, q; t) = E. No formalismo clássico o estado do sistema é representado por um ponto (p, q) no espaço de fase {p, q} de 6N-dim. À medida que o tempo passa o ponto (p, q) se desloca no espaço de fase. Como a dinâmica que rege a interação molecular é invariante por uma inversão temporal H(p, q; t) também é invariante por uma reflexão temporal. Em outras palavras, a dinâmica molecular e H(p, q; t) são invariantes por inversão temporal.

Poincaré demonstrou o seguinte teorema [14] para um sistema isolado com energia E e volume V finitos: "se o sistema está no instante inicial num estado (p, q)o depois de um tempo suficientemente longo T ele volta para uma vizinhança arbitrariamente pequena do estado inicial (p, q)o". Esse teorema é conhecido como teorema de retorno de Poincaré (TRP). Uma demonstração deste teorema pode ser vista, por exemplo, no livro de Huang [1].

Vejamos como demonstrar do TRP usando o formalismo quântico [6]. Como sabemos em mecânica quântica todas as informações sobre um sistema são obtidas através de uma função de onda ψ(p, q; t) que representa o referido sistema. Se ele for isolado a função ψ(p, q; t) pode ser obtida, por exemplo, resolvendo a equação de Schrödinger, ih∂ψ(p, q; t)/∂t = ψ(p, q; t) = E ψ(p, q; t), onde E é a energia total do sistema. Como o operador de evolução temporal é dado por U(t) = exp(-i

t/h), a função de onda ψ(p, q; t) num instante de tempo t é dada por ψ(p, q; t) = U(t) ψ(p, q; 0) onde ψ(p, q; 0) é a função de onda no estado inicial t = 0.

Admitindo que o sistema assuma um número muito grande de estados øi(p, q) com energia Ei a sua função de onda ψ(p, q; t) é dada por

onde Ai e αi são constantes (αi são fases iniciais quaisquer distribuídas uniformemente entre 0 e 2π). Assim, num instante de tempo T teremos

O TRP pode ser demonstrado a partir da Eq. (24) usando as propriedades de funções quase-periódicas [6] que diz que sempre vai existir um valor de T suficientemente grande de tal modo que

No artigo de Chandrasekar [16] vemos uma estimativa do tempo de retorno T fazendo a hipótese que no instante inicial (t = 0) temos uma flutuação da distribuição de velocidades. Ou seja, ele assume que num gás ideal ao invés de uma distribuição de Maxwell-Boltzmann temos uma distribuição uniforme de velocidades. Levando em conta que para t = 0 em 1 cm3 temos 1018 moléculas com a mesma velocidade v = 500m/s ele calcula o tempo T que se deve esperar para que tal situação se repita. Segundo seus cálculos teríamos T ~ s que é um tempo absurdamente grande levando-se em conta que o tempo de existência do universo é tu ~ 1010 anos ~ 1017s.

Uma sugestão diferente foi feita por Huang [1] considerando uma flutuação de densidade num gás ideal com N moléculas num volume V. Ele assume que no estado inicial tenhamos um pequeno volume vol sem nenhuma molécula. Assim, após quanto tempo T essa flutuação apareceria de novo no gás? Como mostramos no ApêndiceApêndice esse tempo de retorno T, de acordo com a Eq. (A-9) deduzida no ApêndiceApêndice, é dado por

onde n = N/V, vm a velocidade média das moléculas do gás e σ é seção de choque de colisão molecular.

Vamos fazer uma avaliação numérica de T quando temos N = 1025 moléculas de O2 ocupando um volume V = 1 m3 a uma temperatura de 300 K. Como vm ≈ 400m/s , σ = πd2≈ 4 10-19 m2 e n = 1025 /m3 a Eq. (26) dá

Se a flutuação volumétrica no instante inicial for vol = 1 cm3 = 10-6 m3, vemos que Θ ≈ 0,43 × 1019 - 34 ~ 1018. Isto daria um "tempo de retorno" T ~ s, que não tem nada a ver com valores físicos usuais.

Para termos um tempo de retorno, por exemplo, T = 10-1 s, devemos ter Θ = -1. Isto significa, usando a Eq. (27), que o volume da flutuação inicial deveria ser vol = 760 × 10-26 m3 = 760 10-20 cm3, que corresponde ao volume de um cubo com lado L ≈ 2 × 10-6 cm. Esse volume que teria zero moléculas em t = 0, tem no estado de equilíbrio 760 × 10-26 m3 × 1025/m3 = 76 moléculas.

O que notamos é que os tempos de retorno de flutuações pequenas são extremamente menores do que os de flutuações grandes.

Agora vamos analisar dentro do contexto do TRP o caso da expansão espontânea I → F. de um gás. Neste caso o gás com massa M no estado I estaria concentrado com densidade maior dI = M/VI num volume VI do volume total VF = VI + ΔV a ser ocupado na expansão. No estado final F ele teria uma densidade menor dF = M/VF. Considerando o estado inicial como sendo uma flutuação de densidade no gás o tempo de retorno T para o processo I → F → I poderia ser calculado de modo semelhante ao que vimos acima no caso de flutuação de densidade. Assim, obteríamos, como antes, um tempo T incomensuravelmente grande.

Como os estados I e F são de equilíbrio podemos calcular SI e SF usando a função entropia σ, definida pela Eq. (23)

Verificaríamos que SF > SI, ou seja, no processo I → F → I a entropia cresce de SI até SF e depois de um tempo T ela voltaria a ter o valor inicial SI.

Finalmente, vamos analisar dentro do contexto do TRP a explicação dada por Zermelo [13] porque para um sistema fechado podem ocorrer ambas as condições dH(t)/dt 0 e dH(t)/dt 0. Para demonstrar isso Zermelo usa como ponto de partida simplesmente a definição da função H(t) de Boltzmann dada pela Eq.(18). Nesta a f(p, q; t) é uma função definida no espaço de fase {p, q} de 6N-dim para N partículas que obedecem a uma dinâmica molecular regida por um Hamiltoniano H(p, q; t) invariante por "inversão temporal". Desse modo, seguindo de perto o procedimento matemático usado por Poincaré na demonstração do TRP [14], ele mostra que a função H(t) pode crescer e decrescer com o tempo. Assim, nas subidas e descidas de H(t) com o tempo teríamos derivadas dH(t)/dt positivas e negativas.

Recebido em 17/9/2007; Revisado em 13/2/2008; Aceito em 18/2/2008; Publicado em 7/7/2008

Tempo de retorno de flutuações de densidade

Para estimarmos T nos casos de flutuação de densidade vamos calcular primeiramente a probabilidade de haver um volume vol sem nenhuma molécula. Com essa finalidade vamos usar o cálculo de probabilidades seguindo, por exemplo, o livro do Morse [3]. Assim, consideremos o caso unidimensional onde temos um segmento retilíneo com uma densidade de pontos d = 1/λ, onde λ é distância média entre os pontos. Sejam, Po(x/λ) = probabilidade de termos zero pontos no intervalo x e Po[(x + dx) /λ] = probabilidade de termos zero pontos no intervalo x + dx. Como dx/λ = probabilidade de termos pontos em dx vemos que (1 - dx/λ) = probabilidade de termos zero pontos no trecho adicional dx. Desse modo

Porém, usando uma expansão em série de Taylor

Das Eqs. (A.1) e (A.2) obtemos

Po(x/λ) + {d Po(x/λ)/dx} dx =

Po(x/λ) (1 - dx/λ),

ou seja,

dPo(x/λ)/dx = - Po(x/λ) dx/λ,

de onde tiramos a probabilidade Po(x/λ) de termos zero pontos no intervalo x

Apenas para lembrar, a densidade de probabilidade f(x), ou seja, a probabilidade de encontrar um ponto por unidade de comprimento dx é dada por

Passando da distribuição linear de pontos para uma volumétrica, é fácil vermos que a probabilidade de termos zero partículas num volume vol de um gás ideal com N partículas ocupando um volume V é dada por

onde definimos ξ = V/N = volume médio ocupado por uma molécula do gás.

Assumiremos que num pequeno volume vol do gás haja uma flutuação na densidade de tal modo que num instante t = 0 ele não contenha nenhuma molécula. A probabilidade de isso acontecer é dada pela Eq. (A.5).

Após um tempo muito curto τ essa flutuação de densidade desaparece devido às colisões moleculares que tendem a restaurar o equilíbrio termodinâmico. Essas colisões ocorrem com um intervalo de tempo τ = ℓo/vm, onde ℓo = 1/(nσ) é o caminho livre médio, n = N/V e σ = πd2 = seção de choque de colisão molecular, d = diâmetro molecular e vm é a velocidade molecular térmica média.

Sendo τ o tempo livre médio entre colisões o parâmetro b = 1/τ dá o número de colisões que uma molécula efetua por unidade de tempo. Assim, como temos N moléculas o número total de colisões por unidade de tempo Nt no gás é dado por

As colisões que são as responsáveis pela restauração do equilíbrio termodinâmico são também responsáveis pelas flutuações termodinâmicas no gás. De acordo com o TRP devemos esperar que depois de decorrido um tempo T deva ocorrer novamente uma flutuação de densidade igual a que tínhamos no instante inicial t = 0. Durante esse intervalo de tempo T as colisões fazem o gás passar por um número muito grande de configurações Z(T) dada por

A probabilidade P(T) de que pelo menos uma das configurações Z(T) seja uma flutuação de densidade igual a do instante t = 0 seria dada por P(T) = Po(vol/V) = 1/ Z(T). Assim, usando as Eqs. (A.5) e (A.7) temos,

De onde tiramos o "tempo de retorno" T

  • [1] K. Huang, Statistical Mechanics (John Wiley & Sons, 1963).
  • [2] E. Fermi, Thermodynamics (Dover publications, Inc., 1936).
  • [3] P.M. Morse, Thermal Physics (W.A. Benjamin, Inc., 1962).
  • [4] H. Eyring, D. Henderson, B.J. Stover and E.M. Eyring, Statistical Mechanics and Dynamics (John & Wiley and Sons, 1982).
  • [5] T.L. Hill, Statistical Mechanics (McGraw-Hill Book Company, Inc., 1956).
  • [6] R. Jancel, Les Fondements de la Mecanique Statistique (Gauthier-Villars & Cie, 1963).
  • [7] R.C. Tolman, The Principles of Statistical Mechanics (Oxford University Press, 1938).
  • [8] C. Kittel, Elementary Statistical Mechanics (Robert E. Krieger Publishing Company, 1988).
  • [9] C. Cercignani and G.M. Kremer, The Relativistic Boltzmann Equation: Theory and Applications, Progress in Mathematical Physics v. 22 (Birkhäuser Verlag, 2001).
  • [10] R. Luzzi, A.R.Vasconcellos and J.G.Ramos, The Theory of Irreversible Processes: Nonequilibrium Statistical Ensemble Formalism (Notas de Física do IFGW, 2005).
  • [11] L. Boltzmann, Wien. Ber. 66, 275 (1872).
  • [12] J.M.F. Bassalo, Crônicas da Física, Tomo 6 (EDUFPA, 2001).
  • [13] E. Zermelo, Ann. Phys. 57, 485 (1896).
  • [14] H. Poincaré, Acta Math. 13, 167 (1890).
  • [15] A. Sommerfeld, Thermodynamics and Statistical Mechanics (Academic Press, 1964).
  • [16] S. Chandrasekar, Rev. Mod. Phys. 15, 85 (1943).

Apêndice

  • 1
    E-mail:
  • 2
    É oportuno chamar a atenção para o fato de que
    dQ na expressão (II.1) não é uma diferencial exata. Para um tratamento matemático em termos de formas diferenciais da termodinâmica, ver J.M.F. Bassalo, M.D.D. Cattani e A.B. Nassar,
    Aspectos Contemporâneos da Física (EDUFPA, 2000).
  • 3
    J. Loschmidt, Wien. Ber.
    73, 139 (1876);
    75, 67 (1877). É interessante registrar que a invariância da inversão temporal observada nesse trabalho de Loschmidt ficou conhecida como o paradoxo de Loschmidt. Sobre esse paradoxo, veja a Ref. [12].
  • 4
    Vale o mesmo comentário da nota de rodapé 2.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Revisado
      13 Fev 2008
    • Recebido
      17 Set 2007
    • Aceito
      18 Fev 2008
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